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Os princípios constitucionais no controle do mérito do ato administrativo discricionário

Os princípios constitucionais no controle do mérito do ato administrativo discricionário

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Reflexões sobre os casos que abrem brecha para o controle do mérito administrativo do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário, sob a ótica dos princípios constitucionais.

 

 

 

RESUMO

 

O presente trabalho visa demonstrar a possibilidade ou não do controle externo do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário, quanto a um de seus elementos, qual seja, o mérito sob a ótica dos princípios constitucionais, especialmente o da moralidade administrativa. A doutrina tradicional, nesse aspecto, é praticamente unânime e eloquente em dizer que ao Judiciário só é dado conhecer da legalidade do ato administrativo discricionário. No entanto, já existe uma parte da doutrina com tendência significativa para aceitar o controle desses atos, conforme será dissertado. O fundamento para tal permissivo consiste na necessidade premente de pautar a ação do administrador na ética, eficiência e moralidade administrativa, princípios insertos no art. 37 da Constituição Federal. O leitor será despertado para a não estatização da norma e sim, sua dinâmica, de modo a se amoldar ao contexto atual, sem se embrenhar pelas veredas da ilegalidade.

 

Palavras-chave: Princípios constitucionais. Discricionariedade. Mérito. Controle jurisdicional.

 

Introdução

 

O verdadeiro Estado Democrático de Direito tem como característica marcante um Estado pautado na democracia, regido por uma norma superior, que é a Constituição Federal e a sua estrita observância. Fundado nisso e nos princípios constitucionais, nos princípios específicos da atividade administrativa, é que se propõe o presente estudo para discorrer acerca do polêmico controle dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário, estabelecendo e delimitando em quais situações especificamente se justificaria a aparente “intromissão” de um Poder ao outro, sem incorrer em ilegalidade.

A atividade administrativa está sujeita a controle, exercido por ela própria ou por parte dos demais Poderes, o Legislativo e o Judiciário, cuja finalidade é assegurar que a Administração atue em conformidade aos permissivos legais e, nesse caso, o controle refere-se à legalidade do ato ou à discricionariedade invocada ao editá-lo, sendo, nesse último caso, o controle do mérito administrativo.

Precipuamente, o controle da administração cabe ao Estado. No entanto a Constituição Federal de 1988 estabeleceu instrumentos de controle de iniciativa pelo particular também visando a proteção de interesses coletivos. Dentre eles, pode-se citar a ação civil pública, a ação popular. Destaque-se, também, a atribuição constitucional conferida ao Ministério Público no controle das irregularidades administrativas, possuindo legitimidade, inclusive, para impetração de ação civil pública.

Para a doutrina tradicional o controle dos atos administrativos discricionários no que tange ao seu mérito é vedada a análise pelo Poder Judiciário. É certo que a lei confere ao administrador certa liberdade de atuação, em que ele deve ponderar os aspectos relativos à conveniência e oportunidade do ato. Então, num primeiro momento, é ele quem faz esse primeiro controle, se assim podemos dizer. Se os critérios não são idôneos, provavelmente haverá o abuso de poder ou desvio de finalidade. Essa liberdade de atuação e o seu controle é que serão objetos desse estudo.

Dessa forma, o presente trabalho visa demonstrar a possibilidade ou não do controle externo do ato administrativo discricionário pelo poder judiciário, quanto a um de seus elementos, qual seja, o mérito, especialmente sob a ótica dos princípios constitucionais.

A metodologia empregada para desenvolvimento do assunto será a de pesquisa em obras doutrinárias, textos e artigos da internet, consulta à legislação e às jurisprudências de alguns tribunais estaduais, bem como dos tribunais superiores, mostrando o posicionamento atual acerca do tema.

Desenvolvimento

O art. 37, da Constituição Federal de 1988, estabelece que “A administração pública, direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência(...)

