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A Lei nº 13.491/17 e seus reflexos na atividade de Polícia Judiciária Militar

A Lei nº 13.491/17 e seus reflexos na atividade de Polícia Judiciária Militar

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O presente artigo visa apresentar as alterações produzidas no Código Penal Militar pela Lei n. 13.491/17, que ampliou, significativamente, a competência da Justiça Militar, com um viés voltado para a atividade de Polícia Judiciária Militar.

1. INTRODUÇÃO                                                                                                            

No dia 13 de outubro de 2017 foi sancionada a Lei n. 13.491/17, que surpreendeu o mundo jurídico, dada a inesperada e profunda alteração de impingiu no Código Penal Militar (CPM), ao ampliar significativamente a competência da Justiça Militar, com a nova redação dada ao seu art. 9º.

É o que destacou Aury Lopes Jr.[1], ao ponderar que:

Foi com bastante perplexidade que a comunidade jurídica recebeu a Lei 13.491/2017, recentemente sancionada e que amplia a competência da Justiça Militar Federal e, como veremos, também da Justiça Militar estadual.

Indo de encontro a toda uma tendência de esvaziamento da jurisdição militar (inclusive, em muitos estados, é recorrente a polêmica sobre a extinção da Justiça Militar estadual) para que ela se ocupe apenas daqueles crimes em que existe uma real afetação do interesse militar. Há décadas a jurisprudência consagrou que não basta ser crime militar, praticado por militar e em alguma das situações do artigo 9º do CPM, é preciso que exista a ‘efetiva violação de dever militar ou afetação direta de bens jurídicos das forças armadas’ ou uma ‘situação de interesse militar’. Sem dúvida tal critério deverá ser revisto, diante da ampliação da competência a seguir explicado.

Eis a nova redação:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:   (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;           

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri. (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)

§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou      (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais: (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica; (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;    (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

Em que pese a atualidade da alteração legislativa, o assunto já tem sido alvo de interessantes análises jurídicas, algumas destacaremos aqui, e até mesmo de ferrenhas críticas que desacreditam a capacidade, bem como a isenção, dos juízos militares e da Polícia Judiciária Militar para o efetivo enfrentamento da nova gama de ilícitos penais que agora se apresentam sob a sua tutela.

Nessa vertente, visando apresentar uma contribuição para o debate, e tendo a plena convicção da capacidade jurídica e técnica que as Instituições Militares detêm para a condução da persecução criminal, bem como dos juízos militares para o recebimento dessa nova demanda e o seu legal processamento, ambos criticados somente por aqueles que as desconhecem, analisaremos como deverão se comportar as Autoridades de Polícia Judiciária Militar doravante.


2. O MOMENTO DA FIXAÇÃO DA ATRIBUIÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR

A atribuição de Polícia Judiciária Militar, ou seja, a atribuição legal para a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante (APF) ou do Inquérito Polícia Militar (IPM), bem como a prática dos atos de persecução criminal na sua fase pré-processual, serão fixadas a partir do juízo de tipicidade formal que se exerce sobre um fato tido como criminoso – o amoldamento da conduta ao tipo penal incriminador.

Nesse sentido, conforme já destacamos na obra “Crime militar: da prisão em flagrante à audiência de custódia – teoria & prática”:

Às Polícias Civis de cada estado-membro, segundo Denílson Feitoza, incumbe a investigação das infrações penais comuns que não cabem à Polícia Federal e cujo processamento se dará perante as respectivas Justiças Estaduais Comuns – sua atribuição é residual.

À Polícia Federal cabe, precipuamente, a investigação dos crimes cujo processamento se dará, em regra, perante a Justiça Federal, conforme estabelece o art. 144, I, da CRFB/88188.

Compete à Polícia Judiciária Militar, como regra estabelecida no art. 8º, “a”, do CPPM, “apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria”. 

No âmbito da Justiça Militar da União, a atribuição de Polícia Judiciária será exercida pelas Forças Armadas (Exército, Marinha ou Aeronáutica) e, no âmbito das Justiças Militares Estaduais, pelas Polícias e Corpos de Bombeiros Militares, em relação aos seus respectivos integrantes.

