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O combate internacional à corrupção como política externa desenvolvimentista

O combate internacional à corrupção como política externa desenvolvimentista

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O artigo visa analisar a coordenação da atuação dos países no combate à corrupção como defesa de uma política externa desenvolvimentista.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. Convenção de Mérida; 2. Convenção Interamericana contra a Corrupção; 3. Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais; 4. A Política Externa de Combate à Corrupção como Mecanismo de Desenvolvimento Econômico; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

Resumo: O artigo visa analisar a coordenação da atuação dos países no combate à corrupção como defesa de uma política externa desenvolvimentista. Isso porque a corrupção ocasiona instabilidade econômica, na medida em que altera sub-repticiamente as condições perfeitas de concorrência, com impacto no sistema financeiro internacional. Ao lado disso, a corrupção também promove o desvio de ativos públicos com o consecutivo impacto negativo na implementação dos direitos sociais, já que ocorre um esgotamento financeiro do Estado. A partir dessa visão, percebe-se a importância do entendimento da luta contra a corrupção como política de Estado e política pública externa.

Palavras-Chave: Corrupção; Política Externa; Desenvolvimento econômico; Convenções Internacionais; Política Pública.


INTRODUÇÃO

O artigo tem por objeto o estudo do impacto da assinatura e ratificação de tratados internacionais contra a corrupção no desenvolvimento econômico interno e internacional, assim como da condução da política externa no sentido da transparência e moralização. Além disso, coloca a questão da legislação simbólica, uma vez que muitas disposições desses tratados ainda não foram efetivadas no âmbito interno. O artigo está divido em duas partes.

A primeira parte pretende aferir os vácuos normativos ainda existentes no Brasil na implementação das Convenções desde a virada do milênio até os dias de hoje. Metodologicamente, por intermédio da análise dos instrumentos normativos internacionais contra a corrupção incorporados ao direito interno brasileiro, tais como os Decretos nº 5.687/06, 4.410/02 e 3.678/00, diligencia-se na busca da relação entre o movimento de moralização estatal e a recuperação de ativos públicos desviados.

Resulta disso que o desenvolvimento econômico exsurge como política externa de regulação dos mercados e tentativa de controle de certos aspectos negativos da globalização. Nesse panorama, estuda-se o papel da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, conhecida como Convenção de Mérida (Decreto nº 5.687/06), da Convenção Interamericana contra a corrupção (Decreto nº 4.410/02) e da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (Decreto nº 3.678/00) no confronto às práticas de corrupção como mecanismo de regulação do mercado financeiro-comercial internacional.

A segunda parte examina a transmutação da corrupção de problema local para fenômeno transnacional, com transcendência internacional, o que exige ação coordenada entre os países para rechaçá-la eficazmente. Assim, nota-se que a difusão da corrupção compromete o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito em busca da estabilidade e da segurança da sociedade, que perpassa por um processo de enfraquecimento das instituições, dos valores da democracia, da ética e da justiça.

Nesse sentido, os Estados procuram tornar eficazes os mecanismos de identificação e investigação das transferências internacionais de ativos adquiridos ilicitamente, ao mesmo tempo em que buscam fortalecer a cooperação internacional para a recuperação desses ativos em uma cultura de resistência à corrupção. Isso tudo sem perder de vista o respeito aos princípios da igualdade soberana, da integridade territorial dos Estados e da não intervenção.

Nesse bordo, a obrigação de render contas e o projeto de erradicação da impunidade são vistos como pressupostos de legitimidade das instituições públicas e reforço às instituições democráticas. Na esteira, evidenciará a redução das distorções na economia, dos vícios na gestão pública e da deterioração da moral social.

Sabe-se, de um lado, que a corrupção é um dos instrumentos em serviço do crime organizado e que deforma as condições internacionais de competitividade, em virtude disso, deve-se priorizar a busca dos ativos juntamente à repatriação do dinheiro, ou seja, a restituição ao Estado Parte requerente dos bens confiscados, à restituição desses bens a seus proprietários legítimos anteriores e a indenização das vítimas do delito.

Por último, é crucial que se intensifique a cooperação nos diversos planos com os países em desenvolvimento com vistas a fortalecer a capacidade de ação para prevenir e reprimir a corrupção. Lado a lado, imprescindível incrementar a assistência financeira e material, com o fito de apoiar os esforços dos países em desenvolvimento e economias em transição para evitar pedidos de propinas de indivíduos e empresas em transações comerciais internacionais, por exemplo.


