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Arguição de descumprimento de preceito fundamental - adpf e seus contornos já delineados pela jurisprudência do stf e pela doutrina

Arguição de descumprimento de preceito fundamental

Arguição de descumprimento de preceito fundamental - adpf e seus contornos já delineados pela jurisprudência do stf e pela doutrina. Arguição de descumprimento de preceito fundamental

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O presente estudo tem por objetivo analisar os contornos já traçados pela jurisprudência do STF sobre alguns pontos polêmicos após 18 anos da edição da Lei 9.882/99, que regulamentou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

O presente estudo tem por objetivo analisar os contornos já traçados pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre alguns pontos polêmicos após quase duas décadas da edição da Lei 9.882/99, que vinha causando fortes debates na doutrina e na jurisprudência acerca da sua constitucionalidade, tendo em vista que imprimiu alterações na competência do Supremo Tribunal Federal, especificamente na questão do controle da constitucionalidade e, ainda, com a introdução de mecanismos de controle não previstos no ordenamento constitucional, matéria esta reservada ao constituinte derivado, por meio de Emendas Constitucionais. Portanto, essas mudanças podem significar avanço ou comprometimento da estrutura constitucional vigente.


Quais são os preceitos fundamentais albergados pela ADPF?

Segundo Zippellius a função principal dos direitos fundamentais consiste em proteger um espaço de liberdade individual contra a ingerência do Estado e contra a sua expansão totalitária.

No Brasil não há consenso entre os estudiosos do direito constitucional sobre a sistematização dos direitos fundamentais assegurados na Constituição de 1988, para alguns, são todas as normas da Constituição, para outros, são direitos fundamentais, tão somente, aqueles estabelecidos no art. 5º, da Constituição Federal.

Confira-se a posição de Tavares, que destaca: “são todos aqueles preceitos expressos na Constituição e todos aqueles ligados à ideia central desta, embora não expressamente consignados. É a noção de preceitos que derivam direta e indiretamente (ou implicitamente da Constituição)”.

Corroborando nesse sentido, Mendes ressalta que a garantia dos direitos fundamentais enquanto direitos de defesa contra a intervenção indevida do Estado e contra medidas legais restritivas dos direitos de liberdades não se afigura suficiente para assegurar o pleno exercício da liberdade. E, destaca: “Observe-se que não apenas a existência da lei, mas também a sua falta pode relevar-se afrontosa aos direitos fundamentais. É o que se verifica, por exemplo, com as chamadas garantias de natureza institucional, com os direitos à prestação positiva de índole normativa e, não rara vezes, com o direito de igualdade”.

Schimtt, ao abordar a problemática da divisão e distinção dos direitos fundamentais, afirma: “Los derechos fundamentales han de distinguirse de otros derechos garantizados y protegidos en la Ley constitucional. No todo derecho fundamental se encuentra garantido en las Constituciones del Estado de Derecho por una regulación constitucional, y, a la inversa, no toda protección contra la reforma por ley ordinaria significa ya un decho fundamental.”

Guerra Filho vai além da sistematização proposta ao afirmar que a norma jurídica que consagra direito fundamental não ser a única forma de expressão dos direitos fundamentais E, conclui: “o que significa dizer que esses são uma realidade mais abrangente que a norma.”

Dessa maneira, verificou-se que no sistema jurídico brasileiro e, tampouco, em outros sistemas jurídicos, como acima apontados, as normas consagradoras de direitos fundamentais não estão, obrigatoriamente, estabelecidas em um padrão sistemático, em razão de que uma sistematização rigorosa dessas normas pode implicar na limitação de outras possibilidades do exercício dos direitos, garantias e liberdades fundamentais. Tal precaução é explicitada no Texto Constitucional brasileiro, no art. 5º, parágrafo 2º, que dispõe:

CF: Art. 5º, § 2º: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.


