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Precedentes vinculantes: novo enfoque dado pelo Código de Processo Civil de 2015

Precedentes vinculantes: novo enfoque dado pelo Código de Processo Civil de 2015

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Demonstra-se a força dos precedentes dada pelo Novo Código de Processo Civil e os seus efeitos na construção do direito brasileiro, de forma a evidenciar a importância do Sistema da Common Law,

RESUMO:O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a força dos Precedentes dada pelo Novo Código de Processo Civil e os seus efeitos na construção do direito brasileiro, de forma a evidenciar a importância do Sistema da Common Law, como forma de garantir a Uniformização da Jurisprudência e a Segurança Jurídica na Nova ordem jurídica introduzida por este diploma legal.

Palavras-chaves. Sistemas. Civil Law. Common Law. Novo Código de Processo Civil. Eficácia Vinculante dos Precedentes. Efeitos. Uniformização. Segurança Jurídica. Razoável Duração do Processo.


INTRODUÇÃO:

Não é de hoje que o Legislador pátrio vem buscando técnicas para a uniformização da jurisprudência de modo a garantir um Processo mais humano.

Nos Estados que adotam a tradição da Common Law os Precedentes possuem uma força normativa preponderante sobre as demais fontes do direito.

O Brasil há muito necessitava de uma legislação processualista nova, que abarcasse todas as novas demandas sociais e ao mesmo tempo desse maior celeridade ao trâmite processual. O Novo Código de Processo Civil de 2015 veio suprir essa lacuna.

O início de todo esse anseio doutrinário começou com a Emenda Constitucional nº 45 de 2004, conhecida como a Reforma do Poder Judiciário, que introduziu no ordenamento o instituto da Súmula Vinculante, no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

O Código de 1973 já não tinha musculatura para abranger todas as necessidades dos jurisdicionados mesmo com todas as suas emendas.

Assim, após duradouro interregno de tramitação no Congresso Nacional em março de 2015 foi promulgado o Novo Código de Processo Civil, com vacatio legis de um ano.

Esse novo diploma legal, muito esperado pela doutrina mais abalizada, é considerado um marco para a história do Direito Processual Civil brasileiro.  Trouxe para o ordenamento inúmeros institutos que visam manter em consonância a nova ordem jurídica, em especial a Constituição Federal de 1988.

Uma dessas novidades e, aqui objeto de análise, diz respeito aos Precedentes Vinculantes. São dezenas de artigos que fazem referência a esse instituto no Novo Código, dada a sua importância como meio de resolução de demandas.

A ideia é desafogar o Poder Judiciário de inúmeros e, por vezes, desarrazoados processos que terminam por engessar esse Poder e, em última análise, contribuir para uma análise superficial e sumária das demandas.

Com uma jurisprudência uniformizada grande parte desses problemas será sanada, podendo contribuir, inclusive, para a redução do gasto do Estado com lides consideradas infrutíferas e infundadas.

Esse é, sem dúvidas, um dos grandes propósitos do Novo diploma legal: dar uma maior celeridade e segurança jurídica á sociedade.

Dessa feita, salta aos olhos a necessidade de melhor entender como se dá a formação dos Precedentes para a resolução das demandas à luz do Novo Código de Processo Civil e perseguir qual a sua contribuição para o ordenamento brasileiro.


2. ASPECTOS INICIAIS

É de conhecimento pacífico que a origem do direito brasileiro está atrelada a sistema Civil Law, onde a fonte primária do direito é a Legislação, logo, depreende-se que, no Brasil, vigora o sistema legalista.

De outra senda, é possível constatar alguns aspectos do sistema da Common Law ou anglo-saxão, no ordenamento brasileiro. Como é cediço, os países que são adeptos desse sistema julgam conforme os costumes e o direito consuetudinário, onde, aquela decisão poderá ser considerada razão de decidir quando do julgamento de outra demanda no futuro.

 DONIZETTI, argumentando nesse mesmo sentido, arremata o tema de maneira inabalável:

Em que pese à lei ainda ser considerada como fonte primária do direito, não é possível conceber um Estado exclusivamente legalista. Seja porque a sociedade passa por constantes modificações (culturais, socais, políticas, econômicas e etc.), que não são acompanhadas pelo legislador, seja porque este nunca será capaz de prever solução para todas as situações concretas submetidas à apreciação judicial.