Os princípios constitucionais são normas jurídicas primárias ou superiores, hegemônicas em relação às demais normas jurídicas constitucionais e infraconstitucionais que, de um lado, expressam os valores transcendentais da sociedade e o conteúdo essencial da Carta Magna e, de outro, direcionam a formação, o significado, a aplicação e a exegese das demais regras do ordenamento jurídico (PAZZAGLINI FILHO, 2007, p. 28).

É, na verdade, a própria finalidade do Estado; agir de forma transparente, imparcial e eficaz, visando à consecução do bem comum, entrelaçando-se aos princípios da moralidade e legalidade.

O administrador deve se pautar no resultado do ato, resultado este satisfatório à consecução dos fins buscados pela administração pública, em que o agente atuará de forma organizada, prática e, sempre com esteio no outro princípio, o da legalidade. E, em assim não o fazendo, traz a possibilidade de atuação do Poder Judiciário, intervindo no ato administrativo.

O princípio da legalidade surge como conquista do Estado Democrático de Direito, em que os administrados não mais se submetem ao abuso de poder dos administradores. É a base de todos os princípios, sobretudo, constitucionais, que limitam a atividade da administração, estabelecendo que ela só pode fazer o que a lei determina, ou seja, lhe deve estrita observância.

Significa dizer que o administrador público está, em toda a sua atuação, sujeito aos mandamentos legais e às exigências do bem comum, deles não podendo se esquivar, sob pena de praticar atos inválidos, sujeitando-se à responsabilidade civil e criminal. Está atrelado ao devido processo legal, em que se deve buscar a igualdade dentro da própria lei.

As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza de função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe (MEIRELLES, 1995, p. 83).

Esse princípio remete ao controle da Administração pelo Poder Judiciário e será enfrentado logo a frente.

O princípio da impessoalidade consiste no caráter indistinto na atuação da Administração Pública; é um desdobramento de outro princípio, qual seja, a isonomia. Não se deve tratar um ou outro com maior ou menor privilégio, voltando-se exclusivamente para o interesse público.

Impessoalidade nada mais é do que ser imparcial, totalmente desvirtuada de qualquer interesse particular, de favorecimento de determinados grupos.

A moralidade, no tema abordado, merece um pouco mais de atenção.

Não é possível falar em moralidade sem falar de ética. Traduz-se de forma simples naquilo que em tese é honesto, probo e justo. No Estado Democrático de Direito, na concepção atual de Estado, o administrador já não mais pode agir acoimado do poder supremo de autoridade.

Ao contrário, a moralidade é imperiosa e obrigatória, tanto que a sua inobservância acarreta conseqüências seríssimas, como aquelas estabelecidas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429, de 1992). Há outros instrumentos de combate à imoralidade, tais como a ação popular, a ação civil pública.

Destarte, a razoabilidade, a relação de congruência lógica entre os motivos (pressupostos fáticos) e o ato emanado, tendo em vista a finalidade pública a cumprir, será o crivo adequado para o exercício do controle da moralidade (MEIRELLES, 1995, p. 53).

A publicidade nada mais é do que dar conhecimento pelos administrados de tudo que está afeto à administração; torna pública a ação do administrador, no sentido de se verificar a lisura e sua escorreita atuação. Logicamente, há situações que imperam e reclamam pelo sigilo, mas a legislação estabelece essa diferenciação do que deve se tornar público daquilo que necessita de sigilo. É em decorrência da publicidade que o cidadão poderá questionar o ato administrativo, via controle judicial.

Discricionariedade e o controle judicial

 Quando se fala comumente em ato administrativo discricionário, na verdade deve ser entendido como atributo decorrente do poder discricionário. A discricionariedade é a competência do agente que adota uma ou outra solução segundo critérios, principalmente de conveniência e oportunidade. Di Pietro (2002, p.204) acrescenta também os critérios de justiça e equidade e que essa discricionariedade não é total, vez que alguns aspectos estarão sempre vinculados à lei.

Dessa forma, a discricionariedade não existe diante de conceitos preestabelecidos, mas sim a partir de conceitos plurissignificativos, estabelecendo à Administração mais de uma possibilidade de escolha para atuação.