1.Convenção de Mérida

A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção trouxe uma plêiade de medidas de combate à corrupção, dentre as quais se sobressaem o embargo preventivo (ou apreensão) [2], que é “a proibição temporária de transferir, converter ou trasladar bens, ou de assumir a custódia ou o controle temporário de bens sobre a base de uma ordem de um tribunal ou outra autoridade competente”; e a entrega vigiada[3] que é

a técnica consistente em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, o atravessem ou entrem nele, com o conhecimento e sob a supervisão de suas autoridades competentes, com o fim de investigar um delito e identificar as pessoas envolvidas em sua ocorrência.

Outras ações foram previstas pela Convenção, como a possibilidade de transferência de ações penais entre nações, chamada erroneamente de enfraquecimento de ações penais[4], bem como a fundação de órgãos mistos de investigação[5]. Simultaneamente, a Convenção traz mandados de criminalização ainda não cumpridos pelo Brasil, mormente no que toca ao crime de enriquecimento ilícito e ao crime de corrupção no setor privado, o que será aprofundado mais adiante, sem prejuízo de o Estado conceder imunidade judicial a delatores que cooperem para a investigação desses delitos.

Além disso, a Convenção estimula a criação de códigos de conduta para os funcionários públicos[6] e de programas de formação e capacitação dos servidores públicos, ao mesmo tempo em que dá ênfase a criação de escalas de remuneração adequadas e equitativas. A mais, assinala a indispensabilidade de aperfeiçoamento dos métodos de seleção e formação dos titulares de cargos públicos especialmente vulneráveis à corrupção e procedimentos antagônicos aos potenciais conflitos de interesse[7], como os períodos de quarentena após exoneração ou aposentadoria, ilustre-se.

Não só isso. A Convenção ainda incentiva que a contratação pública seja baseada em critérios objetivos e transparentes, com a formulação prévia de condições de participação. Por este ângulo, pode-se afirmar que o direito à boa administração implica na obrigação de render contas na gestão da fazenda pública, contendo a apresentação pública de informação sobre gastos e ingressos.

        Paralelamente, a Convenção motiva a constituição de um sistema de normas de contabilidade, auditoria e supervisão, com o objetivo de preservar a integridade dos livros e registros contábeis e financeiros relacionados aos gastos e ingressos públicos e obstar a falsificação desses documentos. Conjuntamente, imperiosa a veiculação de informes periódicos sobre os riscos de corrupção na administração pública e a viabilização do funcionamento do poder judiciário e do ministério público com independência.

Sem embargo, a Convenção, no artigo 14[8], postula medidas de prevenção das práticas de lavagem de capitais, tais como a elaboração de regimento interno de regulamentação e supervisão dos bancos e das instituições financeiras não bancárias. Não apenas isso, mas também a identificação dos clientes e a manutenção de registros que possam subsidiar denúncias de transações suspeitas. Ao fim e ao cabo, a fiscalização de movimentos transfronteiriços de efetivo e de títulos negociáveis pertinentes também assume relevância.

A despeito disso, assaz eficaz o monitoramento de possíveis atividades de lavagem de dinheiro por um departamento de inteligência financeira, no caso brasileiro o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – o COAF. De conseguinte, as instituições financeiras deveriam incluir nos “formulários de transferência eletrônica de fundos e mensagens conexas informação exata e válida sobre o remetente” e manter “essa informação durante todo o ciclo de operação”.

Associado a isso, os órgãos estatais deveriam se empenhar para impedir a instalação de bancos que “não tenham presença real e que não estejam afiliados a um grupo financeiro sujeito à regulação”. Para alcançar esse objetivo, os Estados poderão vedar que suas instituições financeiras se relacionem com esse tipo de banco, ainda que estrangeiro e na qualidade de bancos correspondentes.

De mais a mais, a Convenção poderá ser considerada a base jurídica para a extradição, caso não haja um tratado específico, e o Estado não poderá negar a extradição se o delito envolver questões tributárias concomitantemente. Retornando ao tema do enriquecimento ilícito[9] antes exposto, vê-se que a elevação patrimonial de um funcionário público, não razoavelmente justificada, deverá ser considerada crime de enriquecimento ilícito, em que pese no Brasil apenas constituir improbidade administrativa[10].

