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Tribunal do Júri:inovação da tese defensiva na tréplica

Tribunal do Júri:inovação da tese defensiva na tréplica

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O presente artigo analisa as competências, fases e procedimentos do Tribunal do Júri, dando ênfase aos debates orais verificando a possibilidade da defesa apresentar um argumento inédito na tréplica.

INTRODUÇÃO

O Tribunal do Júri é competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, sendo que seu procedimento é especial e bifásico, classificado em: judicium accusationis e judicium causae.

Na fase do judicium causae estão presentes os debates orais, momento em que as partes podem aduzir e sustentar suas teses. O debate é iniciado pela acusação a qual terá uma hora e meia para explanar sua tese, em seguida é concedida a palavra à defesa.

Contudo, se houver necessidade, o promotor poderá completar sua tese utilizando-se o momento destinado a réplica, dando automaticamente direito à defesa de fazer uso da tréplica, em homenagem ao princípio do contraditório.

 A polêmica está na possibilidade de a defesa, na tréplica, apresentar ao debate uma tese nova, ainda não discuta em nenhum momento processual. Estaria desse modo extrapolando o princípio da plenitude de defesa e infringindo o princípio do contraditório? Uma vez que a acusação não terá como rebater a tese levantada?


1 O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL

No Brasil, o Tribunal do Júri foi disciplinado pela primeira vez pela Lei de 18 de junho de 1822, e conforme cita Barros (2008, p.10) sua competência se limitava em julgar os crimes de imprensa, sendo constituído de vinte e quatro “juízes de fato”.

 Tasse (2008, p. 22) cita que:

O júri foi implantado no Brasil pelo Príncipe Regente D. Pedro um pouco antes da proclamação da independência em 1822, composto por juízes de fato que se encarregaram de julgar exclusivamente os abusos quanto à liberdade de imprensa. A partir daí evoluiu bastante e passou por diversas transformações legislativas, enfrentando até mesmo o desprezo protagonizado pela Carta de 1937.

Menciona Capez (2011, p. 648) que “com a Constituição Imperial, de 25 de março de 1824, passou a integrar o Poder Judiciário como um de seus órgãos, tendo sua competência ampliada para julgar causas cíveis e criminais”.

Cita o referido autor que alguns anos depois, a instituição do júri foi disciplinada pelo Código de Processo Criminal, de 29 de novembro de 1832, conferindo-lhe ampla competência, porém restringida em 1842, com a entrada em vigor da Lei n. 261.

Sobre a Constituição Imperial, de 25 de março de 1824, Estefam (2009, p.10) relata que:

Dois anos depois, nossa primeira Constituição o previu em seus arts. 151 e 152: Art. 151. O Poder Judicial é independente e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem. Art. 152. Os jurados pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a lei.

Estefam (2009, p. 10) menciona que as Constituições de 1891 e 1934 citaram dispositivos mantendo a instituição do Júri, incluindo-o no capítulo dos direitos e garantias individuais do cidadão. Porém a Constituição de 1891 foi alvo de discussões doutrinárias, pois alguns entendiam que a palavra “manter” encontrada no dispositivo legal, significava incorporar todas as regras até então existentes, enquanto outros defendiam que a lei tinha liberdade para dar ao Tribunal Popular as feições que pretendesse. Já em 1934 foi retirada a instituição do capítulo destinado aos direitos dos homens e cidadãos e inserida no capítulo destinado ao Poder Judiciário.

Em 1937 foi instalado o Estado Novo por Getúlio Vargas, e proclamada uma nova Constituição, a qual suprimiu o Tribunal do Povo de todos os seus capítulos, Estefam (2009, p.10) cita que:

Em 1937, a instituição sofreu duro golpe, pois foi suprimida em nível constitucional. No ano seguinte, por força do Decreto Lei nº 167/38, tornou-se possível que o Tribunal, em grau de recurso, reformasse integralmente a decisão do Júri que “não encontrasse nenhum apoio nos autos”.  Surgia o chamado período negro do Tribunal do Júri, em virtude da supressão da soberania dos veredictos. Tal decreto-lei vigorou somente até a Constituição de 1946, que conferiu novamente status de garantia individual à instituição, assegurando-lhe a soberania dos veredictos. 

O Tribunal do Júri é reinserido no capítulo dos Direitos e Garantias individuais com a Constituição de 1946,  Nucci (2008, p. 43) relata que:

A Constituição de 1946 ressuscitou o Tribunal Popular no seu texto, reinserindo-o no capítulo dos Direitos e Garantias individuais como se fosse uma autêntica bandeira na luta contra o autoritarismo, embora as razões desse retorno tivessem ocorrido, segundo narra Victor Nunes Leal, por conta do poder de pressão do coronelismo, interessado em garantir a subsistência de um órgão judiciário que pudesse absolver seus capangas.

O júri na Constituição de 24 de janeiro de 1967 foi mantido no capítulo dos direitos e garantias individuais, porém a Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, restringiu sua competência para os crimes dolosos contra a vida. (CAPEZ, 2012, p. 648).

