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Regime patrimonial de bens entre cônjuges e direito intertemporal

Regime patrimonial de bens entre cônjuges e direito intertemporal

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O estudo demonstra a variedade de questionamentos sobre regime de bens, a diversidade de interpretações e as inúmeras adequações que teremos que superar pelo advento do novo Código Civil.

Sumário:I - REGIME DE BENS MATRIMONIAIS:1. Características, 2. Objetivo da adoção do Regime de Bens, 3. O Patrimônio e a sua Administração, 4. Regime da Comunhão Parcial, Legal ou Limitada, 5. Regime da Comunhão Universal, 6. Regime da Separação Convencional ou Absoluta, 7. Regime da Participação Final nos Aqüestos, 8. Regime da Separação Legal e Obrigatório, 8.1. Para os Maiores de 60 Anos, 8.2. Para os que dependem de Autorização para Casar, 9. O Regime da Separação Obrigatória de Bens e a Nova Regra da Mutabilidade, 10. O Regime de Bens na União Estável, 11. As Causas Suspensivas do Art. 1.523 do CC/02, 12. Mutabilidade do Regime de Bens no Curso do Casamento, 13. A Mutabilidade do Regime De Bens na União Estável; II - DIREITO INTERTEMPORAL:14. Conceito de Direito Intertemporal, 15. As Pessoas que Contraíram Matrimônio no Código Anterior Podem Mudar o Regime de Bens?, 16. A Reconciliação dos Separados Judicialmente, 17. A Proibição de Sociedade entre os Cônjuges, 18. Aplicação da Súmula 377, 19. Quanto a Autorização do Cônjuge para Prestar o Aval, 20. Dispensa de Outorga Uxória para Venda de Imóveis no Regime da Separação de Bens, 21. Os Frutos de Bens Particulares e os Bens Adquiridos por Fato Eventual na União Estável; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS; SUMÁRIO LEGISLATIVO.


I – REGIME PATRIMONIAL DE BENS ENTRE CÔNJUGES

1. Características

A lei que disciplina a matéria é a nº 10.406/02, Código Civil, parte do Título II do livro IV. Na legislação anterior, o Código Civil de 1916, a matéria estava prevista no Livro I da Parte Especial, compondo o Direito de Família.

O subtítulo I, do Título II, DO REGIME DE BENS ENTRE OS CÔNJUGES, no CC/02, apresenta três características básicas: revogabilidade, variedade de regimes e livre estipulação.

O princípio da irrevogabilidade ou imutabilidade contemplado no CC/16 tinha por objetivo preservar os direitos dos cônjuges e de terceiros. É importante ressaltar que para salvaguardar o objetivo do princípio da irrevogabilidade da lei anterior, a nova lei determina que a alteração do regime não pode ser obtida unilateralmente, nem em processo litigioso promovido por um só dos cônjuges, por exemplo, pois há a exigência do pedido ser motivado, por ambos os cônjuges, mediante autorização judicial, § 2˚, art. 1.639, CC/02.

O princípio da variedade de regimes tem por objetivo colocar a disposição dos interessados os regimes de bens: comunhão parcial ou regime legal, comunhão universal, separação legal, separação convencional e o da participação final dos aqüestos. O código de 1916 previa o regime dotal não contemplado na atualidade. O regime da comunhão final dos aqüestos é inovação, ou seja, não era disciplinado no Código Civil anterior.

O princípio da livre estipulação do Regime, por sua vez, tem o objetivo de dar a liberdade aos nubentes "estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver", desde que seja antes da celebração do casamento, conforme o art. 1.639, e não contrarie a lei. Os interessados, no processo de habilitação para o casamento, podem optar por qualquer um dos regimes, não havendo vedação legal para tanto, art. 1.640.

E, ainda, há a possibilidade do futuro casal criar o seu regime de bens exclusivo, híbrido, distinto dos regimes disciplinados pelo código. Assim, o sistema faculta que o casal gere regime de bens próprio que pode ser misto, combinado e exclusivo, desde que observadas as situações previstas no art. 1.641.

No entanto, o princípio da livre estipulação não é absoluto, o art. 1.655 reza que é "nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei". Não são válidas as cláusulas do pacto antenupcial contrárias à lei. O pacto antenupcial ao conter cláusula, por exemplo, que prive um dos cônjuges de exercer o poder familiar ou que dispense os cônjuges ou apenas um deles cumprir o dever de fidelidade ou qualquer outro dever conjugal, por exemplo, será nulo ou ineficaz. E a conseqüência da nulidade deste pacto antenupcial é a aplicação do regime legal de bens, art. 1.640, denominado regime de bens supletivo.

Com exceção do regime legal ou da comunhão parcial e da separação legal ou obrigatória, todos os outros regimes exigem o pacto antenupcial.

2. Objetivo da Adoção do Regime de Bens

O regime de bens é o regramento das relações econômicas entre o homem e mulher casados entre si.

Seu objetivo é disciplinar o patrimônio dos cônjuges antes e na vigência do casamento, de acordo com a sua vontade, mas dentro dos limites da lei.

Para Orlando Gomes, o regime matrimonial "é o conjunto de regas aplicáveis à sociedade conjugal considerada sob o aspecto dos seus interesses patrimoniais. Em síntese, o estatuto patrimonial dos cônjuges". [1]

O casamento resulta em comunidade de vidas, em uma sociedade conjugal. E por ser uma "sociedade matrimonial" há regras disciplinadoras das relações econômicas das pessoas envolvidas.

3.O Patrimônio e a sua Administração

Até 1988 o sustento da família cabia ao marido, mas a Constituição Federal em seu art. 226, §5º, consagrou a isonomia entre os cônjuges.

O sustento da família é da responsabilidade da entidade conjugal. Nas disposições gerais do código há um conjunto de regras que dizem respeito ao patrimônio dos cônjuges.

O inciso V do art. 1.642 assegura aos cônjuges o direito de reivindicar os bens comuns, móveis e imóveis, doados ou transferidos pelo cônjuge ao concubino (a), desde que reste provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes (o adúltero (a) e concubino (a)) e se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos. Há, neste dispositivo legal um grande retrocesso, pois o entendimento da doutrina e da jurisprudência é no sentido de que os bens adquiridos pelos cônjuges quando estão separados de fato não se comunicam (RJTJSP, 114:102). Pelo CC/02 o cônjuge separado de fato poderá ser beneficiado com a meação do patrimônio que não ajudou a construir, nos cinco anos que se passou da separação de fato, se o ex-marido e a sua convivente não provarem, devidamente, que tais bens foram adquiridos pelo seu esforço comum.

Compete ao cônjuge prejudicado e a seus herdeiros demandar contra o cônjuge que onerou bens imóveis comuns sem a outorga uxória ou marital, os bens doados ou transferidos ao concubino [2], art. 1.642, III a V e 1.645, CC/02. Assim, o ato do cônjuge que prejudicar o outro, bem como o seu herdeiro é anulável.