Por sua vez, a Convenção se preocupa com a corrupção no setor privado, em seu artigo 12[11], com o intuito de impedir conflitos de interesses ao promover boas práticas comerciais entre as empresas e as relações contratuais das empresas com o Estado. Ao largo disso, traz a recomendação de dilatação dos prazos de prescrição, bem como mandados de criminalização de certas condutas, tais como:

a) O estabelecimento de contas não registradas em livros; b) A realização de operações não registradas em livros ou mal especificadas; c) O registro de gastos inexistentes; d) O juízo de gastos nos livros de contabilidade com indicação incorreta de seu objetivo; e) A utilização de documentos falsos; e f) A destruição deliberada de documentos de contabilidade antes do prazo previsto em lei.

Impõe-se registrar que a Convenção estimula a liberdade de buscar, receber, publicar e difundir informações relativas à corrupção, assim como a criação de procedimentos apropriados de auditoria e certificação e controles contábeis internos nas empresas. De se ver que o artigo 21[12], de modo análogo, trata da recomendação de criminalização do suborno no setor privado. Atento a essa evolução, o artigo 22[13] cuidou da recomendação de criminalização do peculato de bens no setor privado.

Remanesce, com maior razão, o caráter criminoso de condutas que violem os deveres inerentes às funções, mesmo atreladas ao setor privado, com o propósito de arrecadar benefícios indevidos a outrem ou a si mesmo ou desvio de recursos econômicos. A esse respeito, convém recordar que o Brasil ainda não tipificou criminalmente nenhuma destas condutas no setor privado, sendo que é forçoso reconhecer o entrelaçamento da corrupção pública com a privada.


2.Convenção Interamericana contra a Corrupção

De antemão, cumpre assinalar que esse instrumento internacional fomenta a criação de sistemas de declaração das receitas, ativos e passivos, por aqueles que desempenham funções públicas no afã de divulgá-las. Grosso modo, seria necessária a institucionalização de sistemas de controle da renda do Estado que impeçam práticas corruptivas.

Malgrado essas medidas sejam benéficas, relevante incitar a criação de leis impedientes ao tratamento tributário favorável a qualquer pessoa física ou jurídica com relação a despesas efetuadas em violação dos dispositivos legais dos Estados Partes contra a corrupção. Conjugado a isso, salutar a determinação[14] de

medidas que impeçam o suborno de funcionários públicos nacionais e estrangeiros, tais como mecanismos para garantir que as sociedades mercantis e outros tipos de associações mantenham registros que, com razoável nível de detalhe, reflitam com exatidão a aquisição e alienação de ativos e mantenham controles contábeis internos que permitam aos funcionários da empresa detectarem a ocorrência de atos de corrupção.

Ainda, a Convenção poderá tomar em consideração outros atos de corrupção não definidos no texto convencional. Aliás, será considerado um ato de corrupção o delito de suborno transnacional, em caso de previsão legal no Estado-Parte. Em continuação, convém rememorar que a Convenção traz o arcabouço institucional para repressão do enriquecimento ilícito.

Nesse passo, o artigo XI[15] conecta o desenvolvimento progressivo com a criminalização de certas condutas nas legislações nacionais, senão vejamos:

a. o aproveitamento indevido, em benefício próprio ou de terceiros, por parte do funcionário público ou pessoa no exercício de funções públicas de qualquer tipo de informação reservada ou privilegiada da qual tenha tomado conhecimento em razão ou por ocasião do desempenho da função pública; b. o uso ou aproveitamento indevido, em benefício próprio ou de terceiros por parte de funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas de qualquer tipo de bens do Estado ou de empresas ou instituições em que este tenha parte aos quais tenha tido acesso em razão ou por ocasião do desempenho da função; c. toda ação ou omissão realizada por qualquer pessoa que, por si mesma ou por interposta pessoa, ou atuando como intermediária, procure a adoção, por parte da autoridade pública, de uma decisão em virtude da qual obtenha ilicitamente, para si ou para outrem, qualquer benefício ou proveito, haja ou não prejuízo para o patrimônio do Estado; e d. o desvio de bens móveis ou imóveis, dinheiro ou valores pertencentes ao Estado para fins não relacionados com aqueles aos quais se destinavam a um organismo descentralizado ou a um particular, praticado, em benefício próprio ou de terceiros, por funcionários públicos que os tiverem recebido em razão de seu cargo, para administração, guarda ou por outro motivo.           