Da arguição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF

A Constituição Federal estabelece no § 1° do art. 102 que a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. Cuida-se de norma constitucional de eficácia limitada que foi regulamentada pela Lei n° 9.882, de 3 dezembro de 1999. Cumpre ressaltar que a referida lei foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da OAB (ADInMC 2.231-DF, rel. Min. Néri da Silveira ). A referida ADI teve sua tramitação inicial em julho de 2000. Atualmente encontra-se no gabinete do ministro Dias Toffoli, desde 17/08/2015. Assim, tramita há cerca de 17 anos sem decisão de mérito.

Para viabilizar o encaminhamento da ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental perante a Suprema Corte, o interessado tem que demonstrar que houve o prévio exaurimento de outros mecanismos processuais, previstos no ordenamento positivo brasileiro capazes de fazer cessar a situação de lesividade ou de potencialidade danosa resultante dos atos estatais tidos por danosos.

O Supremo Tribunal Federal e a doutrina ressaltam o caráter subsidiário da ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental, ou seja, esta ação não será admitida quando ainda exista medida eficaz para sanar a lesividade a preceito fundamental. Vale ressaltar, no entanto, que não basta tão somente a existência do meio capaz de sanar a lesividade a direito fundamental para afastar o cabimento da ação de arguição, é imprescindível também que os instrumentos disponíveis mostrem-se aptos a sanar, de modo eficaz, a situação de lesividade. Pois, do contrário, a ação de arguição estaria fadada à absoluta inoperabilidade.

Quanto ao cabimento da ADPF para sanar a lesividade ao preceito fundamental, o Supremo Tribunal Federal indeferiu a inicial de ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental, por entender que no caso apresentado havia outros meios de sanar a lesividade ao preceito fundamental tido por violado: “é incabível a arguição de descumprimento de preceito fundamental quando ainda exista medida eficaz para sanar a lesividade (Lei 9.882/99, art. 4°, § 1°). Com esse entendimento, o Tribunal não conheceu de ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada pelo Governo do Estado do Ceará, contra ato do Tribunal de Justiça do mesmo Estado que deferiria reclamação em mandado de segurança para determinar o pagamento de gratificações, sem a observância do preceito constitucional que proíbe a sua concessão “em cascata” (CF, ar. 37, XIV – redação dada pela EC 19/98).”

Sobre esse aspecto ressalta Gilmar Mendes: “à primeira vista, poderia parecer que somente na hipótese de absoluta inexistência de qualquer outro meio eficaz para afastar a eventual lesão poder-se-ia manejar, de forma útil, a arguição de descumprimento de preceito fundamental. É fácil ver que uma leitura excessivamente literal dessa disposição, que tenta introduzir entre nós o princípio da subsidiariedade vigente no direito alemão e no direito espanhol para, respectivamente, o recurso constitucional e o recurso de amparo, acabaria por retirar desse instituto qualquer significado prático.”

E conclui o referido constitucionalista: “uma leitura mais cuidadosa há de revelar, porém, que, na análise sobre a eficácia da proteção de preceito fundamental nesse processo, deve predominar um enfoque objetivo ou de proteção da ordem constitucional objetiva. Em outros termos, o princípio da subsidiariedade – inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão – contido no art. 4, § 1º, da Lei n.º 9.882, de 1999, há de ser compreendido no contexto da ordem constitucional global.”


Atos impugnáveis por meio da ADPF

Caberá, previamente, a arguição perante o STF com o objetivo de se evitarem lesões a princípios, direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, ou, repressivamente, para repará-las, quando causadas pela conduta comissiva ou omissiva de qualquer dos poderes públicos. Cuida-se de instituto similar ao recurso constitucional previsto na atual Constituição alemã.

O artigo 1º, da Lei 9882/99, estabelece que a arguição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

O referido dispositivo introduz inovação na via fiscalização concentrada de constitucionalidade no Brasil, porquanto atribui ao STF competência para conhecer de ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta em face de ato do Poder Público, normativo ou não. De modo que, nesse particular, o alcance de atos “não normativos” do poder público difere do objeto das tradicionais ações direta e indireta de constitucionalidade, na medida em que só se há de impugnar, por meio destas últimas ações, perante a Suprema Corte, ato normativo (federal ou estadual), conforme o disposto no art. 102, I, "a", da Constituição Federal.

