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A responsabilidade civil nas sociedades empresárias

A responsabilidade civil nas sociedades empresárias

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O presente artigo aborda a responsabilidade civil empresarial e as teorias dessa responsabilidade, que são a teoria ‘ultra vires’ e a teoria da aparência, bem como sua aplicação aos casos concretos nos dias atuais.

1. INTRODUÇAO

No Direito Empresarial Brasileiro existem diversas formas de sociedade, mas independente da forma da sociedade, como regra geral, a sociedade empresarial pode ser classificada como a reunião de pessoas exercendo profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços com o objetivo de lucro.

A sociedade empresarial é um contrato plurilateral que visa organizar a pessoa jurídica de direito privado e é tutelada por diversas formas no direito pátrio, como a conservação da empresa, defesa da minoria societária, autonomia de vontade, liberdade de contratar, responsabilidade societária, entre outros.

Nas palavras de Maria Helena Diniz:

“A empresa, como vimos, é uma instituição jurídica despersonalizada, caracterizada pela atividade econômica organizada, ou unitariamente estruturada, destinada à produção ou circulação de bens ou de serviços para o mercado ou à intermediação deles no circuito econômico, pondo em funcionamento o estabelecimento a que se vincula, por meio do empresário individual ou societário, ente personalizado, que a representa no mundo negocial”.[1]

Ao tratarmos da responsabilidade dos sócios, as sociedades empresarias são divididas de algumas formas, são elas: sociedade limitada, sociedade anônima, sociedade simples, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e sociedade em comandita por ações. Euando se trata da personificação, há outros dois tipos, sendo eles: a sociedade em comum e a sociedade em conta de participação.

Nos dias atuais, no Brasil, a sociedade empresária, em sua grande maioria, assume duas das formas previstas em lei, são elas a sociedade limitada e a sociedade anônima.

 Quanto à Responsabilidade Civil dos seus sócios, são os administradores que na maioria dos casos praticam os atos pela sociedade, esses administradores podem ser sócios ou não sócios da sociedade. Todavia, nem sempre tais administradores agem dentro de seus poderes, surgindo a discussão se, nesse caso, o ato poderá ser imputado à sociedade ou apenas aos administradores.

Dessa maneira, é muito importante que se analise qual a responsabilidade civil das sociedades empresárias, pois, impõem-se ao responsável pelo dano o dever de sua reparação e à parte prejudicada o direito subjetivo de ser indenizada.

A teoria adotada pelo Código Civil de 2002 foi a teoria “ultra vires”. Tal teoria afirma que a sociedade não se vincula se os atos foram evidentemente estranhos ao objeto social, portanto, qualquer ato praticado em nome da pessoa jurídica, por seus sócios ou administradores, que ultrapassasse seus poderes, é nulo.

A aplicação desta teoria de forma absoluta gera um conflito entre o interesse da sociedade e dos terceiros, portanto, há entendimento em sentido contrário, o qual defende que a sociedade deveria estar vinculada perante terceiros de boa-fé, pelos atos praticados pelo administrador, proibidos pelo contrato social, ou mesmo estranhos a este. Nesse caso, a sociedade responderia perante terceiros e, posteriormente, entraria em regresso contra o administrador, sendo que apenas a má fé do terceiro deveria excluir a responsabilidade integral da sociedade.


2. A SOCIEDADE EMPRESÁRIA

O Direito Empresarial é ramo do Direito Privado que disciplina o exercício de atividade econômica organizada. A livre iniciativa é um dos valores básicos do capitalismo, sendo considerada como princípio fundamental do Direito Empresarial, já que a atividade econômica organizada geralmente surge da iniciativa de um particular. A própria Constituição Federal de  1988 elege a livre iniciativa como um dos fundamentos da ordem econômica brasileira.

A atividade empresarial é imprescindível para que a sociedade tenha acesso aos bens e serviços dos quais necessita.

Auferir lucro é a principal motivação do empresário, e para isto, ele necessita de proteção jurídica para o seu investimento, além do reconhecimento da empresa privada como polo gerador de empregos e de riquezas para a sociedade.

 A liberdade de concorrência também é um princípio previsto na Constituição Federal, em seu art. 170.

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I- soberania nacional;

II- propriedade privada;

III- função social da propriedade;

IV- livre concorrência;

V- defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII- redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII- busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - NEGATIVA DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO DE FARMÁCIA - FUNDAMENTO NA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL QUE IMPEDE A INSTALAÇÃO DE DROGARIAS EM DESATENDIMENTO À DISTÂNCIA MÍNIMA DE DUZENTOS METROS DE ESTABELECIMENTOS CONGÊNERES - INCONSTITUCIONALIDADE - INDEVIDA RESTRIÇÃO À LIVRE INICIATIVA E À LIVRE CONCORRÊNCIA - SEGURANÇA CONCEDIDA - SENTENÇA CONFIRMADA. É irregular a negativa administrativa de expedição de alvará de funcionamento de farmácia em razão da limitação legal de instalação de novas drogarias com distância inferior a duzentos metros de outros estabelecimentos do mesmo ramo, eis que encerra restrição desarrazoada à livre iniciativa e à livre concorrência. Inteligência da Súmula nº. 646 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes”.[2]

Nas palavras de Maria Helena Diniz:

“São, dentro outros, fundamentos da República Federativa brasileira: a livre-iniciativa e de qualquer atividade econômica organizada, a livre concorrência; o respeito à propriedade privada e à sua exploração, observada a sua função social (CF, arts.5°, XIII, XXIII, 170, II a IX e parágrafo único, e 186) e os valores sociais do trabalho. Por isso, o contrato ou estatuto social deverá perseguir a função econômica e a social, exigidas pelo art.421 do Código Civil, mero corolário do princípio constitucional da função da propriedade e da justiça, norteador da ordem econômica. O art.421 institui, expressamente, a função social do contrato, revitalizando-o para atender a interesses sociais, limitando o arbítrio dos contratantes, para tutelá-los no seio da coletividade, criando condições para o equilíbrio econômico-contratual, facilitando o reajuste das atividades ou das prestações e até mesmo sua resolução. E o empresário (individual ou coletivo) deverá acatar o princípio da boa-fé objetiva (CC, art.422), para assegurar condições mais justas na execução da atividade econômica organizada. Pela teoria da função social da empresa, o empresário e a sociedade empresária deverão ter o poder-dever de, no desenvolvimento de sua atividade, agir a serviço da coletividade. A propriedade empresarial deverá atender à função social, exigida pela Carta Magna (arts.5°, XXII, 182, p.2°, e 186); por isso o empresário deverá exercer sua atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços no mercado de consumo, de forma a prevalecer a livre concorrência sem que haja abuso de posição mercadológica dominante, procurando proporcionar meios para a efetiva defesa dos interesses do consumidor e a redução de desigualdades sociais”.{C}[3]

No Brasil existem órgãos públicos que têm por objeto a defesa da concorrência, em especial, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que assegura a liberdade nos mercados, evitando domínio excessivo.

A propriedade privada é elencada também pelo art. 170 da Constituição como um princípio da ordem econômica, e sua defesa é pressuposto do regime capitalista de livre mercado, assim como o princípio da preservação da empresa, tal princípio levou a alterações legislativas, e a principal alteração legislativa foi a criação da Lei n. 11.101/2005, que regula a falência e recuperação de empresas, tal lei é importante, pois a circulação de bens movimenta a economia do país, gerando emprego e renda.

As principais normas que regem a atividade empresarial estão no Código Civil, no art. 966 ao art. 1.195, além do Código Civil, temos ainda algumas importantes leis que regulamentam a matéria empresarial, como a Lei n° 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação de Empresas), Lei Complementar n° 123/2006 (sobre microempresas e empresas de pequeno porte), Lei n° 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações) e Lei n° 8.934/1996 (Lei do Registro de Empresa), também há tratados internacionais que tratam de matéria empresarial, bem como alguns usos e costumes mercantis.

Podemos dizer ainda que as normas civis são fontes subsidiárias do Direito Empresarial, pois o Direito Civil é ramo residual por excelência no Direito Privado[4], e por isso, na falta de norma especificamente aplicável à atividade empresarial, tenta-se encontrar solução nas normas civis, principalmente nos campos das obrigações e dos contratos.

A codificação napoleônica[5] dividiu claramente o Direito Civil do Direito Comercial, onde de um lado havia os interesses da nobreza fundiária, e do outro lado havia os interesses da burguesia. O Direito Comercial surge na condição de ramo especializado do Direito Privado, portanto, existia a necessidade de delimitar seu objeto, ao qual seria aplicado o regime jurídico especial destinado a regulamentar as atividades mercantis, então, para solucionar tal entrave foi criada pelos doutrinadores franceses a Teoria dos Atos de Comércio.

Tal teoria delimitou a atividade comercial baseada em uma lista de atos considerados de natureza comercial, portanto, se não houvesse relação com esses atos, tais relações seriam regidas pelo Direito Civil e não pelo Direito Comercial, deixando a atividade mercantil de vincular-se apenas a pessoas, tendo regulamento específico, passando do critério subjetivo para o critério objetivo, ou seja, não importava mais quem desenvolvia a atividade mercantil, mas qual era a atividade mercantil desenvolvida.

A Teoria dos Atos de Comércio foi adotada por quase todas as codificações ocidentais do Século XIX, até mesmo pelo Código Comercial Brasileiro de 1850, que definiu comerciante como: “aquele que exercia a mercancia de forma habitual, como sua profissão”, sendo que o Regulamento n° 737, de 1850, definiu o que era mercancia.

Com o novo Código Civil na Itália (em 1942), surge a Teoria da Empresa, segundo essa teoria, o Direito Comercial não se limita a regular as relações jurídicas em que ocorra a prática de determinado ato definido em lei, mas sim uma forma específica de exercer atividade econômica: a forma empresarial, portanto, desde que a atividade fosse exercida empresarialmente, estaria submetida às normas do Direito Empresarial.

Com a superação da Teoria dos Atos de Comércio e adoção da Teoria da Empresa, o termo empresa termina sendo absorvido com o sentido técnico jurídico de atividade econômica organizada.

Portanto, passa a ser considerado que empresário é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada, e que estabelecimento empresarial é o complexo de bens usados para o exercício de uma atividade econômica organizada.

O Código Civil de 2002 adotou a Teoria da Empresa, segundo a qual a empresa corresponde à atividade econômica organizada para a produção ou para a circulação de bens ou de serviço. A empresa é atividade, e quem a exerce é empresário, seja uma pessoa natural ou um conjunto de pessoas. O Art.966 do CC/02 preconiza:

“Art.966 - Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”[6].

Empresário (pessoa) é aquele que exerce empresa (atividade), portanto, podemos considerar que só será empresário aquele que exercer atividade econômica de forma profissional, de forma habitual, portanto, aquele que não exerce atividade econômica de forma habitual, não pode ser regulado pelo regime jurídico empresarial. 

Não obstante a intenção de lucro, o empresário também assume os riscos da atividade, pois é o empresário quem articula os fatores de produção, como capital, mão de obra, insumos e tecnologia, organizando as pessoas e os meios para alcançar os objetivos de sua empresa, se não houver tal organização, não poderemos falar no exercício de atividade empresarial.

