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A aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo do Código de Trânsito Brasileiro

A aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo do Código de Trânsito Brasileiro

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As Juntas Administrativas de Recursos de Infrações (JARI), entidades criadas pelo Código de Trânsito Brasileiro, com o objetivo de julgarem os processo administrativos impetrados contra a aplicação de multas de trânsito, carecem de regulamentos e uniformização de suas decisões.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1-ACEPÇÃO CONCEITUAL SOBRE O TERMO PRINCÍPIO, 1.1-REGISTRO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS DE 1824 A 1988; 2-O PROCESSO ADMINISTRATIVO NO ROL DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, 2.1-IMPORTÂNCIA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO, 2.1.1-Falando em Ampla Defesa, 2.2-O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DO CTB, 2.3-ANULABILIDADE DOS JULGADOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DO CTB; 3-AS JARI`s E SUA COMPETÊNCIA, 3.1-AS JARI COMO MEIO DE CERCEAMENTO DE DEFESA DO CIDADÃO E TUMULTO DO PODER JUDICARIO, 3.2-COMPOSIÇÃO DAS JARI, 3.3-A CRIAÇÃO DA COMISSÃO DE ANALISE DE DEFESA PREVIA, 3.4-DIREITO A PUBLICIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS, 3.5-O CERCEAMENTO DO DIREITO DE PUBLICIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS NA SMT; 4-CONCLUSÃO; 5-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

A defesa dos direitos constitucionais é, acima de tudo, uma obrigação de todo profissional operador do Direto.

Como formando no curso de Ciências Jurídicas da Universidade Católica de Goiás e, como cidadão consciente de meus direitos e, por conseguinte dos direitos da sociedade, cabe a mim a tarefa de contribuir para a construção de uma sociedade mais igualitária, justa e apta a exercer, plenamente, sua cidadania.

Ao elaborar o tema da presente monografia pesou-me, além do inconformismo típico dos estudantes de Direito, a condição de ser, hoje, servidor público municipal lotado na Superintendência Municipal de Trânsito de Goiânia. Tal condição proporcionou-me meios de expor, em certos pontos, com mais clareza, as consideradas, por mim e por muitos, irregularidades no processo administrativo de aplicação de multas de trânsito.

Como Agente Municipal de Trânsito, pude presenciar o cometimento de inúmeras barbaridades no trânsito causadas por uma parcela da sociedade, invariavelmente munida de um veículo automotor. Digo munido, por ser, hoje, o veículo, uma espécie de arma nas mãos de muitos condutores, que os utilizam não com o fim de agilizar o quotidiano, mas como mero instrumento de poder e submissão.

Tais atitudes de certos condutores ensejam punição por infringirem as normas de circulação e conduta previstas na Lei 9.503 de 27 de setembro de 1997, o Código de Trânsito Brasileiro – CTB. O servidor público apto a fiscalizar e aplicar a legislação de trânsito vigente, no município de Goiânia, é o Agente Municipal de Trânsito. Assim, ao presenciar as condutas infracionais descritas no CTB, o Agente de Trânsito trata de indicar, em instrumento próprio, quais os artigos incorreu o pseudo-infrator.

Ao preencher o Auto de Infração para Imposição de Penalidade – AIIP, age com presteza o Agente autuador, vez que lhe cabe a tarefa de indicar o cometimento de infrações à Lei 9.503/97, contudo, seu trabalho é mitigado, pois a competência para determinar a aplicação de multa ao infrator pertence à autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via, no caso de Goiânia, o Superintende Municipal de Trânsito.

Neste ponto inicia-se a dissertação do presente trabalho, pois como o processo administrativo admitido no CTB não é capaz de oportunizar aos condutores autuados a ampla defesa e o contraditório, o mesmo macula-se, levando os cidadãos autuados a buscar a tutela jurisdicional do Estado, abarrotando o Poder Judiciário de ações que não deveriam ocorrer caso houvesse respeito à Lex Magna, por parte da própria Administração Pública.

Desta forma, a presente monografia buscará analisar os aspectos doutrinários, legais e jurisprudenciais a fim de analisar a aplicação das multas de trânsito em Goiânia e, a correta aplicação dos princípios constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditório.


1 - ACEPÇÃO CONCEITUAL SOBRE O TERMO PRINCÍPIO

Conceituar, para os efeitos deste trabalho e para a metodologia da ciência, é algo mais amplo, profundo e complexo que definir. No que toca aos princípios constitucionais, conceituar diz respeito à atividade de compreensão, de cognição do conjunto das propriedades teórico-jurídicas que compõem a idéia de princípio na Constituição (para se definir os princípios); também, diz respeito à caracterização da extensão dos tipos de normas da Constituição, que possuem as mesmas características que tipificam os princípios constitucionais (para se dividir, classificar os princípios). O ato de definir está ligado a compreensão do conceito, e não a sua extensão [1].

Para se analisar, com satisfatoriedade, o conceito de princípio no Direito, cumpre sejam levantadas, inicialmente, as significações de princípio fora do âmbito do saber jurídico, para, ao depois, perscrutasse as significações que lhe foram conferidas por diferentes posturas metodológicas no interior da Ciência Jurídica.

Desenvolvendo esse raciocínio, torna-se necessário destacar que o termo princípio é utilizado, indistintamente, em vários campos saber humano. Filosofia, Teologia, Sociologia, Política, Física, Direito e outros se servem dessa categoria para estruturarem, muitas vezes, um sistema ou conjunto articulado de conhecimento a respeito dos objetos cognocíveis exploráveis na própria esfera de investigação e de especulação a cada uma dessas áreas do saber.

No vernáculo, o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira [2] define princípio em várias acepções que, conjugadas, principiam a intangibilidade do termo princípios:

Princípio. {do lat. Principiu.} S. m. 1. Momento ou local ou trecho em que algo tem origem (...) 2. Causa primária. 3. Elemento predominante na Constituição de um corpo orgânico. 4. Preceito, regra, lei. 5. P. ext. Base; germe (…) 6. Filos. Fonte ou causa de uma ação. 7. Filos. Proposição que se põe no início de uma dedução, e que não é deduzida de nenhuma outra dentro do sistema considerado, sendo admitida, provisoriamente, como inquestionável. {São princípios os axiomas, os postulados, os teoremas etc}.

Adiante, noutra passagem do referido dicionário, registra-se o significado de princípios - agora no plural; "Princípios. (...). 4. Filos. Proposições diretoras de uma ciência, às quais todo o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado". [3]

Para o jurista Luis Diez-Picazo, a "idéia de princípios deriva da linguagem da geometria, ‘ onde designa as verdades primeiras’ (...). Exatamente por isso são ‘ princípios’, ou seja, ‘ porque estão ao princípio’, senda ‘ as premissas de todo um sistema que se desenvolve more geométrico`" [4]

Pode-se concluir que a idéia de princípios ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam.

Nas letras jurídicas, essa concepção de princípios é a dominante.

A definição de princípios, trabalhada no mundo do Direito – mundo polissêmico, onde a interssubjetividade crítica e a acomodação das idéias formam um manancial muito peculiar, próprio ao progresso ou à estagnação do pensamento – assume peculiares significações, em face dos diferentes níveis de linguagem em que o Direito se estrutura e, conseqüentemente, estrutura o conceito de princípios. [5]

Assim, na Ciência Jurídica, tem-se usado o termo princípios ora para designar a formulação dogmática de conceitos estruturados por sobre o direito positivo, ora para designar determinado tipo de normas jurídicas e ora para estabelecer os postulados teóricos, as proposições jurídicas construídas independentemente de uma ordem jurídica concreta ou de institutos de direito ou normas legais vigentes.

Diante dos postulados da teoria dos princípios, não há se falar que se negar ao princípio constitucional a sua natureza de norma, de lei, de preceito jurídico, ainda que com características estruturais e funcionais bem diferentes de outras normas jurídicas, como as regras de direito. Assim, por sua própria essência, evidenciam mais do que comandos generalíssimos estampados em normas, em normas da Constituição.

Nesta linha de pensamento, se posiciona a constitucionalista Cárme Rocha [6], ao discorre sobre a natureza dos princípios constitucionais.

Os princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores do sistema jurídico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela sociedade são transformados pelo Direito em princípios. Adotados pelo constituinte, sedimentam-se nas normas, tornando-se, então, pilares que informam e conformam o Direito que rege as relações jurídicas no Estado. São eles, assim, as colunas mestras da grande construção do Direito, cujos fundamentos se afirmam no sistema constitucional (...).