Assim, percebe-se que o legislador cada vez mais busca dar concretude a outras fontes do direito, em especial, as jurisprudências e aos princípios.

A questão dos Precedentes gera inúmeros questionamentos doutrinários dada as peculiaridades que lhes são comuns. Razão pela qual, não raro, encontra-se na literatura autores que citam o conceito de súmulas e jurisprudências como sinônimos de precedente.

Com o intuito de separar cada instituto, passa-se a tecer alguns argumentos que ajudara no reconhecimento e distinção desses institutos.

Nas sucintas e claras palavras de Daniel Amorim (p. 1.297) precedente é qualquer julgamento que venha a ser utilizado como fundamento de outro julgamento que venha a ser posteriormente proferido.

O mesmo doutrinador salienta, no entanto, que não é toda decisão judicial que será por si só, considerada precedente, mesmo que prolatada pelo um órgão colegiado.

Com efeito, trata-se de decisão que está alicerçada em certo nível de qualidade e conteúdo capaz de externar sua eficácia em outra demanda.

Para DIDIER; OLIVEIRA e BRAGA (p.442), precedente, em sentido estrito, pode ser definido como sendo a própria ratio decidendi, ou, no melhor português jurídico, os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão vergastada.

A jurisprudência, por seu turno, origina-se de um conjunto de decisões sobre uma mesma matéria com o mesmo sentido proferida pelos tribunais. Nesse sentido, pode perfeitamente, ser formada por precedentes, sejam eles vinculantes ou não.

NEVES (p. 1.298) distinguem o dois instituto supra, de forma impermeável:

O precedente é objetivo, já que trata de uma decisão específica como fundamento do decidir em outros processos. A jurisprudência, por sua vez, é abstrata, porque não vem materializada de forma objetiva em nenhum enunciado ou julgamento, sendo extraída do entendimento majoritário do tribunal.

Já a Súmula, trata-se da consolidação objetiva da jurisprudência. Nesse passo, após reiteradas decisões em sentido convergentes, o Tribunal, já com entendimento amadurecido, e com conhecimento de todas as possíveis consequências sobre aquele posicionamento firmado, materializa-o por meio de súmula.

Dessa forma, dar publicidade ao seu entendimento majoritário sobre determinada matéria e, com isso, contribui para maior segurança jurídica aos jurisdicionados.

Analisando especificamente o objeto desse trabalho, os Precedentes e a sua eficácia vinculante, passa-se a pormenorizar cada um dos artigos que demonstram a força dos precedentes nessa nova ordem jurídica trazida pelo Código de Processo Civil de 2015.


3. PRECEDENTES NO NOVO CÓDIGO

O primeiro indicativo a tese aqui defendida, ao qual os Precedentes teria ganhado força no Novo Código, está no disposto inciso II, do artigo 311, do qual trata da Tutela de Evidencia, novidade no CPC 2015:

Art. 311.  A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

(...)

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

Verifica-se aqui que o instituto da Tutela de Evidencia, espécie do gênero Tutelas Provisórias, trouxe dentro o rol do artigo 311 a possibilidade de, quanto o pleito autoral estiver consubstanciado em documentos e haver teses em casos repetitivos ou súmulas favoráveis àquela pretensão, do deferimento sumário do amparo jurisdicional.

A justificativa desse dispositivo é justamente a garantia da Segurança Jurídica. Se aquele determinado direito já está pacificado, inclusive através de súmulas, não há razão para que a parte espere toda a instrução processual para ter acesso ao seu direito.

Garante, sem sombras de duvida, uma maior celeridade processual e efetiva o Princípio Constitucional da Razoável Duração do Processo.

Em sequencia, já na parte especial, o Código elege um rol de dispositivos que culminarão com a improcedência liminar do pedido da parte autora. Em destaque:

Art. 332.  Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:

I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;

II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

Nesse dispositivo fica evidenciada a intenção do Código em fortalecer a sistemática dos Precedentes. Nesse sentido, antes mesmo de se ouvir a outra parte, o juiz pode indeferir a tutela buscada, caso essa esteja em dissonância com:

  1. Enunciados de súmulas dos Tribunas de Superposição STF ou STJ;
  2. Acórdão desses dois Tribunais em processos de Recursos Repetitivos;
  3. Entendimentos firmados em Incidentes Demandas Repetitivas ou Assunção de Competência;
  4. Súmulas de Tribunais estaduais sobre direito local.