A atividade empresarial pode acarretar prejuízos e não lucros, por isso, o empresário assumirá também o risco de eventuais prejuízos.

É importante ressaltar, que no Brasil, há a possibilidade de ser empresário sozinho, sendo que o empresário individual também é legalmente protegido.

A atividade empresarial poderá ser exercida tanto pela pessoa física, quanto pela pessoa jurídica. Em se tratando de pessoa física teremos o chamado empresário individual, enquanto a pessoa jurídica é chamada de sociedade empresária.

Portanto, os sócios que integram a sociedade empresária não são empresários, neste caso, empresário é a própria sociedade. A sociedade tem personalidade jurídica, e é titular de direitos e obrigações.

O empresário é gênero, do qual são espécies a sociedade empresária e o empresário individual.

A sociedade empresária possui patrimônio distinto do dos sócios que a integram, o empresário individual, não possui distinção patrimonial.

Entretanto, a Lei n. 12.441/2011, criou no Brasil a figura da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), que goza da distinção patrimonial conferida à sociedade empresária e ao mesmo tempo possui apenas uma pessoa como sócio.

A atividade empresarial, como regra, poderá ser exercida por pessoa civilmente capaz. O civilmente capaz pode praticar atos sem assistência, enquanto os absoluta e relativamente incapazes podem praticar atos por meio da representação ou da assistência. 

O Código Civil prevê como exceção, a emancipação do menor púbere, que possuir estabelecimento comercial, desde que este lhe forneça economia própria, portanto, apesar de menor de idade, será considerado plenamente capaz perante a lei.

“Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II- pelo casamento;

III- pelo exercício de emprego público efetivo;

IV- pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria”.

Ainda como exceção, pode o relativa ou absolutamente incapaz dar continuidade a atividade empresarial e não início a esta, mediante determinadas situações.

“Art.974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança”.

A continuidade da empresa dependerá sempre de autorização judicial, sendo que o incapaz deverá ser representado ou assistido, os bens do incapaz que já existam antes que ele assuma a continuidade da empresa ficaram protegidos dos riscos provenientes da atividade empresarial.

Necessita, porém, certificar-se de que o incapaz não possua poderes de administração, e que o capital esteja completamente integralizado.

Embora plenamente capazes, algumas pessoas não podem exercer atividade empresarial em razão de outras situações, como por exemplo, o  falido, Magistrados  e  membros  do  Ministério  Público.

Os Deputados e Senadores não podem ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada, conforme Constituição Federal, além disso, os servidores públicos da União são proibidos de exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário.

O exercício da atividade empresarial de forma irregular não é isento das obrigações contraídas, além das sanções administrativas cabíveis. Por fim, não há proibição do exercício de atividade empresarial por parte do analfabeto, mas este necessitará de procurador alfabetizado.

Não é considerado empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com a ajuda de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. As sociedades simples ou uniprofissionais são constituídas por profissionais intelectuais e seu objeto é a exploração de suas profissões. 

Portanto, o que definirá uma sociedade como simples ou empresária será o seu objeto social, ou seja, o conjunto das atividades às quais a sociedade se dedica. Tal regra possui duas exceções, a cooperativa que será sempre sociedade simples e a sociedade por ações que será sempre empresária.

A principal obrigação imposta pela lei ao empresário é sua inscrição no Registro Mercantil, tal registro está previsto nos arts. 967 e 970 do Código Civil de 2002.

“Art.967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade”.

“Art. 970. A lei assegurará tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes”.

O registro visa dar publicidade, segurança, garantia, autenticidade e eficácia aos atos jurídicos das empresas, cadastrando aquelas que estejam em funcionamento no país, sejam elas nacionais ou estrangeiras.

Tal obrigação deve ser exercida antes do início da atividade empresarial, o empresário é obrigado a inscrever-se no Registro Público de Empresas Mercantis, mas a falta da inscrição não lhe retira a condição de empresário e sua submissão ao regime jurídico empresarial.

A sociedade empresarial não registrada será considerada como sociedade em comum, e os sócios responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade.

O domicílio do empresário, é definido por seus atos constitutivos, por ocasião do registro na Junta Comercial, a Súmula 363 do STF determina que  a  pessoa  jurídica de  direito  privado  pode  ser  demandada  no  domicílio da agência ou estabelecimento em que se praticou o ato.

“Súmula 363 STF - A pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência, ou estabelecimento, em que se praticou o ato”.

A escrituração contábil, também é obrigação legal imposta ao empresário, este deve manter um sistema de registro dos atos e fatos contábeis, e, anualmente, elaborar duas demonstrações: o balanço patrimonial e o de resultado econômico.

O Livro Diário é considerado obrigatório para todos os empresários.

Os livros empresariais possuem eficácia probatória, porém tal força probante é relativa, e poderá ser afastada por documentos que contradigam seu conteúdo.

“Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico”.


3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA

Os contratos fazem parte da atividade empresarial, o empresário para que possa desenvolver seu negócio, celebra contratos assiduamente.

Os contratos são mecanismos jurídicos por meio dos quais nascem vínculos jurídicos entre dois ou mais sujeitos de direito que corresponde ao acordo de vontades, capaz de criar, modificar e/ou extinguir direitos e/ou obrigações entre as partes que os celebram, são também considerados como negócios jurídicos, que podem ser bilaterais ou plurilaterais.[7]

Os contratos celebrados pelo empresário podem ter cinco modos distintos e dependem do regime jurídico que será aplicado a eles, podem ser: do consumidor, comercial, administrativo, do trabalho e civil, portanto, as normas a serem aplicadas são regidas de acordo com quem celebra o contrato com o empresário.

