Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/59874
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Análise do julgamento das contas públicas dos prefeitos pelo controle externo de execução orçamentária

Análise do julgamento das contas públicas dos prefeitos pelo controle externo de execução orçamentária

Publicado em . Elaborado em .

Se analisará o órgão competente para julgar as contas autorizadas pelo prefeito municipal. Apresentando, a evolução histórica do controle externo das finanças públicas. Usando o modelo de Controle Jurisdicional Externo e o Controle Legislativo.

1. INTRODUÇÃO

Em detrimento da Economia Pública existe no mundo, não se excluindo o Brasil, a necessidade de averiguar se o poder executivo está de fato, devidamente, executando o orçamento público, proposto por ele por meio das Leis Orçamentárias (PPA – Plano Plurianual; LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias; LOA – Lei Orçamentária Anual) e aprovado pelo Poder Legislativo.

Inspirando-se na situação atual do Brasil, questiona-se em uma esfera micro o julgamento de contas públicas das Unidades Federativas, as quais serão os Municípios. Quem possui a competência para julgar as contas públicas do chefe do poder executivo municipal? Em detrimento dessa pergunta é que será apresentado esse artigo em busca de resposta para essas duas perguntas.

No primeiro momento será demonstrado a evolução do controle das contas públicas pelo decorrer da mudança de constituições que o Brasil passou, para posteriormente demonstrar o panorama constitucional advindo da Constituição da República de 1988, vigente na atualidade, além de explicar o controle feito pelo Tribunal de Contas e pelo Poder legislativo, no que tange as contas de gestão e as contas de governo, para no fim fazer uma análise tanto constitucional, assim como, realizar uma análise sobre a jurisprudência do Superior Tribunal Federal.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTROLE DE EXECUÇÃO NO BRASIL.

A evolução do controle do Brasil[1] se inicia ainda no período colonial, no ano 1680, quando criaram as Juntas das Fazendas das Capitanias e a Junta da Fazenda do Rio de Janeiro, jurisdicionado a Portugal.

No ano de 1808 sobre a administração de D. João VI, foi instalado o Erário Régio e criado o Conselho da Fazenda, o qual tinha a função de acompanhar a execução da despesa pública.

Em detrimento da proclamação da Independência do Brasil, no ano de 1822, a Constituição de 1824 transformou o Erário Régio no Tesouro, prevendo os primeiros orçamento e balanços de maneira geral:

Art. 170. A Receita, e despeza da Fazenda Nacional será encarregada a um Tribunal, debaixo de nome de 'Thesouro Nacional" aonde em diversas Estações, devidamente estabelecidas por Lei, se regulará a sua administração, arrecadação e contabilidade, em reciproca correspondencia com as Thesourarias, e Autoridades das Provincias do Imperio.(...)

 Art. 172. O Ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido dos outros Ministros os orçamentos relativos ás despezas das suas Repartições, apresentará na Camara dos Deputados annualmente, logo que esta estiver reunida, um Balanço geral da receita e despeza do Thesouro Nacional do anno antecedente, e igualmente o orçamento geral de todas as despezas publicas do anno futuro, e da importancia de todas as contribuições, e rendas publicas.[2]

                                                                                  

O Tribunal de Contas só veio a surgir, como uma remota ideia, na data de 23 de junho de 1826, com Felisberto Caldeira Brandt, Visconde de Barcelona e José Inácio Borges, os quais apresentaram o projeto de lei ao Senado Imperial.

No entanto, as discussões sobre a criação ou não do Tribunal de Contas perpetuou por volta de cem anos (um século), entre aqueles que almejavam a criação de um órgão independente para fazer a fiscalização das contas públicas e os que defendiam pela não criação do órgão, pois entendiam que o próprio órgão que executava as contas públicas poderia fazer o controle por ele mesmo.

Com o advento da queda do Império Brasileiro e com as reformas político-administrativas da Jovem República, foi criado o Tribunal de Contas, na data de sete de novembro de 1890, pela iniciativa do Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, o Decreto nº 966-A. Possuindo como princípios matriz a autonomia, fiscalização, julgamento, vigilância e energia.

A Carta Magna Brasileira de 1891, a qual foi à primeira constituição republicana, apresentada no Art. 89, institucionalizando de maneira definitiva o Tribunal de Constas da União.

Art 89 - É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso. Os membros deste Tribunal serão nomeados pelo Presidente da República com aprovação do Senado, e somente perderão os seus lugares por sentença.[3]

A instalação ocorreu na data de 17 de janeiro de 1893. Tendo como competência originária a revisão e julgamento de todas as operações relacionadas às despesas e receitas da União, de maneira prévia. A Constituição Republicana de 1891 conferiu competências para liquidar as contas da receita e da despesa e averiguar a sua legalidade antes de visualizadas pelo Congresso Nacional.

Com a Constituição da República de 1934, o Tribunal adquiriu as seguintes atribuições: 1) proceder ao acompanhamento da execução orçamentária; 2) registrar previamente as despesas e os contratos; 3) julgar as contas dos responsáveis por bens e dinheiro públicos; 4) apresentar parecer prévio sobre as contas do Presidente da República para posterior encaminhamento à Câmara dos Deputados.

Art 99 - É mantido o Tribunal de Contas, que, diretamente, ou por delegações organizadas de acordo com a lei, acompanhará a execução orçamentária e julgará as contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos. 

Art 101 - Os contratos que, por qualquer modo, interessarem imediatamente à receita ou à despesa, só se reputarão perfeitos e acabados, quando registrados pelo Tribunal de Contas. A recusa do registro suspende a execução do contrato até ao pronunciamento do Poder Legislativo.

 § 1º - Será sujeito ao registro prévio do Tribunal de Contas qualquer ato de Administração Pública, de que resulte obrigação de pagamento pelo Tesouro Nacional, ou por conta deste. 

§ 2º - Em todos os casos, a recusa do registro, por falta de saldo no crédito ou por imputação a crédito impróprio, tem caráter proibitivo; quando a recusa tiver outro fundamento, a despesa poderá efetuar-se após despacho do Presidente da República, registro sob reserva do Tribunal de Contas e recurso ex officio para a Câmara dos Deputados. 

