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Princípio da insignificância: origem, natureza jurídica, critérios de reconhecimento e críticas

Princípio da insignificância: origem, natureza jurídica, critérios de reconhecimento e críticas

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É possível o reconhecimento do princípio da insignificância inclusive em crimes formais e de mera conduta ou apenas nos delitos chamados materiais?

1. DIREITO PENAL NA ATUALIDADE

A dogmática penal tem enfrentado intensa polêmica, principalmente dos que sustentam a sua desconexão com a realidade social. Fruto de construção histórica e considerada essencial na construção e sintetização de uma teoria bem fundamentada do direito, acabou por encerrar-se dentro de si mesma, dedicando-se a complexas elaborações abstradas que desprezam o caso concreto. Nas palavras de MONREAL:

A claridade de suas explicações e a validade de seus enunciados, que constituíam a mais óbvia virtude do direito penal, foram susbstituídas pela obscuridade e pelo esoterismo de suas proposições. Um desejo extremado de esgotar a capacidade de análise jurídica, levando às últimas possibilidades as mais agudas distinções conceituais, conduziu o direito penal a inacabáveis e imponderáveis filigranas de pensamento, perdendo de vista os aspectos importantes do conhecimento pena. 1

A dogmática, portanto, é considerada instrumento de aplicação segura do direito, na medida em que afasta a irracionalidade, a arbitrariedade e a improvisação. Porém, são alvo de críticas a complicação de elaborações abstratas que acabaram por afastar a dogmática da prática penal, as hipóteses jurídicas que buscam aparentar muito mais do que são2.

Tal contexto despertou uma reação saudável no sentido de alterar a situação de isolacionismo e abstracionismo da dogmática jurídico-penal que poderia levar o juiz a tornar-se mero autônomo de conceitos teóricos, ou seja, desprestigiador a realidade fática de cada caso.

Por outro lado, tem-se a chamada criminalidade oculta, caracterizada por enorme cifra de casos não solucionados ou que sequer são conhecidos pelo Poder Judiciário, o que demonstraria a inocuidade da ameaça penal tal qual se apresenta3. Um dos exemplos disso é a tipificação do adultério como crime, já que a sanção penal com certeza nunca se constitui em óbice à prática do delito.

A realidade mostra-se muito mais dinâmica que a lei e, com o passar dos anos, algumas incriminações tornaram-se obsoletas.

Da mesma forma resta superada a discussão acerca da missão ressocializadora da pena privativa de liberdade até porque, na prática, muito mais se viu o direito de liberdade de classes menos favorecidas sendo restringido. Ademais, como a pena privativa de liberdade não poderia “ser considerada materialmente igualitária em uma sociedade desigual e intrinsicamente injusta”4. Isso sem contar as conseqüências danosas para a própria sociedade que a impõe, dados os efeitos negativos da prisão, ai incluindo o aprendizado de práticas criminosas, o estigma que dificulta a reinserção na sociedade e mesmo a total desvinculação do modelo de ressocialização teoricamente propagado.

Por outro lado, a criminalização de condutas com a consequente aplicação de sanções de ordem penal é utilizada como resposta à ineficácia das leis vigentes. E, embora o direito penal não possa ser fechado - para se adequar às mutações naturais da realidade -, tampouco pode ser utilizado excessivamente pelo legislador, pois vulgariza o direito sancionatório, tornando-o ineficaz e débil:

O Estado ao criar tipos penais inócuos dá guarida ao chamado Direito Penal Simbólico, ou seja, a inflação legislativa lhe atribui uma mera função simbólica não garantindo maior e efetiva proteção aos bens jurídicos. O simbolismo penal não soluciona realmente os conflitos sociais, somente aparente solucioná-los, é na realidade uma pseudo-solução.

O Poder Público incide em grande erro ao imaginar que a edição desmedida de leis penais efetivamente solucione a problemática do crescimento da criminalidade, o Direito Penal não é remédio para todos os males.5

Esse movimento de hiperinflação penal prejudica a própria aplicação da lei, visto que dificulta a sua interpretação, criando conflito aparente de leis penais, desproporcionalidade na resposta estatal, desigualdade no tratamento de casos semelhantes etc. Além disso, afasta o direito do conhecimento da sociedade, que ignora o complexo rol de condutas típicas, de modo que “o desconhecimento da lei, de exceção, passou a ser regra. É óbvio que o cidadão comum não tem a menor suspeita da existência de todas essas ‘ameaças penais’, [...]”6.

A crise, portanto, diz respeito “à permanente discussão entre as liberdade e as garantias individuais, entre a legalidade e a política criminal”. O rigor punitivo confronta-se com lufadas humanísticas. E a sua superação deve se enfrentada, já que a crise é sempre uma fase que pode ser benéfica ou perniciosa, porém de toda forma dotada de uma instabilidade inata7.

É nesse contexto que surge a tendência atual de reduzir ao máximo a esfera de atuação do direito penal, a fim de que prevaleça a sua finalidade primordial: a tutela penal de bens efetivamente fundamentais da comunidade, necessários à manutenção da paz social e da convivência social harmônica8. Ou seja, o mote é “menos direito penal” a fim de salvar do próprio direito penal – e suas mazelas – tudo o que for possível9.

Nessa linha caminham as teorias que buscam resolver a crise do direito penal como: a teoria do direito penal mínimo, da descriminalização etc. Servem ainda de argumentos que, juntamente com outros princípios e norteadores do ordenamento vigente, justificam a utilização do Princípio da Insignificância no direito penal pátrio.


2. A INSIGNIFICÂNCIA COMO PRINCÍPIO JURÍDICO DO DIREITO PENAL

Antes de adentrar propriamente no tema da insignificância como princípio de Direito Penal, é preciso entender que o conceito é fruto de construções filosóficas ligadas à ideia de Justiça.

O Princípio da Insignificância, como qualquer outro instituto jurídico, surgiu em determinado contexto, evoluindo ao longo do tempo até chegar ao modelo mais aceito pela doutrina e jurisprudência contemporâneas. Além disso, possui fundamentação em normas que explicam a razão de sua existência e validade, ou seja, sua posição jurídica no ordenamento vigente.

2.1 ORIGEM HISTÓRICA

A formulação do Princípio da Insignificância é contemporânea, porém encontrou suas bases no brocardo minima non curat praetor(*), supostamemte originário do Direito Romano e que determinava que o pretor não devia se ocupar de causas ou delitos de bagatela.

Independentemente da discussão acerca do momento preciso em que foi cunhada a expressão minima non curat praetor, cumpre entender que “as etapas da evolução do direito não dependem somente do que um autor já tenha dito em um livro, mas depende do que se produz em sintonia com um ambiente cultural e político determinados”10.

Nesse contexto aparece Franz von LISZT que, em 1903, ao discorrer sobre a hipertrofia legislativa penal de sua época, afirmava que a lei fazia uso excessivo da pena e indagava se não seria o caso de retornar à antiga máxima do minima non curat praetor.11

A consagração do termo Princípio da Insignificância, porém, inicia com o trabalho de Claus ROXIN de 1964, na obra “Politica Criminal y Sistema del Derecho Penal” que, em controponto às teorias até então vigentes que defendiam a rígida interpretação da lei como forma de justiça, formula sua tese a partir de duas perguntas: “De que serve, porém, a solução de um problema jurídico, que apesar de sua linda clareza e uniformidade é político-criminalmente errada? Não será preferível uma decisão adequada do caso concreto, ainda que não integrável no sistema?”.