1.1Registro dos princípios constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa nas Constituições Brasileiras de 1824 a 1988

A Constituição de 1824 surge como organizadora jurídica do país então independente. Tem caráter menos iluminista e menos liberal que as constituições novas surgidas após a Revolução Francesa de 1789, na Europa.

O Brasil era um país recém liberto do julgo Português, no entanto seu primeiro Imperador possuía ascendência portuguesa, o que comprometeu o teor da 1ª Constituição do país, pois tinha o como enfoque central à proteção dos interesses portugueses.

Pela primeira vez tem-se notícia dos Princípios Constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa, ainda que de forma tácita, pois o texto da Carta Magna não expressa tais princípios, limitando-se a dispor em seu último artigo (179), as principais garantias individuais consagradas pela Constituição de 1824. Entre os incisos do mencionado artigo, citaremos os que mais dão ensejo a interpretação dos Princípios Constitucionais do Contraditório e Ampla Defesa.. O artigo assim se pronuncia: in verbis

Artigo 179: A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade é garantida pela Constituição do Império pela maneira seguinte:

1-Nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei.

2-A disposição da lei não terá efeito retroativo.

(...)

6-À exceção de flagrante delito, a prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da autoridade legítima.

7-A Lei será igual para todos...

Em 1891 é proclamada a segunda Constituição do Brasil, agora um país republicano.

O artigo 2° da Constituição de 1891 cuida do tema Direitos e garantias individuais.

Houve significante avanço quanto a aplicação do Contraditório no ordenamento jurídico pátrio quando da implementação do habeas-corpus. Com a efetiva garantia constitucional da aplicação do mencionado instituto legal, as relações entre as partes no processo em bulha tornaram-se mais justas, pois se garantia a liberdade da parte acusada até julgamento final da ação judicial.

Após a Primeira Guerra Mundial e várias revoluções internas, entre elas o Tenentismo e a Revolução de 1930, o Brasil, em 1934, rompendo com a velha república promulga sua nova Constituição, desta vez influenciado pela moda do fascismo italiano divulgado por Benito Mussolini.

Em seu Título III, reservado à Declaração de Direitos, aparecem dois capítulos: Dos Direitos Políticos e Dos Direitos e Garantias Individuais. No capítulo destinado aos Direitos e Garantias Individuais, os constituintes fizeram algumas conquistas no capítulo das Garantias, entre elas citaremos:

A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

O Código Civil de 1916 já havia consagrado esse preceito. O direito que já se adquiriu na vigência da lei anterior não pode ser alterado pela lei nova. O direito adquirido é a restrição ao princípio da imediata aplicação da lei.

Dar-se-á mandado de segurança para defesa do direito certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade.

Observa-se que, embora não sejam manifestos os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, o legislador constituinte demonstra haver no então vigente ordemanento jurídico brasileiro, o princípio do Devido Processo Legal, não fosse assim, não haveria a necessidade de se instituir tão nobre instituto processual como é o caso do mandado de segurança.

A Carta da República de 1937, surgia no denominado Estado Novo, cuida no capítulo reservado aos "Direitos e Garantias Individuais" de um tema a muito abandonado, o qual seja, a "pena de morte".

Comentários a parte, a Constituição de 1937, serviu apenas aos interesse ditatoriais, desta forma, não haviam garantias constitucionais que o Devido Processo Legal seria cumprido pelo Estado, quando em lide judicial contra qualquer do povo.

Logo após a Segunda Grande Guerra Mundial, é promulgada a Constituição de 1946, a quinta desde 1824.

Na Carta de 1946, os Direitos e Garantias Individuais recebem atenção preciosa. Há um ampliação das garantias processuais constitucionais que visam assegurar ao cidadão acesso às vias judiciais a fim de buscar a garantia de seus direitos.

Muitas são as inovações trazidas por tal Constituição, entre elas, não podemos deixar de citar o princípio da inafastabilidade do controle judicial, que diz não poder ser excluído da apreciação do poder Judicial qualquer lesão de direito individual. Pode-se observar que tal princípio está ligado por laços fortes aos princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, bem como ao Devido Processo Legal.

Surge no retro mencionado Diploma Maior, o direito de qualquer cidadão ser parte legítima no pleito de anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, Estados e dos Municípios, por meio da Ação Popular, reforçando de forma clara as garantias constitucionais já mencionadas [7].

Em 1964 o Brasil sofre um Golpe de Estado, com ele veio a Constituição de 1967, sem dúvidas a mais cruel de todas as já promulgadas no país.

O artigo 150 da Constituição de 1967, cuida dos direitos e garantias individuais, assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. Contudo, lê-se no artigo 151 que, aquele que abusar dos direitos individuais (liberdade de pensamento, de reunião e de associação) para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção, incorrerá na suspensão daqueles direitos pelo prazo de dois a dez anos. O artigo ainda diz que o Supremo Tribunal Federal julgará tais casos, e que ao acusado será assegurada a mais ampla defesa, entretanto, a ampla defesa ficou apenas na letra morta da Lei.

Vem a Norma Ápice de 1969 e com ela o Ato Institucional nº 5 [8].o qual pôs fim a Carta de 1967, implantando no Brasil um regime de terror institucional antes nunca visto.

O artigo 182 que incorpora o AI-5, autoriza o Presidente a fechar qualquer Casa do Legislativo. Então, na mesma Carta, respiram duas ordens: A Constitucional e a Institucional. Ora, se o Presidente pode, segundo o artigo 182, fechar o Congresso Nacional, então os Poderes da União não são harmônicos nem independentes; pelo contrário, há um só Poder – o Executivo.

Com o AI-5, as Garantias Individuais foram banidas, restando ao povo brasileiro aguardar a queda do regime a fim de verem seus direitos restabelecidos.

Emenda Constitucional nº 11 – responsável pela abertura política, apresenta quatro artigos, os quais alteram de forma substancial toda a Constituição de 1969. Entre os pontos mais relevantes, destaca-se o artigo 3º da Emenda 11, o qual revoga os atos institucionais e complementares à Carta Magna.

Revogados os Atos Institucionais, principalmente o AI-5, o país vive uma nova ordem jurídica. São restabelecidas as garantias constitucionais do habeas corpus, retirou do Presidente da República poderes para demitir, remover, aposentar, pôr em disponibilidade juízes, ou qualquer funcionário público.

Nas palavras de Jorge Miguel [9]:

A incorporação do AI-5 em 69 na carta de 67 foi tão esdrúxula que não tivemos dúvidas de que, na realidade, estávamos vivendo uma nova Carta Constitucional. Da mesma maneira a revogação do AI-5 em 79 da Carta de 69 foi tão expressiva que, de fato, tratava-se de uma nova Carta.

A redemocratização brasileira teve início com ascensão ao cargo de Presidente da República do General João Baptista Figueiredo, em 15 de março de 1979. O general Presidente manifestou seu propósito de fazer deste país uma democracia. O propósito tornou-se realidade, em julho daquele ano, o Presidente remete ao Congresso um projeto de anistia política.

Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves é eleito pelo Congresso Nacional Presidente da República, porém tal presidente não assume o cargo, em conseqüência de sua morte, assume o cargo de Chefe Maior da nação, o maranhense José Sarney.

Aos cinco dias de outubro de 1988 é promulgada a Constituição Cidadão, a qual traz expressivos avanços às áreas dos direitos sociais e em especial das liberdades e garantias individuais.

Observa-se no texto da Carta Maior de 1988, em seu Capitulo I, Título II, intitulado Dos Direitos e Garantias Fundamentais, a clara intenção do legislador constituinte de evitar-se os abusos cometidos contra a ordem jurídica à vigência de constituições anteriores.

O artigo 5º consagra de forma definitiva os Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório, bem como o Devido Processo legal e o Mandato de Segurança.

O inciso LV, assegura aos litigantes em processos administrativos e judiciais tais garantias e assim se manifesta in verbis:

Art. 5º...

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Desta forma, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. No processo judicial, uma parte invoca a tese:; a outra rebate com a antítese; o juiz acima das partes faz a síntese. É o princípio do contraditório. Na instrução processual, seja administrativa ou judicial, só se admitem meios idôneos. Alguém só pode ser considerado culpado, depois de definitivamente julgado.