O juiz pode suprir a outorga marital ou uxória, quando o outro cônjuge não tem possibilidade de concedê-la [3] ou, ainda, quando um cônjuge não concede por motivo injustificado. A falta de autorização do cônjuge, não suprida pelo juiz "tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal", art. 1.649, CC/02.

O ato com a autorização do outro cônjuge é válido e obriga a todos os bens do casal, se o regime for o da comunhão universal de bens.

O art. 1.647, CC/02, arrola atos que nenhum dos cônjuges pode praticar sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta, e o inciso III traz como inovação à exigência de outorga conjugal para o aval, alterando, assim, a regra prevista no art. 3º da Lei nº 4.121/62. Essa limitação tem o fim de evitar o comprometimento dos bens do casal, em razão de graciosa garantia concedida a débito de terceiro. Se a fiança e o aval não forem anulados pelo cônjuge prejudicado (pois o cônjuge que os prestou não é parte legítima para pedir anulação), poderá este opor embargos de terceiro para excluir a sua meação de eventual penhora que venha a recair sobre os bens do casal.

Somente as dívidas contraídas para comprar as coisas necessárias à economia doméstica obrigam solidariamente ambos os cônjuges, art. 1.643, CC/02.

O inciso IV, do art. 1.647, CC/02, determina que fazer "doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação" aplica-se aos bens móveis, já que os imóveis são tratados no inciso I. É permitida a doação remuneratória porque representa o pagamento de um serviço prestado [4], que pode ser feito independente da autorização conjugal ou a anuência do outro cônjuge.

O § único do art. 1.647 dá a idéia de complementar o inciso IV do mesmo artigo, pois declara válidas as "doações nupciais" feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.

4. Regime da Comunhão Parcial, Legal ou Limitada

Este é o regime de bens quando os nubentes não realizaram o pacto antenupcial, ou, ainda, como reza o art. 1.640 do CC/02, se o pacto antenupcial é nulo ou ineficaz, sendo denominado neste caso, de supletivo.

Estabelece três massas de bens:

- os bens do marido antes do casamento;

- os bens da mulher antes do casamento;

- os bens comuns, ou seja, os adquiridos onerosamente na constância do casamento.

São incomunicáveis os bens havidos a título gratuito, na constância do casamento, como, por exemplo, os recebidos por doação e por sucessão; os adquiridos com o produto da venda de bens particulares ou sub-rogação; as obrigações anteriores ao casamento; as obrigações resultantes de atos ilícitos desde que não seja revertido em proveito do casal; os bens de uso pessoal; os livros; os instrumentos de profissão; os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; as pensões; meios-soldos; montepios e outras rendas semelhantes (art. 1.659, CC/02). O código anterior considerava incomunicáveis os bens que eram excluídos da comunhão universal.

O artigo 1.661 do CC/02 determina que são incomunicáveis os bens que tiverem por título uma causa anterior ao casamento. Por exemplo, é incomunicável o bem do marido adquirido quando casado, mas produto de acordo judicial de uma ação judicial iniciada antes do casamento. Não se comunica, também, o dinheiro recebido após o casamento pela venda (anterior ao casamento) de um bem particular.

Quando o inciso VI, do art. 1.659 exclui da comunhão "os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge" significa que não se comunica o direito aos proventos, pois recebida a remuneração, o dinheiro faz parte do patrimônio comum do casal, mas no caso de separação tal salário não será partilhado. Esta interpretação evita que seja privilegiado o cônjuge que reservou, guardou ou economizou os seus proventos, prejudicando o que converteu os seus proventos em bens comuns [5].

Os bens comuns são os adquiridos na constância do casamento por título oneroso, por fato eventual como, por exemplo, a loteria, (aluvião ou avulsão), por doação, herança ou legado em favor de ambos os cônjuges, as benfeitorias em bens particulares por serem realizados com o esforço comum do casal, os frutos dos bens comuns ou particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento ou pendentes no momento em que cessar o casamento, art. 1.660 do CC/02.

O art. 1.663, do CC/02, determina que a administração do patrimônio comum compete a qualquer um dos cônjuges, assim o marido não é mais o administrador exclusivo dos bens comuns e dos particulares como prescrevia o código anterior.

Em caso de malversação dos bens, o juiz poderá atribuir a administração a apenas um deles, conforme o art. 1.663, § 3º.

O cônjuge administra os seus bens particulares, salvo convenção diversa em pacto antenupcial, art. 1.663, § 3º.

O art. 1.662 determina que é presumido que os bens móveis foram adquiridos na constância do casamento, quando não se provar que o foram em data anterior, assim o regime gera presunção "juris tantum" quanto aos bens móveis.

5. Regime da Comunhão Universal

É um regime convencional, deve ser estipulado em pacto antenupcial, que estabelece a comunicação de todos os bens dos cônjuges.

Embora os bens comuns predominem, podem existir bens próprios do marido e bens próprios da mulher.

São bens excluídos, art. 1.668 do CC/02:

I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar. São excluídos os bens doados em vida e os deixados em testamento se houver cláusula de incomunicabilidade.

São incomunicáveis os bens adquiridos com o produto dos bens recebidos com a cláusula de incomunicabilidade, como, por exemplo, alguém recebe em doação um iate com cláusula de incomunicabilidade e decide vendê-lo para adquirir uma casa, esta casa se sub-rogará no lugar do iate, será bem excluído ou incomunicável.

Assim, a incomunicabilidade não acarreta a inalienabilidade do bem, mas esta produz a impenhorabilidade e a incomunicabilidade por determinação do art. 1.911, CC/02.

A Súmula 49 do STF dispõe:

"A cláusula de inalienabilidade inclui a incomunicabilidade dos bens".

Não se comunicam os bens doados com cláusula de reversão, ou seja, se o donatário morrer antes do doador, o bem volta ao patrimônio do doador, ou seja, não se comunica ao cônjuge do falecido, art. 547, CC/02.

II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva.

Fideicomisso é "modalidade de substituição hereditária que consiste na instituição de herdeiro ou legatário, designado fiduciário, com obrigação de, por sua morte, há certo tempo ou sob condição preestabelecida, transmitir a uma outra pessoa, chamada fideicomissário, a herança ou o legado" (6).

III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus prestos, ou reverterem em proveito comum. Só se comunicam as dívidas contraídas com os aprestos, ou seja, com os preparativos do casamento e as que são contraídas com o objetivo de proveito comum do casal.

IV – as doações antenupciais de um cônjuge a favor do outro com cláusula de incomunicabilidade.

V – os bens referidos no art. 1.659 do CC/02.