Nesse contexto, defendeu uma nova interpretação dos tipos penais que não buscasse a maior abrangência possível, e sim, o contrário, uma interpretação restritiva que aplicasse o direito penal tão-somente em caso de efetiva necessidade de proteção do bem jurídico:

Uma análise abrangente da evolução da jurisprudência poderia demonstrar que nossos tribunais, orientados para garantir, como quer o princípio, uma proteção tão abrangente e sem lacunas quanto possível, fizeram uma interpretação extensiva dos tipos, que levou a um crescimento considerável da criminalidade em vários delitos. Sob o ângulo do princípio nullum-crimen o oposto é o correto: a saber, uma interpretação restritiva, que realize a função de Magna Carta e a “natureza fragmentária” do direito penal, que mantenha íntegro somente o campo de punibilidade indispensável para a proteção do bem jurídico. Para tanto, são necessários princípios regulativos como a adequação social, introduzida por WELZEL, que não é elementar do tipo, mas certamente um auxílio de interpretação para restringir formulações literais que também abranjam comportamentos socialmente suportáveis. Aqui pertence igualmente o chamado “princípio da insignificância”, que permite excluir logo de plano lesões de bagatela da maioria dos tipos: maus-tratos são uma lesão grave ao bem-estar corporal, e não qualquer lesão; da mesma forma, é libidinosa no sentido do código penal só uma ação sexual de alguma relevância; e só uma violenta lesão à pretensão de respeito social será criminalmente injuriosa. Por “violência” não se pode entender uma agressão mínima, mas somente a de certa intensidade, assim como uma ameaça deve ser “sensível” para adentrar no marco da criminalidade.

Se reorganizássemos o instrumentário de nossa interpretação dos tipos a partir destes princípios, daríamos uma significativa contribuição para diminuir a criminalidade em nosso país.12

Para ROXIN, o modelo até então vigente teria levado a uma aumento da criminalidade, já que se fazia uma interpretação extensiva dos tipos penais de forma a evitar possíveis lacunas.

Uma interpretação a partir dos princípios ordenadores do sistema, por outro lado, levaria a uma interpretação restritiva que, sem ferir a segurança jurídica, levaria em conta fatores como análise da intensidade da lesão ao bem jurídico para dar ao caso concreto uma solução socialmente mais aceitável.

Para ele, o problema dos sistemas excessivamente abstratos estaria justamente no desprezo pelas peculiaridades do caso concreto, que faz com que se preocupem em resguardar a segurança jurídica à custa da justiça13.

O postulado da insignificância difundiu-se no Brasil, principalmente nos anos 90, e é considerado autêntico princípio por diversos autores, como Francisco de Assis Toledo, Odone Sanguiné, Luiz Regis Prado e Cezar Roberto Bittencourt, Carlos Vico Mañas, entre outros14.

2.2 FUNDAMENTOS JURÍDICOS

Dentre os vários princípios que fundamentam o ordenamento jurídico brasileiro, regulando a matéria penal tem-se alguns - consagrados constitucionalmente - que estão intimamente ligados ao denominado Princípio da Insignificância e constituem-se em pilares desse instituto, razão pela qual serão abaixo explanados.

2.2.1 Princípio da Exclusiva Proteção de Bens Jurídicos

Também denominado por alguns como Princípio da Lesividade ou da Ofensividade, parte da noção de bem jurídico, assim considerado um dado ou valor social, material ou imaterial retirado da realidade fática, de titularidade individual ou metaindividual, tido como essencial para a convivência e desenvolvimento do homem15.

Não se confunde, entretanto, como o objeto material do tipo penal, como, por exemplo, a honra, o patrimônio, e sim o direito de dispor da própria honra e o direito de dispor dos próprios direitos patrimoniais. Vejamos:

“Um bem jurídico, assim, é sempre algo mais que uma ‘coisa’. Mas também é essa ‘coisa’, só que contemplada em seu valor funcional: o bem jurídico é uma coisa valiosa (valorada positivamente), entendendo aqui por coisa toda realidade existencial com independência de seu caráter material ou imaterial. O conceito de bem jurídico é, pois, expressão de uma relação dialética de realidade e valor. Um Direito penal protetor de bens jurídicos não tutela puros valores em si mesmos, senão realidade concretas: nenhuma proteção jurídico-penal mereceria o ‘valor vida’ se não encarnasse na vida de uma pessoa real; o Direito penal não protegerá o ‘valor vida’ enquanto tal valor, senão as vidas concretas dos cidadãos.”16

Partindo da ideia de que a função do direito penal é proteger bens jurídicos, porém somente os considerados mais relevantes - decorrência direta da política-criminal típica de um Estado constitucional e Democrático de Direito, já que limita o campo de atuação do Estado para aplicação de sanções penais especialmente gravosas, como a pena privativa de liberdade -, nasce a noção de bem jurídico-penal17.

Os bens que são de interesses de normas jurídicas são bens jurídicos, assim como os bens que são objeto do legislador penal, são bens jurídicos penalmente tutelados. Dai portanto, a ideia de o direito penal tutelar exclusivamente bens jurídicos. E é justamente a partir dessa ideia que se constrói a teoria da tipicidade, já que é o bem jurídico que dá sentido teleológico à existência da lei penal18.

Os tipos penais, por consequência, descrevem quais condutas são ofensivas a bens jurídico-penais:

Dentro dessa concepção, o tipo deixa de ser simples imagem orientadora, ou mero indicador da antijuridicidade, para erigir-se em portador de um sentido de ilicitude, dotado, portanto, de conteúdo material, com verdadeira função seletiva, ou seja, apto a distinguir, entre a multidão de comportamentos humanos, aquelas condutas que, por se apresentarem “dignas de castigo”, necessitam efetivamente submeter-se a processo de julgamento por parte da justiça criminal.19

Nesse contexto, a insignificância penal surgiria da imperfeição da técnica legislativa que, ao buscar descrever abstratamente as condutas típicas, coloca em seu arcabouço condutas sem relevância jurídica, que deveriam ser excluídas da incidência penal, por não serem fatos que efetivamente causem danos a bem jurídicos penalmente tutelados20.

2.2.2 Princípio da intervenção mínima ou fragmentariedade

É chamado de Princípio da intervenção mínima e da fragmentariedade o instituto que estabelece que o direito penal somente deve atuar quando for absolutamente necessário à sobrevivência da sociedade, ou seja, como ultima ratio, reduzido a um nível mínimo imprescindível. Traduz justamente a idéia de subsidieriedade na aplicação da legislação penal, já que a pena é uma solução imperfeita, visto que não repara a situação jurídica ou fática anterior e ainda impõe um novo sacrifício social21.

Está também intimamente ligado ao princípio citado no tópico anterior, já que reconhece a intervenção penal exclusivamente para as condutas lesivas que ofendem os bens jurídicos aos quais foram cominadas sanções penais, embora tais condutas não sejam as únicas consideradas antijurídicas22.

Nas palavras de Regis PRADO, “o Direito Penal só deve atuar na defesa de bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homem e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Isso porque a sanção penal reveste-se de especial gravidade, acabando por impor as mais sérias restrições aos direitos fundamentais”. Isso significa que o direito penal irá atuar exclusivamente em fragmentos de antijuridicidade, apenas nos que foram selecionados como penalmente importantes23.

Constitui-se numa política criminal restritiva do jus puniendi do Estado que se ampara na consideração de que o uso excessivo de sanção criminal não garante uma maior proteção dos bens jurídicos, mas muito pior, “condena o sistema penal a uma função meramente simbólica negativa”24.

Relaciona-se intimamente com o Princípio da Insignificância, embora com ele não se confunda, visto que a intervenção mínima atua na seleção dos bens jurídicos que serão objeto de normas penais, ou seja, no campo legislativo. A insignificância, por sua vez, atua no campo da hermenêutica jurídica, buscando atualizar o conteúdo da tipicidade propriamente dita, melhor dizendo, na confirmação do preenchimento integral (formal e material) da conduta ao tipo25.