A menção ao Princípio do Devido processo Legal vem estampado no mesmo artigo 5º em seu inciso LIV, assim expresso in verbis:

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

E, por fim, o Mandado de Segurança, o qual é utilizado a fim de ser preservar direito líquido e certo, encontra guarita no texto constitucional no inciso LXIX o qual transcrevo in verbis:

LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;


2-O PROCESSO ADMINISTRATIVO NO ROL DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS.

O dispositivo chave em matéria de processo administrativo é o inciso LV do artigo 5º, o qual reza o seguinte: "Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".Visualizado quanto à Administração, o preceito assegura, aos litigantes em processo administrativo e aos acusados no âmbito administrativo, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. [10]

O preceito acima está inserido no título dedicado aos direitos e garantias fundamentais. Nem sempre, na teoria e na prática, se torna possível a separação nítida entre direitos e garantias. José Afonso da Silva, ao tratar do confronto entre direitos e garantias, menciona a conotação destas como direitos instrumentais, porque destinadas a tutelar um direito principal.

Conforme se depreende do texto supra citado, o art. 5º da Carta da Primavera de 1988, estampa em seus texto primordial as garantias dos litigantes se contradizerem e promoverem a ampla defesa de seus direitos, desde que dentro da legalidade. Contudo, a leitura do citado inc. LV suscita a questão do significado do termos litigantes na perspectiva do processo administrativo.

Diferentemente do passado, as correntes doutrinárias contemporâneas já trabalham com a idéia de multiplicidade de interesses, de diversidade de pontos de vista, de controvérsias a respeito de direitos no âmbito da atuação administrativa. Daí merecer acolhida a diretriz aventada por Ada Pellegrini Grinover ao examinar o sentido do termos litigantes na esfera administrativa:

O litigante surge em razão de uma controvérsia, em razão de um conflito de interesses. [...] Haverá litigantes sempre que houver um conflito de interesses, sempre que houver uma controvérsia [11]

A exigência de processo administrativo abrange, portanto, situações em que dois ou mais administrados apresentam-se em posição de controvérsia entre si, perante uma decisão que deva ser tomada pela Administração; por exemplo: nas licitações, concursos públicos, licenciamento ambiental. Abrange também os casos de controvérsias entre administrados (particulares ou servidores) e a Administração; por exemplo: licenças em geral, recursos administrativos em geral (multas de trânsito), reexame de lançamento (processo administrativo – tributário).

Na esfera administrativa o termo "acusado" designa as pessoas físicas ou jurídicas às quais a Administração atribui determinadas atuações, das quais decorrerão conseqüências punitivas; por exemplo: imposição de sanções decorrentes do poder de polícia, inclusive sanções de trânsito.

O princípio do contraditório, em essência significa a faculdade de manifestar o próprio ponto de vista ou argumentos próprios, ante fatos, documentos ou pontos de vista apresentados por outrem. Fundamentalmente, no dizer de Cândido Rangel Dinamarco, contraditório quer dizer "informação necessária e reação possível". Elemento ínsito à caracterização da processualidade, o contraditório propicia ao sujeito a ciência de dados, fatos, argumentos, documentos, a cujo teor ou interpretação pode reagir, apresentando, por seu lado, outros dados, fatos, argumentos, documentos. À garantia do contraditório para si próprio corresponde o ônus do contraditório, pois o sujeito deve aceitar a atuação no processo de outros sujeitos interessados, com idênticos direitos.

Do princípio do contraditório, centrado na informação necessária para possibilitar a reação, emanam faculdades, direitos, enfim conseqüências que formar o corpo do seu próprio conteúdo. No estudo de Odete Medauar, o contraditório possui uma profunda inter-relação com o princípio da ampla defesa, alguns desdobramentos vem inseridos pela doutrina e jurisprudência também no rol dos elementos configuradores deste último, assim, serão arrolados a seguir os desdobramentos mais diretos do princípio do contraditório [12].

a) Informação geral – significa o direito, atribuído aos sujeitos e à própria Administração, de obter conhecimento adequado dos fatos que estão na base da formação do processo e de todos os demais documentos, provas e dados que vierem à luz no curso do processo. Daí resultam exigências impostas à administração no tocante à comunicação, aos sujeitos, de elementos do processo em todos os seus momentos. Vincula-se, também, informação ampla, o direito de acesso a documentos que a Administração detém ou a documentos juntados por sujeitos contrapostos. No ordenamento pátrio, o princípio da publicidade, consagrado constitucionalmente, irradia-se de forma acentuada nas atuações administrativas processualizadas.

b) Ouvida dos sujeitos ou audiência das partes – esse aspecto mescla-se com facilidade aos desdobramentos da ampla defesa. Consiste, em essência, na possibilidade de manifestar o próprio ponto de vista sobre fatos, documentos, interpretações e argumentos apresentados pela Administração. Aí se incluem o direito paritário de propor provas, o direito de vê-las realizadas e apreciadas e o direito a um prazo suficiente para o preparo de observações a serem contrapostas.

c) Motivação – a oportunidade de reagir ante a informação seria vã, se não existisse fórmula de verificar se a autoridade administrativa efetivamente tomou ciência e sopesou as manifestações dos sujeitos. A este fim responde a regra da motivação dos atos administrativos. Pela motivação se percebe como e quando determinado fato, documento ou alegação influi na decisão final. Evidente que a motivação não esgota aí seu papel; além disso, propicia reforço da transparência administrativa e do respeito à legalidade e também facilita o controle sobre as decisões tomadas.

2.1-IMPORTÂNCIA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

Em extensa escala a atividade da administração é atividade processual e pela importância de que se reveste, está inscrita entre os capítulos de maior responsabilidade do direito administrativo, não só porque é a base para a aplicação das sanções preliminares, ditas maiores, como também porque, em nossos dias, é indubitável a tendência generalizada, nos países de orientação democrática, se assegurar ao funcionário público uma série infinita de recursos que o põe a salvo do arbítrio das autoridades às quais se subordina (Cavalcanti).

E, se por um lado, não há disciplina alguma que dispute ao direito administrativo o estudo do processo que lhe é peculiar, por outro lado, a questão controvertida está em saber se o procedimento administrativo é suscetível e digno de investigação teórica.

Não há a menor dúvida de que a importância gradativa que vai assumindo o processo administrativo moderno justifica do modo mais amplo quaisquer estudos e investigações teóricas tendentes a esclarecer-lhe os contornos nem sempre nítidos, mas que necessitam, por isso mesmo, de rigorosa e urgente delimitação.

Embora alguns autores que estudam o processo administrativo prefiram não falar em "partes", empregando ou o termo "interessados" ou "concorrentes", somos de parecer que, neste tipo particular de atividade processual, convém manter a antiga denominação consagrada pelos processualistas.

Com efeito, se parte é quem compõe uma demanda e aquele contra quem a demanda é proposta, sendo as partes da demanda as partes do processo, não há motivo algum para não continuar o uso de tão simples quão tradicional terminologia.

Desse modo, a administração é parte, bem como o administrado figura também nessa qualidade e com essa denominação.

No entanto, visto que a administração, como "parte", se acha em relevo todo especial, adotaremos neste trabalho o nome de parte ou interessado, ao particular ou funcionário público que figurar na relação jurídico-processual administrativa, quer como sujeito ativo, quer como sujeito passivo.

Não obstante se trate de binômio (Administração versus interessado), não de trinômio (como no direito processual civil), as partes em ação, na realidade, são contrapostas, defendem não raras vezes interesses antagônicos: os administradores pleiteando os direitos que a lei lhes faculta, a administração velando para que os deveres sejam observados; ambos, enfim, em ultima análise, fornecendo elementos para que a justiça figure sempre em primeiro plano e o Estado atinja, do melhor modo possível e no mais rápido espaço de tempo, o fim elevado que se propõe a realizar.

Enfim, de um modo geral, sob a rubrica genérica de administrados, que podem ser funcionários, do quadro ou fora do quadro, como também podem ser simples particulares, compreendemos todos aqueles que estão à mercê da Administração: ora, quando os administradores, por qualquer motivo, integram a relação jurídico-processual administrativa podem receber o nome de partes, interessados ou concorrentes, sem prejuízo de que reserve, também, a denominação de parte à própria administração em numerosos casos.

