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Da dissolução parcial da sociedade por vontade de um dos sócios

Da dissolução parcial da sociedade por vontade de um dos sócios

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Muito já se discutiu a respeito da dissolução da sociedade por vontade exclusiva de um dos sócios, especialmente à época em que vigoravam o artigo 335, 5º do Código Comercial de 1.850 e o artigo 1.399, V do Código Civil de 1.916, ora revogados pelo novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2.002), até que a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a oposição da maioria, interessada em preservar a empresa, deveria prevalecer contra a vontade unilateral do sócio, convertendo-se a dissolução em processo de apuração de haveres com o pagamento, ao sócio retirante, do valor da sua quota baseado no último balanço aprovado, se outro critério não tivesse sido avençado no contrato social, consagrando, assim, a chamada dissolução parcial da sociedade, onde o interesse coletivo fica ao abrigo do capricho ou do interesse real, contrário, de um dos sócios, porque, na sociedade, o interesse de todos é o que deve prevalecer no conflito com o de cada um.

O certo é que ninguém é obrigado a associar-se ou manter-se associado (CF, artigo 5º, XX). Assim, todo sócio tem o direito de retirar-se da sociedade se for de seu interesse pessoal.

Com efeito, a retirada de sócio também é causa de dissolução parcial da sociedade. Este é o direito que o sócio pode acionar a qualquer tempo, se a sociedade de que participa é contratada por prazo indeterminado.

Daí a advertência de Waldemar Ferreira de que "quem contrata sociedade sem determinar o prazo de sua vigência sabe bem o que ajusta: o direito, que assiste a qualquer dos seus consócios, de lhe pôr termo em qualquer momento" (Waldemar Ferreira, Tratado de Direito Comercial, Ed. Saraiva, 1.961, 3º Volume, nº 446, p. 251).

A retirada, neste caso, fica condicionada à notificação aos demais sócios, com prazo de 60 (sessenta) dias, para que se providencie a competente alteração contratual, as quais devem, em conjunto, ser levadas a averbação perante o órgão de registro público competente (Registro Civil das Pessoas Jurídicas, em se tratando de sociedade simples, ou Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo da Junta Comercial, em sendo sociedade empresária). Esta a inteligência do art. 1.029 da Lei nº 10.406/02 (NCC), que, embora esteja inserido no capítulo que trata da sociedade simples, aplica-se também à sociedade limitada. No mesmo sentido, a lição do Prof. Fábio Ulhoa Coelho, em seu Manual de Direito Comercial, Ed. Saraiva, 14ª. Edição, 2.003, p.173.

Como bem adverte Fábio Bellote Gomes, as sociedades por ações não comportam dissolução parcial, visto serem sociedades institucionais e, portanto, o ingresso e a retirada de sócios não interferem na sua existência (Fábio Bellote Gomes, Manual de Direito Comercial, Ed. Manole, 2.003, p. 81).

Somente através da aludida alteração contratual é que se saberá, por exemplo, se o capital social sofrerá a correspondente redução, face a retirada do sócio, a qual só não acontecerá se os demais sócios suprirem o valor de sua quota.

Vale observar que, independentemente do pagamento dos seus haveres sociais, o arquivamento do ato societário de sua retirada (alteração contratual), no órgão registral, já o coloca na condição de ex-sócio.

Para o Prof. Modesto Carvalhosa, a denúncia unilateral do contrato de sociedade guarda alguma semelhança com a exclusão de sócio, mas com ela não se confunde. Na exclusão (artigo 1.085 do NCC), os sócios majoritários é que decidem excluir o minoritário da sociedade com base em atos de inegável gravidade que tenha este praticado e que ponham em risco a continuidade da mesma. Já na denúncia unilateral (artigo 1.029 do NCC), é o sócio quem pede seu desligamento da sociedade. Esta denúncia será vazia, ou desmotivada, se a sociedade for por prazo indeterminado, ou cheia, baseada em justa causa a ser provada judicialmente, se a sociedade for por prazo determinado, tendo fundamento no já citado artigo 5º, XX da Lei Maior.

Ainda de acordo com o mestre, e, confirmando, inclusive, o que foi dito anteriormente, nas sociedades limitadas por prazo indeterminado, o sócio poderá denunciar unilateralmente o contrato de sociedade, obtendo extrajudicialmente seu desligamento. Para tanto, deverá, a qualquer tempo, manifestar aos demais sua vontade de deixar a sociedade, sem necessidade de indicação do motivo, mediante notificação enviada com prazo mínimo de 60 (sessenta) dias, findos os quais deverá realizar-se a assembléia ou reunião de quotistas na qual se deliberará o desligamento do sócio, procedendo-se à respectiva alteração do contrato social. Feita a notificação e não realizado o conclave no prazo fixado, o sócio que promoveu a notificação estará legitimado a intentar ação judicial para obter a resolução parcial da sociedade, e seu desligamento com o recebimento de seus haveres.

Há quem sustente, outrossim, que a retirada do sócio somente é de ser aceita quando feita de boa-fé (um dos princípios norteadores da novel legislação civil pátria), em tempo oportuno e notificada aos demais dois meses antes, qual estatuía o artigo 1.404 do Código Civil de 1.916 (José Waldecy Lucena, Das Sociedades Limitadas, Ed. Renovar, 5ª. Edição, 2.003).Portanto, ao contrário do que se poderia pensar, a regra do artigo 1.029 do novo CODEX não é nenhuma novidade. A observância dos requisitos da boa-fé e da oportunidade torna-se especialmente relevante quando o sócio retirante exerce, também, a administração da sociedade.

Clovis Bevilaqua, ao comentar o artigo 1.405 do Código Civil revogado proclamava que o mesmo definia dois casos de renúncia inoportuna: 1. quando as coisas não estivessem em seu estado integral, ou seja, quando as operações se achassem, apenas, iniciadas, ou estivesse pendente alguma delas, cuja conclusão muito importava à sociedade; e, 2. se a sociedade pudesse ser prejudicada com a dissolução, naquele momento. E apontava um terceiro caso, declarado, segundo ele, no art. 1.374: renúncia feita menos de dois meses do termo do ano social (Clovis Bevilaqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, Ed. Rio, Edição Histórica, 3ª. Tiragem, 1.979).

De todo o exposto, conclui-se que a notificação, cuja finalidade é prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de direitos e manifestar a intenção do sócio de deixar a sociedade de modo formal, tal como exige o citado art. 1.029, não tem, s.m.j., o condão de transformar-se no instrumento hábil que demonstre, notadamente em relação a terceiros, que o notificante não mais pertence ao quadro social. Daí a necessidade da apresentação da competente alteração de contrato social, ou, considerando-se a inércia dos sócios remanescentes, que poderiam ter optado pela extinção da sociedade, da decisão judicial que decrete a sua dissolução parcial, sendo certo que somente depois de averbados um desses documentos (alteração contratual ou decisão judicial) é que o órgão registrador poderá, através de certidão, certificar que aquela pessoa não é mais sócia da sociedade da qual fazia parte.


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SIQUEIRA, Graciano Pinheiro de. Da dissolução parcial da sociedade por vontade de um dos sócios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 608, 8 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6404. Acesso em: 27 abr. 2024.