De seu turno, o artigo XII[16] explicita a desnecessidade do prejuízo patrimonial ao Estado para fins de caracterização do ato de corrupção. De modo semelhante à Convenção de Mérida, o Tratado Interamericano serve de base jurídica para extradição e proíbe que o sigilo bancário seja alegado como obstáculo à assistência aos demais Estados na persecução dos atos de corrupção. Por fim, o artigo XVII[17] determina que o ato de corrupção será considerado crime comum, ainda que se alegue finalidade ou motivação política.


3.Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais

Esta Convenção se destaca, em seu artigo 7º[18], pelo mandado de criminalização da corrupção de agentes públicos estrangeiros. Sob as lentes da Convenção, no seio das transações comerciais internacionais, a corrupção de funcionários públicos estrangeiros ocasiona distorções econômico-financeiras no comércio internacional, fato este que merece repressão pelas leis nacionais, tal como os artigos 337-B, 337-C e 337-D preconizados no Código Penal Brasileiro[19].


4.A Política Externa de Combate à Corrupção como Mecanismo de Desenvolvimento Econômico

Independentemente da filiação partidária dos governos de ocasião, a política externa, enquanto política pública, que objetiva o desenvolvimento econômico, deve ser encarada como Política de Estado. Nessa diretriz, a lógica da autonomia pela distância[20] deverá ser intercambiada por uma agenda internacional proativa de integração na luta contra a corrupção, de modo a expandir a credibilidade de investimento internacional no Brasil.

Nesse seguimento, a diplomacia brasileira contribuiria para o estabelecimento de um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico pela moralização do sistema financeiro-comercial e pela recuperação de ativos, eixo da ação externa nas duas últimas décadas. O epicentro dessa atuação é o resgate da tendência de valorizar o peso do Brasil na economia mundial, a fim de fortalecer seu poder em negociações internacionais e valorizar a opinião pública em um contexto de crise econômica[21].

Observa-se, nesse trilhar, um protagonismo na busca da repressão aos atos de corrupção, com os consectários internos e internacionais, desde que esse tema entrou na agenda da política doméstica. Desse modo, notou-se que os escândalos internos de envolvimento de políticos com desvio de verbas públicas para paraísos fiscais gestaram o clamor social pela coordenação entre países na contenda contra essas práticas, mormente a lavagem de dinheiro.

Em arremate, Tullo e Gabriel[22] complementam que

Na década de 1990, como antecipava a teoria da interdependência complexa, pareceram ganhar peso questões econômicas, ambientais, comerciais, de competitividade, fluxos tecnológicos, investimentos, fluxos financeiros, direitos humanos e sociais, e temas que compõem o soft power de um país, contrastando com a aparente diminuição da importância dada à segurança internacional, fundamental na Guerra Fria.

De outro giro, o enfrentamento da corrupção foi alçado ao campo da política externa com o escopo de ampliar o leque de opções de contenção como novo desafio internacional. Logo, a ratificação das Convenções internacionais, já analisadas nos tópicos anteriores, teve eco na diluição das fronteiras entre a política interna e externa, reconhecidas como políticas públicas. Na esteira, André Luiz Coelho et alli[23] explicam que

o referido fenômeno da “pluralização de temas” se torna um elemento de dupla implicação: a) a internalização da política externa na agenda doméstica; b) a ampliação da cooperação para o desenvolvimento em diversas políticas governamentais [...] implicando um processo inédito de internacionalização dessas mesmas políticas públicas.

Em contrapartida, a luta contra a corrupção, no atual cenário de tecnologias da comunicação e de crises financeiras sistemáticas, demandou a solidariedade entre os países, tendo em vista seu caráter transnacional na maior parte dos casos. Por conta disso, propugna-se que a política externa de combate à corrupção seja considerada política de Estado, a fim de que as alterações na composição governista não alterem o andamento de sua implementação.

Nesse caminhar, incumbe visualizá-la como política pública repressiva e desenvolvimentista, com o intuito de impingir a tipificação na legislação nacional do crime de enriquecimento ilícito, uma vez que a previsão, de natureza cível, na lei de improbidade administrativa não se mostra suficiente para os fins das Convenções supra, bem como a incriminação da corrupção no setor privado.

De outro lado, nevrálgico analisar o papel dos partidos políticos, do Executivo[24] e do Legislativo[25] na formulação da política externa. Esse jogo de poderes traz à tona a questão: como os legisladores, intermediados pela ideologia partidária e o comando dos líderes, influenciam o processo legislativo relativo às políticas externas, como a aprovação de tratados e sua implementação no âmbito interno, necessidade esta salientada no parágrafo anterior.