Em ambos os casos, é preciso distinguir a questão, o primeiro, nos países que admitem o contencioso administrativo, como a França, na qual um aparelhamento especial, autônomo, independente do Poder Judiciário, "julga", "diz o direito", e nos países, como o Brasil, no qual só o Judiciário é que tem a prerrogativa jurisdicional.

Mas, qualquer que seja o sentido em que se temo a expressão processo administrativo, o elemento teleológico ou finalístico jamais pode deixar de ser presente. Como espécie do processo, em geral, o processo administrativo dirige suas vistas para um fim, que é um pronunciamento original, uma decisão concreta da administração, um ato administrativo que consubstancie uma norma vigente.

Deste modo procedimento desta índole persegue a finalidade de conseguir um ato administrativo por parte da administração, ou uma atuação administrativa, por parte do administrado ou particular, alheias, uma e outra, ao político ou ao judicial. [13]

A finalidade do processo administrativo, ensina Villar y Romero, "é obter uma decisão concreta da administração que individualize uma norma jurídica ou declare, reconheça ou proteja um direito, cuja afirmação se pede, quer pela pessoa interessada quer pela própria administração".

Parafraseando Kisch, acrescenta, pode-se afirmar que a finalidade do processo é unitária e que os atos processuais só alcançam eficácia, em sua totalidade, graças ao influxo que exercem para obtenção dessa decisão final que constitui a verdadeira finalidade do processo administrativo.

2.1.1-Falando em Ampla Defesa

A regra da Ampla Defesa, nas palavras de José Cretella Júnior [14]:

[...] abrange a regra do contraditório, completando-se os princípios que informam e que se resumem no postulado da liberdade integral do homem diante da prepotência do Estado". A defesa a que se refere o inciso LV do art. 5º da Constituição de 1988 "é a defesa em que há acusado; portanto, e a defesa em processo penal, ou em processo fiscal-penal ou administrativo, ou policial. O princípio nada tem com o inciso do processo civil, onde há réus sem direito à defesa, antes da condenação (15).

Em 22 de julho de 1936, o Supremo Tribunal Federal, em decisão memorável, então denominado de Corte Suprema, julgando argüição de inconstitucionalidade de dispositivo de processo civil, diante da Constituição de 1934, vigente, art. 113, § 23, que assegurava aos acusados ampla defesa, manifestou-se pelo voto do Relator, e firmou, para sempre, o princípio de que a Carta "consagra garantias a réus, em processos criminais, ou acusados de crime, propriamente ditos, e não cogita de estabelecer nenhuma norma fundamental para o direito civil". Assim, em 1934, art. 113, § 24, como já antes, em 1891, art. 72, § 15 e, como depois, em 1937, art. 122, § 11; em 1946, art. 141, § 25; 1967, art. 150, § 15; em 1969, art. 153, § 15; em 1988, art. 5º, inciso LV, "AMPLA DEFESA" é regra peculiar a processo em que o Estado acusa e não existe em processo no qual o Estado, por meio do magistrado, é estranho à lide, procurando dar razões a quem tem. No processo administrativo, que alguns denominam de inquérito administrativo, é necessária a ampla defesa para demissão de funcionário admitido por concurso (súmula 20 do STF), sendo "nula a demissão de funcionário com base em processo administrativo no qual não lhe foi assegurada ampla defesa" [16]. Destoa da norma geral a aplicação da Carta de 1937 e 1967, onde as garantias individuais fundamentais foram suprimidas pela truculência do regime forte de então.

Longo caminho a humanidade percorreu, desde a época em que a vida e os bens eram tirados do homem só pela vontade do soberano até a afirmação, consolidação e aprimoramento das garantias de vida, patrimônio, honra e outras mais, conquistadas no correr dos séculos.

O direito de defesa significa, em essência, "o direito à adequada resistência às pretensões adversárias". [17] Tem o sentido de busca de preservação de algo que será afetado por atos, medidas, condutas, decisões, declarações, vindos de outrem. A Constituição Federal de 1988 alude a ampla defesa, refletindo a evolução que reforça o princípio e denota elaboração acurada para melhor assegurar sua observância.

Os princípios do Contraditório e da Ampla Defesa mantêm profunda interação, já se disse, mesclando-se, em muitos pontos, as decorrências de um e outro.

2.2-O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DO CTB

É cediço em nosso ordenamento jurídico–constitucional que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com observância ao princípio do devido processo legal. (Art. 5º LV CF).

O legislador, ao elaborar o CTB, foi claro e preciso, particularmente no desenho do processo administrativo de infração de trânsito.

Não deixou dúvidas quanto à existência do processo administrativo precitado intitulado no capítulo XVIII assim: "DO PROCESSO ADMINISTRATIVO".

Esclareceu que em ocorrendo a infração prevista (qualquer infração) na legislação de trânsito (art. 280, "caput"), ocorrerá o arquivamento do auto se este for considerado inconsistente ou irregular (art. 281, parágrafo único e inciso I) quando de seu julgamento (art. 281., "caput").

Referendou que é imprescindível a notificação do auto de infração em relação ao autuado, deixando claro que a este, antes do julgamento do auto infracional pela autoridade de trânsito, será oferecida a oportunidade de examinar a regularidade formal e material de auto-infração (ou seja, a sua consistência) e, se irregular, daí inconsistente, argüir, através da constitucional defesa (art. 5º. LV e LIV), a sua inconsistência, para que, quando do julgamento do auto (art. 281, "caput"), seja ele arquivado (art. 281, único e inciso I), a seu requerimento. Surge aqui a "Defesa Prévia" fazendo-o nos artigos 2º. Da Res. nº 568/80 e 1º da Res. 829/97, ambas do CONTRAN, que detém competência para expedi-las (art. 12, I, CBT) sendo que devidamente recepcionadas pelo Codex de Trânsito (art. 314, parágrafo único). Estabeleceu expressamente que esta notificação de auto de infração sempre se dará antes do julgamento, referido, no art. 280, VI, que a assinatura de infrator, no auto respectivo, valerá como notificação do cometimento da infração e (se o autor não tiver presente quando a autuação) que esta mesma notificação da autuação, caso não procedida do ato lavratório, será expedida em até 30 dias da lavratura do auto infracional, sob a conseqüência fatal de ser arquivado o auto, ou seja, de não aplicada a penalidade, operando-se a decadência (perda de direito de punir por quem o detinha), tudo conforme o conteúdo do art. 281, único, II do CBT.

Asseverou, que após o julgamento da consistência e regularidade do auto infracional (peça acusatória) pela autoridade de trânsito (art. 281, caput, CBT), mediante análise de argumentos encerrados nestes e nas razões de defesa, esta arquivará o mesmo, julgando aplicação de penalidade (art. 282, caput, CBT). Encerra-se, destarte, a primeira instância administrativa.

O ato de notificação nada mais é do que a consolidação da multa aplicada, portanto, consiste em uma deliberação de decisão da autoridade administrativa quanto à convalidação do ato exarado pelo agente fiscalizador.

Desta forma, a autoridade administrativa, ao analisar a "consistência" do auto lavrado pelo agente ou equipamento eletrônico, exerce ato de decisão, aplicando penalidade ao condutor do veículo, contudo, sem conceder-lhe o direito de defesa, cerceando ao interessado o contraditório, infringindo assim, norma de dicção constitucional.

Assim, se houve decisão administrativa, indispensável, antes da emissão da notificação ao interessado para o recurso administrativo, que fosse assegurado ao acusado uma defesa prévia, na fase da autuação, onde poderia promover sua defesa na fase preliminar.

O eminente doutrinador Cássio Matos Honorato [18], conceitua e define claramente a obrigatoriedade da concessão à defesa prévia antes da consolidação da notificação ao suposto infrator:

Notificação significa dar conhecimento ao condutor ou ao proprietário do veículo, conforme o caso, de cada um dos atos administrativos ou atos decisórios que foram praticados ou adotados pela administração Pública de Trânsito. Tratar-se de ato indispensável para a validade dos atos administrativos, que se sujeitam ao Princípio da Publicidade, nos termos do art. 37, caput, da Constituição da República...

Não basta a notificação inicial, ou simplesmente da imposição da penalidade. É mister que a cada um dos atos administrativos seja conferida a indispensável publicidade, sob pena de nulidade.

A falta de notificação caracteriza cerceamento de defesa e inobservância do devido processo legal, maculando, de forma irreversível, todo o procedimento para imposição de penalidade administrativa.