O inciso XII, art. 263, CC/16, determinava a incomunicabilidade dos bens reservados da mulher, considerados de suas exclusiva propriedade, pois adquiridos com os seus próprios recursos financeiros. Tal artigo foi tacitamente revogado em 1988, pelo art. 226, § 5º da Constituição Federal.

O art. 1.669, CC/02, estabelece que os frutos e rendimentos dos bens incomunicáveis se comunicam, desde que se percebam ou se vençam na constância do casamento.

A administração dos bens compete ao casal, no sistema da co-gestão, artigos 1.663 a 1.666. Os bens particulares são administrados pelo cônjuge proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial, art. 1.665.

6. Regime da Separação Convencional de Bens ou Absoluta

É um regime convencional que deve ser estipulado em pacto antenupcial e confere autonomia a cada cônjuge na administração de seu próprio patrimônio. Refere aos bens anteriores ao casamento, os presentes e futuros, bem como os seus frutos e rendimentos.

A separação pode ser de duas formas: a pura ou absoluta e a limitada.

O CC/02 não separa as duas formas de separação, mas o art. 1.647, traz uma exceção que prevê, expressamente, "regime da separação absoluta", conclui-se, assim, que há o regime da separação de bens limitada.

O Art. 1.647. "Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:".

O pacto antenupcial que convencionar a separação limitada não tem diferença do regime da comunhão parcial de bens.

Os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal, como em todos os regimes de bens, em razão da isonomia constitucional, salvo estipulação diversa em pacto antenupcial, onde podem, inclusive, estabelecer a quota de cada um ou, até mesmo, a dispensa do encargo, bem como fixar regras sobre a administração dos bens.

7. Regime da Participação Final dos Aqüestos

É um regime que deve ser estipulado em pacto antenupcial, no qual durante a constância do casamento se aplicam às regras da separação total e na dissolução do casamento aplicam-se as regras pertinentes da comunhão parcial de bens.

Trata-se de um regime de bens misto adotado pelos alemães, franceses, espanhóis, portugueses e argentinos entre outros.

Art. 1.672, CC/02:

"... a época da dissolução da sociedade conjugal, direito a metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento".

Assim, durante a constância do casamento, cada cônjuge tem a exclusiva administração dos seus bens particulares e os adquiridos a qualquer título na constância do casamento, pode dispor livremente os bens móveis e dependendo da outorga ou autorização do outro cônjuge para dispor dos bens imóveis, art. 1.673, § único.

Na dissolução do casamento serão apurados os bens de cada um dos cônjuges, cabendo a cada um deles ou de seus herdeiros a metade dos adquiridos onerosamente pelo casal na constância do casamento.

O direito a meação pode não ocorrer se houver doações de um cônjuge, sem a autorização do outro. O cônjuge prejudicado pode reivindicar os bens doados, pode ser compensado com outros bens ou ser indenizado em dinheiro, arts. 1.675 e 1.676.

Determina que no momento da dissolução do casamento, quantificam-se os aqüestos pelo montante a ser avaliado na data da dissolução do regime de bens. Por ocasião da partilha judicial são excluídos da soma dos patrimônios próprios, ou seja, os anteriores ao casamento e os sub-rogados; os que pertencem a cada cônjuge a título gratuito, por sucessão ou por liberalidade, pois a divisão é somente para os bens adquiridos a título oneroso (art. 1.672), e as dívidas relativas aos bens aqüestos, art. 1.674, III, CC/02.

No caso de morte de um dos cônjuges a sua meação será transmitida aos seus herdeiros, a serem convocados pela ordem de vocação hereditária.

O art. 1.672, CC/02, dispõe que é na época da dissolução da sociedade conjugal que haverá a mudança do regime de bens, mas será a sentença de separação que irá produzir a liquidação do regime de bens. O ingresso da ação de separação judicial dos cônjuges tem a conseqüência de não mais terem a livre administração de seus bens adquiridos onerosamente no período do casamento.

O art. 1.674 pecou ao não prever a fraude na partilha, pois o ingresso da ação de separação judicial como a data inicial para a apuração dos bens aqüestos pode beneficiar o cônjuge que quiser dissipar os bens comunicáveis no período anterior à separação.

Rolf Madaleno explica que "É necessário ir adiante das falsas fronteiras físicas ou jurídicas da separação, já que a fraude patrimonial se instala em época muito anterior à real ruptura. Aconselhável ao legislador familista aplicar o princípio da revocatória falencial, retroagindo no tempo para delimitar o período suspeito da fraude sobre os bens conjugais". [7]

O art. 1.675 e 1.676 assegura a compensação de bens ou ao valor pecuniário equivalente ao valor do patrimônio desviado, mas para evitar fraudes é importante requerer medidas cautelares para a segurança na partilha.

Rolf Madaleno sugere, ainda, que:

"medida cautelar de arrolamento de bens e o trancamento registral dos bens imóveis, automóveis, aeronaves, telefones, quotas sociais, embarcações, semoventes, bloqueios judicial gerem eficácia suficiente..." (8)

8. Regime da Separação Legal ou Obrigatório

O art. 1.641,CC/02, trata do regime obrigatório. Não é necessário o pacto antenupcial por se tratar de regime imposto pela lei.

A imposição da lei é com o objetivo de regular as causas suspensivas da celebração do casamento e proteger os menores de dezesseis anos, maiores de sessenta e as pessoas que necessitam de suprimento judicial para casar.

O art 1.523 do CC/02 determina quatro situações em que não é permitido o casamento.

8.1. Regime de Separação Obrigatória de Bens para os Maiores de Sessenta Anos

O CC/02 impõe o regime de separação obrigatória de bens aos maiores de 60 anos, limitando a autonomia da vontade, exclusivamente considerando a idade, deve ser interpretada como uma norma restritiva de direitos, que fere o fundamento Constitucional da dignidade da pessoa humana e presume, indevidamente, a incapacidade dos maiores de 60 anos [9], indo de encontro, inclusive, ao Princípio da Isonomia, já que há previsão de disciplina jurídica diversa para pessoas de idade inferior.

A limitação da vontade, em razão da idade, impondo regime de separação obrigatória de bens, longe de se constituir uma precaução (norma protetiva) e se constitui em verdadeira incoerência [10].

A lei permite a realização do casamento das pessoas maiores de 60 anos, pois diz respeito à questão relativa ao estado da pessoa, se constituindo em direito indisponível [11].

A pessoa maior de sessenta anos é considerada pelo CC/02 uma pessoa capaz de ser vítima de aventureiros, portanto tal restrição tem de caráter protetivo, com propósito de obstar o casamento exclusivamente com interesse econômico.

O CC/16 impunha o regime legal para a mulher maior de 50 anos e para o homem maior de 60 anos. O CC/02 observa a isonomia constitucional e estabelece a mesma idade sem a distinção de sexo.