Verifica-se a possibilidade de impugnação, mediante ADPF, de decisões judiciais, desde que não transitadas em julgado.

Vale ressaltar que por se tratar de fiscalização concentrada de constitucionalidade e, portanto, processo de caráter objetivo, não se permite a impossibilidade de discussão de situações individuais e concretas.

Portanto, o objeto da arguição representa, a nosso ver, um grande avanço no sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, pois amplia a possibilidade de se retirar do ordenamento jurídico brasileiro atos do poder público, que embora não revestidos de caráter normativo, venham ferir direitos fundamentais do cidadão. Ademais, a eficácia de tal controle será efetivada pela eficácia erga omnes e o efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Público da decisão tirada em sede de arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos § 3º, art. 10, da Lei 9882/99.

Outra importante inovação trazida pela referida lei, encontra-se expressa no Parágrafo único, I, do art. 1º dispondo que caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição. Nesta hipótese a arguição será incidental ou por equiparação, como vem denominando a doutrina.

No tocante a esse ponto, o Ministro Néri da Silveira, no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra a íntegra da Lei 9.882/99 - que dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, em especial, contra o parágrafo único, inciso I, do art. 1º, o § 3º do art. 5º, o art. 10, caput e § 3º e o art. 11, todos da mesma lei, afastou a possibilidade da arguição alcançar atos normativos anteriores a Constituição, conforme trecho do voto Ministro na ADInMC 2.231-DF, 5.12.2001, destacado no Informativo do STF.

“O Min. Néri da Silveira, relator, em face da generalidade da formulação do parágrafo único do art. 1º, considerou que esse dispositivo autorizaria, além da arguição autônoma de caráter abstrato, a arguição incidental em processos em curso, a qual não poderia ser criada pelo legislador ordinário, mas, tão só, por via de emenda constitucional, e, portanto, proferiu voto no sentido de dar ao texto interpretação conforme a CF a fim de excluir de sua aplicação controvérsias constitucionais concretamente já postas em juízo ("Parágrafo único - Caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição". Consequentemente, o Min. Néri também votou pelo deferimento da liminar para suspender a eficácia do § 3º do art. 5º, por estar relacionado com a arguição incidental em processos em concreto ("A liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada."

Todavia, em decisão monocrática, da lavra do Ministro Gilmar Mendes, referendada, por unanimidade, pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, a Corte suspendeu todos os processos em curso e os efeitos das decisões judiciais que envolvam a aplicação do artigo 34, do Regulamento de Pessoal do extinto Instituto de Desenvolvimento Econômico Social do estado do Pará editado em 1986. Portanto, anterior a Constituição de 1988. “O relator, ministro Gilmar Mendes, ao proferir seu voto, considerou preliminarmente o cabimento da ADPF para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público (artigo 1º, caput, da Lei 9.882/99). O parágrafo único do mesmo artigo explicita, também, o cabimento da ADPF quando houver relevância no fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive anteriores à Constituição (leis pré-constitucionais). Assim, a arguição poderá ser manejada para solucionar controvérsias sobre a constitucionalidade do Direito federal, do Direito estadual e também do Direito municipal.

Para o Ministro Gilmar Mendes, a ADPF completa o sistema de controle de constitucionalidade concentrado no STF, pois as questões até então não apreciadas no âmbito do controle abstrato de constitucionalidade - Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) - poderão ser objeto de exame no âmbito do novo procedimento.