Dessa forma, o responsável pela infração (condutor ou proprietário) deve ser notificado da autuação (notificação pessoal), para que, querendo, possa promover a "defesa prévia" (O procedimento para interposição de "defesa prévia" encontra-se previsto nos artigos 2º a 6º da Res. Nº 568/80 do CONTRAN); da conversão em multa e da imposição das penalidades, para que possa promover o cabível "recurso administrativo", perante a JARI, para que possa, querendo, recorrer dessa decisão, nos termos dos artigos 288 e 289 do CTB.

Extrai-se do ensinamento supra citado, que, obrigatoriamente, na fase de autuação, impõe-se que seja concedido defesa prévia, e posteriormente, na fase da notificação da multa, deve ser concedida o direito de recurso a JARI. Sendo improvido ambos, concede ainda o direito de recurso a instância administrativa superior – CETRAN).

Nada obsta que o cidadão autuado procure as vias judiciais primeiramente, em atenção ao Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, contudo, na prática, este não é um procedimento comumente adotado.

Em síntese, agindo assim, a administração pública suprimiu fase indispensável ao interessado em oportunizar sua defesa, através de defesa prévia, na fase de autuação.

Tal entendimento está consignado na Resolução nº 568/80, do CONTRAN, quando em seu dispositivo do art. 2º, assim expressa, in verbis:

Art. 2º - Com o recebimento do Auto de Infração, o interessado poderá, no prazo de 30 dias, apresentar defesa prévia à autoridade de trânsito, antes da aplicação da penalidade.

É salutar observar que a referida resolução está em pleno vigor, conforme comentário do Art. 280 do CTB, na lição de Geraldo de Farias Lemos Pinheiro [19], quando assim expressa:

Sendo garantida a notificação do proprietário, para ciência da autuação, mesmo que desobrigado de confirmar a identificação já feita pelo agente, a ele estará sendo concedido o direito de defesa prévia, prevista na Resolução nº 568/80, que entendemos não revogada e que atende à regra constitucional da ampla defesa antes da imposição da pena.

2.3-ANULABILIDADE DOS JULGADOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DO CTB

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pacificou entendimento no sentido de que, não havendo prévia notificação do infrator, para exercitar seu direito de defesa, é ilegal a exigência do pagamento de multas de trânsito, conforte Súmula 127.

Outra particularidade significativa diz com a vigência, indiscutível, do Decreto nº 2.521, de 20.03.98, portanto, de elaboração legislativa pós-CTB, que não deixa nenhuma dúvida acerca da existência de defesa prévia, nos seguintes termos:

Art.88 – O auto de infração será registrado no órgão competente do Ministério dos Transportes ou da entidade conveniada, dele dando-se conhecimento ao infrator, antes de aplicada a penalidade correspondente.

Parágrafo Único – é assegurado ao infrator o direito de defesa, devendo exercitá-lo, querendo, dentro do prazo de quinze dias úteis contado da data de recebimento da correspondente notificação.

Esses confiáveis assertos, somados aos conteúdos dos art. 280 VI e 281, parágrafo único, II do CTB, aos das resoluções 568/80, art. 2º e 829/97, art. 1º e aos dos artigos 5º, incisos I, LIV e LV da CF, tornam absolutamente tranqüilo o respaldo legal à defesa ampla nos processos de infrações de trânsito.

Mais: não fosse assim, como se justificaria a oportunização de defesa, diante dos autos de infração, protagonizada pelos referidos decretos 96.044/88 e 2.521/98, a alguns autuados em matéria de infrações viárias e a outros não: onde estaria a significação do princípio da igualdade de todos diante do ordenamento legal e jurídico (art. 5º, caput e inciso I, CF).

O entendimento dos tribunais pátrios evidencia a tendência jurisprudencial no sentido de se proteger o direito do cidadão e a garantia do Devido Processo Legal quando da aplicação do Código de Trânsito Brasileiro – CTB.

Eis alguns sustentáculos jurisprudenciais:

Vistos.

Assiste a razão do Ministério Público

Efetivamente estão presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada.

É cristalina a plausibilidade de direito alegado, na medida em que foram aplicadas várias penalidades, sem que fosse observado o devido processo legal.

"O fundado receio de dano também restou caracterizado isto porque os veículos da autuação não poderão ser transferidos sem que haja quitação de multas. Além disto, também por ocasião da renovação das carteiras, pós requerentes ver-se-iam compelidos ao pagamento de uma multa, cuja a legalidade está sendo discutida em juízo.

Destarte, DEFIRO o pedido de tutela antecipada e suspendo a eficácia das penalidades, aplicadas constantes das notificações advindas de autos de infrações números de 2020, 3373; 3693; 5342 e 6200 até o julgamento desta ação.

Oficie-se ao requerimento e ao DETRAN, comunicando o deferimento do pedido de tutela antecipada, a fim de que sejam adotadas as medidas cabíveis.

Intimem-se. Cite-se."

Aos 03 de Setembro de 1999.

"Marialice Camargo Bianchi, Juíza de direito."

O MM. Juiz da vara da 1º Fazenda Pública Municipal desta capital, Dr. João Ubaldo Ferreira, também possui o mesmo entendimento, onde, recentemente, concedeu a tutela antecipada, suspendendo a eficácia das penalidades contidas nos autos infracionais noticiados naquele processo.

Também possui entendimento análogo o MM. Dr. Waltides Pereira dos Passos, plantonistas nas varas da Fazenda Pública Estadual, onde observou ser aplicado o ato de aplicação de multas sem a observância do princípio institucional da ampla defesa e do contraditório, concedendo a tutela antecipada em dois processos, suspendendo as multas aplicadas pela Superintendência Municipal de Trânsito/SMT.

Seguem, ainda, com a transcrição, por amostragem, de cinco decisões, uma de cada das cinco Câmaras especializadas em direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, iniciando, entretanto, por uma ementa do Supremo Tribunal Federal, que ainda não se refira a trânsito, é muito pertinente pelos esclarecimentos que traz a respeito do processo administrativo punitivo símile ao que se ora se discute:

Ren. 250. 744-0

Relator: min. MOREIRA ALVES

Ementa: Multa, Exigência de depósito prévio de valor relativo a multa para admissão de recursos administrativos.

Esta primeira turma (assim nos RREE 169.077 e 225.295, exemplificadamente) tem decidido, com base em precedentes desta corte (ADIN 1.049 e RE 210. 146), que, Exercida defesa prévia à homologação do auto da infração, não viola a atual Constituição (artigo 5º, XXXV, LIV e LV) o diploma legal que exige o depósito prévio do valor da multa como condição ao uso de recurso administrativo, pois não, há nesta carta magma, garantia de duplo grau de jurisdição administrativa.

Igualmente não há violação do artigo 5º, XXXIX, "a", da carta magma, uma vez que, além de não haver exigência do pagamento de taxa que não o é esse depósito, também não se pode pretender de que o direito de petição decorra a garantia a esse duplo grau.

Recurso extraordinário conhecido e promovido.

DIREITO PÚBLICO ESPECÍFICO TRÂNSITO. AUTO DE INFRAÇÃO, NOTIFICAÇÃO, DIREITO DE DEFESA ANTES DO JULGAMENTO PELA AUTORIDADE DE TRÂNSITO.

A autoridade de trânsito que, antes de julgar auto de infração, seja qual for a penalidade a ser em tese, aplicada, não conceder ao autuado oportunidade de defesa, viola direito líquido e certo deste, protegível por demanda de segurança. É que o atual Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), embora não seja específico no ponto, assim como não era como o anterior Código Nacional de Trânsito (Lei nº 5.106/66) não só excluir o direito de o autuado contestar a peça acusatória, antes do julgamento e isso independentemente da penalidade que, em tese, possa resultar, como reconhece, de modo implícito, ao conceder tal direito em outras situações, como a dos arts. 257, § 7º e 256. Mas que isso, se todas as penalidades, como diz o art. 256, não é lógico conceder direito de defesa só em relação há algumas. Se não bastasse, o direito de defesa, inclusive no âmbito administrativo, esta garantido pelo art. 5º., LV da CF. Por isso, a Resolução 568/80, do CONTRAN, foi recepcionada pelo atual CTB, conforme admite o art., 314, parágrafo único. Apelo desprovido e sentença confirmada em reexame. "(TJRS, Primeira Câmara Cível, ap. nº 70000192575, j. em 05.04.2000).