Destarte, a par da notitia criminis acerca da ocorrência de um fato criminoso, tendo como autor um militar estadual ou das Forças Armadas, surge a necessidade imediata de se definir qual a autoridade policial com atribuição para assumir as investigações policiais.

E é exatamente nesse instante que incumbe ao aplicador da lei penal militar perquirir, nos termos do art. 9º do CPM, que é o elemento especializador capaz de tornar determinado fato um crime militar ou de afastar a tipicidade penal militar, se se trata de um crime militar ou de um crime comum, e é neste momento que se instala a atribuição de Polícia Judiciária.


3. UM NOVO CONCEITO DE CRIME MILITAR

Até a edição da Lei n. 13.491/17, podia-se dizer que a adequação típica penal militar se dava por meio do seguinte binômio: amoldamento ao art. 9º e em um crime militar em espécie, descrito na Parte Especial do CPM. Esse binômio sofreu uma profunda ampliação.

Agora, o conceito de crime militar para fixação da competência do juízo militar e, consequentemente, para o exercício da atribuição de Polícia Judiciária Militar passou a ser: amoldamento às situações do art. 9º e em um crime descrito na Parte Especial do CPM ou na legislação penal comum brasileira.

Há quem diga que temos aqui um novo conceito para o crime impropriamente militar, que passa a ser aquele previsto no CPM com igual definição na lei penal comum, bem como qualquer um previsto na legislação penal comum, quando praticado nas situações do inciso II do art. 9º do CPM.

Ocorre que não houve a criação de novos tipos penais militares de modo a torná-los impróprios. Os crimes militares continuam a ser somente aqueles previstos no CPM, os quais se subdividem em propriamente e impropriamente militares.

Na verdade, o que houve foi uma ampliação de competência da Justiça Militar e, por decorrência, da atribuição de Polícia Judiciária Militar, para a apuração de crimes comuns, que serão considerados militares, quando praticados nas situações especiais do inciso II do art. 9º do CPM.

Destaca-se que as situações descritas no aludido inciso aplicam-se apenas aos militares da ativa. Assim, qualquer crime, previsto no CPM ou na legislação penal comum, será considerado militar quando praticado, em síntese, por militares da ativa nas seguintes situações: (1) entre militares da ativa; (2) em lugar sujeito à Administração Militar contra qualquer pessoa; (3) de serviço ou agindo em razão da função, ou em período de manobras ou exercício, em qualquer lugar e contra qualquer pessoa; (4) contra o patrimônio ou a ordem administrativa militar.

Ressalta-se, outrossim, que a alteração legislativa não ampliou apenas as situações em que os militares da ativa cometem crimes militares. Refletiu, também, nas situações descritas nas alíneas “a” a “d”, do inciso III, do art. 9º, do CPM, que estabelecem quando os militares da reserva remunerada ou reformados e civis, estes somente no âmbito do Justiça Militar da União[2], praticam crimes militares. Essa constatação se deve ao fato de que o mencionado inciso III remete a sua aplicação aos crimes compreendidos no inciso II.

Por essa razão, agora, todos os crimes compreendidos pelo inciso II, ou seja, crimes descritos no CPM e na lei penal comum, praticados por militares da reserva remunerada ou reformados e civis, serão militares quando praticados nas situações do inciso III, do art. 9º, do CPM que são, em síntese: (1) contra militar da ativa que esteja em serviço em qualquer lugar ou, se de folga, em local sujeito à Administração Militar; (2) contra funcionário da Justiça Militar que esteja no exercício da sua função; (3) contra patrimônio sob a Administração Militar; (4) contra a ordem administrativa militar.