Os contratos empresariais em sentido estrito (aqueles firmados entre dois empresários) podem estar sujeitos ao Código Civil ou ao Código de Defesa do Consumidor.

O Código Civil de 2002 gerou uma unificação legislativa, versando no mesmo diploma legal das disposições aplicáveis ao Direito Empresarial e ao Direito Civil. Em se tratando de direito obrigacional aplica-se esse instituto do Direito Civil tanto aos contratos cíveis quanto aos mercantis, tais normas estão disciplinadas no Título V do Livro I da Parte Especial, dos arts. 421 ao 480.

Há ainda, espécies de contratos sujeitas à mesma disciplina legal, podendo ser qualificados como cíveis ou empresariais, a depender das situações nas quais foram concluídos, a exemplo do contrato de compra e venda, que pode ter natureza empresarial ou cível.

No Direito Empresarial deve haver liberdade de contratação maior, pois, tais contratos, em regra, são paritários[8]{C}.

A autonomia da vontade nos contratos empresariais deve ser resguardada, desde que se respeite a função social do contrato, que consta no art. 421 do Código Civil, bem como deve ser respeitada a ordem pública e os bons costumes.

“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

A autonomia da vontade pode ser analisada ainda sob dois aspectos: a liberdade contratual, enquanto, possibilidade de definir o conteúdo do contrato e a liberdade de contratar, enquanto escolha de celebrar ou não o contrato.

O consensualismo que nada mais é que a manifestação de vontade das partes é fundamental no Direito Empresarial para estabelecer o vínculo contratual, não necessitando em regra de qualquer outra condição, pois, alguns contratos, além do consentimento, também exigem a entrega de coisa.

A relação contratual produz efeitos apenas entre as partes, estendendo-se também aos seus herdeiros, salvo quando o contrato é personalíssimo, além disso, a relação firmada não deve ser ampliada para além do objeto do contrato, excepcionalmente, alguns contratos podem produzir efeitos em relação a terceiros estranhos este, como no caso do contrato de seguro em favor de terceiro.

A teoria da aparência versa sobre situações nas quais o contratante de boa-fé age de acordo com uma situação aparente, mas não verdadeira, nesse caso há discussão sobre os efeitos jurídicos que essas obrigações geram.

A doutrina é pacífica na aplicação da teoria da aparência, no âmbito do Direito Empresarial, em hipóteses como a de excesso de mandato ou de continuação de mandato encerrado ou, ainda, nos contratos de representação, quando o representante se desvia da vontade do representado.

O contrato depois de celebrado torna-se obrigatório entre as partes (pacta sunt servanda), não sendo possível, em regra, a alteração unilateral das condições acordadas.

A exceção se dá pela chamada teoria da imprevisão (cláusula rebus sic stantibus), relativizando a obrigatoriedade do contrato, conforme preconiza o art. 478 do Código Civil, nos contratos empresariais tal cláusula deve ser aplicada com maior parcimônia do que nos contratos de outros ramos do Direito. 

“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

O princípio da boa-fé é basilar no ordenamento jurídico e utilizado em larga escala no direito empresarial, ainda mais quando se fala em responsabilidade civil empresarial, este deve ser aplicado à interpretação do contrato, e não se deve permitir que o que está escrito prevaleça sobre a real intenção das partes contratantes. Em outro ângulo, tal princípio preconiza um dever geral de boa-fé aplicável às partes contratantes, no Código Civil há vários artigos que se relacionam com este princípio, vejamos:

“Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.

“Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa- -fé e os usos do lugar de sua celebração”.

“Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente”.

 “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

“Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”.

 “Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la”.

“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

“Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato”.

“Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”.

Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro (exceptio  non  adimpleti  contractus), regra prevista no art. 476 do Código Civil, ou seja, não é possível  exigir  o cumprimento  da  obrigação da outra  parte  se  a sua própria obrigação não foi cumprida.

“Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.


4. DOS ADMINISTRADORES

O administrador é o indivíduo que tem por atribuição a gerência da sociedade, seja ela ilimitada ou limitada, no mais, o administrador atua como órgão da própria sociedade.

É dever dos sócios a escolha do administrador da sociedade, que poderá ser eleito singularmente, ou mais de um administrador, sendo que este administrador terá como incumbência o desempenho e comando da atividade negocial e também a representação societária.

Segundo Fábio Ulhôa Coelho, o sócio tem o direito de intervir na administração da sociedade e a fiscalizá-la, vejamos:

“Administração da sociedade – o sócio da sociedade contratual tem o direito de intervir na administração da sociedade da sociedade tem o direito de intervir na administração da sociedade, participando da escolha do administrador, da definição da estratégia geral dos negócios etc. É claro que a vontade da minoria societária não prevalecerá em confronto com a da maioria, mas é assegurado a todos os sócios o direito de participação nas deliberações sociais”.

“Fiscalizar da administração – o sócio tem o direito de fiscalizar de o andamento dos negócios sociais, especificando a lei duas formas de exercício deste direito: exame, a qualquer tempo ou nas épocas contratualmente estipuladas, dos livros, documentos e do estado de caixa da sociedade (CC, art. 1.021); e prestação de contas aos sócios pelos administradores (CC, art. 1.020), na forma prevista contratualmente ou no término do exercício social”.

Na sociedade limitada e na sociedade simples comum, poderá figurar como administrador o sócio ou terceiro que não seja sócio, conforme o artigo 1.019, parágrafo único, do Código Civil de 2002.

“Art. 1.019. São irrevogáveis os poderes do sócio investido na administração por cláusula expressa do contrato social, salvo justa causa, reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios”.

“Parágrafo único. São revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos a sócio por ato separado, ou a quem não seja sócio”.