ADMINISTRADO. MANDADO DE SEGURANÇA. MULTA DE TRÂNSITO EXIGÊNCIA DO PAGAMENTO COMO CONDIÇÃO AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. DESCABIMENTO.

"É ilegal a imposição de multa de trânsito sem procedimento administrativo regular e que assegure ao autuado o exercício de direito de defesa através do contraditório. Não é suficiente a prévia intimação pessoal. É indispensável também observar a influencia do prazo de defesa." RECURSO PROVIDO." (TJRS, Segunda Câmara Civil, ap., nº 70000502443, j. 29.03.2000).

MANDANDO DE SEGURANÇA. APLICAÇÃO DE MULTA. INOBSERVÃNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. Ilegal o ato de aplicação de multa em desrespeito aos princípios insculpidos no art. 5º., LV, da carta política. A autoridade não pode aplicar a penalidade antes de proceder à análise de argumentos da defesa, bem como da fundamentação do auto de infração. SEGURANÇA CONCEDIDA." (TJRS, terceira Câmara Cível, ap. nº 7000038869, j. em 09.12.1999).

CONSTITUCIONAL E TRÂNSITO. APLICAÇÃO DE PENALIDADE. FALTA DE OBSERVÂNCIA DE DEFESA PRÉVIA. IMPOSSIBILIDADE.

O direito de defesa, assegurado no art. 5º, LV, da CF/88, e parte integrante do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88), há de ser prévio a qualquer decisão sobre alguma imputação. Portanto a possibilidade de interposição de recurso, figura impugnativa que pressupõe decisão já tomada, não satisfaz aquela garantia constitucional. Por conseguinte, em casos de infração de trânsito, vigora o art. 2º da Resolução nº 9.503/97), e em seguida notificado, caso não haja ele assinado o auto (art. 280, VI, da Lei nº 9.503/97), caso em que aguardará o prazo de defesa. APELAÇÃO APROVIDA." (TJRS, Quarta Câmara Cível, ap. nº 70000802280, j. em 05.04.200).

MANDADO DE SEGURANÇA. APLICAÇÃO DE MULTA. INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE AMPLA DEFESA. Ilegal o ato de aplicação de Multa sem a observância do princípio constitucional de ampla defesa. Somente após analisados os argumentos da defesa, bem como a fundamentação do auto de infração, é que a autoridade de trânsito julgará a consistência do auto, e poderá aplicar a penalidade. Negaram provimento, confirmada a sentença em reexame necessário (TJRS, Vigésima Primeira Câmara Cível, Ap. nº 70000192690, j. em 20.10.1999).(doc.92)

Assim expostas as razões onde sedimentam as argumentações que ensejam a anulabilidade dos processos administrativos contra imposição de multa de trânsito descritas no Código de Trânsito Brasileiro, resta-nos analisar a estrutura do órgão competente para o julgamento administrativo de tais processos, pois no que tange à esfera judicial resta demonstrado a improcedência de tais julgados administrativos.


3-AS JARI`s E SUA COMPETÊNCIA

O Código de Trânsito Brasileiro – CTB, Lei 9.503 de 23 de setembro de 1997, traz em sua seção II, sob o título Da composição e da competência do Sistema Nacional de Trânsito, em seu artigo 7º, inciso VII, a seguinte redação:

Art. 7º Compõem, o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades;

VII – as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI.

Por sua vez, o artigo 17 do CTB diz que compete às JARI:

I – julgar os recursos interpostos pelos infratores;

II – solicitar aos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários informações complementares relativas aos recursos, objetivando uma melhor análise da situação recorrida;

III – encaminhar aos órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários informações sobre problemas observados nas autuações e apontados em recursos, e que se repitam sistematicamente.

As JARI, portanto, servem para proporcionar aos condutores e ou proprietários de veículos autuados, momento de defesa de seus direitos, direitos estes resguardados pela Carta Maior do Brasil.

O município de Goiânia criou por meio do Decreto nº 568, de 30 de março de 1998, as JARI necessárias ao julgamento dos recursos administrativos provenientes das infrações de trânsito cometidas dentro do limite territorial de sua competência.

Em 10 de abril de 2001, o Excelentíssimo senhor Prefeito de Goiânia, Professor Pedro Wilson Guimarães, promulga o Decreto nº 1578/2001, criando o Regimento Interno das Juntas Administrativas de Recursos de Infrações de Trânsito - JARI.

Com o advento do Regimento Interno, as JARI passam a ter maior legitimidade para sua atuação, vez que até aquele momento, não haviam métodos ou diretrizes que minimamente orientassem no seu funcionamento.

O Decreto 1578/01 não determina quais os critérios de julgamento da JARI, limita-se a dar orientações gerais de funcionamento interno das reuniões e competências de seus membros, ainda assim, foi um grande passo na intenção de se dar maior legitimidade ao julgados da JARI.

Como pode ser notado, o Legislativo e o Executivo municipal agiram com timidez ao criar órgão de importância salutar para a preservação da democracia e do cumprimento assíduo da Constituição Federal de 1988. Os direitos de Ampla Defesa e do Contraditório, ainda que com o advento do regimento interno da JARI, ficaram prejudicados, pois àquela época não havia sido criado em Goiânia, a comissão de análise de defesa prévia, a qual teria o objetivo de analisar a regularidade das infrações, oportunizando aos cidadãos o direito de defenderem-se amplamente, assim como consagra a Carta Maior de 1988.

3.1-AS JARI COMO MEIO DE CERCEAMENTO DE DEFESA DO CIDADÃO E TUMULTO DO PODER JUDICIÁRIO.

Podemos observar que o legislador buscou, ao criar a Junta Administrativa de Recursos de Infrações, promover a democracia e garantir, ainda que restritivamente, o acesso ao direito de defesa outrora submisso aos interesses escusos dos ditadores pátrios. Contudo, ainda que agindo com zelo, os mentores da JARI deixaram de observar que por tratar-se de órgão julgador de deliberação coletiva, tais Juntas necessitavam de um aparato normativo mais bem estruturado, o qual deveria acompanhar as diretrizes constitucionais. O CTB, superficialmente, diz qual a competência da JARI, porém deixou de mencionar qual sua composição e forma de ação.

A JARI é mais um fenômeno político que jurídico e constitucional. Ao serem criadas tais juntas, fica evidenciado que o legislador não buscou preservar os princípios constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditório, contudo, o fato de não haver maiores determinações legais sobre a competência e a composição de tais órgãos, muito mais evidente fica demonstrado quão politicamente danosas são as decisões de relevância nacional.

Como podemos crer que haja uma seriedade legislativa, vez que o princípio da segurança jurídica não encontra guarita em códigos nacionais tão amplamente utilizados, a exemplo do CTB?

Chegamos a um impasse, nas palavras de ilustre Luis Roberto Barroso:

[...] a própria lei caiu no desprestígio. No direito público, a nova onda é a governabilidade. Fala-se em desconstitucionalização, delegificação, desregulamentação. A segurança jurídica – e seus conceitos essenciais, como direito adquirido sofre o sobressalto da velocidade, do imediatismo e das interpretações pragmáticas, embaladas pela ameaça do horror econômico.

Sem dúvidas, a criação das JARI, vem demonstrar quão frágeis são nossas instituições democráticas, vez que a legitimidade – soberania popular na formação da vontade nacional, por meio do poder constituinte; a limitação do poder – repartição de competências, processos adequados de tomada de decisões, respeito aos direitos individuais, inclusive das minorias e por fim os valores – incorporação à Constituição material das conquistas sociais, políticas e éticas acumuladas no patrimônio da humanidade, não são necessariamente observados com o fim de velar pela manutenção saudável das instituições democráticas.

A crença na Constituição e no constitucionalismo não deixa de ser uma espécie de fé: exige que se acredite em coisas que não são direta e imediatamente apreendidas pelos sentidos. Os princípios constitucionais, admitido esse entendimento, passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos e seus fins.

Existe desde na tradição judaico-cristão o mandamento de respeito ao próximo, princípio magno que atravessa os séculos e inspira um conjunto amplo de normas; por sua vez o direito romano pretendeu enunciar a síntese dos princípios básicos do Direito: "Viver honestamente, não lesar a outrem e dar a cada um o que é seu". Vislumbramos, portanto, dois princípios basilares da dogmática jurídica, quais sejam: o da razoabilidade e o da dignidade da pessoa humana.