Verifica-se que, até então, o único crime comum cuja investigação era, e continua sendo, legalmente atribuída à Polícia Judiciária Militar no âmbito estadual é o crime doloso contra a vida de civil praticado por militar estadual em serviço, tendo o art. 9º recebido apenas um aprumo constitucional com a inserção da expressão “Tribunal do Júri” no seu novo §1º, no lugar de “justiça comum”, mencionada no revogado parágrafo único.[3]

Certo é que a aludida alteração, aplicável apenas no âmbito estadual, ressuscitará a discussão acerca da criação do Tribunal do Júri no âmbito das Justiças Militares, assunto este que há algum tempo já havia sido tratado por Fernando Galvão[4], quando disse que “A instituição do Tribunal do Júri na Justiça Militar Estadual não constitui nenhuma excepcionalidade, posto que este órgão jurisdicional não é privativo da Justiça Comum Estadual e também existe na Justiça Comum Federal”; e, agora, vem a ser reforçado pela Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (FENEME)[5], em nota técnica expedida acerca da nova lei:

Outro ponto muito importante, nos crimes dolosos contra a vida de civil praticados por militar estadual e do Distrito Federal a serviço, passam a ser tratados exatamente como na Constituição Federal: competência do júri, e não mais da justiça comum como trazia o texto do parágrafo único do artigo 9º anterior.

Isso reacende a discussão do júri em sede de justiça militar, como ocorre com a justiça eleitoral, federal, pois o júri não pertence a justiça comum, é um Instituto que pode ocorrer em qualquer justiça.

Outra alteração, esta afeta apenas aos crimes militares praticados pelos militares das Forças Armadas, se deu com a inserção do § 2º, que, na verdade, somente veio a firmar o que a doutrina e a jurisprudência já sinaliza como sendo a constitucional intepretação do CPM, conforme realça Aury Lopes Jr.[6]:

É verdade que parte da doutrina e inclusive da jurisprudência do STM já sustentava que a competência do júri só se aplicaria à Justiça Militar estadual, fazendo uma leitura literal e restritiva do artigo 125, parágrafo 4º da Constituição. Contudo, também é verdade que esse desvio de função das Forças Armadas, para exercerem um policiamento urbano ‘a la carte’, é algo novo, posterior à mudança do texto constitucional. A aplicação por analogia (ou interpretação extensiva se preferir) do artigo 125, parágrafo 4º da CF aos militares das Forças Armadas, diante dessa nova situação, também seria plenamente sustentável.


4. O QUE MUDA PARA A AUTORIDADE POLICIAL-MILITAR

Conforme já adiantado por Rodrigo Foureaux[7], foram mitigadas as Súmulas 06, 75, 90, 172, editadas pelo STJ[8], que extirpavam da competência da justiça militar os crimes decorrentes de acidente de trânsito na condução de viatura, o crime de promoção ou facilitação de fuga de preso de estabelecimento penal comum e os crimes de abuso de autoridade e tortura.

Agora, todos os fatos criminosos praticados nas situações descritas nas alíneas do inciso II, do art. 9º, do CPM, quando o sujeito ativo for militar da ativa, e do inciso III do mesmo dispositivo castrense, quando o sujeito ativo for militar da reserva remunerada ou reformado ou civil, passam a ser de competência da Justiça Militar dos Estados ou da União, a depender do sujeito ativo do crime. Isso impõe o imediato declínio da atribuição legal em relação aos mencionados crimes que se encontram atualmente sob investigação pela Polícia Judiciária comum, com a necessária remessa à autoridade policial-militar para o seu prosseguimento.

Nessa esteira, assim asseverou Amilcar Fagundes Freitas Macedo[9]:

Outra significativa modificação diz respeito às eventuais investigações policiais em curso, as quais, segundo penso, devem migrar para a polícia judiciária militar, em razão do que preceitua o artigo 144, §4°, da Constituição Federal, combinado com o artigo 8° do Código de Processo Penal Militar.

Reforçando o aludido entendimento, Eduardo Luiz Santos Cabette[10] assim se manifestou:

Ocorre que no caso da alteração da competência da Justiça Comum para a Militar, não se trata de competência territorial relativa (‘ratione loci’), mas sim de competências absolutas em razão da matéria (‘ratione materiae’ – crimes militares) e em razão do cargo (‘ratione personae’ – militares). Esses casos são excepcionados até mesmo pelo artigo 43, CPC de forma expressa. A ‘perpetuatio jurisdicionis’ ali é determinada apenas quanto à competência territorial, excetuando-se as alterações de ‘competência absoluta’. Portanto, pode-se dizer que à unanimidade o entendimento será de que os feitos em andamento deverão ser remetidos à Justiça Militar para prosseguimento. Isso deve ser aplicado também com relação aos Inquéritos Policiais em andamento na Polícia Civil que versem sobre casos onde houve alteração da competência, pois, em se tratando agora de crimes militares, passam a ser de atribuição da Polícia Judiciária Militar.