Com a Constituição de 1988, considerada Constituição Cidadã, o Tribunal do Júri foi inserido no título dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, reconhecendo a instituição do júri como organização que lhe der a lei, assegurados: a) plenitude de defesa; b) sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos e d) a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Sobre a relevância do instituto preconiza Capez (2012, p. 648):

Na atual Carta Magna, é reconhecida a instituição do Júri como a organização que lhe der a lei, assegurados como princípios básicos: a plenitude do direito de defesa, o sigilo nas votações, a soberania dos veredictos e a competência mínima para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

O júri na atual Constituição encontra-se disciplinado no art. 5º, XXXVIII, inserido no Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais.

Campos (2013, p. 7) comenta que o artigo 60, parágrafo 4º, da atual Constituição, institui as chamadas cláusulas pétreas, e em seu inciso IV inclui os direitos e garantias individuais, de forma que, por força de previsão constitucional o Tribunal do Júri tornou-se imodificável em seu conteúdo, não sendo passível de modificação pelo Poder Constituinte Derivado.


2 COMPETÊNCIA E PROCEDIMENTO DO JÚRI POPULAR

2.1 COMPETÊNCIA

O artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”, da Constituição Federal, define como  competência para atuação do Tribunal do Júri, os crimes dolosos contra a vida. Assim como o artigo 74, §1º, do Código do Processo Penal, o qual dispõe que “compete ao Tribunal do Júri os julgamentos dos crimes previstos nos artigos 121, §§1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados”.

Dispõe o art. 70 do CPP, como regra geral, a competência para o processo e julgamento o lugar onde a infração se consumou, ou na hipótese de tentativa o lugar onde foi praticado o último ato de execução, tal regra é aplicada também aos crimes dolosos contra a vida, sejam de alçada da Justiça Federal, sejam de Alçada da Justiça Estadual.

Porém, segundo Campos (2013, p. 11/12), essa competência, em se tratando de crimes dolosos contra a vida, admite uma exceção, justificada pela necessidade de melhor angariar elementos de prova, a fim de estabelecer a competência pelo lugar da prática do crime e não naquele em que ocorreu o resultado, tendo como fundamento ser mais eficiente a necessidade de o fato ser julgado pelo Tribunal do Júri onde a comunidade sentiu-se mais abalada pela sua prática e não em comarca em que, por exemplo, o resultado morte ocorreu apenas, em razão da necessidade de melhor assistência médico-hospitalar. 

Estefam (2009, p. 19) trata a competência prevista para o Tribunal do Júri como competência mínima dos crimes dolosos contra a vida, explicando que “(...) nada impede que lei ordinária amplie a competência do Júri, como já ocorre no art. 78, I, do CPP, o qual determina a reunião de processos relativos a Justiça Comum perante o Tribunal Popular(...)”.

Capez (2012, p. 278) dispõe que não são de competência do Tribunal do Júri, os crimes de latrocínio e de extorsão qualificada pelo resultado morte, bem como explica a competência da Justiça Federal e a competência para os crimes militares:

Competem ao Júri os julgamentos dos crimes dolosos contra a vida, mas o latrocínio, por ser crime contra o patrimônio, é de competência do Juízo singular (Súmula 603 do STF), o mesmo ocorrendo com o crime de extorsão qualificada pelo resultado morte. Competem ao Júri Federal, presidido por Juiz Federal, os crimes de competência da Justiça Federal e que devam ser julgados pelo Tribunal Popular, tais como homicídio praticado a bordo de embarcação privativa, de procedência estrangeira, em porto nacional, e contrabando em conexão com homicídio. (...) Nos crimes militares, será competência do júri, quando houver crimes dolosos contra a vida em que a vítima for civil (...).

Nucci (2008, p. 578) enfatiza que “não será permitida alterações na jurisdição do Tribunal do Júri por meio de Emenda Constitucional porque é cláusula pétrea, mas pode-se haver flexão da mesma, desde que permitida pela Constituição Federal”.

O art. 52, II da CF, traz um caso específico, se o Presidente da República praticar um crime doloso contra a vida, não será julgado pelo Tribunal do Júri e sim pelo STF.

O art. 78, do CPP menciona que na determinação de competência por conexão ou continência havendo concurso entre a competência do Tribunal do Júri e a de outro órgão da jurisdição, prevalecerá a competência do júri.

2.2 PROCEDIMENTO

O procedimento dos crimes dolosos contra a vida é escalonado ou bifásico, ou seja, possui duas fases: judicium accusationis e judicium causae.

Para Nucci (2008, p. 46) o procedimento do Tribunal Popular é na verdade trifásico, visto que, este defende a existência de uma fase intermediária após a decisão de pronúncia até o início do julgamento em plenário, assim definindo:

Parece-nos equivocado não considerar como autônoma a denominada fase de preparação do plenário, tão importante quanto visível. Após a edição da Lei 11.689/2008, destinou-se a Seção III, do Capítulo II (referente ao júri), como fase específica (“Da Preparação do Processo para o Julgamento em Plenário), confirmando-se, pois, a existência de três estágios para atingir o julgamento de mérito.