A imposição do regime legal às pessoas maiores de 60 anos vai, também, de encontro com os direitos constitucionais, da igualdade jurídica, da intimidade e da garantia do justo processo legal, considerando a acepção substantiva.

8.2. As Pessoas que Dependem de Autorização Judicial para Casar

São os que necessitam o suprimento judicial do consentimento dos pais ou o suprimento judicial de idade. Ocorre que, mesmo havendo suprimento judicial, onde o Estado-Juiz autoriza a realização do ato solene do casamento, ainda que ausente algum requisito legal, a lei determina que referido casamento só se realizará sob o regime patrimonial de separação de bens, obrigatoriamente.

A jurisprudência observou que não protegia devidamente as pessoas e passou a ter o entendimento que, neste regime, que se comunicavam os aqüestos, ou seja, os bens adquiridos na constância do casamento a título oneroso.

Assim, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 377:

"No regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento".

A Súmula 377 foi aplicada literalmente, mas posteriormente ficou restrita aos bens adquiridos pelo esforço comum dos cônjuges. Assim o STJ considerou a existência de uma sociedade de fato entre os cônjuges e reconheceu o direito à meação dos bens adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum, no regime da separação legal e, também, no regime da separação convencional.

De que vale então tal suprimento judicial?

Afinal, o Juiz supriu ou não supriu a falta do requisito obrigatório?

Com o suprimento judicial de idade núbil, o requisito da idade foi satisfeito por ordem judicial. De igual modo, com o suprimento do consentimento dos pais ou responsáveis, a vontade se completou para todos os fins de direito.

Outra questão relevante a ser discutida no tema é que, para a configuração da união estável, não se exige o requisito idade (nem há previsão de suprimento judicial) e, para esta entidade familiar, o regime legalmente estabelecido, salvo contrato escrito, é o da comunhão parcial de bens.

Como, então, compatibilizar a diferença de tratamento entre duas entidades familiares (união estável e casamento) para pessoas que se encontrem em situação jurídica idêntica (mesma idade)?

Fere, sem dúvida, o Princípio Constitucional da Isonomia.

9. O Regime de Separação Obrigatória de Bens e a Nova Regra da Mutabilidade

Como se verificou, existem situações onde a lei impõe o regime de separação obrigatória de bens [12].

Há quem afirme que o pedido de alteração do regime de bens não poderá contrariar a imposição do regime de separação legal de bens (art. 1.641 CC/02).

Por outro lado, há juristas que acreditam que satisfeita qualquer das condições enumeradas nas causas suspensivas, não há como se obrigar, legalmente, que os cônjuges permaneçam casados sob o regime de separação legal de bens, se de outra forma entenderem por bem dispor.

Entendem que é lícita à possibilidade de alteração de regime patrimonial de bens para aqueles que se casaram com infração às causas suspensivas, desde que satisfeita, ulteriormente, a condição ali imposta.

De igual maneira, aquelas pessoas que se casaram por força de suprimento judicial (seja de idade ou de consentimento), uma vez alcançada a idade núbil ou a maioridade civil, conforme o caso, também não haverá justificativa legal com o condão de impedir aos cônjuges da alteração do regime de bens anteriormente imposto pela lei.

A única situação onde a lei impõe o regime da separação obrigatória de bens que não convalesce é a daqueles maiores de 60 anos, que, certamente, o decurso do tempo, os afasta cada vez mais do direito à liberdade de escolha.

O regime de separação de bens, por imposição legal, não mais se justifica no direito brasileiro.

É importante ressaltar que, conforme entendimento sumulado (Súmula 377 [13]) do Egrégio Supremo Tribunal Federal, comunicam-se todos os bens adquiridos na constância do casamento celebrado sob o regime de separação obrigatória de bens, evitando, assim, um possível enriquecimento sem causa de um dos cônjuges, após a separação.

A reflexão sobre o que ocorre com a Súmula 377 do STF é a seguinte: no Brasil, não existe regime de separação obrigatória de bens, já que a declaração de comunicabilidade dos bens na constância do casamento, através da Súmula citada, transmuda o regime de separação para o regime de comunhão parcial de bens.

O regime de separação "convencional" de bens – este sim escolhido voluntariamente pelos nubentes - continua intocado, por refletir a vontade dos interessados, e não do Estado.

Em face da súmula, em vigor, o STF resolveu não mais emprestar eficácia às regras do regime de separação "legal" de bens. Pois, nas circunstâncias em que a lei obriga o regime de separação de bens, a súmula 377 diz que o patrimônio adquirido na constância da união se comunica.

Portanto, em verdade, o regime patrimonial de bens que rege a vida daqueles cônjuges é o de comunhão parcial de bens.

10. O Regime de Bens na União Estável

Na união estável, o regime patrimonial de bens é o da comunhão parcial, salvo existência de contrato escrito, conforme previsto no artigo 1.725, CC/02.

Há questionamentos a respeito do regime de bens estabelecido legalmente na união estável que desenvolvemos a seguir.

11. Causas Suspensivas do Artigo 1.523 do CC/02

As causas suspensivas previstas no artigo 1.523, CC/02, não impedem a formação e reconhecimento da união estável. É o que dispõe o § 2º do artigo 1.723: "as causas suspensivas do artigo 1.523 não impedirão a caracterização da união estável".

O artigo 1.725, CC/02: "Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens".

Surge, então, o conflito de normas.

A lei estabelece, no artigo 1.641 do CC/02, o regime obrigatório de separação de bens para:

a)Aqueles que se casarem com inobservância das causas suspensivas;

b)Os maiores de 60 anos e

c) Todos os que dependem de suprimento judicial para casar.

A lei impõe o regime obrigatório de bens para as pessoas que se enquadrem em nas hipóteses do artigo 1.641 do CC/02, mas não descaracteriza ou impede a realização do casamento, que é válido para todos os efeitos.

O conflito de normas surge, exatamente, neste ponto: "as causas suspensivas, a idade superior a 60 anos ou a necessidade de suprimento judicial para casamento não são impeditivos à caracterização da união estável".

Nestas situações e caracterizada a união estável, a lei (artigo 1.725 CC/02) estabelece o regime de comunhão parcial de bens, salvo existência de contrato escrito.

A opção por outro regime patrimonial na união estável, em qualquer hipótese, sem exceção, compete aos companheiros. Não há qualquer previsão legal onde, em determinadas situações – como o faz em relação ao casamento [14] – se imponha o regime de separação obrigatória de bens.

No artigo 226 da Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988, há a previsão de proteção estatal para as entidades familiares ali reconhecidas, incluindo-se a união estável.

O legislador do Código Civil de 2002 procurou a distinção entre casamento e união estável.

A união estável é um instituto equiparado ao do casamento que, no entanto, continua o paradigma de entidade familiar.