Quanto ao parâmetro de controle de constitucionalidade, Gilmar Mendes observou a dificuldade em indicar os princípios fundamentais da Constituição que poderiam ser lesionados de forma grave, a ensejar o processo e o julgamento da Arguição de Descumprimento. “Não há dúvida de que alguns desses preceitos estão enunciados, de forma explícita, no texto constitucional”, ponderou. Do mesmo modo, Mendes observou que não poderia deixar de atribuir a qualificação de preceitos fundamentais aos demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do artigo 60, parágrafo 4º, da CF (forma federativa de Estado, separação de Poderes e o voto direto, secreto, universal e periódico).”

Com efeito, a Constituição de 1988 não cuidou expressamente do problema relativo à constitucionalidade da lei ou ato normativo pré-constitucional. Todavia, a jurisprudência do STF, desenvolvida sob a vigência da Constituição de 1967/1969, cuidava desta questão com base no princípio lex posterior derogat priori, ou seja, nesta a hipótese ocorria a revogação da lei. Posição esta que vem sendo mantida atualmente pela Corte.

Observa-se que na decisão liminar no caso do Instituto de Desenvolvimento Econômico Social do estado do Pará, a Corte aponta para uma possível constitucionalidade do inciso, I, § único, do art. 1º, da Lei 9.882/99, que prevê a possibilidade da impugnação perante o Supremo Tribunal Federal de atos normativos anteriores a Constituição em confronto com esta, tendo em vista que a jurisprudência da Corte firmada, por maioria, na ADI nº 2, afastou esta possibilidade, ou seja, segundo a referida orientação o ato normativo anterior à Constituição vigente só pode ser impugnado pela via difusa, tendo como parâmetro de confronto a Constituição da época cuja norma fora editada.


Legitimados para propositura de arguição de descumprimento de preceito fundamental

Quanto à legitimidade ativa para propositura da arguição, o texto enviado para sanção presidencial estabelecia no art. 2º, I, que são os mesmos legitimados para ação direta de inconstitucionalidade (vide art. 103 da CF) e no inciso II, previa a possibilidade de qualquer pessoa lesada ou ameaçada pelo poder público ter legitimidade ativa para propositura da arguição. No entanto, o referido inciso II foi vetado pelo Presidente da República.

O referido veto presidencial foi mantido, embora represente um retrocesso em relação ao princípio constitucional do acesso à justiça. Daí cabe a indagação da Professora Maria Garcia: “Quem senão o cidadão poderia deter a legítima titularidade de tal medida democrática?”

O § 1º do referido art. 2º dispõe que pode a pessoa lesada representar ao Procurador-Geral da República, e este examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decide do cabimento do ingresso em juízo.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a legitimidade ativa para propositura da arguição, na ADPF nº 11-SP, proposta por Fábio Monteiro de Barros Filho, cujo autor teve a inicial indeferida sob o fundamento de que o mesmo não era titular da legitimatio ad causam ativa. Portanto, só os legitimados previstos no art. 103 da Constituição Federal podem propor a ADPF.


Arguição de descumprimento de preceito fundamental e ofensa reflexa à CF

Conforme noticiado no site do STF, em 14 de julho de 2017, “o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli não conheceu da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 468, ajuizada contra portarias do Ministério da Justiça e Segurança Pública que autorizam a atuação da Força Nacional no policiamento ostensivo do Estado do Rio de Janeiro. Para o ministro, é inviável o trâmite da ação no STF, uma vez que a análise da matéria demandaria o exame de normas infraconstitucionais.o ministro Dias Toffoli explicou que as “ofensas constitucionais” relatadas pelos autores da ação estão entremeadas com alegações de ofensas a normas infraconstitucionais. “Nesse quadro, a apreciação da suposta ofensa a preceito fundamental alegada pelos autores perpassaria, necessariamente, o exame do referido plexo normativo infraconstitucional. Resta evidente, portanto, que a suposta ofensa à Constituição Federal, caso configurada, seria meramente reflexa ou indireta, cuja análise não é cabível em sede de controle abstrato de constitucionalidade, conforme jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Federal.”