2.2.3 Princípio da proporcionalidade

Também denominado de princípio da proibição de excesso, tem como função evitar intervenções desnecessárias ou excessivas ao grau de ofensa ao bem jurídico. Atua tanto no campo legislativo (abstrata), de forma a orientar a adequação dos meios empregados pelo legislador aos fins buscados, quanto diretamente na atenuação da sanção penal abstrata aplicada pelo juiz26 (concreta).

O seu fim último é a diminuir ao máximo o ônus aos direitos fundamentais decorrente da fixação de penas em lei, visto que não pode implicar em uma violência ao homem. Tal princípio é expressamente albergado pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1975, que em seu artigo. 12 prevê: “A lei só deve cominar penas estritamente necessárias e proporcionais ao delito”27.

A ausência de referida proporcionalidade esbarraria inclusive numa condição de legalidade da norma: “Trata-se então de uma ‘uma concordância material entre acção e reação, causa e conseqüência, delito e conseqüência jurídico penal. Constituindo parte do postulado de Justiça: ninguém pode ser incomodado ou lesionado em seus direitos com medidas jurídicas desproporcionais”28.

O desrespeito a esse princípio, por conseqüência, afasta a legitimidade do direito penal, bem como a própria sustentação do Estado Democrático de Direito.

No âmbito do Princípio da Insignificância, este incide concretamente sobre as condutas consideradas penamente insignificantes em razão da identificação da desproporcionalidade entre o fato praticado e a resposta penal. O reconhecimento da insignificância materializa a proporcionalidade exigida pelo ordenamento pátrio, pois sem proporcionalidade não haveria direito29.

2.2.4 Princípio da igualdade

O princípio da igualdade encontra expressa previsão constitucional, que, em seu artigo 5º, caput, determina: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

O tratamento igual exigido pela lei a todos os cidadões não se refere exclusivamente à igualmente formal, mas também material. Isso significa que as condutas típicas de diferentes graus de lesividades devem receber tratamento desigual por decorrerem de fatos desiguais30.

Na prática o tipo é abstratamente vinculada a uma sanção mais grave e, quando em face do comentimento de um fato típico, deve a lei incidir concretamente na situação:

A lei colhe abstratamente as situações hipotéticas reputadas mais graves no plano geral da ilicitude dentro do Estado e a elas comina, também abstratamente, a mais grave sanção de que dispõe o Estado dentro de seu arsenal repressor da ilicitude- a pena criminal; única que recai sobre os direitos reputados de maior transcendência nos Estados Democráticos de Direito: a liberdade e, excepcionalmente, a vida (nos Estados que admitem a pena de morte).

Depois desse processo abstrato de seleção das condutas e cominação de penas surge o momento de efetivação do sistema diante da prática de um crime. A conduta, sobre a qual recaía a hipotética sanção foi materialmente praticada e a pena deve perder sua abstração e incidir concretamente sobre aquela situação de fato para impor o juízo de censura estatal representante da vontade social. 31

Ocorre que a lei não pode ser aplicada friamente, mediante abstração da finalidade social e ética do Direito, em desrespeito à Justiça. Mas qual o mecanismo com o qual essa ponderação pode ser realizada sem cair na simplória arbitrariedade judicial caso a caso?

A resposta é: o Princípio da Insignificância, visto que ao se buscar o sentido material do princípio da igualdade, evita-se que o agente seja apenado em grau maior do que seria justo para a conduta praticada32.

2.3 PRECISÃO TERMINOLÓGICA

Doutrina e jurisprudência tem utilizado os termos Princípio da Insignificância e criminalidade/delito de bagatela indistintamente, como se fossem sinôminos do mesmo instituto jurídico.

Nas lições de Ivan Luiz da SILVA33, porém, “tais termos não são expressões sinônimas de um mesmo instituto jurídico-penal, pois o Princípio da Insignificância é espécie de norma jurídica – princípio jurídico – aplicável na solução de casos concretos onde se verifica a ocorrência de um crime de bagatela, que é uma infração penal que provoca escasso ou insignificante dano ao bem jurídico atacado”.

O Princípio da Insignificância é assim denominado por aqueles que tem uma visão utilitarista das estruturas típicas de direito penal, estritamente ligada ao nascimento da idéia de “indispensabilidade da gravidade do resultado concretamente obtido ou que se pretendia alcançar”, especialmente pela parte da doutrina brasileira e argentina que o aceita como autêntico princípio do direito penal34.

A expressão criminalidade de bagatela, por outro lado, é bastante utilizada na doutrina estrangeira que vincula a insignificância no âmbito do princípio da oportunidade processual, a exemplo de Hirsch, Krupelman e Claus Roxin, na Alemanha, Teresa Armenta, na Espanha, Paliero, na Itália, etc. É também a designação utilizada por Luiz Flávio Gomes, no Brasil35.

Nas lições de Ribeiro LOPES36:

Pessoalmente, e com voz solteira, faço distinção entre o princípio da insignificância e o crime de bagatela. Se não reside rigor científico no procedimento – e não estou certo de que não resida – ao menos barrar as tentativas de duvidosa boa-fé daqueles que, em nome da democratização e humanização do Direito Penal, lançam-se a defender a existência de um procedimento menos rígido – onde, por exemplo, possa ter vigência o princípio da oportunidade da ação penal – ou até o mais liberais que admitem um sistema de penas menos severo, insistem em incluir delitos de nenhuma repercussão social na categoria constitucional infrações penais de menor potencial ofensivo.

A distinção seria enorme, já que seria assim conceituado como crime de bagatela a infração que individualmente considerada teve como conseqüência lesão ou perigo de lesão de inexpressiva relevância social e, em face disso, indiscrimadamente utilizada para referir-se a “todas as infrações penais se há um pequeno ato condenável, uma ilicitude insignificante, uma pequena culpa de ‘pequena criminalidade’. Sem embargo, são expressões (conceitos jurídicos indeterminados) que servem para caracteriza uma questão de política criminal”37.

E seria justamente sobre esse delitos chamados bagatelares que incidiria o Princípio da Insignificância (também denominado por parte da jurisprudência como Princípio de Bagatela), identificando-os e valorando-os como fatos atípicos.


3. NATUREZA JURÍDICO-PENAL DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Primeiramente cumpre ressaltar que há divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza jurídico-penal do Princípio da Insignificância, contrapondo-se principalmente três correntes distintas:

  1. Excludente de tipicidade;

  2. Excludente de antijuridicidade; e

  3. Excludente de culpabilidade38.

A seguir serão explanados os principais argumentos de cada um dos posicionamentos.

3.1 Excludente de Tipicidade

Os adeptos dessa tese defendem que as condutas que importam num dano insignificante ao bem jurídico tutelado são consideradas atípicas.

Para seus defensores, a fim de evitar um alcance maior do que o desejado dos tipos penais – que são conceitos abstratos – faz-se mister atribuir um caráter material ao tipo penal, que vai além do formal. Ou seja, não basta a conduta ajustar-se formalmente a um tipo penal, mas também ser materialmente lesiva a bens jurídicos, ou ética e socialmente reprováveis39. Nas palavras de VICO MAÑAS40:

Para dar validade sistemática à irrefutável conclusão político-criminal de que o direito penal só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas, é preciso considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de inequívoca insignificância para a vida em sociedade.

A concepção material do tipo, em conseqüência, é o caminho cientificamente correto para que se possa obter a necessária descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não mais são objeto de reprovação social, nem produzem danos significativos aos bens jurídicos protegidos no direito penal.