Mas, deve ser obrigatório, também, o regime da separação obrigatória de bens para a união estável, nas mesmas situações previstas para o casamento (art. 1.641 CC/02), ou não se aplique, ao casamento, a restrição ao direito da livre estipulação do regime patrimonial de bens, como se dá na união estável. Sob pena da entidade familiar denominada "união estável" ter mais proteção estatal do que o casamento.

12. A mutabilidade do Regime de Bens no Curso do Casamento

Antes do CC/02, excepcionalmente, já existiam regras que permitiam a alteração do regime de bens matrimoniais no curso do casamento:

a)Art. 7º, §5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, (Decreto-Lei 4.657/42), contempla a situação do estrangeiro que venha a se naturalizar brasileiro, na entrega do decreto de naturalização optar pelo regime da comunhão parcial de bens com a anuência do outro cônjuge.

b)Súmula 377 do STF que declarou que se comunicam os bens adquiridos na constância do casamento celebrado sob o regime da separação legal de bens.

O CC/02 permitiu a alteração do regime de bens [15] no curso do casamento, § 2º, art. 1.639 afirmando que "é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados direitos de terceiros".

Os requisitos necessários ao acolhimento do pedido de alteração de regime de bens são:

a)Autorização judicial;

b)Pedido conjunto dos cônjuges;

c)Exposição dos motivos;

d)Comprovação, perante o juiz, da veracidade das razões;

e)Ressalva dos direitos de terceiros.

Argumentos contrários aos requisitos exigidos para a alteração do regime de bens:

1º. A escolha inicial pelos nubentes na ocasião da habilitação para o casamento é extrajudicial (de lege ferenda) e não tem de ser motivada. O pedido de alteração poderia ser procedido mediante procedimento extrajudicial, através de escritura pública, ao modo do pacto antenupcial, no Juízo competente para conhecer dos Registros Públicos, sendo homologado pelo Juiz, que determinaria sua averbação no Livro competente, para garantir a eficácia de todos os atos e obrigações assumidas anteriormente por um ou ambos os cônjuges, observando a ressalva de direito de terceiros.

2º. Ao Estado não deve competir, também, a análise e o conhecimento dos fatos que motivam o casal alterar o regime de bens que rege a comunhão de suas vidas. Isso é assunto íntimo, privado e diz respeito apenas a vida daquela família.

3º. Fere o princípio do não-intervencionismo, inserido na parte das disposições gerais do casamento, Título do Direito Pessoal, norma de direito geral que deve ser observada, em prioridade, pelos demais artigos que regulam tal matéria. Art. 1.513, CC/02, que determina o seguinte: "é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família". Assim, podemos afirmar que a exigência de expor os motivos e comprovar a veracidade das razões está em desacordo com a lei, porque vai de encontro ao princípio do não-intervencionismo.

4º Fere o princípio inconstitucional da dignidade da pessoa humana a exigência de exposição dos motivos do pedido de alteração do casamento, pois fere os direitos da personalidade ao não considerar os direitos e garantias constitucionais da "intimidade" e "privacidade", art. 5º, inciso X, CF/88. A lei só poderia exigir a declaração dos motivos numa relação personalíssima quando imprescindível ao ato ou quando os motivos devam ou não influenciar ao acolhimento do pedido.

13. A Mutabilidade do Regime de Bens na União Estável

Por razões de ordem constitucional (Princípio da Isonomia), também deverá se permitir alteração do regime de bens no curso da união estável, que deverá ser procedido através de contrato escrito.

Relevante, nesse aspecto, é o fato de que, para alteração do regime de bens na união estável, os companheiros não precisam cumprir todos aqueles requisitos previstos no artigo 1.639, § 2º do CC/02.

Fazem a alteração, a qualquer tempo, e quantas vezes desejarem, mediante contrato escrito. É assim que prevê o artigo 1.725, do CC/02.

Há doutrinadores que argumentam o seguinte: ou se impõe também para a alteração do regime de bens na união estável o mesmo requisito exigido no casamento (art. 1.639, § 2º do CC/02), ou não se aplique, ao casamento, a exigência daqueles requisitos, permitindo-se, da mesma forma da união estável, que a alteração de regime de bens seja feita através de contrato escrito (no caso Escritura Pública registrada).


II - DIREITO INTERTEMPORAL

14.Conceito de Direito Intertemporal

José Antonio Encinas Manfré diz que "o direito intertemporal, regendo a aplicação da lei no tempo, cuida de eventuais conflitos entre leis consecutivas, a pretérita e a nova versando mesmo tema, objetivando determinar os limites de abrangência de cada qual. Nessa conformação, seu objeto envolve questões relativas às conseqüências da vacatio legis e à aplicação da nova lei ou da anterior, por aquela revogada, aos efeitos de relações jurídicas precedentes [16]".

O livro complementar das disposições finais e transitórias é um livro próprio da nova lei que estabelece as regras para a passagem do antigo código civil para o novo código civil.

O art. 2.039, CC/02: "O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do código civil anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido", é uma regra de caráter transitório.

Pela sua natureza esta norma de "caráter transitório" disciplina as situações jurídicas concretizadas ao tempo da lei anterior, como, por exemplo:

- Regular os atos e o destino dos bens que compõem o patrimônio dos cônjuges casados antes do novo código;

- Determinar quais as regras que seguem com vigência para estes cônjuges, pois é necessário preservar a eficácia dos atos praticados na lei do código anterior;

- Reger as leis entre os cônjuges e terceiros. Por exemplo, o aval, agora, necessita de autorização do outro cônjuge; mas se concedido sem a autorização do outro cônjuge na vigência do código anterior, que não exigia a anuência do cônjuge, este ato está resguardado pela norma do art. 2.039,CC/02.

É muito distinto o CC/02 em relação ao CC anterior quanto a normatização do regime de bens no casamento.

Para o casamento celebrado na vigência do código anterior a regra era a seguinte:

Art. 230, CC/16: "O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável".

Para o casamento celebrado após o novo código civil regra é:

Art. 1.639, § 1º: "O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento"; e

§ 2º "É admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros".

Na vigência do CC/16 os cônjuges que não manifestavam disposição diversa em válido pacto antenupcial o regime era o da comunhão universal de bens.

Com o advento da Lei do Divórcio, em 1977, na vigência do CC/16, restou estabelecido que os cônjuges que não apresentassem pacto antenupcial teriam por adotado o regime da comunhão parcial de bens.

No novo código se os cônjuges optarem pelo regime da comunhão parcial não há necessidade de pacto antenupcial, os cônjuges apenas terão que reduzir a termo a escolha.

15. As Pessoas que Contraíram Matrimônio no Código Anterior Podem Mudar o Regime de Bens?

Em face do estabelecido pelo direito intertemporal, surge a indagação quanto a alterabilidade ou não do regime de bens nos casamentos ocorridos na vigência do código anterior.