§ 3º - A fiscalização financeira dos serviços autônomos será feita pela forma prevista nas leis que os estabelecerem.[4]

Todas as atribuições da Constituição da República de 1937 foram mantidas, salvo o parecer prévio sobre as contas presidenciais.

Art. 114 - Para acompanhar, diretamente, ou por delegações organizadas de acordo com a lei, a execução orçamentária, julgar das contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos e da legalidade dos contratos celebrados pela União, é instituído um Tribunal de Contas, cujos membros serão nomeados pelo Presidente da República. Aos Ministros do Tribunal de Contas são asseguradas as mesmas garantias que aos Ministros do Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela Lei Constitucional nº 9, de 1945)

Parágrafo único - A organização do Tribunal de Contas será regulada em lei.     (Redação dada pela Lei Constitucional nº 9, de 1945)[5]

A Constituição de 1946 acrescentou o julgamento da legalidade das concessões de aposentadoria, reformas e pensões.

Art 22 - A administração financeira, especialmente a execução do orçamento, será fiscalizada na União pelo Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas, e nos Estados e Municípios pela forma que for estabelecida nas Constituições estaduais.

Parágrafo único - Na elaboração orçamentária se observará o disposto nos arts. 73 a 75. (...)

Art 77 - Compete ao Tribunal de Contas:

I - acompanhar e fiscalizar diretamente, ou por delegações criadas em lei, a execução do orçamento;

II - julgar as contas dos responsáveis por dinheiros e outros bens públicos, e as dos administradores das entidades autárquicas;

III - julgar da legalidade dos contratos e das aposentadorias, reformas e pensões.

§ 1º - Os contratos que, por qualquer modo, interessarem à receita ou à despesa só se reputarão perfeitos depois de registrados pelo Tribunal de Contas. A recusa do registro suspenderá a execução do contrato até que se pronuncie o Congresso Nacional.

§ 2º - Será sujeito a registro no Tribunal de Contas, prévio ou posterior, conforme a lei o estabelecer, qualquer ato de Administração Pública de que resulte obrigação de pagamento pelo Tesouro nacional ou por conta deste.

§ 3º - Em qualquer caso, a recusa do registro por falta de saldo no crédito ou por imputação a crédito impróprio terá caráter proibitivo. Quando a recusa tiver outro fundamento, a despesa poderá efetuar-se, após despacho do Presidente da República, registro sob reserva do Tribunal de Contas e recurso ex officio para o Congresso Nacional.

§ 4º - O Tribunal de Contas dará parecer prévio, no prazo de sessenta dias, sobre as contas que o Presidente da República deverá prestar anualmente ao Congresso Nacional. Se elas não lhe forem enviadas no prazo da lei, comunicará o fato ao Congresso Nacional para os fins de direito, apresentando-lhe, num e noutro caso, minucioso relatório de exercício financeiro encerrado.[6]

No entanto, a Constituição Republicana Brasileira de 1967 (país a época tomado pela ditadura militar), confirmada pela EC nº01 de 1969, saca do Tribunal de Contas o julgamento prévio dos atos e dos contratos os quais geravam despesas, porém nãofoi prejudicado a competência para apontar as devidas irregularidades para serem estudadas e sanadas objeto de representação ao Congresso Nacional.

Art 71 - A fiscalização financeira e orçamentária da União será exercida pelo Congresso Nacional através de controle externo, e dos sistemas de controle interno do Poder Executivo, instituídos por lei.

§ 1º -O controle externo do Congresso Nacional será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas e compreenderá a apreciação das contas do Presidente da República, o desempenho das funções de auditoria financeira e orçamentária, e o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos.

§ 2º - O Tribunal de Contas dará parecer prévio, em sessenta dias, sobre as contas que o Presidente da República prestar anualmente. Não sendo estas enviadas dentro do prazo, o fato será comunicado ao Congresso Nacional, para os fins de direito, devendo o Tribunal, em qualquer caso, apresentar minucioso relatório do exercício financeiro encerrado.

§ 3º - A auditoria financeira e orçamentária será exercida sobre as contas das unidades administrativas dos três Poderes da União, que, para esse fim, deverão remeter demonstrações contábeis ao Tribunal de Contas, a quem caberá realizar as inspeções que considerar necessárias.

§ 4º - O julgamento da regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis será baseado em levantamentos contábeis, certificados de auditoria e pronunciamentos das autoridades administrativas, sem prejuízo das inspeções referidas no parágrafo anterior.(...)

Art 73 - O Tribunal de Contas tem sede na Capital da União e jurisdição em todo o território nacional.

§ 1º - O Tribunal exercerá, no que couber, as atribuições previstas no art. 110, e terá quadro próprio para o seu pessoal.

§ 2º - A lei disporá sobre a organização do Tribunal podendo dividí-lo em Câmaras e criar delegações ou órgãos destinados a auxiliá-lo no exercício das suas funções e na descentralização dos seus trabalhos.

§ 3º - Os Ministros do Tribunal de Contas serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre brasileiros, maiores de trinta e cinco anos, de idoneidade moral e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública, e terão as mesmas garantias, prerrogativas, vencimentos e impedimentos dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos.

§ 4º - No exercício de suas atribuições de controle da administração financeira e orçamentária, o Tribunal representará ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional sobre irregularidades e abusos por ele verificados.

§ 5º - O Tribunal de Contas, de ofício ou mediante provocação do Ministério Público ou das Auditorias Financeiras e Orçamentárias e demais órgãos auxiliares, se verificar a ilegalidade de qualquer despesa, inclusive as decorrentes de contratos, aposentadorias, reformas e pensões, deverá:

a) assinar prazo razoável para que o órgão da Administração Pública adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei;

b) no caso do não atendimento, sustar a execução do ato, exceto em relação aos contratos;

c) na hipótese de contrato, solicitar ao Congresso Nacional que determine a medida prevista na alínea anterior, ou outras que julgar necessárias ao resguardo dos objetivos legais.

§ 6º - O Congresso Nacional deliberará sobre a solicitação de que cogita a alínea c do parágrafo anterior, no prazo de trinta dias, findo o qual, sem pronunciamento do Poder Legislativo, será considerada insubsistente a Impugnação.