Principais inovações introduzidas pela Lei 9882/99 (ADPF)

Destacamos as principais inovações introduzidas pela Lei 9882/99, no nosso sistema de fiscalização da constitucionalidade de lei e ato normativo, que são as seguintes:

a) Natureza híbrida. A Lei 9882/99 começa a fundir o controle difuso e concentrado, de sorte que caminha para a consolidação de um modelo único de controle, qual seja, o concentrado, permitido, inclusive que o STF venha a declarar a inconstitucionalidade de atos municipais, o que só até então era permitido tão somente pela via difusa;

b) Modulação temporal e seus efeitos. A Lei 9882/99 dota o Supremo Tribunal Federal de competência para restringir os efeitos da decisão ou sobre o momento de sua eficácia em sede de ADPF, dispondo no art. 11 que ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de arguição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado;

c) Observamos, ainda, que a Lei 9882/99 inovou com a possibilidade de se impugnar normas pré-constitucionais perante o STF, ou seja, atribui competência ao Supremo Tribunal Federal para declarar a inconstitucionalidade de atos normativos editados anteriores a Constituição vigente que estejam em desacordo com o texto Constitucional de 1988. 


Conclusões

Após a breve reflexão sobre o advento da Lei nº 9.882/99 no corpo deste estudo, em cotejo com as posições do STF, chegamos as seguintes constatações: 

a) - Definição de preceito fundamental - Não há na referida Lei, nem ainda foi definido com precisão pela doutrina o que seja preceito fundamental. Todavia, em princípio, todo dispositivo constitucional corresponde a um preceito fundamental; 

b) - Meio eficaz de sanar a irregularidade. No sistema de controle difuso há vários instrumentos para sanar irregularidades de normas em desacordo com a Constituição, a princípio uma das hipóteses que se vislumbra de caber à arguição, em face de ineficácia do meio, é na decisão definitiva proferida no mandado de injunção, onde o Poder Legislativo não tem prazo para cumprir a omissão; 

c) - A propositura da ação constitucional de arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, rege-se pelo princípio da subsidiariedade. De modo que, o STF tem firmado entendimento no sentido de que não é admitida a propositura da referida ação quando houver qualquer outro meio juridicamente idôneo, apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade emergente do ato impugnado; 

d) - Finalmente, pode-se afirmar que mesmo em razão da regulamentação do art. 102, § 1º da Constituição Federal, pela nº 9882/99, ainda há necessidade de se traçar, com mais precisão, os contornos da ação de descumprimento de preceito fundamental. Tarefa esta que depende do esforço conjunto da doutrina e do Supremo Tribunal Federal.


Referências Bibliográficas

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ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. 3ª ed., Trad. Karin Prefke-Aires Coutinho. Coordenação: Canotilho J. J. Gomes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.


Autor

  • Francisco de Assis Cabral

    Francisco de Assis Cabral

    Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pelo UNIPÊ/JPA (1991). Mestre em Direitos Fundamentais pelo UNIFIEO-SP. (concluído em 2005, sob orientação da Profa. Dra. Anna Cândida da Cunha Ferraz - Livre Docente e Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – FD-USP). Ex-Procurador da FUNDAC/PB – Fundação de Desenvolvimento da Criança. Filiado ao Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC, ao Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ e ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI) . Advogado em São Paulo de 1993 a 2003. Ex-Professor de Direito Constitucional e Hermenêutica Jurídica da Faculdade Integrada do Recife – Primeiro colado na seleção pública de docente para a disciplina de Direito Constitucional – I na Faculdade Integrada de Pernambuco - FACIPE (2008). Obras do autor: a) coautor da obra Constituição Federal Interpretada - artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Coordenador/Organizador: Machado, Antônio Cláudio da Costa & Ferraz, Anna Cândida da Cunha. São Paulo: 8ª edição, Editora Manole, 2017; b) Controle de constitucionalidade. Editora Schoba, Salto-São Paulo 2009; c) Controle de constitucionalidade. 2ª edição, Editora Saraiva, São Paulo 2016.

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