Ainda para Carlos Vico MAÑAS, o processo de tipificação feito pelo legislador é defeituoso e acaba alcançando casos “anormais” em razão da impossibilidade de reduzir a grande variedade de atos humanos a fórmulas fechadas. E justamente para resolver esse problema é que surge o Princípio da Insignificância, que atua como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, revelando a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal41.

A respeito do tema, Edilson Mougenot BONFIM e Fernando CAPEZ42 ressaltam a localização do crime de bagatela na conveniência da política criminal, uma vez que sendo a lesão ínfima, não há correspondência ao tipo legal abstrato:

Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância [...] não tem previsão legal no direito brasileiro [...], sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil minimis non curat praetor e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.

Numa análise mais apurada da questão, para se entender o fundamento para o reconhecimento do princípio da insignificância, é necessário partir do conceito de crime adotado pelo sistema penal brasileiro: crime é toda conduta típica, antijurídica e culpável. Para o objeto da análise, interessa mais especificamente o conceito de fato típico, que é representado por uma conduta ligada ao resultado pelo nexo causal, ou seja, quando um fato da vida real adequa-se a um modelo abstratamente descrito em lei43. Isso é o que se costuma denominar de tipicidade formal44.

É preciso compreender, entretanto, que a doutrina entende que a tipicidade penal divide-se em: formal e conglobante. A tipicidade formal, conforme já dito, ocorre com a perfeita adequação da conduta de um agente ao modelo previsto na lei penal. A tipicidade conglobante, por sua vez, exige a verificação de 2 (dois) aspectos45:

  1. Se a conduta do agente é antinormativa;

  2. se o fato é materialmente típico.

O fundamento do princípio da insignificância reside no segundo tópido da tipicidade conglobante, na chamada tipicidade material, que fundamenta que quando “o legislador chamou a si a responsabilidade de tutelar determinados bens – por exemplo, a integridade corporal e o patrimônio -, não quis abarcar toda e qualquer lesão sofrida pela vítima ou mesmo todo e qualquer tipo de patrimônio, não importando o seu valor”. Ou seja, quando a lesão ao bem jurídico protegido pelo direito penal não é significativa, considera-se afastada a tipicidade material, excluindo-se, portanto, a tipicidade conglobante e, por consequência, a tipicidade penal46.

Para ZAFFARONI47 a insignificância da lesão exclui a tipicidade, e como tal é estabelecida por uma consideração conglobada da norma, que busca a finalidade da norma:

[...] toda a ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à simples luz de sua consideração isolada.

E ainda:

“A insignificância da afetação exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda a ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra vivil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à simples luz de sua consideração isolada”.

O Princípio da Insignificância, portanto, seria corretor da aparência de tipicidade de certas condutas ao indagar acerca da tipicidade da conduta conglobada na ordem normativa (tipicidade legal + tipicidade conglobante = tipicidade penal)48.

No sentido de que a Princípio da Insignificância afasta a tipicidade, também se manifesta Luiz Regis PRADO:

A partir do princípio da insignificância como “máxima de interpretação típica”, defende-se um exame de cada caso concreto “mediante uma interpretação restritiva orientada ao bem jurídico e que atenda ao respectivo tipo (espécie) de injusto deixa claro por que uma parte das ações insignificantes são atípicas e frequentemente já estão excluídas pela própria dicção legal, mas por outro lado, como v.g. furtos de bagatela, encaixam indubitavelmente no tipo: a propriedade e a posse também se veem vulneradas pelo furto de objetos insignificantes, enquanto em outros casos o bem jurídico só é menosacabado se ocorre certa intensidade da lesão”.49

Essa é a corrente majoritária no direito pátrio, representada inclusive por pioneiros na abordagem do tema no Brasil como Francisco de Assis Toledo, Odone Sanguiné, Carlo Vico Mañas e Lycurgo de Castro Santos50.

3.2 Excludente de Antijuridicidade

A tese dessa corrente é de que o Princípio da Insignificância é uma excludente de antijuridicidade.

Assim como a doutrina majoritária acerca do tema, entende que a lesão ao bem jurídico deve ser significativa para provocar a persecução, porém sustenta que a insignificância se manifesta na antijuridicidade material, não se podendo violentar a natureza descritiva do tipo penal preenchendo-lhe desnecessariamente com condicionamentos valorativos.

A seguir lições de Abel CORNEJO51 sobre o tema:

[...] logo que tipificar formalmente uma conduta – porquanto se trata de um dever inafastável – o julgador deve realizar um juízo axiológico, e estimar se o proceder que levou a cabo o autor é antijurídico, e só então poderá examinar se efetivamente se trata de um fato relevante que mereça que se dinamize a jurisdição atrás de seu julgamento; ou em seu caso considere que se trata de um fato irrelevante, cuja gravidade considere que se trata de um fato irrelevante, cuja gravidade não resulta suficiente para lesionar ou afetar um bem jurídico.

Dentre seus defensores estão Alberto Silva Franco, Carlos Frederico Pereira, Juarez Tavares e Guzmán Dalbora52.

3.3 Excludente de Culpabilidade

A terceira corrente sustenta que o Princípio de Insignificância é causa excludente de culpabilidade e, como tal, causa eximente de pena.

Tal entendimento seria mais plausível que o da excludente de antijuridicidade por surgir como um limite à ingerência do Estado e também uma justificação ética à imposição de sanção penal, vez que a falta de proporção entre a conduta e o castigo tornaria conveniente a não aplicação de pena.

Aqui é atribuição do juiz verificar no caso concreto se a conduta é penalmente significante: “Para delimitar o âmbito de aplicação da insignificância, o juiz deverá ponderar o conjunto de circunstâncias que rodeiam a ação, a fim de estabelecer se a finalidade abarca a produção de perigos ou lesões relevantes para o bem jurídico ou só afetações ínfimas.”53

Essa corrente é que a possui menos adeptos, dentre eles estando o argentino Abel Cornejo.

3.4 CORRENTES MISTAS

Faz-se necessário esclarecer que há também quem entenda que o Princípio da Insignificância na verdade pode apresentar-se como excludente de tipicidade (insignificância própria) ou como excludente de antijuridicidade (insignificância imprópria), a ser auferida no caso concreto.

Para eles a natureza jurídica do Princípio em debate dependerá do caso concreto, sopesando-se a maior preponderância do desvalor da ação ou do desvalor do resultado.

Melhor explicando, a natureza jurídica somente poderá ser identificada após a análise se se trata de insignificância própria, que decorre da supremacia do desvalor da ação e afasta a tipicidade, ou de insignificância imprópria, que decorre da supremacia do desvalor do resultado e aponta a existência de um fato típico, porém com esvaziamento de seu conteúdo antijurídico.

Ivan Luiz da SILVA afirma ainda que o Princípio da Insignificância não se insere no âmbito da culpabilidade, vez que se refere à ínfima lesividade do fato praticado, ou seja, afeta os elementos estruturais do delito, e não sobre a reprovabilidade jurídica do autor do fato54.

Tal posicionamento é defendido por Ivan Luiz da Silva, Diomar Ackel Filho e Ricardo Freitas de Brito.


4. CRITÉRIOS DE RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

A insignificância, como princípio jurídico, necessita passar por um processo de concretização - preenchimento do espaço normativo constitucional - a fim de viabilizar a sua aplicação ao caso concreto, tornando possível a solução dos problemas de um caso jurídico específico55.

4.1 CONCRETIZAÇÃO LEGISLATIVA

Apesar de não possuir previsão expressa no ordenamento pátrio, defende-se que o Princípio da Insignificância foi concretizado pelo legislador penal, na medida que inseriu na legislação normas e tipos privilegiados que permitem afastar totalmente ou então abrandar o rigor da sanção penal.