Dentre os crimes comuns com maior incidência, tendo como sujeitos ativos militares da ativa e praticados nas situações descritas nas alíneas dos incisos II, do art. 9º, do CPM, e que, até então, somente não eram alvos de IPMs por ausência de tipicidade na Parte Espacial do CPM, destaco os seguintes:

a) Lei n. 10.826/03: os crimes como o de porte ou posse ilegal de arma de fogo ou o de disparo de arma de fogo, praticados em serviço ou em lugar sujeito à Administração Militar, bem como o comércio ilegal de arma de fogo entre militares, passam a ser investigados pela Polícia Judiciária Militar;

b) Lei n. 4.898/65: todos os casos de abuso de autoridade praticados por militares passam a ser investigados pela Polícia Judiciária Militar, em concurso material com os demais crimes militares que podem advir da conduta, como a lesão corporal, o homicídio, o constrangimento ilegal e a violação de domicílio.

c) Lei n. 9.455/97: tratam-se dos crimes de tortura que, quando praticados por militares em serviço ou em razão da função contra civis, passam a ser alvo de IPM. Destaca-se que, como as autoridades policiais-militares se restringiam, até então, a apenas investigar as lesões corporais, homicídios, constrangimentos ilegais etc., praticados pelos militares, doravante, devem perquirir se tais condutas vão além dos mencionados crimes e se traduzem em atos de tortura, procedendo, assim, ao competente indiciamento.

d) Lei n. 8.666/93: tratam-se dos crimes resultantes de condutas praticadas na condução de certames nas Instituições Militares.

e) Lei n. 11.343/06: a Lei de Tóxicos passa a ser aplicada de forma complementar ao art. 290 do CPM, que prevê o crime de “Tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar”. Ou seja, o tráfico de drogas e o porte de drogas para uso, praticados por militar em serviço ou em lugar sujeito à Administração Militar, continuam a ser tipificados no art. 290 do CPM, que é norma especial em relação à Lei de Tóxicos – decorrência do princípio da especialidade – é o que esclarece Rodrigo Foureaux[11], que “Na hipótese em que houver previsão do mesmo fato como crime no Código Penal Militar e na legislação penal comum, deverá ser aplicado, a princípio, o Código Penal Militar, em razão do princípio da especialidade, como a hipótese do crime de lesão corporal e de estupro”. Agora, aplicam-se os demais crimes tipificados na Lei de Tóxicos e não previstos no CPM, bem como os procedimentos de persecução criminal nela previstos, como o flagrante postergado e a infiltração de agentes de investigação.

f) Crimes decorrentes de violência doméstica: a presente alteração põe uma pá de cal na discussão se a Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha) havia retirado a tipicidade penal militar dos crimes decorrentes de violência doméstica, praticados entre militares da ativa[12]. Firma-se, assim, a atribuição de Polícia Judiciária Militar nesses casos, que poderá, inclusive, no caso de sanção presidencial do já aprovado Projeto de Lei da Câmara nº 7, de 2016, que autoriza à autoridade policial a aplicação de medidas protetivas de urgência à mulher em situação de risco atual ou iminente à sua vida ou à integridade física e psicológica, fazer o uso deste mecanismo legal.

No mesmo sentido das digressões acima, tem-se que todos os crimes tipificados no Código Penal comum, não previstos do CPM, mas praticados nas situações dos incisos II e III, do art. 9º, do CPM, ganham conotação militar para fins de processamento e julgamento perante aos juízos militares, bem como passam a se sujeitar à investigação perante a Polícia Judiciária Militar.


5. REFLEXÕES FINAIS

Há muito os destinatários do Direto Penal Militar, em especial os militares estaduais, clamavam pelas alterações legislativas ora promovidas no CPM, não por acreditarem em uma investigação policial direcionada ou numa Justiça Militar corporativista, pelo contrário, todos os militares são cônscios da seriedade, rigidez e celeridade da investigação e processo criminal nas Justiças Militares, mormente naqueles Estados que têm Tribunais de Justiça Militar instalados (Minas Gerias, São Paulo e Rio Grande do Sul).