De início, cabe consignar que Amâncio e Janina[26] diferenciam o instituto da disciplina partidária e coesão ideológica[27] nos seguintes termos:

Disciplina partidária é, como tradicionalmente definida, baixa dissidência nas votações legislativas. Coesão ideológica denota, no sentido oposto, consistência do legislador entre suas crenças a priori e posicionamentos expressos nas decisões legislativas.

Em suma, o ápice do combate à corrupção dar-se-á de modo mais pleno quando do isolamento da política externa das demandas conjunturais da política doméstica, de sorte a evitar o fenômeno da politização da política externa[28]. Assim, embora o contexto doméstico tenha sido precursor na definição positiva da política externa combativa em um primeiro momento, poderá colocá-la em cheque caso os interesses em jogo sofram reacomodações partidárias e lobistas.

Na outra ponta, na arena internacional de livre fluxo de capitais, o multilateralismo e a integração regional emergem como soluções parciais para hostilizar as deslealdades e distorções de ordem financeira-comercial determinadas por práticas corruptas. Contudo, para tal desiderato, pugna-se pela efetiva obediência aos mandados de criminalização ali dispostos, sem os quais a batalha contra a corrupção tornar-se-á em mero discurso retórico a demonstrar capacidade de ação ficta.

Nessa linha de intelecção, com base no escólio de Pierre Bordieu[29], há de se considerar que a internalização de tratados internacionais contra a corrupção exerce uma função simbólica de adiamento de conflitos e confirmação de valores constitucionais[30]. Isso pois tanto a Convenção de Mérida quanto a Convenção Interamericana preveem a criminalização do enriquecimento ilícito, e por não terem obtido até o momento a eficácia esperada, servem a propósitos políticos de divulgação da aparência de transparência e moralidade de um governo circunstancial.

Visto isso, impende ressaltar o entendimento de Marcelo Neves[31] sobre esse tipo de legislação,

O objetivo da legislação simbólica pode ser também fortificar “a confiança do cidadão no respectivo governo ou, de um modo geral, no Estado”. Nesse caso, não se trata de confirmar valores de determinados grupos, mas sim de produzir confiança no sistema jurídico-político. O legislador, muitas vezes sob pressão direta, elabora diplomas normativos para satisfazer as expectativas dos cidadãos, sem que com isso haja o mínimo de condições de efetivação das respectivas normas. A essa atitude referiu-se Kindermann com a expressão "legislação-álibi". Através dela o legislador procura descarregar-se de pressões políticas e/ou apresentar o Estado como sensível ás exigências e expectativas dos cidadãos. Nos períodos eleitorais, p. ex., os políticos dão conta do seu desempenho, muito comumente, com referências à iniciativa e à participação no processo de elaboração de leis que correspondem às expectativas do eleitorado. É secundário aqui se a lei surtiu os efeitos socialmente "desejados", principalmente porque o período da legislatura é muito curto para que se comprove o sucesso das leis então aprovadas. Importante é que os membros do parlamento e do governo apresentem-se como atuantes e, portanto, que o Estado-Legislador mantenha-se merecedor da confiança do cidadão.

De outro giro, em sintonia com o já exposto, mister abordar que o desenvolvimento econômico sustentável[32], possibilitado pela política externa de redução da corrupção internacional, consubstancia-se em corolário da redução da pobreza mundial. Isso porque o desvio de recursos públicos afeta a capacidade de investimento do Estado nos direitos sociais, como saúde, educação e assistência social.

Em desfecho, vive-se um cenário de amplo desmantelamento da atuação do Estado em diversos segmentos sociais vulneráveis, como a contração dos benefícios assistenciais e previdenciários. Por todo o exposto até aqui, depreende-se que esse esforço inicial de recuperação de verbas públicas desviadas e estabilização das relações comerciais e financeiras constitui uma das condições de resgate da democracia e da justiça social.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A disseminação da corrupção, no âmbito privado e público, tem afetado a capacidade de investimento do Estado nos direitos sociais, ao mesmo tempo em que altera as condições perfeitas de concorrência internacional, com desgaste do sistema financeiro-comercial. Em vista disso, o desenvolvimento econômico sustentável necessitou da conjunção entre os países para extirpar essa prática da ordem internacional, como no caso de comércio transnacional e suborno a funcionários públicos estrangeiros.

Isso porque a ação restrita ao âmbito nacional não foi suficiente para a repressão desse fenômeno de cariz transnacional, notadamente por força do livre fluxo de capitais e da globalização. Assim, verificou-se que uma solução possível seria a inclusão da temática do combate à corrupção na agenda da política externa, com o objetivo de coordenar a ação interestatal.