§ 7º - O Presidente da República poderá ordenar a execução do ato a que se refere a alínea b do § 5 º, ad referendum do Congresso Nacional.

§ 8º - O Tribunal de Contas julgará da legalidade das concessões iniciais de aposentadorias, reformas e pensões, independendo de sua decisão as melhorias posteriores.[7]

Também foi retirado das competências do Tribunal de Contas o julgamento da legalidade de concessões de aposentadorias, reformas e pensões, deixando a cargo do Tribunal de Contas somente a averiguação da legalidade para a finalidade de apenas registro. O processo de fiscalização financeira e orçamentária passou por diversas reformas no período da ditadura militar brasileira. Adquiriu o exercício de auditoria financeira e orçamentária sobre as contas das unidades dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) da União, instituindo o sistema de Controle Externo, sobre responsabilidade do Congresso Nacional, com suporte do Tribunal de Contas.

Após do fim da ditadura militar no ano de 1985 e o advento da Carta Magna de 1988, o Tribunal de Contas uma grande ampliação de suas competências e jurisdição. Com auxílio do Congresso Nacional, o Tribunal de Contas exerce a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das instituições da administração direta e indireta, assim como a legalidade, legitimidade e à economicidade e a fiscalização da aplicação das subvenções e da renúncia de receitas. Qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, a qual utilize, guarde, gerencie ou administre recursos públicos.

3. TRIBUNAL DE CONTAS

O Tribunal de Contas é o órgão responsável pela fiscalização dos gastos públicos. No âmbito federal, a responsabilidade é do Tribunal de Contas da União (TCU) e nos âmbitos municipal e estadual, na maioria dos casos, a responsabilidade é dos Tribunais de Contas dos Estados (TCE’s).

Há exceções em relação aos estados e municípios, pois em alguns estados existe um TCE e também um Tribunal de Contas do Município (TCM), responsável pela fiscalização da capital, ou dos Municípios (TCM), responsável pela fiscalização de todas as cidades do estado. Os Tribunais de Contas analisam, portanto, de acordo com as suas áreas de atuação, as contas dos órgãos públicos.

A fiscalização realizada pelo Tribunal é chamada de controle externo. Cabe ao Poder Legislativo (Senado e Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores) exercer esse controle junto aos Poderes Executivo (Governos Federal, Estaduais e Prefeituras Municipais) e Judiciário (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Eleitorais, Tribunais de Justiça dos Estados).

Assim, o Tribunal de Contas é um órgão autônomo, que auxilia o Poder Legislativo a exercer o controle externo, fiscalizando os gastos dos Poderes Executivo, Judiciário e do próprio Legislativo. Além de estar sujeito ao controle externo, cada Poder tem a responsabilidade de manter um sistema de controle interno. E, por sua vez, apesar de ser um tribunal, o Tribunal de Contas não faz parte do Poder Judiciário.

3.1. A DUPLA FUNÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS NA FISCALIZAÇÃO DAS CONTAS DO PREFEITO MUNICIPAL

Como corolário do princípio do Estado Democrático de Direito surge para todos os poderes e órgãos constituídos a obrigação de submeter os seus atos ao controle fiscalizatório da sociedade e principalmente do próprio Estado.

No âmbito estatal ganham destaque os preceitos dos artigos 70 e seguintes do texto constitucional que atribuem o exercício da fiscalização financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas ao Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas (RTTC, p.55).

Atenta à matéria atinente à fiscalização da administração municipal, a Constituição Federal expressamente previu no art. 29 que o Município reger-se-á por Lei Orgânica, atendendo aos princípios estabelecidos na Constituição Federal e Estaduais. Mais adiante o art. 75 confirma o mencionado princípio da simetria ao afirmar que as normas relativas à fiscalização contábil, financeira e orçamentária devem ser aplicadas aos Tribunais e Conselhos de Contas Municipais, denotando-se a competência desta Corte para julgar os administradores e responsáveis por bens, dinheiros e valores públicos, também na esfera municipal. 

3.2. O CONTROLE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O controle dos atos da Administração Pública é uma das principais características do Estado Democrático de Direito e tem como finalidade precípua preservar os interesses maiores do Estado enquanto sociedade politicamente organizada. Esse controle pode ser interno, quando ocorre a autofiscalização; ou externo, quando um órgão diverso do Executivo fiscaliza os atos deste. Assim, pode ser exercido pela própria Administração, pelo Judiciário, pelo Legislativo ou ainda pelo Tribunal de Contas.

O controle desempenhado pela própria Administração, também denominado de administrativo, deriva do poder de autotutela que essa tem sobre seus atos e agentes.

O controle realizado pelo Judiciário está restrito à análise da legalidade dos atos, ou seja, à verificação da conformidade do ato com a norma legal que o disciplina.

O controle exercido pelo Legislativo, caracterizado por sua natureza política, opera-se por meio da aprovação dos instrumentos de planejamento (PPA, LDO e LOA) que consolidam as políticas públicas, estimam receitas e despesas, e pela posterior fiscalização da execução desses instrumentos, tudo com objetivo de assegurar a boa aplicação e impedir o mau uso dos recursos (RTTC, p.57).

A competência do Legislativo é caracterizada por sua amplitude, ressaltada pelo art. 70 da Constituição Federal ao estabelecer que a fiscalização exercida pelo Congresso Nacional, que se dá mediante controle externo, compreende os aspectos contábeis, financeiros, orçamentários, operacionais e patrimoniais da Administração Pública quanto à legalidade, à legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções, inclusive das renúncias de receita e dos repasses de recursos públicos a entidades privadas, a título de subvenção social.

Decorre ainda do texto constitucional, que nos aspectos enunciados pelo mencionado art. 70, o controle a cargo do Congresso Nacional deve ser realizado com o auxílio do Tribunal de Contas, que possui competências próprias, exclusivas e indelegáveis.