O princípio da razoabilidade, em síntese, é um mecanismo para controlar a discricionariedade legislativa e administrativa. Ele permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: a) não haja adequação entre o fim perseguido e o meio empregado; b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo caminho alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual; c) não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida tem maior relevo do que aquilo que se ganha. Tal princípio não liberta o juiz dos limites e possibilidades oferecidos pelo ordenamento. Não é o voluntarismo que se trata. A razoabilidade, contudo, abre ao Judiciário uma estratégia de ação construtiva para produzir o melhor resultado, ainda quando não seja o único possível – ou mesmo aquele que, de maneira mais óbvia, resultaria da aplicação acrítica da lei. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem se valido do princípio para invalidar descriminações infundadas, exigências absurdas e mesmo vantagens indevidas.

Trazendo a baila a questão fundamental desta obra, ou seja, o cerceamento de defesa no processo administrativo de defesa de multas de trânsito no Código de Trânsito Brasileiro, observamos que o princípio da razoabilidade deixa de ser observado por tal Diploma, em especial no julgamento efetuado pelas JARI, pois ao não ofertar ao cidadão autuado a oportunidade de defender-se previamente com todos os meios de prova admitidos em direito, o CTB ofende de forma letal a tal princípio, conforme demonstrado no item 2.3 retro.

O outro princípio, o da dignidade da pessoa humana, identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. È um respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como as condições materiais de subsistência. O desrespeito a este princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação um símbolo do novo tempo. Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar.

Dignidade da pessoa humana expressa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio da humanidade. O conteúdo do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais. Seu núcleo material elementar é composto do mínimo existencial, locução que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade.

Destarte, ao ofender os princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como o da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, as JARI obrigam o cidadão a buscar as vias judiciais a fim de serem respeitados pela Administração Pública, seus direitos individuais.

O acúmulo de ações provenientes da ofensa dos princípios acima elencados, por parte das JARI, vem fazendo com que o Poder Judiciário retarde seus julgados, tornando-se dia-a-dia mais moroso, gerando um grande desconforto em toda a sociedade.

A falta de observância, ou a insistências sistêmica das JARI em continuar cerceando a defesa do cidadão vem gerando sucessivos julgados desfavoráveis à Administração Pública, o que inefávelmente, conturba todo o bom andamento e zelosa prestação de serviço público por parte do Poder Judiciário.

3.2-COMPOSIÇÃO DAS JARI

O art. 12 da Lei 9.503/97 declara ser o Conselho Nacional de Trânsito –CONTRAN, o órgão responsável para estabelecer as diretrizes do regimento das JARI. Tal conselho, portanto, deveria explicitar quais os mínimos quesitos necessários aos membros componentes de tais juntas, contudo, não o fez.

O esforço do Executivo e do Legislativo municipal em dar legitimidade e credibilidade aos julgados das JARI esbarra em questão ética da maior importância, pois, ainda que exista um regimento interno dando orientações aos membros componentes de tais juntas, em nenhum momento fora tratada a questão da composição de tais juntas, limitando-se o Decreto 1.578/01, em seu artigo 3º e incisos, a mencionar que tais componentes deverão ter reconhecida experiência na área de trânsito.

A atual composição dos membros da JARI do município de Goiânia não cita qual a "reconhecida experiência na área de trânsito" possuem seus membros. Se levarmos em conta que para se tirar a Carteira Nacional de Habilitação – CNH, todo cidadão deve possuir conhecimentos específicos na área de trânsito e, que para se compor a JARI não é exigido nenhum outro quesito senão e tão somente "reconhecida experiência na área de trânsito", então concluímos que todo cidadão habilitado poderá ser membro julgador dos recursos interpostos contra as infrações de trânsito, bastando para tal, apenas possuir o documento qualificador da aptidão em dirigir veículos automotores.

A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB não se manifesta a respeito de tal órgão julgador não ter a obrigatoriedade de ser composto por no mínimo um membro com conhecimento acadêmico específico na área de direito, ou seja, o advogado.

Seria razoável que tais juntas fossem compostas exclusivamente por profissionais habilitados a lidar com códigos, que possuam conhecimentos das técnicas legislativas e judiciárias, afinal, as JARI tratam de tema de maior importância para a preservação da democracia, o qual seja, o julgamento justo, por meio do qual visa-se a preservação da ordem democrática constitucional.

Contudo, tais cuidados não vem sendo observados, basta analisar a composição das 4 (quatro) JARI do município de Goiânia. O Decreto nº 1.577 de 10 de abril de 2001 institui tais juntas e suas composições, sem, em nenhum momento, indicar qual a reconhecida experiência na área de trânsito de seus membros.

Sem que haja a devida composição de tais órgãos julgadores, o que se dará por meio da indicação de profissionais habilitados aos procedimentos legais para um bom e justo julgamento, as JARI, portanto, passam a integrar uma espécie de aberração, vez que seus julgados, em quase sua totalidade, são considerados nulos pelo poder Judiciário, por não terem observado os princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa, razoabilidade e dignidade da pessoa humana.

3.3-A CRIAÇÃO DA COMISSÃO DE ANÁLISE DE DEFESA PRÉVIA

O presente trabalho objetivava sugerir ao seu final a criação no município de Goiânia, junto ao órgão executivo de trânsito, de uma comissão de análise prévia de infrações de trânsito. Tal sugestão visava superar a falha existente na administração de tais procedimentos, pois, como vimos no decorrer deste estudo, afronta as normas constitucionais garantidoras dos direitos a um justo julgamento, resguardado pelo direito de ampla defesa.

Recentemente a Superintendência Municipal de Trânsito de Goiânia, por meio da Portaria nº 083, de 3 de setembro de 2003, institui no âmbito municipal a Comissão de Análise de Defesa prévia.

O Conselho Estadual de Trânsito de Goiás – CETRAN-GO, por sua vez, institui a Resolução nº 08, de 2 de julho de 2003, a qual determina a criação de tais comissões nos órgãos executivos de trânsito estaduais e municipais de Goiás, seguindo exemplo do estado do Paraná, que desde 2001 cumpre os preceitos constitucionais já mencionados.

A Comissão criada em Goiânia, aparentemente, visa tapar lacuna legal, a qual favorecia o ingresso junto aos Poder Judiciário de centenas de cidadãos autuados por infrações de trânsito e que entendiam estarem sendo lesados em seus direitos por não haver em Goiânia a possibilidade de obterem a análise prévia de suas supostas infrações.

Contudo, a criação de tal comissão, por si só não aufere aos autuados no trânsito a amplitude de seus direitos e garantias constitucionais, vez que a Portaria 083/03 não regulamenta a forma de funcionamento da mesma, assim, a garantia de uma análise prévia justa e obediente aos princípios legais do contraditório e da ampla defesa, restam prejudicados pela falta de transparência em seus procedimentos.

Por final, a composição da Comissão de Análise de Defesa Prévia, constituída por três membros titulares e três membros suplentes, não especifica qual a graduação necessária a seus membros, acompanhando, portanto, a mesma linha de composição da JARI.

3.4-DIREITO À PUBLICIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

A Carta Política de 1988 assegura a publicidade dos atos administrativos no seu artigo 37, caput.

O princípio da publicidade, agora com previsão constitucional, aplica-se ao processo administrativo. Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: "Por ser pública a atividade da Administração, os processos que ela desenvolve devem estar abertos ao acesso dos interessados".

O acesso aos processos administrativos é mais amplo do que o acesso aos processos judiciais, visto que estes apenas as partes e seus defensores podem exercer tal direito; por sua vez, os processos administrativos podem e devem ser abertos à consulta popular, resguardando tão somente os necessariamente sigilosos como os de segurança nacional, (art. 5º XXXIII, da CF), os ligados a certas investigações, a exemplo dos processos disciplinares, de determinados inquéritos policiais (art. 20 do Código de Processo Penal) e dos pedidos de retificação de dados (art. 5º LXXII, b, da CF), desde que prévia e justificadamente sejam assim declarados pela autoridade competente.

Ressalto que a publicidade dos atos administrativos é garantida a qualquer pessoa, pois tais são titulares de tal direito, desde que tenham algum interesse coletivo ou geral, no exercício do direito à informação assegurado pelo art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição.