Porém, na sociedade em nome coletivo (art. 1.042 CC/02) e na sociedade em comandita simples (arts. 1.046 e 1.047 CC/02), o administrador deverá ser sócio, em especial na sociedade em comandita simples, o administrador deverá ser o sócio comanditado.

“Art. 1.042. A administração da sociedade compete exclusivamente a sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes”.

“Art. 1.046. Aplicam-se à sociedade em comandita simples as normas da sociedade em nome coletivo, no que forem compatíveis com as deste Capítulo”.

“Art. 1.047. Sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações, não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado”.

Ao administrador da sociedade é exigido que no exercício de suas funções, tenha a diligência e o cuidado que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios, conforme preconizado pelo art. 1.011 CC/02.

“Art. 1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”.

É importante destacar, que há restrições de caráter subjetivo a quem pode ser administrador ou não de sociedade empresária.

Não poderá ser administrador: aquele que tiver sido condenado por crimes que impliquem na perda de idoneidade para fins de representação da pessoa jurídica, sendo que é incompatível com o exercício da função de administrador de sociedade tal indivíduo, como por exemplo: aquele que esteja impedido de ter acesso a cargos públicos, que foi condenado pela prática de crime falimentar, de crimes contra a economia popular, contra as relações de consumo, contra a fé pública e entre outros de mesma natureza e consequências.

Tais crimes retiram a inidoneidade da pessoa em relação a atos jurídicos que devem ser praticados perante terceiros e que exigem comportamento probo, digno de boa-fé.

Apesar do impedimento com relação ao exercício de administração e gerência da sociedade, o indivíduo condenado pode ser sócio, porém, não poderá possuir poderes de representação, pois os administradores de sociedade são nomeados pelo contrato social, e tais poderes são delegados pelos sócios, e suas atribuições são igualadas ao do mandato, uma vez que omisso o contrato da sociedade, se aplicam as normas deste instituto.

O artigo 1.011, § 1º do CC/02, preconiza aqueles não podem ser nomeados como administradores.

“Art.1011, § 1º - Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação”.

A sociedade poderá escolher o sócio-gerente. No antigo Código Civil (1916), obrigatoriamente o gerente deveria ser sócio, porém no Código Civil de 2002, o administrador não necessariamente precisará ser sócio, com algumas exceções a depender do tipo de sociedade.

O contrato social não poderá se omisso com relação à figura do administrador, devendo especificar quem será o administrador ou até mesmo atribuir poderes de administração a todos os sócios sem distinção.

Pode o contrato social nomear administrador em seu próprio estatuto, o que não prejudicará eventual destituição posterior, uma vez permitido pelo contrato social, a maioria do capital social, pode destituir o sócio administrador, porém, se omisso com relação à destituição, o quórum de deste será pela maioria de dois terços do capital social.

Porém se o administrador não for nomeado pelo contrato social, o quórum de destituição será da maioria do capital social, conforme preconizado pelo artigo 1.063, § 1º do Código Civil de 2002.

“Art. 1.063. O exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em qualquer tempo, do titular, ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato separado, não houver recondução.

§ 1o Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa.

§ 2o A cessação do exercício do cargo de administrador deve ser averbada no registro competente, mediante requerimento apresentado nos dez dias seguintes ao da ocorrência.

§ 3o A renúncia de administrador torna-se eficaz, em relação à sociedade, desde o momento em que esta toma conhecimento da comunicação escrita do renunciante; e, em relação a terceiros, após a averbação e publicação”.

Aos administradores incumbem os deveres de diligência e lealdade, sendo que será o próprio contrato social que definirá a competência e os poderes conferidos ao administrador.

Uma vez omisso o contrato social, poderá o administrador praticar todos os atos que sejam pertinentes à gestão da sociedade (art. 1.015 do Código Civil/02), tais atos de gestão devem ser analisados conforme o caso concreto, de acordo com a empresa a ser administrada.

“Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.

Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:

I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;

II - provando-se que era conhecida do terceiro;

III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade”.

No Brasil, a constituição mais corriqueira de sociedades, são as estabelecidas de forma personificada e com responsabilidade limitada, as sociedades limitadas e as sociedades por ações se destacam entre elas, e apesar de possuírem diferenças, no tocante à responsabilidade de seus acionistas, sócios ou administradores, são quase idênticas, a regra é a limitação da responsabilidade destes, pois, responderão pessoalmente pelas dívidas da empresa apenas de forma excepcional.

O administrador responde em nome da sociedade representada, e se os atos praticados estiverem dentro do limite dos poderes atribuídos ao administrador vinculará à sociedade administrada, porém, não haverá vinculação ao administrador.

Na sociedade anônima, o administrador da companhia não será pessoalmente responsável pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, desde que o administrador tenha sido diligente em seus atos, porém, o administrador da sociedade anônima, responderá de forma solidária, pessoal e ilimitadamente com relação às obrigações trabalhistas contraídas pela companhia, quando houver comprovação de insolvência advinda de cisão, mesmo que parcial, desde que ausente justa causa comprovada, porém, neste caso, deverá haver a desconsideração da personalidade jurídica.

Não pode o administrador receber de terceiros, sem autorização, qualquer vantagem pessoal, em razão do desempenho de suas funções, sendo-lhe vedado participar de atos que conflitem com seus interesses pessoais em atenção à lealdade e boa-fé.

No mesmo sentido, o administrador deve requer autorização do conselho de administração ou assembleia geral quando os atos importarem em custas a companhia, como por exemplo, empréstimo de máquinas da companhia.

O administrador responderá ilimitadamente em caso de caracterização de desvio de finalidade, abuso de personalidade jurídica ou pela confusão patrimonial, portanto, se atuar dentro do preconizado no contrato social ou conforme a lei, o administrador não terá responsabilidade civil pessoal, pois a solidariedade nascerá quando agir contra a lei ou o contrato, conforme artigo 1.016 do Código Civil.

“Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções”.

Tal artigo (1.016 CC) dispõe que os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros quando estes forem prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções, não apenas quanto aos atos ilícitos (art. 43 CC/02), mas também nos atos culposos que gerem danos à sociedade ou a terceiros.

Não será o administrador responsabilizado pelos atos ilícitos de outros administradores, exceto, se com eles for convivente, negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixe de agir para evitar sua prática.

“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.

O administrador dever ter o cuidado e a diligência que um homem ativo e probo costuma utilizar na administração de seus próprios negócios, ausente esses requisitos, estará caracterizada a sua culpa.

O Código Civil de 2002 preconiza situações nas quais o administrador responderá civilmente perante a sociedade, mesmo não tendo agido com dolo ou culpa, ou seja, serão hipóteses de responsabilidade presumida, vejamos:

O administrador responderá por perdas e danos perante a sociedade, quando realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria, ou seja, será responsabilizado quando realizar atos em desacordo com a maioria, não sendo imperioso para a caracterização de sua responsabilidade que saiba com certeza estar agindo em desacordo com a maioria, pois, a responsabilidade é presumida na forma de que deveria saber e não apenas que de fato sabia ser contrário a maioria (segundo art. 1.013, § 2º do novo Código Civil).

“Art.1.013, § 2º - Responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria”.

Os atos dos administradores, portanto, devem ser realizados com a aprovação da maioria do capital social, preferencialmente a termo, se estes de alguma forma ultrapassarem os limites de seus poderes ou comprometerem o patrimônio da sociedade, o que gerará responsabilização pessoal do administrador ante a ausência da aprovação ou desaprovação dos sócios para a prática daqueles atos.

Os administradores responderão de forma solidária por culpa no desempenho de suas funções perante terceiros e a sociedade que sejam levados a prejuízos pelos seus atos, ou seja, há responsabilidade do administrador pelos prejuízos causados com culpa.

O administrador também responderá com seus bens particulares quando contrair com imperícia, negligência ou imprudência dívidas ou obrigações, e será responsabilizado de forma mais grave quando dolosamente tiver causado o prejuízo.

Quando agir com culpa, a responsabilidade do administrador será solidária e ilimitada, se agir em conjunto com outro administrador, ou se sua prática/fiscalização couber a mais de um administrador, estes serão responsabilizados solidariamente.

Por isso, é importante constar no contrato social, se houver mais de um administrador, a delimitação das atribuições, competências e poderes de cada um deles de forma específica e quais serão suas responsabilidades dentro da sociedade, para que um administrador não seja responsabilizado por eventual ilícito cometido por outro administrador ou até mesmo por sócio.

O Código Civil de 2002 foi inovador ao abrir a possibilidade de administrador que não seja sócio nas sociedades limitadas, que poderá ser eleito em ato separado ou no próprio contrato social.

Se o administrador for nomeado em ato separado, deverá averbar tal instrumento perante a Junta Comercial, pois será responsável pessoal e solidariamente com a sociedade, com relação aos atos que praticar antes de promover a averbação de tal nomeação perante a Junta Comercial (segundo art. 1.012 do novo Código Civil).

“Art. 1.012. O administrador, nomeado por instrumento em separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade”.

Para a utilização de bens da sociedade, o administrador deverá solicitar consentimento escrito dos sócios, porém, se o administrador mesmo não possuindo tal consentimento aplicar bens sociais ou créditos para proveito de terceiros ou próprio, será obrigado a restituir estes a sociedade, ou lhes pagar o valor equivalente, incluídos os lucros resultantes, e indenizar eventual prejuízo, segundo o art. 1.017, caput.

“Art. 1.017. O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade, ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá.

Parágrafo único. Fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação”.

O administrador não deverá realizar atos que confrontem com seus interesses particulares, devendo ser punido caso tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, participe na sua deliberação, portanto, será responsabilizado o administrador-sócio que participar de deliberação em que tenha interesse que possa resultar em vantagem própria e em prejuízo da Sociedade. (segundo art. 1.017, parágrafo único);

4.1. Término da administração

O término da administração empresarial se dará pela morte, interdição de uma das partes, revogação ou renúncia do mandato, inabilitação do mandante para atribuir poderes ou inabilitação do mandatário para exercê-los, pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio, conforme o artigo 682 do Código Civil de 2002.

“Art. 682. Cessa o mandato:

I - pela revogação ou pela renúncia;

II - pela morte ou interdição de uma das partes;

III - pela mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer;

IV - pelo término do prazo ou pela conclusão do negócio”.

O Administrador poderá renunciar a qualquer momento o cargo quando não quiser mais desempenhar os poderes nos quais está investido, tal condição se dá pelo Princípio da Renúncia, ainda que haja prazo determinado para o desempenho de tais poderes, ele poderá se valer de tal Princípio, porém, haverá sua responsabilidade civil pelo tempo não cumprido, que será convertido em indenização por danos contratuais e danos extracontratuais.

Se o Administrador foi contratado sem tempo determinado, ele poderá exercer o direito de renúncia de forma plena, sendo uma faculdade sua o fazer, não necessitando justificar sua saída.

Portanto, tendo em vista a atividade desempenhada pelos administradores, de grande liberdade de decisão e responsabilidade para a sociedade empresária, esses poderão ter afetados os seus bens particulares em razão das dívidas da sociedade, assim como os seus sócios, se ficar configurado o abuso da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou confusão patrimonial em sua atuação como administrador da empresa.