Na sua tarefa de prestar auxílio ao Poder Legislativo, que possui a missão institucional de julgar as contas anuais apresentadas pelo Chefe do Executivo, o Tribunal de Contas elabora o parecer prévio (art. 71, I), realiza auditorias ou inspeções (art. 71, IV) ou presta informações solicitadas (art. 70, VII), bem como, emite pronunciamento sobre despesas não autorizadas, nos casos em que a autoridade governamental não tiver prestado os esclarecimentos necessários ou estes forem insuficientes (art. 72, §1º).

Em suma, incumbe ao Tribunal de Contas exercer com exclusividade as competências fiscalizatórias consignadas nos incisos I a XI, do art. 71, destacando-se o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta ou indireta, o registro dos atos de admissão de pessoal e de aposentadoria, a realização de inspeções e auditorias, a aplicação aos responsáveis, em caso de ilegalidade ou irregularidade nas contas as sanções previstas em lei, podendo resultar a imputação de débito por danos ao erário e a aplicação de multa proporcional ao dano causado (RTTC, p.57).

3.3. DA OBRIGAÇÃO DE PRESTAR CONTAS

Na esfera da Administração Pública esse dever assume um significado ainda mais relevante, uma vez que a essa incumbe a essencial tarefa de gerir os recursos públicos de que é dona toda a coletividade.

O dever de prestar contas está consolidado no art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece:

Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

A prestação de contas tem por finalidade levar à coletividade o resultado da gestão dos recursos públicos que são retirados, na sua grande maioria, do cidadão sob a forma de tributo.

Há o dever do Chefe do Executivo de consolidar as contas globais anuais de todos os poderes e entidades da administração indireta e submetê-las ao Legislativo, que profere julgamento estritamente político, após parecer prévio do Tribunal de Contas.

De outro lado há o dever de todo administrador que, na condição de gestor público, capta receitas e ordena despesas, de submeter suas contas direta e exclusivamente ao Tribunal de Contas, que profere julgamento técnico de legalidade, legitimidade e economicidade, podendo ensejar a responsabilização administrativa, civil e penal do gestor (RTTC, p.58).

3.4. O JULGAMENTO DE CONTAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS

Por expressa disposição do art. 71, II da Constituição Federal, repetida, em face do princípio da simetria, no art. 59 da Constituição do Estado, é da competência exclusiva do Tribunal de Contas o julgamento das contas dos administradores públicos do Estado e dos demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público estadual, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário (RTTC, p.63).

3.5. NATUREZA DAS CONTAS JULGADAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS 

As contas que estão sujeitas ao julgamento do Tribunal de Contas são as denominadas contas de gestão que segundo Heraldo Costa Reis (1997, p. 37) “são pura e simplesmente demonstrações e relatórios das gestões individualizadas dos agentes da administração, legalmente habilitados para gerirem as parcelas de patrimônio da entidade sob a sua responsabilidade, tais como direitos e obrigações assumidos em nome dessa mesma entidade”. Trata-se da prestação de contas individual de cada unidade orçamentária (gestora), consistente no balanço geral do exercício, podendo ser acrescida, no âmbito do Tribunal de Contas, dos atos de responsabilidade (atos de gestão, atos de ordenação de despesa e de captação de receitas) expedidos no período correspondente à gestão, quando auditados ou inspecionados pelo Tribunal de Contas. Por isso sua natureza é distinta da prestação de contas do Município, que está focada nos resultados.

As contas que o Tribunal julga têm por objeto os atos: a) dos administradores públicos que atuam em nome do Estado; b) dos responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, neles compreendidos toda e qualquer pessoa física ou jurídica pública ou privada, que mantiver em sua guarda dinheiros, bens ou valores públicos; c) de todo e qualquer agente público que der causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário (tomada de contas especial).

O exame das contas dos agentes públicos não abrange mais somente os atos de realização de despesa, quanto à regularidade de aplicação de recursos públicos, mas todos os atos de gerenciamento público, envolvendo a arrecadação da receita, a realização da despesa e a administração dos dinheiros, bens e valores públicos (art. 71, II, CF).

A fiscalização do Tribunal de Contas abrange não apenas os administradores públicos titulares de unidades gestoras de recursos públicos, também conhecidos como ordenadores de despesa, como toda e qualquer pessoa que tiver sob sua guarda bens, dinheiros ou valores públicos, compreendendo a legalidade, a legitimidade e a economicidade da gestão, da renúncia de receitas e da concessão de subvenções.

Referida prestação de contas deve ser apresentada ao Tribunal de Contas pelos administradores públicos na condição de responsáveis pelo gerenciamento das atividades-meio, nos prazos fixados em ato normativo do Tribunal (RTTC, p.64-68)

4. LEGISLATIVO 

4.1. O JULGAMENTO DE CONTAS PELO PARLAMENTO MUNICIPAL

A Constituição Federal atribui exclusivamente ao Congresso Nacional a competência para julgar as contas anuais prestadas pelo Presidente da República e, pela dicção do art. 31 da Carta Magna, no âmbito municipal, a competência para julgar as contas anuais prestadas pelo Prefeito é da Câmara Municipal.

A norma constitucional encontra-se repetida na Constituição do Estado de Santa Catarina (art. 113), que reservou à Câmara Municipal a competência para julgar a prestação de contas entregues anualmente pelo Prefeito.

Referida prestação de contas deve ser submetida, antes do julgamento da Câmara, a uma análise técnica do Tribunal de Contas formalizada por meio de um parecer prévio.

Importante observar que a competência da Câmara para julgar as contas anuais do Município afasta a competência do Tribunal para julgá-las, cabendo-lhe, tão somente apreciá-las, mediante parecer prévio.

A competência do Tribunal de Contas para emitir parecer prévio sobre as contas apresentadas pelo Prefeito encontra-se expressamente prevista no art. 31, §§1º e 2º, da Constituição Federal e no art. 113, §§1º e 2º da Constituição do Estado de Santa Catarina, constituindo-se em peça fundamental sem a qual o julgamento da Câmara não se efetiva (CE/SC, art. 113, §3º, com a redação dada pela EC nº 32).

Quando emite parecer prévio sobre a prestação de contas anual apresentada pelo Prefeito, o Tribunal de Contas exerce a função típica de auxílio ao Poder Legislativo, e nesse mister emite um pronunciamento técnico sobre os aspectos gerais da gestão com enfoque para os resultados.