A fase do judicium accusationis, também conhecido como sumário da culpa, inicia-se com a decisão de recebimento da denúncia e encerra-se com o trânsito em julgado da decisão de pronúncia (ESTEFAM, 2009, p. 31).

Barros (2008, p. 20) relata que “é uma fase que serve para filtrar impurezas, em que é examinada a viabilidade da denúncia, impedindo que alguém seja levado à presença do Conselho de Sentença sem que haja provas que viabilize o julgamento”.

Dermercian e Maluly (2005, p.451) dizem que: “na fase judicitum accusationis a finalidade é exclusivamente processual, pois dela emerge apenas a possibilidade de ser instaurada a fase do judicium causae, onde se decidirá sobre o conteúdo da acusação”.

A fase do judicium causae, vai da intimação das partes para arrolarem testemunhas para deporem em plenário, passando pelo julgamento, pelo Tribunal do Júri em Plenário até o trânsito em julgado final da sentença proferida pelo juiz presidente. (ESTEFAM, 2009, p. 47)

Na definição de Marques (1963, p.262), “o julgamento de mérito do pedido e a formação da culpa não se decide sobre o mérito, e sim sobre a admissibilidade do direito de acusar, o judicium propriamente dito no Júri está situado no juízo da causa”.

Nucci (2008, p. 47) ensina que:

Para a preparação do julgamento, as partes são intimadas para apresentar o rol de testemunhas, no máximo de cinco para cada lado. O juiz fará também um breve relatório do processo, e, em seguida determinará a inclusão do processo em pauta de julgamento, obedecendo à ordem de preferência: acusados presos, dentre estes os que estejam a mais tempo cumprindo pena e aqueles que foram primeiramente pronunciados.

Conforme redação do art. 447 do CPP, o Tribunal do Júri é composto de um juiz togado, que exerce a função de presidente e por 25 jurados sorteados entre o grupo que constar no alistamento, 7 dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.

Tourinho Filho (1999, pg. 215), classifica o júri como:

(...) um órgão um órgão especial de primeiro grau de Jurisdição Comum Estadual e Federal, colegiado, heterogêneo porque é constituído de pessoas de diversas camadas da sociedade, sendo presidido por um juiz togado e temporário porque pode não se reunir todos os dias e todos os meses.

Barros (2008, p. 108), ensina que as reuniões pelo Tribunal do Júri serão estabelecidas por lei de organização judiciária, sendo o juiz presidente competente para decidir sobre os pedidos de isenção e dispensa de jurados, assim como adiamento do julgamento:

O Tribunal do Júri reunir-se-á para as sessões de instrução e julgamento nos períodos e na forma estabelecida pela lei local de organização judiciária. Até o momento da abertura dos trabalhos da sessão, o juiz presidente decidirá os casos de isenção e dispensa de jurados e o pedido de adiamento de julgamento, mandando consignar em ata as deliberações.

No dia e hora designados para o julgamento, o juiz-presidente verificará se a urna contém as cédulas com os nomes dos vinte e cinco jurados e mandará que o escrivão lhes proceda a chamada. Se tiverem comparecido pelo menos quinze jurados, o juiz declarará instalados os trabalhos, não havendo o número, proceder-se-á ao sorteio de tantos suplentes quantos necessários e se designará nova data para a sessão do júri. (CPP, arts. 462,463 e 464).

Ensina Mirabete (2003, p. 1.188) que antes do sorteio dos jurados, o juiz deve adverti-los dos impedimentos e incompatibilidades legais.

Tanto a defesa como a acusação têm o direito de recusar, sem justificativa, até três jurados, sendo que primeiro recusa a defesa depois a acusação, são as chamadas recusas peremptórias, e além dessas recusas as partes poderão recusar sem limites outros jurados, desde que justificadamente, por suspeição ou impedimento. (CAPEZ, 2012, p. 665).

Conforme redação do art. 472 do CPP, formado o conselho de sentença os jurados prestarão compromisso, em pé, e diante do juiz, de julgar a causa com imparcialidade e proferir decisão de acordo com sua consciência e os ditames da justiça.

Capez (2012, p. 666) menciona que “com o juramento inicia-se o dever de incomunicabilidade, não podendo os jurados comunicar-se entre si ou com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa”.

O art. 473 do CPP, dispõe que prestado o compromisso pelos jurados iniciará a instrução em Plenário, onde serão inquiridas as testemunhas de acusação e defesa e após será obtido as declarações dos acusados.