Os seus elementos caracterizadores são: norma aberta dependente de complementação, margem livre de atuação, escoimados na conveniência e oportunidade da conduta adotada e ponderação entre os interesses, com prevalência do que melhor atender à finalidade da norma e do interesse público.

Significa dizer que a norma existe, mas em razão dessas características, o administrador, ao aplicá-las, conferirá a precisão ou a determinação faltante, mediante critérios de conveniência e oportunidade. Aqui reside, então, a discricionariedade, no conteúdo do ato administrativo editado, que está relacionado ao seu motivo e objeto.

Os critérios de conveniência e de oportunidade que fundamentam a escolha da atuação do administrador, constituem o mérito administrativo:

Mérito é o campo de liberdade suposto na lei e que efetivamente, venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, se decida entre duas ou mais soluções admissíveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada a impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada (MELLO, 2006, p.38).

Numa definição simples e objetiva tem-se que o controle da Administração nada mais é que a fiscalização exercida pelo poder público ou pelo cidadão quanto à atuação dos diversos órgãos da Administração direta ou indireta, de qualquer esfera federativa ou de qualquer Poder (MARTINS, 2000, p. 112).

O controle poderá se atrelar à legalidade ou ao mérito do ato administrativo que é o objeto do presente trabalho, dando-se ênfase para a possibilidade de controle quanto ao mérito na atividade administrativa.

A atuação jurisdicional é do tipo externo (realizado por outro órgão que não a própria Administração), uma vez provocado. O controle da legalidade da ação administrativa nem sequer é questionado por decorrência lógica que os seus atos, precipuamente, devem estar em estreita consonância ao ordenamento jurídico, sob pena de atuação pronta e imediata do Poder Judiciário para sanar a ilegalidade.

A própria Constituição Federal no artigo 5°, inciso XXXV, consagrou o princípio da inafastabilidade do controle judicial estabelecendo que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Esse princípio não interfere naquele da separação dos poderes, vez que se trata de mandamento constitucional e conforme já exposto, é inerente ao Estado Democrático de Direito.

A controvérsia reside no controle do mérito do ato administrativo, aquele editado com a competência ou poder discricionário e, portanto, ao menos em tese e, para a maioria da doutrina, não passíveis de controle pelo Judiciário. Cite-se, dentre as obras consultadas, constantes da bibliografia elencada ao final, alguns autores que admitem esse controle, Fernando Rodrigues Martins e Celso Antônio Bandeira de Mello, Lucia Valle Figueiredo e Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Nesse sentido: (DI PIETRO, 2002, p. 209):

“A rigor, pode-se dizer que, com relação ao ato discricionário, o Judiciário pode apreciar os aspectos da legalidade e verificar se a Administração não ultrapassou os limites da discricionariedade; neste caso, pode o Judiciário invalidar o ato, porque a autoridade ultrapassou o espaço livre deixado pela lei e invadiu o campo da legalidade”.

 Em sentido contrário, Hely Lopes Meirelles e Carvalho Filho (2006, p.42), este último fundamentando o seu posicionamento da seguinte forma:

O controle judicial, entretanto, não pode ir além ao extremo de admitir que o juiz se substitua ao administrador. Vale dizer: não pode o juiz entrar no terreno que a lei reservou aos agentes da Administração, perquirindo os critérios de conveniência e oportunidade que lhes inspiraram a conduta. (...) Assim, embora louvável a moderna inclinação doutrinária de ampliar o controle judicial dos atos discricionários, não se poderá chegar ao extremo de permitir que o juiz examine a própria valoração administrativa, legítima em si e atribuída ao administrador.

 Pretende-se, com esse singelo trabalho, demonstrar exatamente o contrário e em quais situações poderia haver essa ingerência. A própria Carta Magna de 1988[2], sob a luz dos princípios constitucionais administrativos ampliou consideravelmente o campo de controle dos atos administrativos, possibilitando a análise quanto à legalidade, moralidade e competência discricionária (conveniência e oportunidade), acoimados na finalidade buscada com a sua edição.