O parecer prévio não vincula a Câmara Municipal que pode provar as contas mesmo diante de uma recomendação de rejeição feita pelo Tribunal de Contas, mediante a deliberação de dois terços dos seus membros.

Essa desvinculação da Câmara ao parecer prévio guarda conformidade com a natureza política do controle parlamentar, considerando que o juízo de valor emitido pela Câmara quando julga as contas anuais do Município não envolve a legitimidade e a economicidade da gestão, afastando desse julgamento os atos de improbidade que tenham ou não causado dano ao erário, de responsabilidade do Prefeito enquanto ordenador de despesa e dos demais administradores públicos municipais, por isso o julgamento da Câmara possui apenas a dimensão política (RTTC, p.59).

4.2. NATUREZA DAS CONTAS JULGADAS PELO PARLAMENTO MUNICIPAL 

Por força do modelo federativo a que estão sujeitos Estados, Distrito Federal e Municípios, cabe aos respectivos parlamentos a atribuição de julgar as contas prestadas anualmente pelos Chefes do Poder Executivo de cada ente. Cumpre destacar, entretanto, que as contas a que o Legislativo tem o dever de julgar são aquelas apresentadas pelo Chefe do Executivo na condição de agente político comprometido com a atividade-fim do ente.

Na esteira municipal, cabe ao Prefeito consolidar os balanços anuais de todos os poderes, órgãos e entidades que compõem a administração direta e indireta e submetê-las à Câmara Municipal nos prazos previstos nas respectivas leis orgânicas municipais.

Art. 50. O Tribunal de contas do Estado apreciará as contas prestadas anualmente pelo Prefeito, as quais serão anexadas às do Poder Legislativo, mediante parecer prévio a ser elaborado antes do encerramento do exercício em que foram prestadas.

Art. 51. A prestação de contas de que trata o artigo anterior será encaminhada ao Tribunal de Contas até o dia 28 de fevereiro do exercício seguinte, e consistirá no Balanço Geral do Município e no relatório do órgão central do sistema de controle interno do Poder Executivo sobre a execução dos orçamentos de que trata o art. 120, §4º da Constituição Estadual.

A prestação de contas de governo que é submetida ao julgamento da Câmara Municipal deve conter registros e informações sobre a situação financeira e patrimonial e o nível de endividamento do Município, além de retratar a execução orçamentária em termos de cumprimento das metas físicas e financeiras dos programas governamentais previstos no PPA e na LOA, o alcance de metas de receita, de resultado nominal e primário, o cumprimento dos limites constitucionais para saúde e educação, dos limites legais da despesa com pessoal, a posição da dívida ativa com a demonstração das providências adotadas para a cobrança do crédito tributário e do desempenho da arrecadação em relação à previsão, exigidos pelo art. 58 da LRF.

Dentre os aspectos de resultados abordados na prestação de contas anual sujeita ao julgamento da Câmara Municipal, destaca-se, por sua relevância, a execução dos programas de governo consolidados no Plano Plurianual de Investimentos (PPA) para execução num período de quatro anos, em especial porque tais programas constituem compromissos de real significado para o povo, consistentes nas políticas públicas eleitas pelo governante e aprovadas pela Câmara com vistas a assegurar o atendimento das demandas sociais quanto à saúde, à educação, à segurança, ao saneamento básico, à habitação etc.

Nesse julgamento político, a Câmara verifica se os interesses maiores do Município estão sendo preservados com vistas a realização do bem comum e, ao mesmo tempo, informa ao povo se o governante cumpriu rigorosamente as políticas públicas que ele mesmo compôs através do PPA e da Lei Orçamentária, segundo as diretrizes fixadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias, para o atendimento das necessidades de toda a coletividade. Em síntese, a Administração Pública Municipal presta contas, como um todo, por meio do Prefeito, na condição de Chefe do Executivo, que tem a função de agregar as contas dos demais Poderes e entidades da administração indireta e submeter ao respectivo Parlamento, que por sua vez, profere um julgamento estritamente político, após parecer técnico do Tribunal de Contas, ao qual não fica vinculado (RTTC, p.61).

4.3. O JULGAMENTO DAS CONTAS DO PREFEITO NA CONDIÇÃO DE ORDENADOR DE DESPESA

O modelo de administração adotado no Brasil admite a partilha de responsabilidade entre os agentes políticos e os agentes administrativos, de modo que o agente político (Governador e Prefeito) pratica atos de governo em face de seu comprometimento com a atividade-fim, voltada ao atendimento do interesse público primário. O governo, através dos instrumentos de planejamento, é o grande formulador das políticas públicas destinadas a assegurar ao povo condições dignas de saúde, segurança, transporte, educação, prestação jurisdicional, dentre outros.

O agente administrativo (o gestor), por sua vez, é encarregado do gerenciamento da atividade-meio, ou seja, é o responsável pela execução das políticas públicas eleitas, mediante a ordenação de despesas e a captação de receitas.

A grande maioria dos Municípios brasileiros é de pequeno e médio porte, razão pela qual a administração é conduzida praticamente de forma unipessoal pelo Prefeito, que une as figuras de agente político e administrativo.

Sendo o Prefeito responsável por dupla função, deve ser submeter ao duplo julgamento: um pelo Parlamento, precedido do parecer prévio do Tribunal de Contas, e outro técnico, somente pelo Tribunal de Contas.

A Constituição Federal descreve no art. 31 um regramento peculiar, em certos aspectos, no que se refere à fiscalização dos Municípios:

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

§1º – O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver.

§2º – O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.

Deve-se atentar ao fato de que o caput do art. 31 aduz que a fiscalização do Município, ou seja, do Município como entidade política, será exercida pelo Parlamento Municipal, por meio do controle externo. Significa dizer que, aos moldes dos arts. 70 e 71 da Constituição, a fiscalização do ente, no que se refere à execução financeira e orçamentária será exercida pelo Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas.