Entretanto, muito embora esse esforço inicial tenha seu valor, pugnou-se pela efetiva implantação dos mandados de criminalização previstos nos instrumentos internacionais trabalhados neste artigo, marcadamente a Convenção de Mérida. Nessa perspectiva, importa consignar a pendência de tipificação na legislação brasileira dos crimes de enriquecimento ilícito e de práticas corruptivas na seara privada.

Nada obstante, enquanto se aguarda a movimentação do legislativo nesse sentido, espera-se que a política externa de luta contra a corrupção seja vista não só como política pública a atrair toda a ciência produzida sobre a disciplina, mas também como política de Estado. Em assim se procedendo, dificultoso restará o rompimento da continuidade do trabalho já feito no âmbito internacional, impedindo a denúncia dos tratados já ratificados.

Ao lado disso, ressaltou-se que a não observância à normatividade das Convenções já internalizadas (Decretos nº 5.687/06, 4.410/02 e 3.678/00) redundará na sua transformação em legislação-álibi, com o único intuito de fixar compromissos dilatórios e passar uma imagem de transparência e moralização. Esse processo, do qual não se é adepto, deve ser percebido sem desânimo, uma vez que já se identifica certo grau de vinculatividade e eficácia social, como diversas operações policiais, manejadas com a utilização de auxílio direto, que lograram a recuperação de ativos públicos e o repatriamento consecutivo.

Portanto, em um olhar prognóstico, aguarda-se que a segurança das instituições democráticas seja retomada com o fortalecimento dos mecanismos de controle e fiscalização dos fluxos financeiros internacionais. À mesma medida em que se espera, muito além de mera quimera, haja realmente um recrudescimento da assistência mútua entre as políticas externas dos diferentes países na direção da transparência dos gastos e ingressos públicos e privados.


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Notas

[1] Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Servidor Público na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

[2] Art. 2º, item “f”, da Convenção. BRASIL, 2017.

[3] Art. 2º, item “i”, da Convenção. BRASIL, 2017.

[4] Artigo 47. Enfraquecimento de ações penais. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de enfraquecer ações penais para o indiciamento por um delito qualificado de acordo com a presente Convenção quando se estime que essa remissão redundará em benefício da devida administração da justiça, em particular nos casos nos quais intervenham várias jurisdições, com vistas a concentrar as atuações do processo. BRASIL, 2017.

[5] Artigo 49. Investigações conjuntas. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos ou tratados bilaterais ou multilaterais em virtude dos quais, em relação com questões que são objeto de investigações, processos ou ações penais em um ou mais Estados, as autoridades competentes possam estabelecer órgãos mistos de investigação. Na falta de tais acordos ou tratados, as investigações conjuntas poderão levar-se a cabo mediante acordos acertados caso a caso. Os Estados Partes interessados velarão para que a soberania do Estado Parte em cujo território se efetua a investigação seja plenamente respeitada. BRASIL, 2017.

[6] Código Internacional de Conduta para os titulares de cargos públicos, que figura no anexo da resolução 51/59 da Assembleia Geral de 12 de dezembro de 1996.

[7] Os períodos de quarentena espalhados pela legislação brasileira são restrições apropriadas, durante um período razoável de tempo, de modo a impedir que ex-funcionários públicos sejam absorvidos pelo setor privado imediatamente.

[8] Artigo 14. Medidas para prevenir a lavagem de dinheiro. (...) 3. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de aplicar medidas apropriadas e viáveis para exigir às instituições financeiras, incluídas as que remetem dinheiro, que: a) Incluam nos formulários de transferência eletrônica de fundos e mensagens conexas informação exata e válida sobre o remetente; b) Mantenham essa informação durante todo o ciclo de operação; e c) Examinem de maneira mais minuciosa as transferências de fundos que não contenham informação completa sobre o remetente.

[9] Artigo 20. Enriquecimento ilícito. Com sujeição a sua constituição e aos princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar as medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento ilícito, ou seja, o incremento significativo do patrimônio de um funcionário público relativos aos seus ingressos legítimos que não podem ser razoavelmente justificados por ele. BRASIL, 2017.

[10]  Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;        II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado; III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado; IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;       VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade; IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza; X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado; XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

[11]Artigo 12. Setor Privado. 1. Cada Estado Parte, em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, adotará medidas para prevenir a corrupção e melhorar as normas contábeis e de auditoria no setor privado, assim como, quando proceder, prever sanções civis, administrativas ou penais eficazes, proporcionadas e dissuasivas em caso de não cumprimento dessas medidas. BRASIL, 2017.