A questão, portanto, é avaliada sob o aspecto da aplicabilidade do art. 2.039 do CC/02.

A lei nova tem efeito imediato, no entanto são preservados os efeitos já produzidos ou a situação consumada. O princípio de aplicação imediata da lei é adequado para as relações continuativas [17], para as normas de ordem pública [18] e para as situações relacionadas ao estado da pessoa [19].

A corrente doutrinária contra a modificação do regime de bens dos casamentos realizados na exegese do CC/16 fundamenta a posição com os seguintes argumentos:

1.A lei em vigor tem efeito geral e imediato, mas não pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme determina o arts. 5º XXXVI, da Constituição Federal e art. 6º, caput, da Lei de Introdução ao Código Civil.

2.O jurista Pontes de Miranda considera que "lei nova estabelecendo outro regime legal, ou que modifica o existente até então, não alcança os casamentos celebrados antes dela, salvo regra explícita em contrário".

3.O posicionamento do Washington de Barros Monteiro é o seguinte: "As relações de caráter patrimonial, que o casamento origina, regulam-se pela lei do tempo em que se formaram. O regime de bens não está sujeito às alterações da lei nova".

4.O Jurista Leônidas Filippone Farrula Júnior afirma que o casamento se aperfeiçoa com as núpcias e as questões patrimoniais do casamento se regulam pela legislação vigente à época da celebração. E, ainda, completa que a alteração do regime de bens aos casamentos anteriores ao CC/02 acarretaria a infringência ao ato jurídico perfeito e ao princípio constitucional de irretroatividade das leis.

5.Afirma, ainda, que a interpretação literal do art. 2.039, quando menciona "é o por ele estabelecido", se refere a todo o ordenamento jurídico referente aos regimes de bens, assim entende que, o código anterior, mesmo revogado, permanecerá eficaz para disciplinar esta matéria.

6.Maria Helena Diniz tem a posição de que a lei revogada permanecerá a produzir efeitos "porque outra lei vigente ordena o respeito às situações jurídicas definitivamente constituídas ou aperfeiçoadas no regime da lei anterior" ou "se deve aplicar a lei em vigor na época em que os fatos aconteceram..."

E a corrente doutrinária que entende possível a modificação do regime de bens dos casamentos realizados na exegese no CC/16 afirma o seguinte:

1.José da Silva Pacheco considera que se há a possibilidade de alteração pela nova lei, após a entrada em vigor do novo código nada obsta que se admita a mudança, em relação ao regime escolhido anteriormente.

2.Luís Francisco Aguilar Cortez, da 1ª Vara da Família e das Sucessões de São Paulo, autorizou esta modificação fundamentando a sentença da seguinte forma:

- Art. 6º, §1º, da Lei de introdução do CC/02: "Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou"

- Art. 2.035: "A validade dos negócios e demais atos jurídicos constituídos antes da entrada em vigor deste código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução".

- Ato consumado é aquele cujos efeitos se exauriram sob a vigência da lei antiga. Quando os efeitos do ato se projetam sob a vigência da lei posterior, o ato jurídico se sujeita à nova disciplina, pois não se trata de ato jurídico perfeito e nem ato jurídico consumado.

- A regra da imutabilidade do regime não estaria a atender a sua função protetiva, pois além do consenso dos cônjuges e a ressalva de terceiros, se tem a favor o artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" e o art. 6º da LIC: "A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".

3.João Batista Silvério da Silva, da 12ª Vara de Família e Sucessões Central de São Paulo, deferiu o pedido de alteração de regime de bens, argumentando a sentença da seguinte forma:

- As normas jurídicas referentes aos regimes de bens disciplinam relações patrimoniais, portanto não são de ordem pública e somente uma exceção justifica a intervenção do estado.

- O art. 2.039 não proíbe à retroatividade e nem determina serem irrevogáveis os regimes matrimoniais relativos aos casamentos anteriores à vigência do CC/02, requisitos essenciais para a não-aplicação da mutabilidade.

- O CC/02 assegura o respeito à escolha feita na vigência do diploma precedente.

- Direitos de terceiros são por lei ressalvados.

- Não pode existir desigualdade de tratamento entre pessoas que se casaram antes e após o CC/02.

Além de todas as considerações em favor da mutabilidade de regime de bens para os matrimônios realizados no Código anterior, ou seja, da aplicação retroativa do CC/02, podemos incluir a necessária efetividade da prestação jurisdicional.

16. A Reconciliação dos Separados Judicialmente

Na lei anterior (interpretação do art. 46 da Lei do Divórcio), o casal que reconcilia o matrimônio teria de restabelecer a sociedade conjugal no mesmo regime de bens.

Agora, com o novo Código, não estariam sujeitos, em nosso entendimento, a essa limitação [20], e, por decorrência natural, restariam beneficiados com a opção de modificação do regime.

Este contexto poderia gerar mais uma desigualdade de tratamento entre os casais, pois o matrimônio poderia ter ocorrido no ordenamento anterior, mas, pelo fato da separação, ainda que em um curto espaço, o seu restabelecimento beneficiaria os separados em detrimento dos que não dissolveram o vínculo.

17. A Proibição de Sociedade entre os Cônjuges

Outra circunstância importante, diz respeito à restrição contida no artigo 977 do novo Código, quanto à proibição de sociedade entre cônjuges ou destes com terceiros, se casados pelo regime da comunhão universal ou da separação obrigatória.

É uma restrição em relação à qualidade de sócios, não à opção de regime de bens, quanto a este aspecto prevalecem às regras do Direito de Empresa, e assim, tem incidência o art. 2.031, CC/02, impondo o prazo de 1 ano, a partir da vigência da Lei nova, para as sociedades e os empresários promoverem as adaptações pertinentes.

É matéria de Direito Empresarial e, em agosto de 2003, foi publicado Parecer da Coordenadora Jurídica do Departamento Nacional do Registro do Comércio [21] entendendo que tal restrição não se aplica às empresas constituídas sob a égide da Lei anterior, por respeito ao direito adquirido ou situação definitivamente constituída.

Assim, o problema prático aparentemente estaria resolvido, na medida em que tais empresas teriam a preservação da validade de seus contratos amparada pelo DNRC.

Porém vários são as orientações indicando a necessidade de adaptação da empresa às novas regras, mesmo na parte relativa à sua constituição, em virtude da continuidade das relações entre os sócios.

Inclusive, o Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo declinou, na mídia, ser contrário ao referido Parecer, entendendo ser necessária a adaptação das sociedades ao novo modelo legal.

Portanto, por medida de segurança, orientamos nossos constituintes conforme à corrente que sustenta a aplicação imediata da norma, exigindo a reorganização societária ou alteração do regime de bens dos sócios [22].