Ensina Tourinho Filho (2010, p. 765) que:

Prestado o compromisso, será iniciada a instrução plenária, quando o Juiz-Presidente, o Ministério Público, o Advogado do assistente (se for o caso), o advogado do querelante (se for o caso) e o Defensor do acusado tomarão, sucessivamente e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela Acusação. Em seguida, as da Defesa. Os Jurados poderão formular perguntas, mas por intermédio do Juiz-Presidente (art. 473 do CPP). (...) A seguir será o réu interrogado, se estiver presente, observando-se os arts. 185 a 196 do CPP, sendo que o Ministério Público, o Advogado do assistente e do querelante (se for o caso) e o Defensor, nessa ordem, poderão formular diretamente perguntas ao réu. Evidentemente que o Juiz fará as perguntas por primeiro. Os jurados também poderão fazê-las, mas por intermédio do Juiz-Presidente.

Encerrada a instrução, passa-se à fase dos debates.


3 DEBATES EM PLENÁRIO

Os debates em plenário são regulados pelo art. 476 do CPP, sendo o momento processual em que as partes manifestarão sua tese sobre os fatos nos termos da pronúncia, ou das decisões posteriores que julgarem admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de circunstâncias agravantes. 

Nucci (2008, pg.193) ensina que após a colheita de provas, iniciam-se os debates, tendo a acusação e a defesa uma hora e meia cada uma quando julgado somente um réu, e duas horas e meia a cada parte se houver mais de um réu.  Devendo o juiz presidente controlar a efetividade do período reservado a cada uma das partes, não permitindo o excesso. Se o processo é complexo e em situação excepcional poderá a defesa requerer ao juiz presidente a dilação de seu tempo, que em período razoável, sem exageros, o magistrado poderá deferir. Como no Tribunal do Júri, garante-se a plenitude de defesa e não da acusação, a extensão do tempo para o defensor não implica, na dilação para igual período para o órgão acusatório. Porém se as partes concordarem em haver extensão do período de manifestação para ambas, igualmente assim caminhará a decisão do juiz.

Durante os debates as partes não poderão sob pena de nulidade fazer referências: a) à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram inadmissível a acusação ou a determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; b) o silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento em seu prejuízo. (art. 478, I e II do CPP).

Para alguns doutrinadores, como Tourinho Filho (2010, p. 767), o legislador ao estabelecer as restrições contidas no art. 478 do CPP, pretendeu garantir uma paridade de armas entre a defesa e acusação, porém critica o fato da acusação não poder fazer referências aos termos da pronúncia:

(...) Pretendeu-se com essas restrições estabelecer uma paridade de armas. Se a Acusação não pode tirar partido do silêncio do réu ou da sua recusa a comparecer à sessão de julgamento, ela também não pode prevalecer-se dos argumentos invocados pelo Juiz para a pronúncia. A primeira restrição é válida. É direito constitucional do cidadão. A segunda, não, é um direito do Acusador sustentar a pronúncia. E como sustentá-la sem a ela se referir nos pontos mais importantes?

O art. 479 do CPP, proíbe que durante o julgamento haja leitura de documento ou apresentação de qualquer objeto, que não tiver sido juntado aos autos com antecedência mínima de 3 dias úteis, dando ciência a outra parte.

A produção de provas durante o julgamento, entende Mirabete (2003, p. 1213) ser possível mesmo sendo depois da pronúncia, mas deverá ser requerida tempestivamente e cientificada a parte contrária com antecedência. Porém, entende o doutrinador ser nulo o julgamento se as provas forem apresentadas em plenário durante os debates, sem que tenha concedido ciência anteriormente à parte contrária, pois estaria afetando o princípio do contraditório, causando surpresa a parte adversa.

O art. 497, inciso XII, do CPP, estabelece que é atribuição do juiz presidente do Tribunal do Júri, regulamentar, durante os debates, a intervenção de uma das partes, quando a outra estiver com a palavra, podendo conceder até 3 minutos para cada aparte requerido, que serão acrescidos ao tempo desta última.

Sobre o assunto, Campos (2013, p. 230) explica que:

Aparte é a interrupção, requerida ou não, consentida ou não, da fala do orador por seu adversário para dizer algo. (...) O magistrado deverá ter muita cautela na concessão dos apartes requeridos, quando negados pelo orador, pois terá que equilibrar a ordem dos debates de um modo tal que não impeça alguma intervenção esclarecedora do aparteante, nem interrompa continuamente o expositor, fazendo-o perder o fio lógico condutor de sua oração (...).

Os apartes não são discursos paralelos, estes devem ser evitados pelo juiz presidente, pois provocam confusão no julgamento, é o que menciona Nucci (2008, p. 203):

Não se deve confundir o aparte com o denominado discurso paralelo, significando este a manifestação da parte contrária, sem autorização de quem está discursando, provocando a sobreposição de falas e, consequentemente, a ininteligência por pare dos jurados a respeito do que se passa e das ideias desenvolvidas. Cabe, nesta hipótese, a interferência do juiz presidente, coibindo o discurso não autorizado e causador da confusão.

Com o término da oratória pelo defensor do acusado, dispõe o art. 477, caput, do CPP, que será concedido ao Ministério Público replicar, em uma hora, e a defesa treplicar, em igual tempo. Sendo o tempo computado em dobro se houver mais de um réu art. 477, §2º, CPP.