Segundo Ivan Luiz da SILVA, o Princípio da Insignificância é concretizado no art. 59 do Código Penal56, que dispõe que o juiz estabelecerá a pena: “[...] conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. Pelo mesmo raciocínio, defende que se a conduta formalmente típica não for reprovável, a pena não deve ser aplicada no caso concreto. Ou seja, nas ações típicas insignificantes não há crime a reprovar e prevenir.

E, continua, ao afimar que o art. 155, §2º, ao prever que se o réu é primário e de pequeno valor a coisa furtada o juiz poderá substituir a pena de reclusão por pena de detenção, diminui-la de um a dois terços ou aplicar somente a pena de multa, afirma que tal prerrogativa – aplicável também a outros delitos como apropriação indébita, estelionato privilegiado e receptação culposa ou dolosa – dá embasamento à invocação do Princípio da Insignificância.

Segundo o mesmo autor, tais normatizações aparecem inclusive na legislação portuguesa, alemã, austríaca, argentina, entre outras, de tal forma que se admite a sua utilização no caso concreto57.

4.2 CONCRETIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Para o sistema penal, a concretização administrativa é realizada pelo Ministério Público, na medida em que é o titular da ação penal, podendo abster-se de propô-la quando entender que inexiste crime a ser denunciado, levando com isso ao arquivamento do inquérito policial, conforme previsto no art. 28, do Código de Processo Penal58.

A tese é no sentido de que não havendo tipicidade material, não há a própria tipicidade e, portanto, caberia ao Ministério Público requerer o arquivamento do inquérito policial. Caso o Ministério Público ofereça denúncia para condutas penalmente insignificantes, cabe então ao juiz rejeita-la com base no art. 43, inciso I, do Código de Processo Penal59.

Como a fase judicial somente inicia com o oferecimento da denúncia, o arquivamento do inquérito dá-se na fase do procedimento administrativo, daí tratar-se de concretização administrativa.

Tal prerrogativa, porém, cabe exclusivamente ao Ministério Público, vez que é o detentor do jus accusationis, é quem tem a titularidade da ação penal por expressa previsão constitucional60.

Para alguns autores essa discussão inclusive se encontra superada, por se tratar de uma contradição lógico-formal, vez que, se não há crime, não há que se falar em obrigatoriedade da ação penal: nullum indicio sine crimen.61

4.3 CONCRETIZAÇÃO JUDICIAL

A concretização judicial, por sua vez, dá-se pela atuação do Poder Judiciário que, partindo do norma não expressa textualmente no ordenamento jurídico até chegar à solução do caso concreto, densifica e dá contornos ao preceito constitucional62.

Sobre o assunto, Márcia Dometila CARVALHO assim leciona: “Admissível uma controlada criação do direito pela jurisprudência, com a finalidade de afastar as injustiças decorrentes de uma interpretação formal, quando esta se mostra inábil para fazer justiça na situação concreta, justiça prevista, constitucionalmente, através de valores e princípios consagrados”63.

No âmbito do Direito Penal, especialmente no que se refere à teoria principiológica da insignificância, a concretização judicial mostra à doutrina que é o Judiciário o órgão encarregado de identificar a insignificância penal de uma conduta típica e dai aplicar o Princípio da Insignificância, até porque intimamente ligada com o poder discricionário do juiz.

Os tribunais pátrios vinham há tempos aplicando o Princípio da Insignificância, porém o STF somente em 1988 proferiu a primeira decisão reconhecendo a existência e possibilidade de sua invocação no direito penal brasileiro.

A partir daí o princípio foi concretizado, passando a ter normatividade concreta, fazendo com que possa ser invocado como solução de casos concretos sempre que ocorra uma conduta considerada penalmente insignificante64.

4.3.1 Supremo Tribunal Federal (STF)

Segundo Jose Henrique Guaracy REBÊLO65, o primeiro caso a reconhecer expressamente o Princípio da Insignificância no STF foi o RHC 66.869/PR, de 06/12/1998. Nele a discussão referia-se à uma lesão corporal cosubstanciada em pequena equimose(*) decorrente de um acidente de trânsito em que implicitamente o STF admitiu tratar-se de bagatela ao concluir: “A lesão corporal leve pode justificar a ação penal, mas aquela que praticamente nada representa tem-se como não caracterizando delito penal”.

A segunda decisão no âmbito de nosso STF foi prolatada no HC 70.747/RS, de 07/12/1993, e também referia-se a lesões corporais - não especificadas - decorrente de acidente de trânsito. Aqui o relator afirmou que somente a análise individualizada dos fatos e suas circunstâncias é que poderia autorizar a tese da insignificância, porém a tese não foi acatada pela existência de condenações anteriores do autor dos fatos.

Depois dessas, muitos outros julgados vieram de forma a consolidar a aplicabilidade do Princípio da Insignificância no direito pátrio e, aos poucos, delimitar quais os critérios a serem observados para o seu reconhecimento no caso concreto.

Desde os primeiros julgados, a interpretação dos Tribunais Pátrios vem desenvolvendo-se, até chegar no atual entendimento de que o reconhecimento do Princípio da Insignificância fica sujeito à análise dos seguintes critérios:

a) a mínima ofensividade da conduta do agente;

b) a nenhuma periculosidade social da ação;

c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e

d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Neste sentido é a decisão recente do STF acerca do tema, cuja ementa segue transcrita:

HABEAS CORPUS. PENAL. RÁDIO COMUNITÁRIA. OPERAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO. IMPUTAÇÃO AO PACIENTE DA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/1997. BEM JURÍDICO TUTELADO. LESÃO. INEXPRESSIVIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CRITÉRIOS OBJETIVOS. PRESENÇA. APURAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

I – Conforme perícia efetuada pela Anatel, o serviço de radiodifusão utilizado pela emissora não possuía capacidade de causar interferência prejudicial aos demais meios de comunicação, o que demonstra que o bem jurídico tutelado pela norma – segurança dos meios de telecomunicações – permaneceu incólume.

II – Rádio comunitária operada com os objetivos de evangelização e prestação de serviços sociais, denotando, assim, a ausência de periculosidade social da ação e o reduzido grau de reprovabilidade da conduta imputada ao paciente.

III - A aplicação do princípio da insignificância deve observar alguns vetores objetivos: (i) conduta minimamente ofensiva do agente; (ii) ausência de risco social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (IV) inexpressividade da lesão jurídica.

IV – Critérios que se fazem presentes, excepcionalmente, na espécie, levando ao reconhecimento do denominado crime de bagatela.66 (Grifo nosso)

V – Ordem concedida, sem prejuízo da possível apuração dos fatos atribuídos ao paciente na esfera administrativa.

Nesse caso concreto especificamente, para o Tribunal a mínima ofensividade da conduta do agente foi verificada no fato de que se tratava de rádio comunitária operada em pequeno município, com baixo raio de cobertura do sinal e, portanto, remota possibilidade de causar prejuízo a outros meios de comunicação.

Já a nenhuma periculosidade social da ação e o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento estariam demonstrados por se tratar de rádio com objetivo de evangelização e prestação de serviços sociais, inclusive com pedido de outorga para execução do serviço de radiodifusão comprovadamente protocolado Ministério das Comunicações.

Por fim, a inexpressividade da lesão jurídica provocada teria sido demonstrada pelo laudo pericial que atestou que o funcionamento do transmissor utilizado não tinha o condão de causar problemas ou interferências prejudiciais em outros serviços de telecomunicações.

Em suma, não teria sido ofendido o bem jurídico tutelado pela norma, qual seja, a segurança dos meios de telecomunicações, com qualquer espécie de lesão, ou ameaça de lesão que mereça a intervenção do Direito Penal, não sendo reconhecida, por conseqüência, a tipicidade da conduta ante a incidência do princípio da insignificância.