As medidas que o Código Civil atribuiu aos Administradores da sociedade empresária foram muito importantes para evitar que o cargo de administrador seja um obstáculo para a sua responsabilização civil, seja ele sócio ou não, o que acaba por proteger moralmente e patrimonialmente as empresas.


5. DO PREPOSTO E DO GERENTE

Os prepostos do empresário são colaboradores temporários ou permanentes da sociedade empresária, e podem ter ou não vínculo empregatício com esta. Tais prepostos praticam atos em nome da empresa, agindo mediante delegação e em nome do preponente.

Os papéis desempenhados pelos prepostos são importantes no desenvolvimento da atividade empresarial, posto que são auxiliares do empresário e da sociedade empresária, pois eles substituem estas, mediante a delegação de poderes que lhe é direcionada, agindo como se fossem a própria empresa.

Não é possível que uma única pessoa desempenhe todas as funções dentro de uma empresa, que possui várias áreas, portanto, parcelas de funções são transferidas a certos funcionários com uma parcela maior de responsabilidade e autonomia para a realização de atos negociais específicos.

“O empresário individual ou coletivo, para o bom desempenho da atividade econômica, conta, na relação de preposição, com auxiliares técnicos ou jurídicos (prepostos) a ele vinculados por contrato de trabalho, por cessão de mão de obra, por prestação de serviço terceirizado etc., que, podendo ter várias funções, atuam nos diversos setores do estabelecimento, na gestão, na contabilização, em juízo etc.

A preposição é o contrato pelo qual o empresário ou sociedade (preponente) admite, permanentemente ou temporariamente, alguém (preposto), havendo, ou não, vínculo empregatício em seu estabelecimento, para gerir seus negócios, cumprir determinadas obrigações, praticar atos negociais e assumir certo cargo em seu nome, por sua conta e sob suas ordens. Daí o caráter personalíssimo da preposição, pelo qual os prepostos são investidos por “mandato” do preponente para uma dada função”.[12]

O mandato de preposição é em regra, remunerado, e sua forma pode ser verbal ou escrita, o mandante aqui chamado de preponente outorga poderes ao mandatário, aqui chamado de preposto, para que realize negócios relativos com os atos empresariais em seu nome, sob sua dependência e vigilância.

Os prepostos poderão ser empregados assalariados e subordinados hierarquicamente ao empresário, possuírem trabalho interno ou externo, e podem também não ter nenhuma subordinação hierárquica ao empresário e trabalharem apenas de forma externa.

O preposto responderá de forma personalíssima caso não obtenha autorização por escrito do preponente, conforme preconiza o art. 1.169 do CC/02.

“Art. 1.169. O preposto não pode, sem autorização escrita, fazer-se substituir no desempenho da preposição, sob pena de responder pessoalmente pelos atos do substituto e pelas obrigações por ele contraídas”.

Ao preposto é defeso em regra, efetuar negócios em concorrência com o preponente, salvo se houver autorização expressa, tal disposição é chamada cláusula de não concorrência e prevista no art.1.170 do CC/02, a violação da exclusividade fará o preposto indenizar o preponente por perdas e danos, e estes serão retidos pelo preponente dos lucros da operação.

“Art. 1.170. O preposto, salvo autorização expressa, não pode negociar por conta própria ou de terceiro, nem participar, embora indiretamente, de operação do mesmo gênero da que lhe foi cometida, sob pena de responder por perdas e danos e de serem retidos pelo preponente os lucros da operação”.

A entrega de papéis, bens ou valores ao preposto possuem presunção de regularidade, salvo se estes foram protestados ou se o prazo para tal ainda não esteja precluso, conforme o art. 1.171 CC/02.

“Art. 1.171. Considera-se perfeita a entrega de papéis, bens ou valores ao preposto, encarregado pelo preponente, se os recebeu sem protesto, salvo nos casos em que haja prazo para reclamação”.

Aos prepostos é aplicada a Teoria da Aparência, uma vez que os preponentes serão responsáveis por todos os atos, praticados por estes desde que sejam dentro de seus estabelecimentos e concernentes à atividade da empresa, mesmo que estes não estejam autorizados por escrito, porém, se os atos forem praticados fora do estabelecimento, estes só vincularão o preponente se estiverem especificados por escrito no mandato de preposição, conforme o art.1.178 do CC/02.

Se houver excesso de poderes, os prepostos responderão pessoalmente pelos danos causados ao preponente e a sociedade empresária.

“Art. 1.178. Os preponentes são responsáveis pelos atos de quaisquer prepostos, praticados nos seus estabelecimentos e relativos à atividade da empresa, ainda que não autorizados por escrito.

Parágrafo único. Quando tais atos forem praticados fora do estabelecimento, somente obrigarão o preponente nos limites dos poderes conferidos por escrito, cujo instrumento pode ser suprido pela certidão ou cópia autêntica do seu teor”.

Os atos culposos praticados pelo preposto serão de responsabilidade do preponente, sendo que caberá a ação em regresso contra o preposto pelo preponente, já pelos atos dolosos praticados perante terceiros pelo preposto, será solidária a responsabilidade do preponente e do preposto, conforme o art. 1.177, p.u. do CC/02.

A modificação ou revogação do mandato deverá ser arquivada e averbada no Registro Público de Empresas Mercantis.

“Art. 1.177. Os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por aquele.

Parágrafo único. No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos”.

A expressão gerente pode ter mais de um significado no Direito Empresarial, a depender do contexto fático da sociedade empresária, podendo, designar o sócio que é nomeado pelo contrato social, da administração da sociedade limitada ou o gerente que pode ser “não estatutário”, que é contratado pelos sócios, e sua atuação se dará mediante a fiscalização destes.