O objetivo almejado e, agora, alcançado, era o fim da aplicação das famigeradas Súmulas 90 e 172 do STJ, que impunham o desigual duplo processamento, nas Justiças militar e comum, com possibilidade de decisões opostas, por um mesmo fato, como, por exemplo, o crime militar de lesão corporal e o crime comum de abuso de autoridade, o que não mais se dará.

Requeria-se, também, para os fatos praticados por militares no uso de suas funções, uma investigação criminal conduzida por uma autoridade policial que, além de deter o conhecimento legal, jurídico e doutrinário, é capaz de submetê-los aos meandros, às táticas e técnicas militares, de modo a extrair de todo o contexto fático a melhor verdade possível.  

Enfim, inicia-se uma nova fase no cenário penal e processual penal militar, que exigirá tanto da Polícia Judiciária Militar quanto das Justiças Militares a justa medida na aplicação da lei que, agora, passa a ser submetida à doutrina e à jurisprudência em construção.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Penal Militar: Decreto-lei nº 1.001 de 21 de outubro de 1969. Brasília, DF, 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 01 abr. 2017.

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasília, DF, 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >.

BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Brasília, DF, 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >.

BRASIL. Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997. Define os crimes de tortura e dá outras providências. Brasília, DF, 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >.

BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2003. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Brasília, DF, 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br >.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Crimes militares praticados contra civil – Competência de acordo com a Lei 13.491/17. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/61211/crimes-militares-praticados-contra-civil-competencia-de-acordo-com-a-lei-13-491-17>.

FEDERAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES DE OFICIAIS MILITARES ESTADUAIS. Nova lei altera substancialmente o Código Penal Militar. Disponível em: <http://www.feneme.org.br/pagina/1647/nova-lei-altera-substancialmente-o-coacutedigo-penal>.

FOUREAUX, Rodrigo. A Lei 13.491/17 e a ampliação da competência da Justiça Militar. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/61251/a-lei-13-491-17-e-a-ampliacao-da-competencia-da-justica-militar>.

LOPES JR., Aury. Lei 13.491/2017 fez muito mais do que retirar os militares do tribunal do júri. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-out-20/limite-penal-lei-134912017-fez-retirar-militares-tribunal-juri>.

MACEDO, Amilcar Fagundes Freitas. Ampliação da competência da Justiça Militar vem em boa hora. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-out-18/amilcar-macedo-modificacao-codigo-penal-militar-vem-boa-hora>.

Oliveira, Maurício José de. Crime militar: da prisão em flagrante à audiência de custódia – teoria e prática. Belo horizonte: Diplomata Livros Jurídicos e Literários, 2016.

ROCHA, Fernando A. N. Galvão do. Tribunal do Júri na Justiça Militar Estadual. Disponível em: < http://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/juri.pdf>.


Notas

[1] LOPES JR., Aury. Lei 13.491/2017 fez muito mais do que retirar os militares do tribunal do júri. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-out-20/limite-penal-lei-134912017-fez-retirar-militares-tribunal-juri>

[2] Ressalta-se que, o alcance dos incisos I e III do art. 9º do CPM foi mitigado na esfera militar estadual pelo disposto no art. 125, §4º, da CRFB/88, que afastou a possibilidade de julgamento de civis pela Justiça Militar estadual e, consequentemente, do cometimento de crime militar contra militares estaduais e as Instituições Militares Estaduais. Outrossim, o mencionado dispositivo tem plena aplicabilidade apenas na Justiça Militar da União, onde poderá ocorrer o processamento e julgamento de um civil por crime militar.