O acórdão finaliza resgatando a argumentação que embasa a aplicação do Princípio da Insignifação, conforme adiante se pode observar:

[...], o Direito Penal deve ocupar-se apenas de lesões relevantes aos bens jurídicos que lhe são caros, devendo atuar sempre como última medida na prevenção e repressão de delitos, ou seja, de forma subsidiária a outros instrumentos repressivos. Isto significa que o bem jurídico deve receber a tutela da norma penal somente quando os demais ramos do Direito não forem suficientes para punir e reprimir determinada conduta.

Os critérios utilizados pelo STF para reconhecer o Princípio da Insignificância foram, inclusive, objeto de análise de Claus Roxin que em resposta a questionamento de Fernando Antonio C. Alves de SOUZA67, afirmou: “Uma definição quase oficial do princípio da ‘insignificância’ não existe no Direito alemão, porém os critérios elencados pelo STF na essência estão de acordo com o que se entende por ‘insignificância’. [...].”

4.3.2 Superior Tribunal de Justiça (STJ)

No âmbito do STJ, o autor Jose Henrique Guaracy REBÊLO68 identificou a Ação Penal 13 (89.0008646-4), de 13/12/1990, como sendo o primeiro julgado dessa corte que aplicou o Princípio da Insignificância.

O caso versou sobre uma lesão corporal cujo dano resumia-se a pequeno corte decorrente de acidente automobilístico, que contou inclusive com socorro do agente à vítima. Nessa julgado o relator ressaltou também que o Ministério Público deve submeter tais casos para análise do tribunal, visto que tem previsão penal.

No HC 2.119-0/RS, de 15/03/1993, referente a um furto tentado de bens no valor de Cr$22.000,00, o relator comparando o valor do dano com o salário mínimo da época era favorável à aplicação do Princípio da Insignificância, ressaltando, entretanto, que o conceito de subtração insignificante não se confunde com o valor econômico ou afetivo. A tese não foi acatada pela dissidência de ministro que entendeu que os documentos da vítima, que igualmente foram objeto da ação delitiva, eram mais valiosos que a bolsa e os demais bens, que inclusive gerariam prejuízo patrimonial à vítima a obtenção de segunda vias.

Já no julgamento do HC 3.725-3/SP, de 15/06/1994, que versava sobre fato típico decorrente de briga doméstica, o STJ reconheceu a insignificância penal entre familiares harmonizados, determinando o trancamento do inquérito policial.

A partir dessas decisões o STJ iniciou a construção dos critérios a serem observados para o reconhecimento da insignificação e, - embora não de forma tão sistematizada quanto a posição do STF -, porém devidamente consolidada a sua aceitação, conforme se pode verificar na decisão abaixo colacionada:

CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. PEQUENO VALOR DA COISA FURTADA. IRRELEVÂNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

I. A aplicação do princípio da insignificância requer o exame das circunstâncias do fato e daquelas concernentes à pessoa do agente, sob pena de restar estimulada a prática reiterada de furtos de pequeno valor.

II. A verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve levar em consideração a importância do objeto material subtraído, a condição econômica do sujeito passivo, assim como as circunstâncias e o resultado do crime, a fim de se determinar, subjetivamente, se houve ou não relevante lesão ao bem jurídico tutelado.

III. Hipótese em que o bem subtraído possui importância reduzida, devendo ser ressaltado que o sujeito passivo recuperou o bem furtado, inexistindo, portanto, percussão social ou econômica.

IV. Não obstante o valor da res furtiva não ser parâmetro único à aplicação do princípio da insignificância, as circunstâncias e o resultado do crime em questão demonstram a ausência de relevância penal da conduta, razão pela qual deve se considerar a hipótese de delito de bagatela.

V. Orientação da Quinta Turma desta Corte que fixou patamar para a aferição da insignificância do delito, que pode levar a conclusões iníquas, porque dissociadas de todo um contexto fático.

VI. Se o reconhecimento da irrelevância penal observa os critérios de índole subjetiva, a fixação de um valor máximo para a incidência do princípio da bagatela se apresenta, no mínimo, contraditória.

VII. Ausência de razoabilidade na fixação de valor para a averiguação da inexpressividade da conduta e ausência de lesividade penal, dissociado de outras variáveis ligadas às circunstâncias fáticas.

VIII. Recurso desprovido, nos termos do voto do Relator. (Grifo nosso)

No corpo do acórdão, o relator afirma que “a verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve levar em consideração a importância do objeto material subtraído, a condição econômica do sujeito passivo, assim como as circunstâncias e o resultado do crime, a fim de se determinar, subjetivamente, se houve ou não relevante lesão ao bem jurídico tutelado”69.

Para embasar a decisão sustentou o baixo valor do bem subtraído considerado também o fato de que foi restituído à vitima, o que demonstraria a ausência de percussão social ou econômica. Além disso, afirmando que o valor do dano não é o único fator a ser considerado para a aplicação da insignificância penal, sustenta que as circunstâncias e o resultado do caso em questão também demonstram a ausência de relevância penal da conduta.

Aplicou com isso o Princípio da Insignificância a um fato envolvendo R$120,00 (cento e vinte reais), independentemente das circunstâncias pessoas do agente, por se firmar em entendimento atual do STJ no sentido de que reincidência e maus antecedentes não impedem a aplicação do referido Princípio.

Em suma, reconhece o STJ o Princípio da Insignificância como instituto válido para a identificação dos crimes considerados de bagatela.


5. CRÍTICAS AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Embora boa parte da doutrina reconheça o Princípio da Insignificância, há autores que apresentam objeções à sua aplicação, motivo pelo qual a seguir passamos a explanar quais os principais argumentos dos autores que opõe resistência à sua adoção no direito pátrio.

5.1 AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL EXPRESSA

O primeiro argumento contra o Princípio da Insignificância baseia-se na ausência de previsão expressa em lei, o que implicaria na sua não incorporação ao ordenamento pátrio.

Há quem defenda que o princípio está sim previsto e é constitucional70.

Outros rebatem o posicionamento taxando-o de emintemente positivista e com a afirmação de que a norma escrita não esgota todo o direito, conforme palavras de Odone SANGUINÉ, que afirma: “O princípio da insignificância nada mais é do que importante construção dogmática, com base em conclusões de ordem político-criminal, que procura solucionar situações de injustiça provenientes da falta de relação entre a conduta reprovada e a pena aplicável.”71

Além disso, não se trata da única teoria nessa condição. O mesmo ocorreria com outras construções oriundas da análise do direito em sua integralidade, a exemplo das causas supralegais de exclusão de ilicitude (ex.: consentimento do ofendido), que igualmente não se encontram em algum texto de lei72. Até porque seria impossível ao legislador prever todas as mutações da realidade e dos valores ético-sociais que tornam necessária uma reavaliação da ilicitude a fim de buscar a justa aplicação da lei penal.

O próprio Claus ROXIN já se manifestou acerca do tema ao afirmar:

“Alguns países dispõem de uma regra no CP. Assim, o art. 1º, §2º, do CP polonês: ‘Nenhum ato criminoso é ato proibido, cujo prejuízo social é insignificante’.

Eu prefiro um regulamento de direito material, pois cria uma maior segurança jurídica. De uma forma geral, o problema da ‘criminalidade insignificante’ é uma das questões menos esclarecidas do Direito Penal”73.