A réplica é um direito exclusivo da acusação, e com a sua utilização dará direito à defesa ao uso da tréplica, em homenagem ao contraditório e à ampla defesa. Porém se o promotor não requerer o tempo para a réplica, não pode a defesa exigir que o faça nem tampouco utilizar o momento da tréplica. (NUCCI, 2008, p. 204).

Avena (2014, p.705), explica que:

A réplica é faculdade da acusação. Logo, não é obrigatória, ainda que, no curso dos debates, a acusação faça referências sugestivas de que pretenderá exercer esse direito após a exposição da defesa. Em consequência, se esta não esgotar suas teses no tempo ordinário, reservando uma ou mais para expor durante a tréplica, correrá o risco de não ter oportunidade para sustentar os argumentos postergados perante o Conselho de Sentença, caso a acusação resolva não ir à réplica; Não pretendendo replicar, descabe à acusação, tão logo indagada pelo juiz a respeito, tecer comentários, tais como “não é necessário, pois os fatos estão suficientemente comprovados”, pois, se o fizer, abrirá à defesa o direito à tréplica, que poderá exercê-lo pela integralidade do tempo previsto no art. 477, caput, e seu § 2º.

Nucci (2008, p. 205) esclarece que o Ministério Público ao ser consultado sobre o direito a réplica, não poderá mencionar qualquer comentário e sim simplesmente negá-lo, pois se fizer o defensor passará a ter o direito de usar a tréplica em seu tempo completo.

Mesmo entendimento é manifestado por Barros (2008, p. 131):

A réplica é uma faculdade, portanto, quando o juiz perguntar ao representante do Ministério Público: “V. Exa. Pretende ir à réplica?”, o promotor de Justiça deve responder: “Não”. Se o promotor de Justiça responder: “Não Exa., já existem elementos suficientes para se fazer justiça e concordar o réu”, o promotor terá feito uma réplica de dois segundos; portanto, o juiz deve consultar a defesa sobre a necessidade de ir à tréplica”

A polêmica em relação à tréplica se dá na possibilidade da defesa apresentar uma tese nova, até então não questionada durante a instrução processual e nos debates.

A questão é polêmica porque não tem uma lei que a regulariza, havendo entendimentos doutrinários e jurisprudências diversos.

E para entender os fundamentos doutrinários que são utilizados, torna-se necessário o entendimento de três princípios constitucionais, consistente no contraditório, na plenitude de defesa e no devido processo legal.


4. PRINCÍPIOS

4.1 CONTRADITÓRIO

O artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, assegura aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes.

O Princípio do Contraditório consiste na possibilidade que as partes possuem de contraditar as alegações produzidas pela outra, Paulo e Alexandrino (2012, p. 187), ensinam que:

Por contraditório entende-se o direito que tem o indivíduo de tomar conhecimento e contraditar tudo que é levado pela parte adversa ao processo. É o princípio constitucional do contraditório que impõe a condução dialética do processo, significando que, a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se, de apresentar suas contrarrazões, de levar ao juiz do feito uma versão ou uma interpretação diversa daquela apontada inicialmente pelo autor. O contraditório assegura, também, a igualdade dos pares no processo, pois equipara, no feito, o direito da acusação com o direito da defesa.

Explica Vargas (2010, p.361) que o “contraditório é um dos princípios mais caros ao processo, constituindo verdadeiro requisito de validade do processo, na medida em que a sua não observância é passível de nulidade absoluta”.

Donizetti (2012, p. 90) menciona que o princípio do contraditório apresenta duas dimensões, uma no sentido formal, fundamentada no direito da parte de participar do processo e a outra na capacidade que tem essa participação de influenciar o convencimento do magistrado.

Greco Filho (1996, p. 90), menciona que o contraditório se efetiva se houver disposto os seguintes elementos:

O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável. 

No âmbito do Processo Penal, as decisões judiciais devem verificar a ocorrência do princípio do contraditório, pois se o julgador proferir decisão exclusivamente sobre documentos em que não houve a observância do referido princípio, a mesma será nula, foi o entendimento proferido pela quarta turma, do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, Desembargador Federal I'TALO FIORAVANTI SABO MENDES:

PENAL. PECULATO. PROVA INDICIÁRIA. PROVAS PRODUZIDAS NA ESFERA ADMINISTRATIVA SEM A OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITÓRIO. INAPTIDÃO PARA FUNDAMENTAR UMA CONDENAÇÃO NA ESFERA PENAL. SENTENÇA REFORMADA. ABSOLVIÇÃO COM FUNDAMENTO NO ART. 386, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRINCIPIO DO IN DUBIO PRO REO. 1. A prova indiciária hábil a embasar um decreto condenatório é aquela que encontra suporte, amparo, nos demais elementos probatórios coligidos aos autos, o que não é a hipótese dos autos (Precedentes do STF, STJ e deste Tribunal). 2. A condenação somente poderá estar fundamentada nas provas colhidas na esfera administrativa e durante a fase do inquérito policial, se forem confirmadas, posteriormente, em juízo, com a devida observância do princípio constitucional do contraditório, pois vigora no processo penal brasileiro a regra do juízo de certeza. 3. In casu, o magistrado sentenciante, para condenar as rés, ora apelantes, baseou-se exclusivamente no procedimento administrativo - feito sem observância do princípio do contraditório e da ampla defesa - o que não se apresenta juridicamente possível. 4. As provas colhidas em juízo, ao longo da instrução criminal, são insuficientes para concluir que as apelantes teriam, de fato, de forma livre e consciente praticado o delito que lhes é imputado, portanto, a v. sentença condenatória deve ser reformada, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. 5. Apelações providas.

Fernandes (2005, p. 61) destaca que:

No processo penal é necessário que a informação e a possibilidade de reação permitam um contraditório pleno e efetivo. Pleno porque se exige sua observância durante todo o desenrolar da causa, até seu encerramento. Efetivo porque não é suficiente dar à parte a possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo imprescindível proporcionar-lhe os meios para que tenha condições reais de contrariá-los.

Por fim, o princípio do contraditório deve ser observado em todas as fases processuais, por todos os integrantes do processo, é um dos princípios mais importantes do processo, tendo em vista a garantia dada às partes de se manifestarem, exercendo assim a igualdade processual, ou seja, a igualdade entre as partes que se encontram num mesmo plano.

4.2 DEVIDO PROCESSO LEGAL

Disposto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, o princípio do devido processo legal, assegura que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem um processo com todas as suas etapas previstas em lei.

Menciona a doutrina que esse princípio tem sua origem inglesa disposto na Carta Magna de 1215, a qual dizia que “nenhum homem será detido ou preso, nem privado de seus bens, banido ou exilado ou, de algum modo, prejudicado, nem agrediremos ou mandaremos agir contra ele, senão mediante um juízo legal de seus pares ou segundo a lei da terra”.

Paulo e Alexandrino (2012, p. 184), explicam que:

O princípio do devido processo legal deve ser entendido como garantia material de proteção ao direito de liberdade do indivíduo, mas também é garantia de índole formal, num dado processo restritivo de direito. Significa dizer que deve ser assegurada ao indivíduo paridade de condições em face do Estado, quando este intentar restringir a liberdade ou o direito aos bens jurídicos constitucionalmente protegidos daquele.

Vargas (2010, p. 359) divide o princípio do devido processo legal em duas etapas: “legal objeto ou formal, sendo a exigência de um processo justo e legalmente regulado, e legal substantivo ou material, o que permite ao judiciário controlar o arbítrio do legislador, impedindo-lhe de criar leis imoderadas”.

Prado (1999), menciona que o princípio do devido processo legal estabelece que qualquer pessoa somente será submetida a julgamento se tal conduta estiver previamente estabelecida em lei, devendo ser conduzido por um juiz imparcial, e por partes em igualdade de condições.

4.3 PLENITUDE DE DEFESA

O art. 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal, reconhece a instituição do júri, como organização que a lei lhe der, assegurando: a) plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

O princípio da plenitude de defesa determina que, “no júri não basta a ampla defesa cabível em todos os processos, é necessário que ela seja plena, ou seja que o trabalho do defensor se situe acima da média, seja o mais perfeito possível”. Campos (2013, p. 8)

Estefam (2009, p 13) diz que: “a defesa exercida pelo Tribunal do Júri não é simplesmente ampla, mas plena. (...) devendo ser assegurada com mais vigor, disponibilizando-se um número maior de meios e recursos para o seu exercício”.

Tourinho Filho (2010, p. 755) explica a diferença entre os princípios da ampla defesa e da plenitude de defesa:

Ampla defesa é uma defesa vasta, espaçosa. Já a plenitude de defesa, além de vasta é completa, plena. Evidentemente que a plenitude de defesa não deve ficar angustiada dentro do limitado encerro das provas, do contraditório, da recusa dos jurados, da paridade de armas. A acusação também goza desses direitos. Seria o mesmo que ampla defesa. Mas estamos convencidos de que a plenitude tem um campo mais vasto, mais profundo, que estende ao protesto por novo Júri, aos embargos infringentes e até mesmo à revisão criminal, malgrado a soberania dos vereditos. Todas essas normas integram e perfazem a plenitude de defesa.

Importante citar que a jurisprudência vem entendendo ser o princípio da plenitude de defesa mais abrangente que a ampla defesa, como mencionado no julgado proferido pela Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator Nereu José Giacomolli:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRIBUNAL DO JÚRI. PRELIMINARES. NULIDADE POR AUSÊNCIA DE REQUISIÇÃO DE RÉU PRESO PARA AUDIÊNCIA. NULIDADE POR REALIZAÇÃO DE INTERROGATÓRIO SEM A PRÉVIA CITAÇÃO DOS COACUSADOS. NULIDADE POR COLIDÊNCIA DE DEFESA. 1. A garantia da plenitude de defesa, assegurada pela Constituição Federal aos acusados de crimes dolosos contra a vida, é composta não apenas pelo exercício da defesa técnica, mas, também, pela defesa pessoal. Exige, a Constituição Federal, no âmbito do Tribunal do Júri, mais que a ampla defesa, ou seja, a plenitude de defesa (art. 5º, XXXVIII)...