Tomar-se-ão em consideração alguns fatores para justificar a possibilidade de controle judicial da competência discricionária. A denominação de atos usada a seguir deve ser entendida como aqueles editados sob aquela competência.

O primeiro deles a ser comentado é o da teoria dos motivos determinantes. Segundo essa teoria a validade do ato condiciona-se à razão de que os motivos ensejadores na sua edição também o justificam. Isso quer dizer que se os motivos alegados forem falsos ou inexistentes, restará como certa a pronta atuação do Poder Judiciário.

O segundo fator relaciona-se ao abuso de poder. Aqui a conduta exorbita do poder conferido legalmente ao administrador. O abuso de poder pode se dar sob as formas de “excesso de poder” e “desvio de poder”. A primeira, quando ultrapassa os limites da competência administrativa; a segunda ocorre quando se pretende atingir fim diverso do que foi permitido, praticando conduta ilegítima.

Significa dizer que os atos administrativos, no caso, discricionários, sejam em razão da arbitrariedade em que a opção feita pelo Administrador ao editar o ato exorbita os limites legais ou com finalidade diversa daquela para o qual ele foi criado, através do desvio de finalidade, merecem reprimenda do ordenamento jurídico vigente. Os maus administradores se acobertam sob o manto da discricionariedade e extrapolam a margem de liberdade de atuação permitida e perfeitamente suscetível de repressão pelo Judiciário.

O terceiro fator refere-se à verificação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade em que se deve analisar se a edição do ato administrativo atentou contra esses princípios de acordo com uma inteligência mediana.

A razoabilidade é característica de razoável, ou seja, o que está dentro dos limites de juízo de valor aceitável para o senso mediano. O juiz não substituirá o juízo de valor do Administrador pelo seu, pois aí sim estaria interferindo diretamente no princípio da separação dos poderes. O princípio da proporcionalidade, por sua vez, está intimamente ligado ao excesso de poder, pois a Administração Pública deve agir com equilíbrio e de forma proporcional ao fim colimado.

Finalmente, o quarto e último fator a justificar a intromissão do Poder Judiciário é a observância da moralidade administrativa, princípio imiscuído no art. 37 da Constituição Federal de 1988. Aqui também se trata da verificação da moralidade levando-se em consideração o que seria valorável para o homem médio.

Interessante julgado da 1ª Câmara de Seção de Direito Público, proferido pela Desembargadora Regina Zaquia Capistrano da Silva, na Apelação Cível com Revisão n° 519.296-5/7-00, da Comarca de Embu Guaçu/Itapecerica, muito bem demonstra a escorreita intervenção do Judiciário quanto no que diz respeito à atuação do Administrador Público, em decorrência da competência discricionária, no qual colacionam-se os seguintes excertos:

A improbidade administrativa é gritante e indiscutível, com malferimento dos princípios de lealdade e moralidade administrativa, podendo o Poder Judiciário auferir a legalidade dos atos praticados no âmbito do Poder Legislativo local, bem como os limites da atuação do gestor público, sem que com isto venha a interferir em seara que não lhe diz respeito.