O fato é que o direito brasileiro com um código penal, datado de 1940, não traz expressamente essa previsão, porém, como não poderia deixar de ser, o juiz deve dar buscar soluções justas ao caso concreto e que, principalmente, respeitem os interesses da sociedade: “Se a Lei penal não dispõe expressamente que a irrelevância do fato é uma causa de exclusão da sua tipicidade, então há uma lacuna na Lei, a qual poderá ser preenchida pelos Princípios Gerais do Direito, dentre eles o princípio da insignificância, que por nós deve ser adotado como princípio informador do Direito Penal.”74

Cabe ao aplicador do direito julgar o conteúdo da insignificância, assim como faz com outros fator jurídicos75.

5.2 IMPRECISÃO CONCEITUAL

A insignificância é um conceito considerado vago, pois a palavra em si não responde o que é insignificante ou mesmo quais os critérios para identificar o que é insignificante. E, por isso, poderia implicar em risco à segurança jurídica – principal instrumento para evitar arbitrariedades no direito76.

O ponto central da crítica é de que o princípio não tem uma força motriz autônoma ou “valores interiores que justifiquem por sua própria natureza sua importância no sistema”, de forma que se torna em campo de batalha para várias correntes de pensamentos, não só jurídico-penais, mas também políticos e ideológicos77.

Por outro lado, os defensores do reconhecimento do Princípio da Insignificância sustentam que a interpretação e a valoração da ofensa devem possuir um caráter rigorosamente normativo. Ou seja, a análise deve considerar a nocividade social da conduta, o desvalor da ação, do resultado e do grau de lesividade/ofensividade ao bem jurídico e, inclusive, uma antecipada medição de pena para verificação se a sua imposição irá resultar de fato num benefício à sociedade. A concorrência de todos ou alguns desses critérios revelaria a insignificância penal do fato.

Para Ribeiro LOPES, o Princípio da Insignificância opera como limite tático da norma penal:

“[...], a definição do crime e, mais ainda, a cominação da pena correspondente contém o traço inaugural do cartáter político e ideológico – que opera desde a escolha do bem jurídico, passa pelo porcesso de definição das condutas que o lesem ou periclitem, alcança o sistema punitivo abstrato e desemboca na execução material da pena. O princípio da insignificância apenas depura o rigor desse sistema, vale dizer, opera marginalmente na contenção de excessos – por isso imite tático.

Ora, se não é razão motriz do Direito Penal, como pode ser conceitualmente indeterminado – e ainda que o fosse, qual a importância disso no interior do sistema?”78

Em suma, os autores defendem que o direito penal não sanciona toda e qualquer lesão ou perigo de um bem jurídico, mas tão somente aqueles que resultem em consequências sérias (desvalor de resultado) e derivem de condutas intoleráveis (desvalor da ação).

A preponderância de um ou outro fator deve ser analisada rigorosamente à vista do respectivo tipo penal, por meio da identificação de critérios de delimitação pela doutrina e pela jurisprudência, a fim de evitar o empirismo e a exacerbação da análise “caso a caso” 79.

5.3 SENSAÇÃO DE IMPUNIDADE

Uma das críticas refere-se à sensação de ausência de justiça gerada pela falta de resposta estatal, o que geraria uma quebra na harmonia social, com possíveis conseqüências incontroláveis80.

O argumento é rebatido a partir de uma análise da própria insignificância da conduta. Vejamos: “[...] se está diante de uma lesão ou violação insignificante a um direito, assim, no campo da proporcionalidade, a reação que poderia ser gerada por essa satisfação de um sentimento pessoal de justiça também resulta de despicienda importância.”81

Há ainda quem sustente a transferência dessas condutas penalmente insignificantes para outras áreas do direito ou outros instrumentos de controle social. Ou seja, não significa que as condutas sejam consideradas lícitas, mas apenas que não serão objeto de sanção da esfera penal, até porque a aplicação de pena muitas vezes não é benéfica à sociedade ou mesmo ao autor dos fatos82.

Nas palavras de PRESTES83, a conduta mantém-se na esfera de ilicitude, porém inferior à ilicitude penal. Dessa forma todos os sujeitos envolvidos estariam satisfeitos com a tutela recebida:

“O princípio da insignificância satisfaz os três envolvidos no fenômeno social que é o crime. O autor da infração se vê distante do decadente sistema penal, ao mesmo passo que a sociedade o pune com sanções extrapenais, pelo ilícito cometido. A vítima, por sua vez, mostra-se contente com a reparação do dano por ela sofrido. Por fim, a Justiça criminal se vê livre do excesso de trabalho revelado pelo grande número de processos cujo objeto são infrações bagatelares.”

Quanto a este último argumento, Ribeiro LOPES sustenta que, para uma resposta administrativa à essa conduta, seria necessária uma re-tipificação administrativa a fim de que possa aplicar sanções de índole não penal84.

Tal solução não caberia hoje no ordenamento brasileiro, eis que se deveria superar primeiramente a tese de que o direito administrativo não protege bens jurídicos, e sim bens administrativos.

Além disso, poderia-se criar um outro problema na medida em que aumentaria o poder sancionador da administração – podendo haver puniões de extrema gravidade ou de projeções exclusivamente políticas - e, inclusive com risco de desvirtuamento da função do Poder Executivo e enfraquecimento do Poder Judiciário. Isso sem contar a inexistência no direito administrativo de prerrogativas processuais do acusado, a exemplo da inversão do ônus da prova85.

Nas palavras de Dalva ALMEIDA86:

“[...], não comungamos com o excessivo otimismo de que tais medidas administrativas tenham substituído com eficácia o direito penal pelo direito administrativo, como demonstram os resultados da aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Nacional de Trânsito. Converter a criminalidade de bagatela em infrações administrativas seria a renúncia do Direito penal ao seu império, que conta com penas alternativas e outras sanções penais pecuniárias a serem aplicadas nesses casos.

O Direito penal é de intervenção mínima, mas não é de nenhuma intervenção e o princípio não exclui as sanções penais, pois nada mais é que uma construção dogmática, influenciada por razões político-criminais, mas sobretudo, dogmática.”

Ainda que haja divergência entre os adeptos do Princípio da Insignificância acerca de qual a solução para evitar a sensação de impunidade, há unanimidade no sentido de que se deve prevenir uma resposta formal ou informal muito violenta contra a conduta delitiva, a fim de que o direito penal, na prática, seja um instrumento apto a impedir a vingança87.

5.4 DIFICULDADE DE VALORAÇÃO DA OFENSA NAS INFRAÇÕES NÃO MATERIAIS

Sob a ótica de que a interpretação restritiva somente é possível nos casos em que a redação do tipo penal contenha descrição (ex: resultado) que permita ao aplicador da lei confrontar a insignificante ofensa ao bem jurídico material, surge a crítica de que somente os delitos materiais admitiriam juízo de insignificância.

A resposta a esse apontamento afirma que tal argumento desconsidera a possibilidade de análise da insignificância a partir do desvalor da ação, e não somente do desvalor do resultado, como ocorre na aplicação do referido princípio nos casos de porte de pequena quantidade de droga88.

Deve-se, portanto, levar em conta “o critério da nocividade social somado a outros critérios como o grau de ofensividade, ao interesse protegido, a real necessidade de imposição de sanção, o desvalor da ação e do resultado. A concorrência de todos, ou ao menos de alguns destes critérios revela, indubitavelmente, a insignificância penal do fato.”89

Logo, é possível o reconhecimento do Princípio da Insignificância inclusive em crimes formais e de mera conduta, e não exclusivamente nos delitos chamados materiais.

5.5 CONSIDERAÇÕES

Outros argumentos existem acerca da inaplicabilidade do Princípio da Insignificância, como o relativo sucesso do movimento Law and order da cidade de Nova York, que deu ênfase ao combate da pequena criminalidade investido na tese de que os criminosos sempre começam com os crimes de bagatela, ou mesmo a sujeição à arbitrariedade judicial, que deixaria o cidadão sem nenhuma garantia90.