[12] Artigo 21. Suborno no setor privado. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente no curso de atividades econômicas, financeiras ou comerciais: a) A promessa, o oferecimento ou a concessão, de forma direta ou indireta, a uma pessoa que dirija uma entidade do setor privado ou cumpra qualquer função nela, de um benefício indevido que redunde em seu próprio proveito ou no de outra pessoa, com o fim de que, faltando ao dever inerente às suas funções, atue ou se abstenha de atuar; b) A solicitação ou aceitação, de forma direta ou indireta, por uma pessoa que dirija uma entidade do setor privado ou cumpra qualquer função nela, de um benefício indevido que redunde em seu próprio proveito ou no de outra pessoa, com o fim de que, faltando ao dever inerente às suas funções, atue ou se abstenha de atuar. BRASIL, 2017.

[13] Artigo 22. Malversação ou peculato de bens no setor privado. Cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente no curso de atividades econômicas, financeiras ou comerciais, a malversação ou peculato, por uma pessoa que dirija uma entidade do setor privado ou cumpra qualquer função nela, de quaisquer bens, fundos ou títulos privados ou de qualquer outra coisa de valor que se tenha confiado a essa pessoa por razão de seu cargo. BRASIL, 2017.

[14] Artigo III, Medidas Preventivas, item 10. BRASIL, 2017.

[15] Artigo IX. Enriquecimento ilícito. Sem prejuízo de sua Constituição e dos princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, os Estados Partes que ainda não o tenham feito adotarão as medidas necessárias para tipificar como delito em sua legislação o aumento do patrimônio de um funcionário público que exceda de modo significativo sua renda legítima durante o exercício de suas funções e que não possa justificar razoavelmente. Entre os Estados Partes que tenham tipificado o delito de enriquecimento ilícito, este será considerado um ato de corrupção para os propósitos desta Convenção. O Estado Parte que não tenha tipificado o enriquecimento ilícito prestará a assistência e cooperação previstas nesta Convenção relativamente a este delito, na medida em que o permitirem as suas leis. BRASIL, 2017.

[16] Artigo XII. Efeitos sobre o patrimônio do Estado. Para os fins desta Convenção, não será exigível que os atos de corrupção nela descritos produzam prejuízo patrimonial para o Estado. BRASIL, 2017.

[17] Artigo XVII. Natureza do Ato. Para os fins previstos nos artigos XIII, XIV, XV e XVI desta Convenção, o fato de os bens provenientes do ato de corrupção terem sido destinados a finalidades políticas ou a alegação de que um ato de corrupção foi cometido por motivações ou finalidades políticas não serão suficientes, por si sós, para considerá-lo como delito político ou como delito comum vinculado a um delito político. BRASIL, 2017.

[18] Artigo 7. Lavagem de Dinheiro. A Parte que tornou o delito de corrupção de seu próprio funcionário público um delito declarado para o propósito da aplicação de sua legislação sobre lavagem de dinheiro deverá fazer o mesmo, nos mesmos termos, em relação à corrupção de um funcionário público estrangeiro, sem considerar o local de ocorrência da corrupção. BRASIL, 2017.

[19]   Corrupção ativa em transação comercial internacional. Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional: Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional. Tráfico de influência em transação comercial internacional. Art. 337-C. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação comercial internacional: (Incluído pela Lei nº 10467, de 11.6.2002). Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 10467, de 11.6.2002). Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada a funcionário estrangeiro. (Incluído pela Lei nº 10467, de 11.6.2002). Funcionário público estrangeiro. Art. 337-D. Considera-se funcionário público estrangeiro, para os efeitos penais, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro. Parágrafo único. Equipara-se a funcionário público estrangeiro quem exerce cargo, emprego ou função em empresas controladas, diretamente ou indiretamente, pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais. (Incluído pela Lei nº 10467, de 11.6.2002). BRASIL, 2017.

[20] VIGEVANI, Tullo; CEPALUNI, Gabriel. A Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da Autonomia pela Diversificação. Rio de Janeiro: Contexto Internacional, vol. 29, no 2, julho/dezembro 2007.