Alguns doutrinadores, porém dizem que o princípio da plenitude de defesa decorre do princípio do contraditório, porém Barros (2008, p. 3), diz ser um equívoco esse entendimento, pois o “princípio do contraditório é consequência lógica da igualdade”:

De forma analógica, podemos dizer que, em uma guerra, ou seja, em um processo, devem-se propiciar as mesmas armas aso contendores, e, em nenhuma hipótese, será possível conceder um melhor armamento a uma das partes. Veja que o princípio supõe completa igualdade entre acusação e defesa; portanto, qualquer restrição ilegal poderá acarretar: a) cerceamento de defesa; b) cerceamento de acusação.

Por fim cabe destacar que a possibilidade de plenitude de defesa ser bem mais abrangente que a ampla defesa justifica-se pelo fato de que quem está julgando a causa são cidadãos leigos, tendo o promotor e o defensor do acusado total liberdade de argumentos, não se limitando aos jurídicos. Gomes (2014).


5. INOVAÇÃO DA TESE DEFENSIVA NA TRÉPLICA

A prática de inovar a tese defensiva na tréplica vem sendo comum nos julgamentos pelo Tribunal do Júri. Porém até o presente momento, não há norma que regulamente o assunto, o que temos são entendimentos jurisprudências e doutrinários muitas vezes divergentes entre si.

Uma forte corrente entende não ser cabível a inovação da tese defensiva na tréplica, pois desta forma estaria indo contra os ditames do princípio do contraditório, uma vez que a acusação não terá como rebater a nova tese apresentada.

Capez (2012, p. 668) relata que “na tréplica não pode haver inovação de tese pela defesa, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório”.

Mirabete (2006), citado por Nascimento Filho, defende o entendimento de que “na tréplica não poderá ser apresentada tese defensiva nova, pois haverá acréscimo substancial ou alteração fundamental do que tenha pleiteado a defesa ao responder à acusação, a parte autora não poderá contrariar, causando surpresa, o que violará o princípio do contraditório”.

Barros (2009, p. 131) entende que:

Durante a tréplica defender uma tese que não foi exposta durante a exposição normal, haverá impreterivelmente violação ao princípio do contraditório, pois o Ministério Público não poderá combater tal tese, tornando o julgamento nulo, sustentando que uma forma de solução seria o indeferimento da quesitação relativa a nova tese apresentada.

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator Gilson Dipp, julgou em Recurso Especial, ser impossível a inovação de tese defensiva por violação ao princípio do contraditório:

CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. JÚRI. NULIDADE. NÃO-INCLUSÃO DE QUESITOS A RESPEITO DE PRIVILÉGIO. INOVAÇÃO DE TESE DEFENSIVA NA TRÉPLICA. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. RECURSO DESPROVIDO. I. Não há ilegalidade na decisão que não incluiu, nos quesitos a serem apresentados aos jurados, tese a respeito de homicídio privilegiado, se esta somente foi sustentada por ocasião da tréplica. II. É incabível a inovação de tese defensiva, na fase de tréplica, não ventilada antes em nenhuma fase do processo, sob pena de violação ao princípio do contraditório. III. Recurso desprovido.

Já para o doutrinador Campos (2013) a defesa em tréplica não poderá inovar, porque estará afrontando o princípio da isonomia e do devido processo legal, no que se refere ao contraditório, e que não poderá inovar utilizando como fundamento o princípio da plenitude de defesa, porque atingirá outros princípios de igual importância.

 Porém, outros doutrinadores admitem a tese e baseiam sua argumentação no princípio da plenitude da defesa:

Nucci, (2010), defende que é mais lógico e adequado para a plenitude da defesa que o defensor seja o último a se manifestar. O princípio do contraditório destina-se a garantir que a parte contrária se manifeste, acerca de alguma prova nova apresentada ou sobre alguma alegação expondo fato inédito, passível de alterar o rumo da causa. Mas na parte concernente a interpretação de provas e quanto ao direito a ser aplicado não há necessidade de se ouvir, sempre a parte contrária. O Tribunal do Júri elegeu o constituinte, como princípio regente a plenitude de defesa, razão pela qual se algum interesse há de se prevalecer sobre outro é o do réu que merece sobrepor-se ao da acusação. A atividade da acusação é empreender uma acusação imparcial, significando que não está atrelado ao acusador a rebater cada argumento levantado pela defesa, e, sim, a sustentar a acusação nos termos da pronúncia.