Percebe-se que a preocupação central está ligada à segurança jurídica, à própria ordem do sistema e à suposta sujeição dos cidadãos aos “humores” dos operadores do Direito.

É fato, porém, que o princípio da insignificância vive no direito brasileiro, sendo adotado por doutrinares e juízes. E, diante dessa realidade, o que não se pode perder de vista é o compromisso do direito com a manutenção da ordem social e a obrigação de dar respostas razoáveis para solução dos conflitos91.


Notas

1 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 20.

2 ALMEIDA, Dalva Rodrigues Bezerra de. Princípio da insignificância e juizados especiais criminais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2007, p. 28.

3 VICO MAÑAS, Carlos. Op. cit., p. 25.

4 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 26.

5 PRESTES, Cássio Vinicius Dal Castel Veronezzi Lazzari. O princípio da insignificância como causa de excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Fabio Fabbris Editor, 2003, p. 18.

6 VICO MAÑAS, Carlos. Op. cit., p. 25.

7 ALMEIDA, Dalva Rodrigues Bezerra de. Princípio da insignificância e juizados especiais criminais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2007, p. 26.

8 PRESTES, Cássio Vinicius Dal Castel Veronezzi Lazzari. O princípio da insignificância como causa de excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Fabio Fabbris Editor, 2003, p. 19-20.

9 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 25-28.

(*) Há correntes que defendem a inexistência desse brocardo no Direito Romano antigo (SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 94).

10 ALMEIDA, Dalva Rodrigues Bezerra de. Princípio da insignificância e Juizados Especiais Criminais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2007, p. 68-69.

11 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 93.

12 ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 46-48.

13 ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 85.

14 REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 32.

15 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral: arts. 1º a 120. 8.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 136-137.

16 MIR PUIG, Santiago apud BIANCHINI, Alice. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. 2.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 232.

17 Ibidem, p. 230-235.

18 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral. 6.ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 396-397.

19 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 121.

20 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 83.

21 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95: Juizados especiais penais e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 75.

22 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 132-133.

23 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral: arts. 1º a 120. 8.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 138-139.

24 Ibidem, p. 138

25 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95: Juizados especiais penais e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 78.

26 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 134.

27 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral: arts. 1º a 120. 8.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 140.

28 HASSEMER, Winfried apud PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral: arts. 1º a 120. 8.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 141.

29 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 135-136.

30 Ibidem, p. 127.

31 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95: Juizados especiais penais e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 52.

32 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 127-128.

33 Ibidem, p. 88.

34 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95: Juizados especiais penais e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 33-34.

35 SILVA, Ivan Luiz da. Op. cit., p. 89.

36 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Op. cit., p. 35.

37 CORNEJO, Abel apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 91.

38 SILVA, Ivan Luis da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 163.

39 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 53.

la Ibidem, p. 53-54.

41 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 55.

42 BONFIM, Edilson Mougenot; CAPEZ, Fernando. Direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 121-122.

43 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especia. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 63.

44 Idem.

45 GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 13. ed. Niterói: Impetus, 2011, p. 63.

la Ibidem, p. 64.

47 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v.1, p. 482-483.

48 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de direito penal brasileiro: volume 1: parte geral. 6. ed. rev. e atual. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 393-394.

49 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral: arts. 1º a 120. 8.ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 2008, p. 147.

50 SILVA, Ivan Luis da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 163-164.

51 CORNEJO, Abel, apud , Ivan Luis da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 167.

52 SILVA, Ivan Luis da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 166-167.

53 CORNEJO, Abel, apud , Ivan Luis da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 168.

54 SILVA, Ivan Luis da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 169-171.

55 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 137.

56 BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 01 jul. 2013.

57 SILVA, Ivan Luiz da. Op. cit., p. 138-144.

58 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 149-150.

59 REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizante: Del Rey, 2000, p. 44-45.

60 SILVA, Ivan Luiz da. Op. cit., p. 150-152.

61 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95: Juizados especiais penais e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 21.

62 SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 144-149.

63 CARVALHO, Márcia Dometila apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 144.

64 SILVA, Ivan Luiz da. Op. cit., p. 144-149

65 REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizante: Del Rey, 2000, p. 48-49.

(*) EQUIMOSE: Nódoa proveniente do sangue extravasado sob a pele. (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://www.priberam.pt/dlpo/>. Acesso em: 25 jul. 2013.)

66 DISTRITO FEDERAL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº. 115.729/BA. Inteiro teor do acórdão. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3402872>. Acesso em: 20 jun. 2013.

67 SOUZA, Fernando Antonio C. Alves de. Princípio da insignificância: os vetores (critérios) estabelecidos pelo STF para a aplicação na visão de Claus Roxin. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº. 31. Ago-Set. 2009. p. 26. Disponível em: <https://docs.com/pdf/100002968211279/2ec9ef4ca7174332984c5911b53407ca?popup=1>. Acesso em: 25 jul. 2013.

68 REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizante: Del Rey, 2000, p. 49-55.

69 DISTRITO FEDERAL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.244.828/RS (2011/0065308-2). Inteiro teor do acórdão, p. 2. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201100653082&dt_publicacao=14/08/2012 >. Acesso em: 20 jun. 2013.

70 ALMEIDA, Dalva Rodrigues Bezerra de. Princípio da insignificância e juizados especiais criminais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2007, p. 149.

71 SANGUINÉ, Odone apud VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 67.

72 REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizante: Del Rey, 2000, p. 42-43.

73 SOUZA, Fernando Antonio C. Alves de. Princípio da insignificância: os vetores (critérios) estabelecidos pelo STF para a aplicação na visão de Claus Roxin. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal nº. 31. Ago-Set. 2009. p. 26. Disponível em: <https://docs.com/pdf/100002968211279/2ec9ef4ca7174332984c5911b53407ca?popup=1>. Acesso em: 25 jul. 2013.

74 PRESTES, Cássio Vinicius Dal Castel Veronezzi Lazzari. O princípio da insignificância como causa de excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Fabio Fabbris Editor, 2003, p. 70.

75 ALMEIDA, Dalva Rodrigues Bezerra de. Princípio da insignificância e juizados especiais criminais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2007, p. 150.

76 PRESTES, Op. cit., p. 67-68.

77 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95: Juizados especiais penais e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 173.

78 Ibidem, p. 173-174.

79 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 59-63.

80 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 68.

81 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95: Juizados especiais penais e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 176-177.

82 VICO MAÑAS, Carlos. Op. cit., p. 68.

83 PRESTES, Cássio Vinicius Dal Castel Veronezzi Lazzari. O princípio da insignificância como causa de excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Fabio Fabbris Editor, 2003, p. 72.

84 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9.099/95: Juizados especiais penais e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 176-177

85 Ibidem, p. 177-178.

86 ALMEIDA, Dalva Rodrigues Bezerra de. Princípio da insignificância e juizados especiais criminais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2007, p. 151.

87 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Op. cit., p. 179.

88 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 65.

89 PRESTES, Cássio Vinicius Dal Castel Veronezzi Lazzari. O princípio da insignificância como causa de excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Fabio Fabbris Editor, 2003, p. 73.

90 ALMEIDA, Dalva Rodrigues Bezerra de. Princípio da insignificância e juizados especiais criminais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2007, p. 148-149.

91 ALMEIDA, Dalva Rodrigues Bezerra de. Princípio da insignificância e juizados especiais criminais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2007, p. 151.



Informações sobre o texto

Trabalho de Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Carla Bianca Olinger. Princípio da insignificância: origem, natureza jurídica, critérios de reconhecimento e críticas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5893, 20 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61408. Acesso em: 26 abr. 2024.