Assim, no dizer popular para se “cortar o mal pela raiz”, o legislador dar a oportunidade ao magistrado de encerrar o processo antes de se ter o contraditório formado, quando patente que a pretensão buscada é indevida, por está indo de encontro ao entendimento preponderante firmado pelas Cortes Superiores.

Com efeito, constata-se a grande importância dos Precedentes para essa nova ordem jurídica que passa a vigorar, pois, além de ser uma ferramenta que diminui drasticamente a quantidade de ações temerárias, sem qualquer respaldo jurídico, há uma redução significativa dos gastos do Estado para suportar toda a tramitação processual.

Ressalte-se que o indeferimento baseado em um desses incisos deve ser esmiuçadamente motivado, sob pena de está ferindo ao Princípio Constitucional da Inafastabilidade da jurisdição, a todos garantidos.

Sem embargo, o caso concreto deve acoplar perfeitamente no enunciado pacificado pelo Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, pois quaisquer indícios de especialidade devem ser submetidos à apreciação judicial.

Nesse contexto, dispõe o artigo 486, § 1º, do Código de Processo Civil, que trata dos elementos essenciais à sentença:

§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

(...)

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Feitas essas considerações, é inegável a inteligência do Código, pois com essa iniciativa, além de celeridade e uniformização da jurisprudência, termina por frear a desarrazoada enxurrada de demandas que chegam a todo instante aos juízes e tribunais de todo o país, desafogando e muito o Poder Judiciário.

Outro dispositivo legal que vem a calhar à celeridade processual diz respeito § 4º do artigo 496, que dispõe acerca da Remessa Necessária, e assim aduz:

§ 4o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:

I - súmula de tribunal superior;

II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

De início, cumpre salientar que o caput do referido artigo traz justamente a questão do duplo grau de jurisdição quando a sentença proferida for contraria aos interesses das pessoas de direito público, não produzindo efeito senão após a confirmação pelo órgão ad quem.

No entanto, não está sujeita a confirmação pelo Tribunal à sentença proferida contra a União, Estados, Municípios e suas autarquias, produzindo, caso não seja recorrida, seus regulares efeitos de imediato, se estiver encravada em um dos Precedentes supra.

Com isso, mesmo tratando de interesse público, não há razão para submeter uma decisão judicial ao crivo de órgão Colegiado caso este esteja embasado em entendimentos adotados e em vigor pelo próprio Tribunal ou outro de patente superior.

Termina por direta ou indiretamente desafogar os tribunais, permitindo que esses analisem com maior riqueza de detalhes os demais processos que demandam um maior rigor na sua apreciação.

Percebe, aqui, também um ganho considerável para todas as partes e para o próprio sistema, vez que diminuirá as demandas de reexame necessário no tribunal e a parte terá, mesmo que por vezes ainda demore, tendo em vista o sistema de precatórios, a possibilidade de receber com mais facilidade o que lhe é de direito.

O Código traz a partir artigo 520, um capítulo especial do cumprimento provisório de sentença, caso o recurso não disponha de efeito suspensivo.

Como é notório, há a possibilidade de mesmo não transitado em julgado, que, provisoriamente, uma decisão seja cumprida, em outros termos, é possível que o bem da vida, em disputa, seja entregue ao vencedor ainda que pendente de recurso, desde que desprovido de efeito suspensivo.

Entretanto, em razão de ainda existir um recurso a ser apreciado pelo um órgão colegiado, o legislador impôs, por cautela, uma determinada condição, capaz de suportar algum prejuízo que possa vir a abater sobre o executado. Trata-se da caução.

Não obstante, de forma que não inviabilizasse o instituto e que garantisse maior celeridade para o exequente, o legislador encontrou nos Precedentes uma maneira de excetuar tal imposição da caução. Assim dispõe:

Art. 521.  A caução prevista no inciso IV do art. 520 poderá ser dispensada nos casos em que:

IV - a sentença a ser provisoriamente cumprida estiver em consonância com súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em conformidade com acórdão proferido no julgamento de casos repetitivos.

Nesse contexto, a sentença que esteja sendo, provisoriamente, cumprida não dependerá de caução para tal fim, se esta estiver em sintonia com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

Mais uma vez, verifica-se que a vontade do legislador em responder com mais rapidez a pretensão buscada junto ao poder Judiciário e, consequentemente, assegurando maior robustez aos Precedentes.