A diferença marcante nos Municípios é que o parecer prévio elaborado pelo Tribunal de Contas, no que se refere às contas do Município (contas que o Prefeito deve anualmente prestar), poderá deixar de prevalecer por decisão de dois terços dos membros do Legislativo (RTTC, p.68-76). 

5. JULGAMENTO DAS CONTAS PÚBLICAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL

Depois de tudo o que foi exposto sobre o tema eis que surge uma polêmica que tem despertado especial atenção dos juristas e doutrinadores brasileiros concernentes ao caso do Prefeito Municipal ordenador de despesas.

É sabido que na maioria dos municípios brasileiros, o Prefeito Municipal acumula a função de ordenador de despesas, fato que provoca grande celeuma no que tange ao órgão responsável pelo julgamento de suas contas, pois ao avocar a função de ordenador de despesa, o Prefeito gere duas modalidades de contas: as de governo, inerentes a seu cargo político e as de gestão, outorgadas ao ordenador de despesas.

Como visto antes, a Câmara de Vereadores deve julgar as contas de governo do Prefeito, mas deve o mesmo órgão político julgar as contas de gestão? Ou, ao contrário, deveria ser o tribunal de contas à instituição responsável para o julgamento das contas de gestão relativas aos atos de ordenamento de despesas desempenhados pelo Prefeito?

Diante de tal polêmica verifica-se que há posição no sentido de apenas a Câmara municipal ter a competência para o julgamento das contas do Prefeito, mesmo sendo ordenador de despesa. Ou seja, as contas deveriam ser julgadas de acordo com a autoridade que as conduz e não de acordo com a essência do que se contabiliza. E há os que entendem que quando Prefeito acumula a função de ordenador de despesa, maneja duas classes de contas, de sorte que devem ser julgadas duplamente: as contas de governo, julgadas pela Câmara, com emissão de parecer prévio do Tribunal de Contas e as de gestão julgadas exclusivamente pelo Tribunal de Contas.

Mileski (2011, p. 318), defendendo o duplo julgamento, assim se posiciona sobre o assunto:

A maioria, a quase totalidade dos municípios brasileiros, é de médio, pequeno e pequeníssimo porte, cuja administração é conduzida de maneira unipessoal pelo Prefeito, sendo este o responsável direto pela execução orçamentária municipal, inclusive no que diz respeito à ordenação, liberação e pagamento de despesas. Em tal circunstância, a toda evidência, deve o Prefeito Municipal ficar adstrito a um sistema de controle em que a avaliação técnico-jurídica possua uma valoração decisória compatível com o seu grau de responsabilidade, independentemente da avaliação de cunho político.

Dessa forma, o Prefeito Municipal é mais que o condutor político do município, ele também é o administrador, o gestor dos bens e dinheiros públicos, assumindo uma dupla função – política e administrativa. Justamente por isto, o Poder Judiciário, em decisões reiteradas, sob o argumento de que sendo possível uma dupla função, o Prefeito Municipal também se submete a um duplo julgamento. Um político, perante o Parlamento, precedido de parecer prévio e outro técnico, a cargo do Tribunal de Contas. (Grifo Nosso).

Marcio Bessa Nunes (2006, p. 7895) também chega ao mesmo entendimento:

Portanto, se o chefe do Poder Executivo praticar atos de gestão, mesmo sua posição política não impede que as Cortes de Contas venham a julgar as contas que decorrem de sua atividade anômala como ordenador de despesas, sem necessidade de chancela posterior do Poder Legislativo. (Grifo Nosso).

Ante o exposto, não há razão para o Prefeito ordenador de despesas não ser submetido ao julgamento técnico realizado pelo Tribunal de Contas sobre suas contas de gestão. Tendo como consequência lógica que além de ter suas contas de gestão submetidas ao julgamento do Tribunal de Contas, fica ainda submetido a todas as sanções que este Tribunal tem competência para aplicar, bem como pode, ao ter suas contas de gestão rejeitadas pela Corte de Contas, ficar inelegível, conforme disposição do artigo 1º, inciso I, "g", da Lei Complementar Federal nº 64/90, justificando-se porque ao exercer funções ligadas à ordenação de despesas, caracteriza-se como administrador e responsável por bens e valores públicos, devendo assim prestar contas ao órgão competente neste caso, constitucionalmente estabelecido, o Tribunal de Contas.

Como demonstra o entendimento sumulado nº 90 do TCU:

O Parecer Prévio, em sentido favorável, emitido pelo Tribunal de Contas da União, e a aprovação, mediante Decreto-Legislativo, pelo Congresso Nacional, das contas anuais do Presidente da República (consubstanciadas nos Balanços Gerais da União e no Relatório da Inspetoria-Geral de Finanças, do Ministério da Fazenda), não isentam os responsáveis por bens, valores e dinheiros públicos ou as autoridades incumbidas da remessa, de apresentarem ao Tribunal de Contas da União, por intermédio do órgão competente do Sistema de Administração Financeira, Contabilidade e Auditoria, as tomadas ou prestações de contas em falta, nem prejudicam a incidência de sanções cabíveis, por irregularidades verificadas ou inobservância de disposições legais e regulamentares concernentes à administração financeira e orçamentária da União. (Grifo Nosso).

Tal posicionamento jurisprudencial é alicerçado com base na qualidade de quem presta as contas. Por entenderem que o Chefe do Executivo tem suas contas, quaisquer que sejam julgadas apenas pelo Poder Legislativo, ou seja, a desigualdade jurídica estaria baseada no cargo político exercido.

Neste sentido, temos tanto decisões do Tribunal Superior Eleitoral quanto do Superior Tribunal Federal, conforme se vê abaixo:

De fato, o art. 71 da Constituição Federal distingue as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos, definindo que, na primeira hipótese, caberá ao Tribunal de Contas da União apenas a apreciação, ou seja, o juízo consultivo, e na segunda circunstância, lhe competirá o julgamento. Pela leitura do dispositivo constitucional invocado, observa-se que a mencionada distinção levou em conta a qualidade da pessoa que presta as contas. Em outras palavras, as contas prestadas pelo Presidente da República serão sempre julgadas pelo Congresso Nacional, com parecer prévio do TCU, e aquelas apresentadas por pessoa diversa, que exerça a função de administrador, ou que seja responsável por dinheiro bens e valores públicos, serão julgadas pelo TCU. (TSE. Recurso Especial Eleitoral nº 29535, Acórdão de 22/09/2008, Relator (a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 22/09/2008) – Grifo Nosso.