Tumbenchlak (1997, p. 123-124), apud por Barros (2014), afirma que:

Quanto a inovação de tesa na tréplica, não se justifica censurar-se as simples palavras da defesa e o único motivo seria a surpresa do órgão acusador, até porque em qualquer caso, a defesa é sempre a última a se pronunciar, sendo certo também, que a missão precípua da acusação não é, de modo algum provar os fatos que articulou.

A Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Relator Roberval Casemiro Belinati, entendeu ser possível a inovação de tese defensivo na tréplica em virtude do princípio da plenitude de defesa:

APELAÇÕES CRIMINAIS. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL E PELO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE APÓS A PRONÚNCIA. ARTIGO 593, INCISO III, ALÍNEA A, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INOVAÇÃO DA TESE DEFENSIVA NA TRÉPLICA. INDEFERIMENTO DE QUESITAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO. RECURSO DA DEFESA PROVIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PREJUDICADO. 1. NO TRIBUNAL DO JÚRI, VIGE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PLENITUDE DE DEFESA, DECORRENDO DAÍ A IMPOSSIBILIDADE DE SE ESTABELECER QUALQUER RESTRIÇÃO À SUA ATUAÇÃO. 2. NA TRÉPLICA, PODE A DEFESA INOVAR A TESE SUSTENTADA ANTERIORMENTE, EM VIRTUDE DO PRINCÍPIO DA PLENITUDE DE DEFESA E POR NÃO HAVER QUALQUER IMPEDIMENTO EXPRESSO NA LEI PROCESSUAL. NA PRESENTE HIPÓTESE, A DEFESA ARGUMENTOU, NA TRÉPLICA, QUE O RÉU PODERIA TER AGIDO COM VIOLENTA EMOÇÃO LOGO APÓS INJUSTA PROVOCAÇÃO DA VÍTIMA E, ASSIM, REQUEREU O RECONHECIMENTO DE HOMICÍDIO PRIVILEGIADO, TESE QUE NÃO FORA AINDA SUSTENTADA. COMO O JUIZ PRESIDENTE DEIXOU DE FORMULAR QUESITO DEFENSIVO SOBRE TESE SUSTENTADA EM PLENÁRIO, O JULGAMENTO DEVE SER ANULADO. 3. RECURSOS DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONHECIDOS. RECURSO DA DEFESA PROVIDO PARA ANULAR O JULGAMENTO DO RÉU, DETERMINANDO NOVA SUBMISSÃO AO CONSELHO DE SENTENÇA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PREJUDICADO.

O Superior Tribunal de Justiça (2009) entendeu ser possível a inovação da tese defensiva na tréplica, garantindo assim a plenitude de defesa:

Tribunal do júri (plenitude de defesa). Tréplica (inovação). Contraditório/ampla defesa (antinomia de princípios). Solução (liberdade). 1. Vem o júri pautado pela plenitude de defesa (Constituição, art. 5º, XXXVIII e LV). É-lhe, pois, lícito ouvir, na tréplica, tese diversa da que a defesa vem sustentando. 2. Havendo, em casos tais, conflito entre o contraditório (pode o acusador replicar, a defesa, treplicar sem inovações) e a amplitude de defesa, o conflito, se existente, resolve-se a favor da defesa – privilegia-se a liberdade (entre outros, HC-42.914, de 2005, e HC-44.165, de 2007). 3. Habeas corpus deferido.

A possibilidade de apresentação de tese inédita na tréplica, amparada pelo princípio da plenitude de defesa também se justifica, pelo fato de que, o defensor do acusado não encontra-se em posição de estreita igualdade, em termos de paridade de armas, com o promotor de justiça, o qual possui toda a máquina judiciária a seu favor.

Começando pela estrutura física com a disposição dos assentos e mesas, os quais por si só, já causam influência no conselho de sentença, visto a proximidade do promotor de justiça com o juiz-presidente, garantindo uma maior credibilidade perante os jurados.

Outro ponto importante, é o fato do Estado ter toda uma estrutura a seu favor, como a polícia, interceptações, e inclusive acesso a informações pessoais pelo Sistema de Consultas Integradas da Secretaria da Segurança Pública, onde estão presentes os dados históricos de cada cidadão, ferramenta esta que o Ministério Público vem utilizando para obter informações sobre o acusado e para seleção de jurados.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de ser um tema ainda não consolidado pela Jurisprudência e Doutrina, a possibilidade de inovação de tese pela defesa na tréplica, levando-se em conta a peculiaridade do procedimento, uma vez que se julga o direito individual de liberdade e o princípio da plenitude de defesa, que é maior que o princípio da ampla defesa, o qual autoriza a sustentação de qualquer tese a qualquer momento em favor do réu, é cabível desde que não haja apresentação de novas provas, pois desta forma não estaria infringindo o princípio do contraditório, uma vez que o Ministério Público, no primeiro debate e na réplica, teve a oportunidade de se manifestar sobre todas as provas constantes nos autos e sua função não é rebater a tese defensiva e sim sustentar a acusação.


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