Por sua vez, o Código traz, no artigo 927, um rol dos Precedentes que terão força Vinculante para os demais órgãos do Tribunal e para aqueles que, hierarquicamente, devam segui-lo.

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Constata-se que, diante dessa norma, o juiz ou Tribunal está verificando as mesmas condições do caso sob julgamento adstrito ao entendimento emanado de um dessas situações acima especificado.

O objetivo é privilegiar a colegialidade, a experiência e a solidez e a estabilização da jurisprudência.

De fato, conforme prevê a Constituição Federal, a título de exemplo, a edição de uma Súmula Vinculante pelo Supremo Tribunal Federal exige certas peculiaridades que a tornam exaustivamente debatida e capaz de elucidar, da melhor forma possível, aquele caso concreto e os demais que versem sobre a mesma discussão.

Assim, pressupõe-se que, antes de se editar uma Súmula já foram trabalhados todos os pontos positivos e negativos que possam divergir da tese adotada. Alias, essa é a função dos inúmeros precedentes que foram utilizados como paradigma para servir de alicerce a posição defendida.

Nem por isso, pode-se dizer que uma Súmula Vinculante responde ou sempre responderá a melhor justiça. Mas sim, corresponde o melhor posicionamento sobre aquela matéria até então, sem deixar de considerar que tal entendimento possa vir a ser superada ou até mesmo alterada.

Além de vincular os demais Tribunais e os órgãos fracionários, o legislador impõe que tais posicionamentos devem ser, de forma planejada, divulgados a todos os jurisdicionados para que possam ter conhecimento, antecipadamente, do entendimento que prevalece nas Cortes superiores.

Nada melhor que a rede mundial de computadores para garantir que tais enunciados e súmulas cheguem a grande maioria da população brasileira, tendo em vista que se encontra disseminada em quase todo o território nacional.

§ 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

Dessa feita, é natural que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal cada vez mais aperfeiçoem seus sites de modo a permitir a consulta rápida e célere de seus entendimentos dominantes, separando-os por matéria e origem daquele precedente.

Conforme, dispõe artigo 927 supra os Tribunais obrigatoriamente devem observar, quando da análise do caso concreto, o rol ali disposto, que traz o chamados Precedentes Vinculante, apelidado por Alexandre de Freitas Câmara de “Precedentes Dolosos”, eis que, já nascem com essa finalidade.

Para dar azo a isso, o Código aduz, no artigo 932, quanto aos poderes do relator que esse poderá, quando distribuído a sua relatoria, tanto negar como dar-lhe provimento, tendo como fundamento os Precedentes.

Nesse prisma, compete ao Relator:

Art. 932.  Incumbe ao relator:

(...)

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;

Posto isso, percebe-se que os poderes delegados ao relator foram estendidos de forma que possa se coadunar com a nova ordem jurídica pretendida.

Como de praxe no meio forense, a interposição de um recurso para um Tribunal não significa, necessariamente, que esse venha a ser apreciado por todos os magistrados que o compõe.

Na verdade, ao ser interposto será distribuído a um relator que exercerá a jurisdição sobre aquele processo, cabendo-o instruí-lo até que seja designada sessão para julgamento, onde será apreciado pela Turma ou Câmara, a qual pertence o relator.

Essa é, por sua vez, a tramitação considerada normal. No entanto, o Código ampliou a possibilidade para as decisões monocráticas do relator, dentre elas está a de negar ou dar provimento a recursos embasados nos incisos IV e V do artigo 932 do Novo diploma.

Essa será uma experiência de grande relevância para o Processo Civil brasileiro, pois possibilita que o juiz relator der provimento ou julgue improcedente um recurso, ação originária, sem qualquer respaldo jurídico.

Com isso, espera se que os relatores possam desafogar seus gabinetes e se dedicar-se, como diz a lei, naqueles casos que realmente há uma questão que mereça a tutela do Estado mais uma vez.

Diante do já exposto, infere-se que a formação dos Precedentes no Brasil difere, em alguns pontos, do adotado nos países do sistema Common Law, aqui tem origem a partir do momento que passa a ser ratio decidendi de outra demanda, no Brasil, considerando o nosso sistema legalista, o Legislador elencou expressamente os casos em se terá a tipificação de Precedentes.


4. UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA E FORMAÇÃO DOS PRECEDENTES

É inegável que o Novo Código de Processo Civil teve como um de seus objetivos a uniformização da jurisprudência nacional, ressalvadas as peculiaridades de cada competência assegurada constitucionalmente.

A exposição de motivos do Novo Código de Processo Civil arremata com precisão a ideia:

Mas talvez as alterações mais expressivas do sistema processual ligadas ao objetivo de harmonizá-lo com o espírito da Constituição Federal, sejam as que dizem respeito a regras que induzem à uniformidade e a estabilidade da jurisprudência.

A adoção, ou a inclinação, da sistemática Common Law no ordenamento brasileiro vem ganhando força, especialmente, com a vigência do Novo Código.

A ideia é manter em consonância as decisões judiciais, de forma a garantir maior segurança jurídica ao jurisdicionado. Conforme apregoa a melhor doutrina, a desestabilização dos entendimentos jurisprudenciais acaba por gerar insegurança e descontrole social, à medida que as lides aumentam vez que cada juiz ou tribunal aplica de forma destoante um entendimento sobre a mesma matéria. 

Assim, a formação de uma padronização em temas já exaustivamente debatido e fixado a melhor tese, é essencial a manutenção da jurisprudência integra e idônea, de modo a contribuir com a celeridade processual, a economia financeira do Estado e a segurança jurídica.

NEVES (p. 1.300) advoga no mesmo sentido:

Se é verdade que o desrespeito pelos juízos inferiores de entendimentos já consolidados pelos tribunais gera a quebra da isonomia e a insegurança jurídica, tornando o processo uma verdadeira loteria jurídica, ainda mais grave é a instabilidade presente nos próprios tribunais quanto ao respeito à sua própria jurisprudência.

Nesse contexto, o Código expressamente estabeleceu norma nesse sentido:

Art. 926.  Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.

Trata-se do dever geral atribuído aos Tribunais nacionais, de maneira que não há espaço para que haja dentro dos órgãos fracionários do Tribunal divergência acerca do mesmo tema já consolidado.

Nesse sentido, é dever do Tribunal ao tomar conhecimento da dissonância interna, conforme determina o artigo 926, do Novo CPC, e, regimento interno, elucidar aquela divergência, adotando a tese que melhor representa o instituto.

Com um entendimento sólido, o juízo de admissibilidade, por exemplo, passa a ser realizado com mais segurança e, consequentemente, possa reduzir consideravelmente a elevada interposição de recursos sem qualquer amparo legal, a não ser protelando o feito.

Demais disso, preceitua o § 2º que, na edição dos enunciados das súmulas dominante daquele tribunal, este deve levar em consideração as circunstancias dos precedentes que a originaram, ou seja, deve o Tribunal trabalhar em cima das peculiaridades que deram vazão àquele entendimento, sob pena de aplicar, ao caso concreto, entendimento fora do contexto para o qual esse fora criado.

Para assegurar essa proposta faz-se necessário dar efetividade a formação dos Precedentes, em especial, aqueles vinculantes dispostos no artigo 927 do Código Novo. Assim, passa-se a analisar os seus dois principais institutos: os incidentes.


5. DOS INCIDENTES

O Código trouxe à baila os já conhecidos incidentes processuais. Trata-se de um mecanismo processual para resolver questões prejudiciais ao desenrolar do processo meritório.

O Legislador evidenciou esses dois incidentes como peças chaves assim como o fez para as Súmulas vinculantes da Suprema Corte Constitucional.

Nessa esteira, os coloca dentre o rol dos chamados precedentes vinculantes ao qual deverão ser necessariamente observados por juízes e Tribunais.

5.1 O Incidente de Assunção de Competência (IAC)

O Código de Processo Civil de 2015 no artigo 947 traz as elementares do incidente de Assunção de Competência, atualizando o instituto da uniformização da jurisprudência prevista no art. 555, § 1º do CPC/73.

Para entender o instituto é necessário ter conhecimento do significado da palavra assunção, que, na melhor tradução é o ato de assumir para si a responsabilidade sobre a confecção de determinada demanda.

No caso, o Órgão Colegiado a que determinar o regimento interno de cada Tribunal julgará o recurso, reexame necessário ou processo de competência originária, assumindo a responsabilidade sobre a tese a ser firmada, desde que estes tenham relevante questão de direito, com grande repercussão social e, ainda, que não sejam processos de demandas repetitivas a luz do que noticia os artigos 976 e seguintes do diploma referido.