INELEGIBILIDADE – PREFEITO – REJEIÇÃO DE CONTAS – COMPETÊNCIA.
Ao Poder Legislativo compete o julgamento das contas do Chefe do Executivo, considerados os três níveis – federal, estadual e municipal. O Tribunal de Contas exsurge como simples órgão auxiliar, atuando na esfera opinativa – inteligência dos artigos 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, 25, 31, 49, inciso IX, 71 e 75, todos do corpo permanente da Carta de 1988.           
(...)
Nota-se, mediante leitura dos incisos I e II do artigo 71 em comento, a existência de tratamento diferenciado, consideradas as contas do Chefe do Poder Executivo da União e dos administradores em geral. Dá-se, sob tal ângulo, nítida dualidade de competência, ante a atuação do Tribunal de Contas. Este aprecia as contas prestadas pelo Presidente da República e, em relação a elas, limita-se a exarar parecer, não chegando, portanto, a emitir julgamento. (STF. RE 132747, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 17/06/1992, DJ 07-12-1995 PP-42610 EMENT VOL-01812-02 PP-00272) – Grifo Nosso.

1. Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Prefeito do município de Pelotas. 3. Cabe ao Tribunal de Contas, simples órgão opinativo, a apreciação mediante parecer prévio, das contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo. A competência para julgá-las fica a cargo do Poder Legislativo. 4. Precedentes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 471.506 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 26.04.2011) – Grifo Nosso.

Como se pode observar, as decisões acima, não levam em consideração a natureza do regime das contas, baseiam-se no atributo político de quem as presta, bem como reduzem o papel do Tribunal de Contas, considerando-o mero órgão opinativo/auxiliar.

Com efeito, o fato ser Prefeito não significa que o ordenador de despesas goza isenção de responsabilidade, de sorte que os atos que importam em gestão de recursos públicos devem ser julgados pelo Tribunal de Contas. Assim, quando o Prefeito municipal acumula as funções de ordenador de despesa, suas contas devem ser julgadas separadamente: a) contas de governo - anualmente, as contas de governo pela Câmara Legislativa, sendo emitido parecer prévio pelo Tribunal de contas, nos termos do artigo 71, I e 75 da CF/88; b) contas de gestão - periodicamente ou a qualquer tempo (nas chamadas tomadas de contas), através de emissão de acórdão pelo Tribunal de Contas com força de título executivo, consoante artigos 71, II e §3º e 75, da CF/88.

É bom frisar que o regime das contas públicas segue a natureza dos atos administrativos a que elas se referem, não sendo possível falar em contas públicas em função da qualidade da pessoa que as administra. Consoante amplamente demonstrado, de acordo com o regime das contas públicas, essas podem ser classificadas em contas de gestão, julgadas pelo Tribunal de Contas ou contas de governo, julgadas pelo Poder Legislativo.

Existindo jurisprudência nesse sentido, como podemos ver:

Observados os diversos incisos do art. 71, identificamos, entre as atividades do Tribunal de Contas, a apreciação das contas, atuando ele como órgão opinativo; APRECIA e emite PARECER PRÉVIO (inciso I); e a atribuição de JULGAR as contas daqueles que derem causa à perda, extravio ou outras irregularidades de que resulte prejuízo ao erário público (inciso II). Partindo-se da ideia de que não contém a Constituição palavras inúteis e de que se estendem os princípios constitucionais às três esferas de Poder - União, Estados e Municípios -, podemos afirmar que nos Estados o Tribunal de Contas funciona com a dupla atribuição: órgão auxiliar e órgão julgador. A diferença de atribuições fica na dependência do que se coloca para apreciação. No exercício da função política de gerência estatal, quando são examinados os atos de império na confecção, atuação e realização orçamentária, é o Tribunal órgão opinativo e, como tal, assessora tecnicamente o Legislativo, a quem compete o julgamento das contas do chefe político: Prefeito, Governador e Presidente da República (art. 71, inciso I, c/c o art. 49, IX, da CF/88). Diferentemente, quando examina o agir do ordenador de despesas, o Tribunal de Contas vai além, porque lhe compete julgar tais contas. Nas organizações estatais mais complexas, é impensável que seja o Governador ou o Presidente da República, o ordenador de despesas, atividade que é delegada a servidor a ele subordinado. (STJ. RMS 13.499/CE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2002, DJ 14/10/2002, p. 198) – Grifo Nosso.

É importante não olvidar que o Tribunal de Conta é um dos maiores indicativos de um Estado Democrático de Direito, dotado de autonomia e independência, para que assim possa fiscalizar a gestão do dinheiro público fiscalizando as contas e os atos de qualquer pessoa envolvida na atividade financeira do Estado. Pois é ele o órgão responsável por garantir à sociedade a transparência e o exame das contas públicas, além de deter o poder de sancionar os agentes públicos que não atuam em consonância com os fundamentos insculpidos na Constituição Federal.

Por outro lado, a Câmara Municipal é órgão eminentemente político e, justamente por não deter competência para o exame técnico das contas de governo do Chefe do Executivo, é obrigatoriamente auxiliado pelo Tribunal de Contas.

Permitir que as contas de gestão do Poder Executivo Municipal sejam julgadas sem análise de mérito e em um ambiente puramente político, é, antes de qualquer coisa, aceitar correr o risco de que ocorra manipulação política e contas de gestão, ainda que irregulares, ainda que com parecer prévio do Tribunal manifestando-se pela rejeição, sejam aprovadas mediante voto de 2/3 da Câmara Municipal. Uma completa afronta ao que quis o legislador constituinte impondo o dever constitucional – a qualquer pessoa que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos – de prestar contas.

