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Prazo para interposição do agravo contra suspensão de liminar: CPC ou Lei 8.437/92?

Prazo para interposição do agravo contra suspensão de liminar: CPC ou Lei 8.437/92?

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A utilização do critério da especialidade para a solução da antinomia existente entre os artigos 1059 e 1070 do Novo Código de Processo Civil.

No que concerne aos prazos recursais, o novo CPC procedeu à unificação e os fixou em quinze dias, excepcionando-se apenas os embargos de declaração.

Neste ponto, é importante ressaltar que a lei nº 8.437/92 dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público. No referido diploma, o §3º do art. 4º, dispõe que o prazo para interposição do agravo é de cinco dias. Confira-se:

Art.4º

§3o Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição.

Tal dispositivo foi referendado pelo novo Código de Ritos Cíveis em seu artigo 1059, quando expressamente consignou que:

Art.1059. À tutela provisória requerida contra a Fazenda Pública aplica-se o disposto nos arts. 1o a 4o da Lei no 8.437, de 30 de junho de 1992, e no art. 7o, § 2o, da Lei no12.016, de 7 de agosto de 2009.

Ocorre que o artigo 1.070 do CPC/2015 também é claro ao dispor que o prazo de 15 (quinze) dias é aplicável a QUALQUER agravo previsto em lei ou regimento interno de Tribunal. Confira-se:

Art. 1070. É de 15 (quinze) dias o prazo para a interposição de qualquer agravo, previsto em lei ou em regimento interno de tribunal, contra decisão de relator ou outra decisão unipessoal proferida em tribunal.

Neste ponto, importa ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça vem aplicando o prazo do art. 1070 para os agravos das decisões que concedem ou negam a suspensão de liminar.

Observe-se que os dois dispositivos acima citados estabelecem, para a mesma situação processual – agravo interno em suspensão de liminar contra atos do Poder Público -, prazos distintos.

Não resta senão reconhecer a possibilidade de aplicação de duas normas jurídicas aparentemente válidas, configurando-se uma antinomia aparente.

As antinomias aparentes ocorrem durante o processo de interpretação e podem ser solucionadas através da aplicação dos critérios hierárquico, cronológico e da especialidade.

Segundo HANS KELSEN, há antinomia quando “uma norma determina certa conduta como devida e outra norma determina também como devida uma outra conduta, inconciliável com aquela”. [1]

É verdade que a utilização do critério cronológico, fundamentado no artigo 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil[2], tem sido a solução indicada para tal contradição, conforme doutrina Fredie Didier Jr:

Da decisão do presidente do tribunal que defere ou indefere o pedido de suspensão cabe – nadicção do §3º do art. 4º da Lei nº 8.437/1992 – agravo interno para o Plenário ou Corte Especial.[...]

Referido agravo interno deve ser interposto no prazo de 15 (quinze) dias, com inclusão em pauta (CPC, art. 1.021, §2º). È bem verdade que o §3º do art. 4º da Lei nº 8.437/1992 prevê o prazo de 5 (cinco) dias, mas tal prazo foi alterado pelo disposto no artigo 1.070 do CPC, segundo o qual “[é] de 15 (quinze) dias o prazo para a i nterposição de qualquer agravo, previsto em lei ou em regimento interno de tribunal, contra decisão de relator ou outra decisão, unipessoal proferida em tribunal”.

Entretanto, nas lições de Carlos Maximiliano, se existe antinomia entre a regra geral e a peculiar, especifica esta, no caso particular, tem supremacia, ipsis litteris:

Preferem-se as disposições que se relacionam mais direta e especialmente com o assunto de que se trata (2): In totó jure generi per speciem directum est – “ em toda disposição de direito, o gênero é derrogado pela espécie, e considera-se de importância preponderante o que respeita diretamente à espécie”

Esse último critério é o da especialidade, o qual prescreve que a norma especial prevalece sobre a geral. Tal regra encontra-se no artigo 2º, § 2º da Lei de Introdução ao Código Civil.[3]

Considerando que é tímida jurisprudência a respeito do tema, e ainda, que, não se discutiu essa antinomia, é necessário verificar se a norma recente eliminou só a antiga regra geral ou também as exceções respectivas.

No particular, a aplicação do prazo consignado no diploma especial seria a melhor escolha, tendo em vista ser o pedido de suspensão, ferramenta posta à disposição do Poder Público para a sustação de decisão judicial capaz de ocasionar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas. Tal instrumento processual não visa à reforma da decisão impugnada, objetivando, tão-somente, a suspensão da sua eficácia, nas estritas hipóteses previstas em lei. Nesse sentido, tratando especificamente da suspensão de liminar em ação civil pública, ausculte-se o pensamento de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

O interesse processual no pedido de suspensão de liminar está na demonstração de que, caso seja cumprida, a liminar ocasionará grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas competindo ao requerente da suspensão o ônus da prova.[4]

Portanto, tendo em vista a relevância do bem jurídico que se quer resguardar e a especialidade do referido procedimento, a adoção do critério da especialidade revela-se a mais adequada à espécie, muio embora não seja a opção atualmente utilizada pelos Tribunais Superiores.


Notas

[1] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

[2] A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

[3] A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

[4]  NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 1.342, nota 14.


Autor

  • Lorena Damasceno

    Advogada graduada pela Universidade Católica de Salvador em 2013; Pós Graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera - Uniderp (2015); Administradora de Empresas graduada pela Universidade Estadual de Feira de Santana (2004). Atualmente integra a equipe do Núcleo de Acompanhamento de Recurso Judiciais Cíveis e de Direitos Difusos e Coletivos da Coordenadoria Especializada em Recursos do Ministério Público da Bahia (NARJCível/COER).

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Informações sobre o texto

Artigo elaborado como justificativa para proposta de enunciado na I Jornada de Direito Processual Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DAMASCENO, Lorena. Prazo para interposição do agravo contra suspensão de liminar: CPC ou Lei 8.437/92?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5061, 10 maio 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57544. Acesso em: 23 abr. 2024.