O Código considera a matéria de tal relevância que, o relator reconhecendo que determinado recurso preenche os requisitos para levar ao órgão competente, poderá propor o incidente ex-ofício.

A principal novidade do tema e, elogiada pela doutrina, está no fato de que não há mais a obrigatoriedade do recurso passar em dois órgãos diferentes como até então.

Agora o mesmo órgão firmador da tese, reconhecendo o interesse público do incidente, deverá julgar o recurso, em homenagem ao Princípio Constitucional da Razoável Duração do Processo.

Percebe-se, com isso, que será realizado um duplo juízo de admissibilidade, o primeiro pelo relator e outro pelo Órgão colegiado.

O objeto do presente artigo, no entanto, encontra-se seu norte no parágrafo terceiro do art. 947, ao anunciar que, o acórdão do respectivo órgão especial julgador vinculará todos os juízes e órgãos fracionários, ressalvadas a possibilidade de revisão.

Observa-se, com isso, que mais uma vez o legislador dá concretude a força dos precedentes, de modo que, após esse julgamento, o paradigma servirá de base a todos os juízes vinculados a este Tribunal, evitando, claro, a interposição de recursos sem qualquer respaldo jurídico, apenas pelo inconformismo ou procrastinação.

Registre-se, por oportuno, que apesar dos avanços, o instituto pode ser criticado pela manutenção de palavras que dá margem a discricionariedade do magistrado, tais como: relevante questão de direito, repercussão social e interesse público.

5.2 Do Incidente de Resolução de Remandas Repetitivas (IRDR)

Da leitura do artigo 976 do Código de Processo Civil depreende-se, ab initio que, um dos objetivos que o instituto deve cumprir é assegurar a isonomia e a segurança jurídica.

Amorim, 2016, p. 1399, advoga nesse mesmo sentido:

O tratamento isonômico de diferentes processos que versam sobre a mesma matéria jurídica, gerando dessa forma segurança jurídica e isonomia, é a justificativa do incidente ora analisado.

Essa não é outra a preocupação do legislador ao dar mais concretude aos Precedentes no Código de 2015.

Fazendo um salto sobre as várias peculiaridades do instituto, posto que não esteja sob objeto de análise, pode-se constatar a grande importância do instituto para o Poder Judiciário brasileiro.

Os Tribunais pátrios estão abarrotados de processos empilhados ou, atualizando os termos, nas famosas “caixas” do Processo Judicial Eletrônico (PJe).

E, a demanda é cada vez mais crescente. Diante dessa lamentável realidade o legislador busca alternativas processuais para tentar desafogar os gabinetes. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) teve sua origem para responder ao jurisdicionado com mais rapidez e segurança jurídica aos chamados processos de massa.

A ideia é fazer com que os Tribunais a partir do julgamento desse incidente possam ao se deparar com uma lide dessa natureza poder resolver de imediato à demanda, garantindo assim o Princípio Constitucional da Razoável Duração do Processo, além de assegurar a isonomia e a segurança jurídica entre os jurisdicionados sob questão idêntica.

Nesse sentido, pode ser observado pelo que noticia o artigo 985 do Código de Processo Civil:

Art. 985.  Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.

Nessa toada, observa-se que o legislador visa dar uma resposta mais rápida as demandas de massa, evitando, assim, decisões divergentes sob a mesma matéria.

De acordo com o disposto acima a razão de decidir do incidente será aplicada a todos os processos que tramitam sob a jurisdição do Tribunal que o julgou, abrangendo os Juizados especiais.

Quanto aos Juizados o incidente vem em um momento oportuno, atualmente as conhecidas Turmas Recursais estão abarrotadas de Recursos Inominados sobre idêntica questão de direito, podendo ser resolvidos através desse mecanismo processual.

Registre-se, ainda, o fato de que a tese firmada no julgamento do Incidente de Demandas Repetitivas, conforme art. 985, II, NCPC, não sendo objeto de revisão, deverá ser aplicada nas demandas que ainda poderão vir a ser formadas, desde que sejam idênticas as questões de direito objeto da lide.

Destaca-se, por fim, que nos termos do art. 987, existe a possibilidade de, após o julgamento do incidente, ser interposto Recurso Especial ou Extraordinário aos Tribunais respectivos.