Segundo brilhante dissertação de Fabrício Mota [20]:

[...] a publicidade é requisito essencial para a eficácia do controle do poder, elemento indissociável também da noção de Estado de Direito... A efetivação do princípio democrático traz consigo a idéia de democratização da Administração Pública, requisito essencial para o Estado de Direito não se reduza a um sistema de proteção do cidadão frente as violação jurídicas. Nessa linha de entendimento, por trás do princípio da publicidade estão a exigência de segurança do direito e a proibição da política do ‘segredo’, entendida esta última proibição não somente como uma vedação ao arbítrio, mas como um dever de informar por parte do Estado.

Não podemos falar em democracia sem que haja por parte da Administração publicidade de seus atos. A publicidade é pré-requisito para o controle do cumprimento dos princípios que devem informar a atuação administrativa, como legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência, razoabilidade, ampla defesa e contraditório entre outros.

A efetiva aplicação do princípio da publicidade promove condições de controle direito por parte do cidadão, dos atos públicos, controle este constitucionalmente garantido.

Em suma, o princípio da publicidade protege o cidadão de intromissões indevidas da Administração em sua esfera de liberdade garantido pela Carta Maior, esta é a sábia conclusão de Fabrício Mota.

3.5-O CERCEAMENTO DO DIREITO DE PUBLICIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS NA SMT

É evidente que o direito de acesso não pode ser exercido abusivamente, sob pena de tumultuar o andamento dos serviços públicos administrativos; para exercer esse direito deve a pessoa demonstrar qual o seu interesse individual, se for o caso, ou qual o interesse coletivo que pretende defender.

O presente trabalho de monografia viu-se prejudicado vez que encontrou obstáculo transponível apenas por remédio constitucional, o qual seja, mandado de segurança.

O Parecer nº 133/2003 da Superintendência Municipal de Trânsito e Transporte é claramente ofensivo ao princípio constitucional da publicidade vez que cerceia o direito as informações solicitadas em requerimento nº 23074150 de autoria do redator desta monografia.

Concluímos, portanto, que não há meios administrativos cabíveis para a obtenção de informações necessárias à ampla defesa e ao contraditório nos processos administrativos movidos pelo cidadão contra atos praticados pela SMT, restando as vias judiciais para a garantia de tais direitos.


CONCLUSÃO

A presente monografia jurídica buscou demonstrar de forma clara o quão necessário é o respeito aos princípios constitucionais do Contraditório e da Ampla Defesa.

A Lex Fundamentalis do Brasil, datada de 5 de outubro de 1988, resgatou ao país a Democracia, a qual havia sido expulsa por ocasião do império da ditadura militar que assombrou o território nacional por mais de vinte anos.

Nossas Constituições passadas, em sua maioria, referiram-se aos princípios garantidores dos direitos individuais do cidadão, portanto, a preocupação com a preservação de tais normas não é recente, vem de longa data.

Pudemos observar que a conceituação do termo princípio abrange vários níveis entre as áreas de conhecimento, entre elas temos as definições adotadas pelas Ciências Jurídicas.

Com a exposição de vários julgados pelos Tribunais pátrios, observamos quão desgastante é o processo das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Em tratando-se de processo administrativo, nota-se que não há uniformidade em suas decisões, tão pouco demonstra tais processos haver respeito à Constituição Federal, vez que não há a oportunidade de defesa ampla.

As Juntas Administrativas de recursos de Infrações – JARI, entidades criadas pelo Código de Trânsito Brasileiro – CTB, com o objetivo de julgarem os processo administrativos impetrados contra a aplicação de multas de trânsito, carecem de regulamentos e uniformização de suas decisões. Neste ínterim, o cidadão vê-se obrigado a participar de uma ‘roleta russa’ onde as chances de ser o perdedor são grandes. Lesa-se o direito democrático de defender-se amplamente, da mesma forma, lesa-se a garantia maior de contradizer uma acusação que contra si é proferida. Mais ainda, perde-se um pouco do Estado Democrático de Direito,.

A transparência dos atos administrativos é lesada uma vez que o órgão SMT, pertencente à esfera do Poder Executivo, não permite que os cidadãos tenham acesso a documentos que muito pode contribuir para a promoção da defesa ampla.

Talvez aqui exista um paradoxo, pois em recente discussão nacional acerca da reforma da previdência social, o Executivo nacional acusa o Judiciário de ser uma ‘caixa preta’, porém, o que se notou no desenvolver deste trabalho, foi que o Executivo municipal de Goiânia tornou-se de fato uma lacradíssima ‘caixa preta’, onde o cidadão tem o acesso a documentos públicos cerceado por trâmites burocráticos impensáveis e desculpas desconcertantes.

A composição das JARI, por não existir critérios determinantes da competência e qualificação profissional de seus membros, serve apenas para cumprir a lei seca, não vislumbrando a intenção maior da lei, ou seja, o equilíbrio social, vez que não há certeza na relação jurídica ali existente.

O objetivo deste trabalho era indicar a ofensa aos princípios constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditório, por parte do órgão executivo de trânsito de Goiânia, o qual seja, a SMT, contudo, com a criação da Comissão de Defesa Prévia no município de Goiânia, por resolução do Conselho Estadual de Trânsito de Goiás – CETRAN-GO, em julho de 2003, tal objetivo viu-se, em parte, sanado, pois ainda falta longo caminho a ser percorrido a fim de atingirmos a plenitude dos direitos garantidores da aplicação da democracia em nosso país.

Em suma, o objetivo de promover maior oportunidade de defesa aos direitos do cidadão autuado no trânsito de Goiânia encontra dia-a-dia maior reconhecimento por parte dos órgãos oficiais, bem como maior força por parte da sociedade civil organizada.

Assim, concluímos que não devemos, nem tão pouco podemos desanimar ou desistir de lutarmos por um Estado de Direito Pleno, por uma Democracia viva e atuante, refletindo em seu povo os anseios de uma sociedade madura, consciente e cobradora de seus direitos.


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Notas

1 Conforme deduções do texto de Ruy Samuel Espíndola apud Antônio Joaquim Severino, Metodologia de Trabalho Científico. 19. ed. São Paulo : Cortez, 1993. 252 p.p. 146-148.

2 Cf. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1986. p. 1.393.

3 Ibidem.

4 Apud Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional. 5. ed., São Paulo ; Malheiros, 1994. p. 228-229.

5Para uma aproximação desta afirmação, traz-se à colação Genaro Carrió: "La palabra ‘princípio’ se usa em contextos jurídicos com sentidos diversos que espejan tales focos de significación y formam uma familia compleja unida por intrincados lazos de parentresco. Ello ocurre em relación com las distintas actividades que tienen que ver com el drecho. Esto es, com la exposición del misto, con su crítica, justificación y reforma y con su manejo prático". Genaro Carrió. Princípios Jurídicos y Positivismo Jurídico. Buenos Aires : Abeledo-Perrot, 1970, 75 p.

6 Cf. Princípios Constitucionais da Administração Pública, p. 25.

7 Cf. Pontes de Miranda in Comentários à constituição de 1946. Rio de Janeiro, Borsoi, 1960.

8 Ato Institucional nº 5 (AI-5). Anula a própria Constituição de 1967.

9 Jorge Miguel in Curso de direito constitucional. 2. ed. – São Paulo ; Atlas, 1991.

10 Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno. 4ª edição revista, atualizada e ampliada. RT. 2000

11 Apud. Ada Pellegrini Grinover. Garantias do contraditório e ampla defesa, Jornal do Advogado, Seção de São Paulo, n. 175, nov. 1990, p.9

12 Odete Medauar Op. Cit. P. 201

13 CARRIJO. José. Curso de Direito

14 José Cretella Junior – Comentários à Constituição de 1988, volume I. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997

15 Cf. Pontes de Miranda, Comentários, 3ª ed., 1987, Rio, ed. Forense, v. V, p. 235)

16 Supremo Tribunal Federal, em RDA, 73:136

17 Cintra, Grinover e Dinamarco, Teoria geral do processo, 11. ed., 1995, p. 84

18 HONORATO. Cássio Matos. Trânsito, Infrações e Crimes Ed. Millennium, 2000, p. 290/2

19 Apud, Cássio Mattos Honorato, in Trânsito, infrações e crimes. Campinas; Millennium, 2000.

20 Apud. J.J. CANOTILHO op.cit. p. 171



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VELASCO, Leonardo Rodrigues de. A aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo do Código de Trânsito Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 596, 24 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6249. Acesso em: 24 abr. 2024.