[3] A esse respeito, assim nos posicionamos na obra “Crime militar: da prisão em flagrante à audiência de custódia – teoria & prática”: “Não temos dúvidas de que, ao remeter o parágrafo único do art. 9º do CPM, c/c o § 4º do art. 125 da CRFB/88, o julgamento para a Justiça Comum/Tribunal do Júri, estão tais dispositivos, consequentemente, afirmando que se trata de um crime comum, mesmo porque essa foi a intenção do legislador quando procedeu ao referido deslocamento de competência, conforme alertou o Ministro Celso de Mello (Relator da ADI n. 1494-3, de 9 de abril de 1997), ao lembrar do contexto histórico que motivou a edição da Lei n. 9.299/96. [...] Outrossim, em que pese a natureza jurídica do crime em comento ser, afirmamos, de crime comum, figurando o parágrafo único do art. 9º do CPM como uma exceção ao seu inciso II, alínea “c”, trata-se da única hipótese em que o legislador infraconstitucional conferiu a atribuição para investigação de um crime comum à Polícia Judiciária Militar.

[4] ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Tribunal do Júri na Justiça Militar Estadual. Disponível em: < http://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/juri.pdf>.

[5] FEDERAÇÃO NACIONAL DE ENTIDADES DE OFICIAIS MILITARES ESTADUAIS. Nova lei altera substancialmente o Código Penal Militar. Disponível em: <http://www.feneme.org.br/pagina/1647/nova-lei-altera-substancialmente-o-coacutedigo-penal>.

[6] LOPES JR., Aury. Lei 13.491/2017 fez muito mais do que retirar os militares do tribunal do júri. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-out-20/limite-penal-lei-134912017-fez-retirar-militares-tribunal-juri>.

[7] FOUREAUX, Rodrigo. A Lei 13.491/17 e a ampliação da competência da Justiça Militar. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/61251/a-lei-13-491-17-e-a-ampliacao-da-competencia-da-justica-militar>.

[8] Súmula 06 – STJ: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura de Polícia Militar, salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade.”

Súmula 75 – STJ: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar o policial militar por crime de promover ou facilitar a fuga de preso de estabelecimento penal.”

Súmula 90 – STJ: “Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele.”

Súmula 172 – STJ: “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.”

[9] MACEDO, Amilcar Fagundes Freitas. Ampliação da competência da Justiça Militar vem em boa hora. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-out-18/amilcar-macedo-modificacao-codigo-penal-militar-vem-boa-hora>.

[10] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Crimes militares praticados contra civil – Competência de acordo com a Lei 13.491/17. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/61211/crimes-militares-praticados-contra-civil-competencia-de-acordo-com-a-lei-13-491-17>.

[11] FOUREAUX, Rodrigo. A Lei 13.491/17 e a ampliação da competência da Justiça Militar. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/61251/a-lei-13-491-17-e-a-ampliacao-da-competencia-da-justica-militar>

[12] Sobre esse assunto, assim já havia me manifestado na obra “Crime militar: da prisão em flagrante à audiência de custódia – teoria & prática”: “O que se verifica é que a Lei Maria da Penha não criou tipos penais de modo a tornar-se uma norma penal especial com o fim de atrair a sua aplicação isolada a todos os casos de violência doméstica. Trata-se, portanto, de uma norma penal geral complementar ao codex penal aplicável à conduta praticada. Nesse sentido, tem-se que se a violência doméstica for praticada por civil ou militar fora das situações descritas no art. 9º do CPM, será crime comum, de competência da Justiça Comum. Agora, se praticada por militar, em uma das situações descritas no art. 9º do CPM e encontrar amoldamento em sua Parte Especial, será crime militar – essa regra não foi afetada pela Lei Maria da Penha.”


Autor

  • Maurício José de Oliveira

    É Major da Polícia Militar de Minas Gerais. Exerce a função de Chefe da Seção de Assessoria Jurídica da Diretoria de Recursos Humanos da PMMG. Possui graduação em Ciências Militares, bacharelado em Direito, Especialização em Direito Público, em Segurança Pública e em Gestão Estratégica em Segurança Pública. Membro Colaborador da Comissão de Direito Militar da OAB/MG. Membro efetivo-curricular da Academia de Letras João Guimarães Rosa da PMMG. É autor dos livros: Comentários ao Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais – CEDM (Lei n. 14.310 de 2002) - 3ª edição; Crime Militar: da prisão em flagrante à audiência de custódia – teoria & prática. É professor na Academia da PMMG, nas cadeiras de Direito Penal Militar e Processos Administrativos. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6206960816866778

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