18. Aplicação da Súmula 377

Há juristas que afirmam que ao deixar o novo Código de reproduzir o art. 259 do código revogado, a Súmula 377 do STF, originada na interpretação daquela previsão, deixará de ter aplicação.

Mas, no campo do Direito Intertemporal, haverá a eficácia residual do enunciado contido na referida Súmula.

Argumentam tal entendimento no fato de que a inclusão ou exclusão de bens na comunhão representa tipicamente efeito próprio de determinado regime patrimonial, no caso, de separação obrigatória.

Assim incide o art. 2.039, CC/02, que determina aplicar aos casamentos anteriores o regime de bens na amplitude como era então tratado pelo ordenamento.

19. Quanto a Autorização do Cônjuge para Prestar Aval

No Código Civil de 2002, além da fiança, nenhum dos cônjuges pode prestar aval sem a autorização do outro (CC, art. 1.647, II, exceto no regime da separação de bens).

A exigência representa um efeito jurídico do casamento: assim tem aplicação imediata.

O estado de casado gera esta restrição. E sendo conseqüência do estado da pessoa, submete-se à nova lei.

Esta inovação recebe crítica, pois é prejudicial à atividade empresarial e compromete o título de crédito. Há projeto de lei para a sua alteração.

Na interpretação desta restrição, o Judiciário deverá prestigiar o terceiro de boa-fé, além de limitar o vício no ato jurídico à preservação da meação, fazendo subsistir a garantia do avalista signatário, na extensão de seus bens particulares ou proporção do acervo comum.

Assim, a responsabilidade patrimonial do cônjuge avalista fica preservada, e a do outro é afastada em razão da ausência de autorização.

Deve ser de aplicação imediata a nova lei, no que concerne à vênia conjugal para a prestação de aval.

Porém, o aval, prestado anteriormente ao casamento e ao novo código, por qualquer dos cônjuges, deve ser válido, pelo menos sob esse aspecto.

Na hipótese de uma mulher solteira que, nessa condição, presta fiança em um contrato de locação de imóvel, durante o referido contrato, a fiadora contrai matrimônio, não há a invalidade da fiança pelo não consentimento do seu marido. No máximo, essa fiança (e agora o aval) prestada pela mulher quando ainda no estado de solteira poderá ter reflexos no regime de bens dos cônjuges, de modo a não se comunicar à responsabilidade da obrigação ao marido.

20. A Dispensa de Outorga Conjugal para Venda de Imóveis no Regime da Separação de Bens

Foram reduzidas pelo novel diploma as restrições estabelecidas no artigo 1.647 do CC/16, para a prática pelo cônjuge, de determinados atos, tais como alienação de bens imóveis, prestação de garantias, etc., (CC/16, arts. 235 e 242), que delas excluiu os casamentos sob o regime da separação de bens.

E é dispensada a autorização para as pessoas casadas, neste regime, sob a lei revogada?

A autorização do cônjuge para o exercício da capacidade civil é efeito jurídico do casamento, de caráter patrimonial e agora, relacionado ao regime de bens.

Assim, quem se casou ao tempo da lei anterior, pelo regime da separação, agora estará dispensado da autorização para dispor de bens imóveis, bem como estará livre para prestar fiança, aval, etc.

Esse entendimento deve ser aplicado quer tivesse sido facultativo, quer tivesse sido obrigatório o regime de separação de bens do casal.

21. Quanto aos Frutos de Bens Particulares e os Bens Adquiridos por Fato Eventual na União Estável

O art. 1.725, ao determinar que se aplica, no que couber, o regime de bens da comunhão parcial para as relações patrimoniais na união estável.

Na interpretação desta regra, restariam excluídos da participação do companheiro, os frutos de bens particulares e os bens adquiridos por fato eventual.

Diverge, pois, do sistema proposto pela lei 9.278/96, em seu art. 5º, pois aí se previa a presunção de condomínio, em partes iguais, sobre o patrimônio adquirido a título oneroso.

Deve ser observado o momento, do acréscimo patrimonial, pois é a data que determina qual o regime jurídico e a lei incidente.


CONCLUSÃO

O estudo demonstra a variedade de questionamentos, a diversidade de interpretações e as inúmeras adequações que teremos que superar pelo advento do novo código civil.

Ocorre que, em realidade, precisaremos por um bom tempo dominar os dois sistemas: o CC/16 e o CC/02.

Os operadores de direito, a doutrina e a jurisprudência deverão desenvolver um trabalho construtivo com o objetivo de adaptação e transição entre o "direito velho" e o "direito novo", tendo em vista a movimentação das leis no tempo.

Acreditamos, porém, que é essencial desenvolver tal "empreitada" sob o espírito da Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, que, através de seu sistema de Princípios e Garantias, é o paradigma adequado, também, para as normas do direito patrimonial no direito de família.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva,1998. Volume 2.

GONÇALVES, Carlos Roberto Gonçalves. Sinopses Jurídicas, Direito de Família, volume 2, Editora Saraiva, 2002.

MANFRÉ, José Antônio Encinas. Regime Matrimonial de Bens no novo Código Civil. São Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 2003.

NADER, Paulo. Curso de Direito Civil, parte geral. Editora Forense, 2003.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Novo Código Civil da Família Anotado. Porto Alegre, Editora Síntese, 2003.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. Editora Forense, 2ª edição, 2004.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, Direito de Família, volume 6. Editora Saraiva, 2002.

WALD, Arnaldo. O novo Direito de Família. Editora Saraiva, 14ª edição, 2002.


SUMÁRIO LEGISLATIVO

I - Código Civil de 1916

Art. 230. O regime dos bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável.

Art. 235. O marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens:

I - alienar, hipotecar ou gravar de ônus real os bens imóveis,ou direitos reais sobre imóveis alheios (arts. 178, § 9˚, I, a, 237, 276 e 293);

II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens e direitos;

III - prestar fiança (arts. 178,§ 9˚, I,b e 263, X);

IV - fazer doação, não sendo remuneratória ou de pequeno valor, com os bens ou rendimentos comuns (art. 178, § 9˚, I, b).

Art. 236. Valerão,porém,os dotes ou doações nupciais feitas às filhas e as doações feitas aos filhos por ocasião de se casarem,ou estabelecerem economia separada (art. 313).

Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251): II - alienar ou gravar de ônus real os imóveis de seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos bens (arts. 263,II, III e VIII, 269,275 e 310).

Art. 259. Embora o regime não seja o da comunhão de bens,prevalecerão, no silêncio do contrato,os princípios dela,quanto a comunicação dos adquiridos na constância do casamento.

II - Decreto-Lei n˚ 4.657/42 - Lei de Introdução ao Código Civil

Art. 6º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

Art. 7º. A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade,nome, a capacidade e os direitos de família.

§5º O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização,se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro.