Consoante ensinamento deixado pelo eminente Des. Régis de Castilho Barbosa (Al n° 695.330.5/9-00, TJSP, 1ª Câm. Direito Público, j em 27/05/2008, p.m.v): “No que tange ao argumento de que caberia ao Poder Judiciário somente decidir a respeito de atos praticados pelos Poderes Executivo e Legislativo, quando eivados de ilegalidade e inconstitucionalidade, não merece acolhimento. É que a discricionariedade do Poder Executivo para as suas decisões não pode, em hipótese alguma, conflitar com o dever de zelo àqueles que estão sob sua responsabilidade, sob pena de sujeição às penalidades cabíveis. Ressalte-se, pois, que a discricionariedade é a autonomia outorgada pela lei ao administrador pública para que, pelos critérios de oportunidade e conveniência, possa ele escolher a melhor solução ao caso concreto. Só que a parcela de liberdade conferida ao administrador obrigatoriamente tem parâmetros a serem seguidos, como a moral, a honestidade, os deveres da boa administração, dentre outros. Se assim não for, o ato administrativo será ilegal. A doutrina assim consigna ‘Como contraposto da atividade inteiramente vinculada à lei, há situações em que o legislador faz contemplar alguma liberdade para o administrador, concedendo-lhe a discricionariedade. O poder discricionário é exercido sempre que a atividade administrativa resultar da opção permitida pela lei, realizada pelo administrador’ ‘(...) a atuação administrativa não pode contrariar além da lei, a moral, os bons costumes, a honestidade, os deveres da boa administração. Se da atuação do agente público resultar a inobservância de um padrão moral, ainda que comum e não propriamente administrativo, redundará a edição de ato inválido, porque ilegal.’(Márcio Fernando Elias Rosa, Direito Administrativo, Sinopses Jurídicas, páginas 59 e 13, Ed Saraiva). Nesse sentido, ainda, não há violação ao princípio da independência dos poderes; ao contrário, a medida judicial ora agravada reforça-o. Com efeito, o artigo 2° da CF revela expressamente que: ‘São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário’”.

 

Ainda, no mesmo julgado, brilhante a dissertação acerca do equilíbrio da moralidade face à legalidade, e confirmando, também, a intervenção pelo Judiciário:

O eminente Des. Samuel Júnior definiu alhures, com a precisão que lhe é peculiar, o delicado equilíbrio do princípio da moralidade versus o princípio da legalidade, para equacionar atos de improbidade administrativa, “o princípio da moralidade não guarda sinonímia com o princípio da legalidade, mas, sim, uma relação de continência com o princípio da juridicidade, que à toda evidência, abrange todas as regras e princípios norteadores da atividade estatal. Por isso, violando-se o princípio da moralidade administrativa, macula-se o princípio da juridicidade e tem-se por caracterizada a improbidade. O princípio da legalidade exige adequação do ato à lei, enquanto o da moralidade torna obrigatório que o móvel do agente e o objetivo pretendido esteja em harmonia com o dever de bem administrar. Ainda que os contornos do ato estejam superpostos à lei, será ele inválido ser resultar de caprichos pessoais do administrador, afastando-se do dever de bem administrar e da consecução do bem comum. E é inquestionável que o Judiciário pode e deve exercer controle de tais questões. Não se constitui invasão no poder discricionário da administração apurar-se e punir-se tais abusos de forma a fazer com que prevaleça o interesse comum e a boa administração. Aliás, como diz Antônio José Brandão (Moralidade Administrativa, RDA, n° 25/459), para que se possa falar em boa administração é preciso que esteja presente o exercício do senso moral com que cada homem é provido, a fim de usar retamente, para o bem, entenda-se, nas situações concretas trazidas pelo quotidiano, os poderes jurídicos e os meios técnicos, e, por outro lado, exige ainda que o bom uso seja feito em condições de não violar a própria ordem institucional, dentro da qual eles terão de atuar, o que implica, sem dúvida, uma sã noção do que a Administração e a função administrativa são”.

 Certo é que os fatores retromencionados deverão ser examinados a cada caso concreto específico. O que se procurou fazer até aqui foi usar vetores para atuação do Judiciário quando o assunto é discricionariedade e seu controle, especialmente fundando-se nos princípios constitucionais.

 

Conclusão

Por todo o exposto, conclui-se, então, que é perfeitamente possível que o Judiciário analise o mérito do ato administrativo, uma vez, provocado, nas hipóteses acima descritas, tendo em mente a consecução do bem comum, o interesse da coletividade, fundamentando-se, acima de tudo, nos princípios constitucionais, especialmente na moralidade administrativa.

O Judiciário não pode e não deve ser engessado a ponto de se permitir que o ato discricionário, dadas as suas particularidades, não seja revisto. Ao contrário disso, a todo e qualquer indício de deturpação da margem de escolha possível do Administrador na concretização da fluidez de conceitos para a edição do ato administrativo deve-se fazer prevalecer os princípios norteadores do Estado Democrático de Direito.

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[2] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte (...)


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