A tese firmada nesses Tribunais terão efeitos vinculantes em todo território nacional e não apenas na jurisdição do Tribunal local ou região em sendo Tribunal da Justiça Federal.

Além desses dois incidentes, pode-se mensurar também como fator de grande destaque no que tange aos Precedentes aqueles formados a partir do julgamento dos Recursos Extraordinário e Especial Repetitivos, com procedimento estabelecido no artigo 1.036 e seguintes do Código vigente.


6. IMPORTÂNCIA DOS PRECEDENTES PARA A NOVA ORDEM JURÍDICA INTRODUZIDA PELO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Como visto a adoção do Sistema de Precedentes passa por um processo de aceitabilidade no ordenamento pátrio.

Para NOGUEIRA (2016), com o regime de Precedentes o processo passa por uma valorização como espaço de criação do direito pelo Estado-juiz:

A admissão de um regime de precedentes concretiza uma nova fase do direito processual, onde os resultados obtidos no processo são qualificados por não se esgotarem nos limites da lide. O processo passa a ser valorizado como espaço de criação do direito pelo Estado-juiz, de participação democrática da sociedade e de vivência da norma. 66 É meio de desenvolvimento do direito material, o que é expresso mediante os precedentes oriundos da atividade jurisdicional

A sistemática do modelo Civil Law ainda possui preponderância no país em razão de questões históricas. Não obstante, os precedentes vêm ganhando um espaço de destaque, em especial com a edição do Novo Código de Processo Civil.

A valorização de outras fontes normativas faz com que o magistrado não se vincule à literalidade da Lei. Para tanto, a uniformização, a estabilidade e a coerência da jurisprudência é essencial para assegurar esse propósito.

Assim, a importância da utilização dos Precedentes está na sua possibilidade de racionalizar o processo, desafogar o Poder Judiciário e dar mais qualidade aos julgados.

Além disso, assegura, ainda, maior segurança jurídica e isonomia aos jurisdicionados, ao passo que, com a obrigatoriedade de uniformização e coerência jurisprudencial, os juízes e Tribunais terão o dever de decidir em consonância com a tese jurídica firmada por uma das fontes dos Precedentes ou, ao menos, fundamentar o porquê da divergência, quando for o caso.


7. CONCLUSÃO

Diante do exposto, pode-se inferir que o Novo Código de Processo Civil tem como uma de suas principais premissas a uniformização da jurisprudência e a criação de um sistema de Precedentes a ser hierarquicamente obedecido pelos juízes e Tribunais.

Observa, com isso, que a ideia é assegurar maior Segurança Jurídica e Isonomia aos jurisdicionados, evitando decisões sobre a mesma questão de direito com entendimentos conflitantes.

Assim, o Código trouxe mecanismos processuais capazes de garantir essa vontade legislativa, como por exemplo, os incidentes e a ampliação dos poderes do Relator.

Nesse passo, constata que a vigência do Novo diploma legal veio em um momento em que a sociedade clama por um Judiciário mais célere, efetivando com isso, o Princípio Constitucional da Razoável Duração do Processo e da Inafastabilidade da Jurisdição.

Em última análise, é de fácil compreensão que ao se efetivar o Sistema de Precedentes uma grande quantidade de demandas serão abortadas, seja ab initio conforme artigo 332, seja pelo 932 no que tange à atuação dos relatores em grau recursal, contribuindo significativamente para desafogar o Poder Judiciário, e, o mais importante, garantido um julgamento de qualidade jurídica sob aqueles que efetivamente necessitam do duplo grau de jurisdição.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Estabeleceu o Novo Código de Processo Civil, Brasília, DF, 2015.

BRASIL, Guilherme MungoA concepção do precedente judicial pelo direito brasileiro: aspectos históricos, atuais e prospectivosRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4074, 27 ago. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31291>. Acesso em: 7 jul. 2017.

DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandre; BRAGA, Paula Sarno.  Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2015.

DONIZETTI, Elpídio. A Força dos Precedentes no Novo Código de Processo Civil. 2015. Disponível em: <www.revistas.unifacs.br>. Acesso em 09 de junho de 2017.

MARINS, Lucas Belloc. A Sistemática da Teoria do Precedente Judicial e a Gradual Introdução de Princípios da Common Law no Direito Brasileiro. disponível em: <www.abdpc.org.br>. Acesso em 11 de jun. de 2017.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – Volume Único. 8º Edição – Salvador: JusPodivm, 2016.


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