Foi dito alhures que a evolução de um Estado Democrático de Direito está intimamente ligada com a eficiência do controle sobre as finanças públicas. Negar ao Tribunal de Contas uma competência que lhe foi outorgada pela Lei Maior, de modo a tolher sua autonomia e reduzi-lo a mero órgão auxiliar/opinativo, está justamente na contramão disto, tratar-se-ia de um verdadeiro retrocesso. Para agravar ainda mais a situação, trata-se de um retrocesso em desfavor de um órgão cujo objetivo-fim é zelar pela res publica.

Em virtude destas conclusões o STF decidiu que para os fins do artigo 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64/1990, a apreciação das contas de Prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos vereadores (STF. Plenário. RE 848826/DF, rel. orig. Min. Roberto Barroso, red. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 10/8/2016 - repercussão geral).

Ao analisar o RE nº 848826, entende-se pela competência dos Tribunais de Conta para o julgamento de contas do Prefeito enquanto ordenador de despesas, tal como assevera o art. 71, inciso II da Constituição Federal, pois entendimento como foi promulgado resulta em beneficiar prefeitos ordenadores de despesas responsáveis pela má administração de recursos públicos, em razão de sempre ser fiscalizado sobre a ótica política e não técnico das contas públicas.

6. CONCLUSÕES

Em conformidade ao que foi exposto nesse presente artigo, existe a importância de realizar o controle das contas públicas do Chefe do Executivo, sendo o Município, por mais que possua peculiaridades, as quais resultam em polêmicas.

Foi apresentado o conteúdo histórico do controle externo, começando pelo pioneiro a Inglaterra com o modelo Legislativo, em seguida os Estados Unidos, o qual adotou o modelo Inglês, porém fez diversas alterações, mesmo realizando essas ainda existe não se alcançou um modelo ideal, assim como a Inglaterra também não. A França com o modelo Jurisdicional, o qual fortemente influenciou o Brasil, em seguida como ocorreu historicamente à construção do Controle Externo das Contas Públicas do Brasil, começando desde o período colonial, mas somente podendo citar em modelo na data de sete de novembro de 1890, pelo Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, com o Decreto nº 966-A, criando o Tribunal de Contas, passando pela evolução das Constituições Brasileiras até a Constituição Republicana Brasileira no ano de 1988.

Explicou-se a função do Tribunal de Contas, concomitantemente a sua dupla função de controle fiscalizatório orçamentário e legal. O controle sobre os atos administrativos, com intuito de preservar os interesses maiores do Estado enquanto sociedade politicamente organizada. Existindo o controle interno dos órgãos e controle externo feito pela de Corte de Contas. A obrigação de prestar contas e o julgamento das contas dos administradores públicos do Estado e dos demais responsáveis pelos recursos públicos. A natureza do julgamento, as quais são os julgamentos das contas de gestão.

Atentou-se para o julgamento das contas pelo parlamento municipal, focando-se apenas no julgamento das contas anuais dos prefeitos, resumindo a atuação do Tribunal de Contas a mero auxiliador emitindo relatório e parecer prévio das contas anuais do chefe do executivo. A natureza da decisão sendo apenas política, pois pode o Tribunal de Contas recomendar pela reprovação e o parlamento aprovar.

Como a maioria dos municípios brasileiros são de pequeno e médio porte, resulta a posição do prefeito como também ordenador de despesas, acatando na questão de seus atos serem julgados pelo Tribunal de Contas.

Enfim, como a maioria dos prefeitos brasileiros acumulam dupla função a de ordenador de despesas (ou seja, contas de gestão) e ordenador das contas de governo (que trata de todo panorama político do mandato), resulta na questão de quem julgaria as contas de gestão dos prefeitos, em virtude de na esfera Estadual e Federal existirem os TCE’s e o TCU para emitirem pareceres prévios das contas de governo dos governadores e do presidente da república e julgarem as contas de gestão, na esfera municipal não há um Tribunal de Contas do Município para julgar.

Iniciada a polêmica. Questiona-se a quem caberia a competência para julgas as contas de gestão dos prefeitos? Entende-se que deveriam ser as câmaras dos vereadores, o problema seria um órgão político julgando contas técnicas, a atuação poderia se sobressair em detrimento da questão técnica. Perante essa questão, o Recurso Extraordinário nº 848826 decidiu de maneira contrária ao regimento e competência constitucional para o julgamento das contas públicas.

7. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

BRASIL. Constituição (1824). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>, data de acesso 27/05/2015.

BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível no site: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>, data de acesso 27/05/2016.

BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm>, data de acesso 27/05/2016.

BRASIL. Constituição (1937). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível no site: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm>, data de acesso 27/05/2016.

BRASIL. Constituição (1946). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm>, data de acesso 27/05/2016.

BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm>, data de acesso 27/05/2016.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. P 292.

_______. O julgamento das contas do Prefeito ordenador de despesas. Administrativo. Âmbito Jurídico <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10697>. Data de acesso 29 de maio de 2016.

_______. Portal do Tribunal de Constas. Disponível em: <http://portal.tcu.gov.br/institucional/conheca-o-tcu/historia/historia.htm>, data de acesso 26/05/2016.

_______. Portal dos Tribunais de Contas do Brasil, Disponível em: <http://www.controlepublico.org.br/controle-social/controle-externo>. Data de acesso em 25 de maio de 2016.

_______. Portal do Tribunal de Contas do Brasil. Disponível em: <http://portal.tcu.gov.br/institucional/conheca-o-tcu/historia/historia.htm> data de acesso 26 de maio 2016.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direito financeiro. 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

RTTC. Revista Técnica dos Tribunais de Contas, Belo Horizonte, ano 2, n. 1, Setembro 2011.

_______. Site do Palácio do Planalto da Presidência da República. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/>, data de acesso 26 de maio de 2016.


[1]Informações da evolução histórica do Controle Externo se encontram no site: <http://portal.tcu.gov.br/institucional/conheca-o-tcu/historia/historia.htm>, data de acesso 26/05/2016.

[2] Constituição Brasileira de 1824, informações no site: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>, data de acesso 27/05/2015.

[3]< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>, data de acesso 27/05/2016.

[4] <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm>, data de acesso 27/05/2016.

[5]< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm>, data de acesso 27/05/2016.

[6]< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm>, data de acesso 27/05/2016.

[7] <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm>, data de acesso 27/05/2016.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.