[21] “Entre os atores identificados por Marcel Merle, o mais próximo aos movimentos sociais globais seria a opinião pública internacional militante. Entretanto, os primeiros têm conseguido superar algumas das limitações que assinalava Merle a respeito da opinião pública, uma vez que buscam ser atores mais estáveis (por exemplo, com a criação de redes ou da convocatória de encontros periódicos) e menos fragmentados (construindo uma identidade comum, por exemplo, sob o lema compartilhado de ‘outro mundo é possível’, que une em uma dimensão global as diversas problemáticas locais, entendendo que são fruto de uma mesma lógica neoliberal)”. ECHART, Enara Muñoz. Capítulo 9. Um novo ator nas relações entre a Europa e a América Latina: a participação das forças sociais globais. In: MILANI, C. & GILDO, M. G. A política mundial contemporânea : atores e agendas na perspectiva do Brasil e do México. Salvador: EDUFBA, 2010, p. 317.

[22] Op. Cit., p. 14.

[23] COELHO, André Luiz; SANTOS, Vinicius; LATANZI, Eduarda. Relações internacionais e políticas públicas: notas introdutórias sobre a aproximação das áreas de análise política externa e análise de políticas públicas. In: DOMINGUES, Eduardo (Org.). Estudos iniciais em direito e políticas públicas. Editora: Autografia, 2017. (No prelo), p. 10.

[24] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. BRASIL, 2017.

[25] Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. BRASIL, 2017.

[26] OLIVEIRA, Amâncio Jorge de; ONUKI, Janina. Eleições, Partidos Políticos e Política Externa no Brasil. Revista Política Hoje, Vol. 19, n. 1, 2010, p. 13.

[27] “Se benesses e punições são os elementos garantidores de disciplina partidária, logo, é de se supor que os partidos da base governista detenham instrumentos mais eficazes para induzir comportamento. Em outros termos, os partidos governistas têm o que tirar, em caso de desvio de conduta, tal como cargos políticos e outras benesses, assim tem o que oferecer, tal como mais cargos políticos e outras benesses, em caso de posturas fiéis às suas indicações. Os partidos oposicionistas não detêm os mesmos recursos e, portanto, seriam, teoricamente menos disciplinados.” Ibidem, p. 18.

[28] O “processo de transposição de um assunto de interesse público a uma arena de disputas entre atores com visões, interesses e projetos contrapostos”. JATOBÁ, Daniel; FLORES, Fidel Irving. Análise de política externa, politização e democracia: um panorama crítico. In: 5º Encontro Nacional da ABRI, 2015, Belo Horizonte. Anais do 5º Encontro Nacional da ABRI, 2015. Apud: COELHO, André Luiz; SANTOS, Vinicius; LATANZI, Eduarda. Relações internacionais e políticas públicas: notas introdutórias sobre a aproximação das áreas de análise política externa e análise de políticas públicas. In: DOMINGUES, Eduardo (Org.). Estudos iniciais em direito e políticas públicas. Editora: Autografia, 2017. (No prelo), p. 5.

[29] BORDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Editora Bertrand. Brasil S/A, 1989.

[30] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...).BRASIL, 2017.

[31] NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 37.

[32]“Se va definiendo entonces el nuevo paradigma del desarrollo: el desarrollo humano sostenible, entendido como un processo multidimensional que promueve capacidades y oportunidades del ser humano. Ha de ser por tanto intrínsecamente democrático, situar al ser humano en el centro de los procesos, y tener en cuenta no sólo necesidades básicas, sino también cuestiones políticas, de participación, seguridad, garantía de los derechos humanos, etc. Se basa en una relación de “asociación”, que implica que las prioridades del desarrollo no sean impuestas, sino consensuadas entre los diversos actores involucrados en el proceso (gubernamentales —económicos y sociales— del Norte y del Sur, de los ámbitos local, nacional, regional y global, etc.), em base a una corresponsabilidad. Y además, debe ser sostenible, y no poner em peligro las oportunidades de desarrollo de las generaciones futuras”. In: ECHART, Enara Muñoz. Capítulo 4: la agenda del desarrollo: potencialidades y límites de los objetivos de desarrollo del milenio. In: MANZANO, Irene Rodríguez; GARCÍA, Carlos Teijo (eds.). Ayuda al desarrollo: piezas para un puzle, p. 87, 2009.


Autor

  • Lucas Medeiros Gomes

    Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Especialista em Regulação na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Ex-Defensor Público Federal. Juiz Federal Substituto no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Lucas Medeiros. O combate internacional à corrupção como política externa desenvolvimentista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5131, 19 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58794. Acesso em: 23 abr. 2024.