III - Lei nº 4.121/62 – Estatuto da Mulher Casada

Art. 3º. Pelos títulos de dívida de qualquer natureza, firmados por um só dos cônjuges ainda que casados pelo regime de comunhão universal, somente responderão os bens particulares do signatário e os comuns até o limite de sua meação.

IV - Lei n˚ 6.515/77 – Lei do Divórcio

art. 46. Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é permitido aos cônjuges restabelecer a todo o tempo a sociedade conjugal, nos termos em que fora constituída, contanto que o façam mediante requerimento nos autos da separação.

Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará os direitos de terceiros, adquiridos antes e durante a separação, seja qual for o regime de bens.

V - Constituição Federal de 1988

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação;

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 3.º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4.º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5.º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6.º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

§ 7.º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável,o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

VI - Lei n˚ 9.278/96 - Regula o § 3º do Art. 226 da Constituição Federal

Art. 5º. Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.§ 1º. Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.§ 2º. A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

VII - Código Civil de 2002

Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário.

Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro.

Art. 977. Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.

Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.

Art. 1.523. Não devem casar:

I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros;

II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal;

III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal;

IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex-cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo.

Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

§ 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.

§ 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.

Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II - da pessoa maior de sessenta anos;

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente:

I - praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão, com as limitações estabelecida no inciso I do art. 1.647;

II - administrar os bens próprios;

III - desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem suprimento judicial;

IV - demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação, ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com infração do disposto nos incisos III e IV do art. 1.647;

V - reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos;

VI - praticar todos os atos que não lhes forem vedados expressamente.

Art. 1.643. Podem os cônjuges, independentemente de autorização um do outro:

I - comprar, ainda a crédito, as coisas necessárias à economia doméstica;

II - obter, por empréstimo, as quantias que a aquisição dessas coisas possa exigir.

Art. 1.644. As dívidas contraídas para os fins do artigo antecedente obrigam solidariamente ambos os cônjuges.

Art. 1.645. As ações fundadas nos incisos III, IV e V do art. 1.642 competem ao cônjuge prejudicado e a seus herdeiros.

Art. 1.646. No caso dos incisos III e IV do art. 1.642, o terceiro, prejudicado com a sentença favorável ao autor, terá direito regressivo contra o cônjuge, que realizou o negócio jurídico, ou seus herdeiros.

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III - prestar fiança ou aval;

IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.

Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.

Art. 1.648. Cabe ao juiz, nos casos do artigo antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.

Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.

Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato, desde que feita por instrumento público, ou particular, autenticado.

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Art. 1.660. Entram na comunhão:

I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

Art. 1.661. São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento.

Art. 1.662. No regime da comunhão parcial, presumem-se adquiridos na constância do casamento os bens móveis, quando não se provar que o foram em data anterior.

Art. 1.663. A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges.

§ 1º As dívidas contraídas no exercício da administração obrigam os bens comuns e particulares do cônjuge que os administra, e os do outro na razão do proveito que houver auferido.

§ 2º A anuência de ambos os cônjuges é necessária para os atos, a título gratuito, que impliquem cessão do uso ou gozo dos bens comuns.

§ 3º Em caso de malversação dos bens, o juiz poderá atribuir a administração a apenas um dos cônjuges.

Art. 1.664. Os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal.

Art. 1.665. A administração e a disposição dos bens constitutivos do patrimônio particular competem ao cônjuge proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial.

Art. 1.666. As dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns.

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;

III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;

IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;

V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento.

Art. 1.672. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.

Art. 1.673. Integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento.

Parágrafo único. A administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis.

Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios:

I - os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram;

II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade;

III - as dívidas relativas a esses bens.

Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis.

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.

Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, terão o prazo de um ano para se adaptarem às disposições deste Código, a partir de sua vigência; igual prazo é concedido aos empresários.

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Art. 2.039. O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido.Art. 2.045. Revogam-se a Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850.


NOTAS

1 GOMES, Orlando. O novo Direito de Família. Porto Alegre: Fabris, 1984, p. 161.

2 A expressão "concubino", contida no inciso V, refere-se a uma relação adulterina. O sentido desta proibição é o de evitar a fraude à meação.

3 Por incapacidade ou desaparecimento, por exemplo.

4 Por um médico, dentista, advogado e outros.

5 Assim, a "poupança" do cônjuge que não investiu ou colaborou nas despesas ou patrimônio conjugal, mesmo que seja resultado do produto dos seus rendimentos, integra o patrimônio conjugal, comunica com o outro cônjuge.

6 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva,1998.Volume 2, p. 544 e 545.

7 MADALENO, Rolf. Regime de Bens Entre Os Cônjuges. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha, DIAS, Maria Berenice (Coordenadores). Direito de família e o Novo Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 173.

8 Idem, p. 174.

9 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Novo Código Civil da Família Anotado e legislação correlata da Família. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 127. O autor mineiro assegura que "a partir de 60 anos de idade, homens e mulheres sofrem uma interdição ao se verem com a liberdade limitada na escolha de seu regime de bens".

10 Com 60 anos é possível uma pessoa se candidatar a Presidência da República do País, mas no entanto, não pode escolher o regime de bens do seu casamento.

11 O artigo 1.511 do Código Civil, "o casamento estabelece comunhão plena de vida,com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges".

12 O Artigo 1.641 do Código Civil de 2002.

13 Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal: "No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento".

14 Conforme o artigo 1.641, Código Civil de 2002.

15 A possibilidade de alteração de regime de bens é uma tendência mundial, sendo aplicável na Espanha, Portugal, França e Bulgária.

16 MANFRÉ, José Antônio Encinas. Regime Matrimonial de Bens no novo Código Civil. São Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 2003.

17 A retroatividade da lei não é a regra do sistema jurídico brasileiro. Mas não impede a aplicação imediata da norma à relação jurídica pendente, desde que respeitado o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito.

18 É característica da norma de ordem pública: aplica-se às relações nascidas na vigência da lei anterior, mas que não se consumaram, que não se aperfeiçoaram.

19 Aplicam-se de imediato as normas que definem o estado da pessoa, a todos que se acharem na nova condição, independente de ter sido a relação gerada ao tempo da lei anterior. Assim há possibilidade de novos efeitos jurídicos surgirem vinculados ao estado da pessoa, em decorrência de uma modificação legal.

20 Art. 1.577, CC/02, assim: "Seja qual for à causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo. Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja qual for o regime de bens". Este artigo corresponde o art. 46 da Lei do Divórcio, 6.515/1977.

21 Parecer jurídico DNRC/COJUR Nº 125/03.

22 Aliás, este tem sido o fundamento para boa parte das ações requerendo a mudança de regime de bens por pessoas cujo casamento se deu na vigência do velho Código.


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COUTO, Lindajara Ostjen. Regime patrimonial de bens entre cônjuges e direito intertemporal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 582, 9 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6248. Acesso em: 18 abr. 2024.