O Gerente é o preposto permanente que responde pelas incumbências de representação da empresa, com competência de decisão para a celebração de atos negociais, conforme o art. 1.172 do CC/02, ele é um preposto facultativo, e só será necessário na ausência de sócios que não desempenhem poderes de representação. O gerente será o empregado, que possui subordinação ao administrador ou titular da sociedade empresária.

“Art. 1.172. Considera-se gerente o preposto permanente no exercício da empresa, na sede desta, ou em sucursal, filial ou agência”.

A transferência de poderes do sócio para os gerente é feita mediante procuração, haverá situações em que será necessária a outorga de poderes especiais, como no caso compra e venda de bens imóveis, porém, em regra, não serão necessários poderes especiais.

O gerente estará autorizado por lei a exercer todas as ações necessárias ao exercício dos poderes que lhe foram outorgados, e se tais poderes forem conferidos a mais de um gerente, a responsabilidade destes se dará de forma solidária, exceto se houver estipulação em sentido contrário, conforme o art. 1.173 do CC/02.

“Art. 1.173. Quando a lei não exigir poderes especiais, considera-se o gerente autorizado a praticar todos os atos necessários ao exercício dos poderes que lhe foram outorgados.

Parágrafo único. Na falta de estipulação diversa, consideram-se solidários os poderes conferidos a dois ou mais gerentes”.

Para que a restrição dos poderes do gerente possa ser oposta a terceiros, a sociedade deverá promover o arquivamento e averbação da nomeação ou destituição do gerente na respectiva Junta Comercial (art. 1.174).

Não realizada a averbação, só terá efeito perante terceiros os atos realizados com excesso de poderes pelo gerente, se o terceiro tinha conhecimento dos limites dos poderes a ele outorgados, agindo então de má-fé (não aplicação da teoria da aparência), porém, tal conhecimento deverá ser comprovado para que vincule o terceiro.

“Art. 1.174. As limitações contidas na outorga de poderes, para serem opostas a terceiros, dependem do arquivamento e averbação do instrumento no Registro Público de Empresas Mercantis, salvo se provado serem conhecidas da pessoa que tratou com o gerente.

Parágrafo único. Para o mesmo efeito e com idêntica ressalva, deve a modificação ou revogação do mandato ser arquivada e averbada no Registro Público de Empresas Mercantis”.

O gerente responderá de forma solidária com o preponente pelos atos que praticou em seu próprio nome, mas à conta deste, conforme o art. 1.175 do CC/02.

“Art. 1.175. O preponente responde com o gerente pelos atos que este pratique em seu próprio nome, mas à conta daquele”.

Ao gerente é permitida a representação judicial e extrajudicial pelas obrigações advindas do exercício de suas funções em nome da empresa, conforme o art. 1.176 do CC/02.

“Art. 1.176. O gerente pode estar em juízo em nome do preponente, pelas obrigações resultantes do exercício da sua função”.


6. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

A empresa possui grande interesse social e a limitação do patrimônio na atividade empresarial é uma das grandes proteções que se dá ao seu sócio e estímulo à economia, pois, uma vez que a responsabilidade deste é limitada apenas ao patrimônio da empresa, resguardados os seus bens particulares, a atividades empresarial pode desenvolver-se de forma mais rápida e eficiente, pois, a atividade negocial possui riscos, e o instituto da limitação das responsabilidades mitiga tal riscos.

A pessoa jurídica e a pessoa natural podem com essa proteção existirem em paralelo, sem que uma afete a outra, em razão disto, a teoria adotada pelo Código Civil foi a afirmativista da realidade técnica[13] – da pessoa jurídica (art.45 CC/02), e por tal razão, há o Princípio da Autonomia Patrimonial, que preconiza a distinção do patrimônio da pessoa jurídica da das pessoas naturais que a compõem.

“Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”.

Como o surgimento da Pessoa Jurídica, surge a personificação, ainda que abstrata de entidades que ganham personalidade e capacidade jurídica, tais entidades podem ser tanto de Direito Público como o Estado, os Municípios, quanto de Direito Privado, como associações particulares e empresas.

A personalização destes entes atua com a finalidade de distinguir as suas atividades próprias das atividades de seus membros e assim surgir a sua autonomia patrimonial e decisória com vínculos próprios, fomentando o mercado.

A pessoa jurídica pode trazer diversos riscos para a sociedade que com ela realiza negócios e também para os seus sócios, por tal razão, para que sejam instituídas, devem passar pelo crivo legal, atendendo aos seus requisitos legais para sua formação e extinção, e também devem seguir a lei na forma com que desempenham suas atividades.

Um dos requisitos legais essenciais para a formação da Pessoa Jurídica encontra-se atualmente no Art. 45 do Código Civil de 2002, que é a obrigação de registro do ato constitutivo em órgão público específico a depender do caso.

A natureza das pessoas jurídicas é considerada como uma ideia, cujo sentido é partilhado pelos membros de uma comunidade que a utilizam na composição de seus interesses, é o ordenamento quem transforma um conjunto de pessoas naturais em uma coligação juridicamente independente e autônoma.

Porém, muitas vezes a proteção da personalidade jurídica conferida a essas pessoas jurídicas, é utilizada para fraudar a lei e ocultar situações não aceitas no nosso ordenamento, portanto foi criado o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, para que tais ilícitos não mais ficassem impunes frente à limitação da responsabilidade civil da pessoa jurídica.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem seu surgimento na Inglaterra, mas seu desenvolvimento foi na Alemanha e nos Estados Unidos.

Com o passar do tempo, começou-se a perceber que nem todos os atos praticados sob o véu da personalidade jurídica eram lícitos e de boa-fé, portanto, foi necessário desenvolver algum instituto que pudesse coibir tais práticas e que pudesse “penetrar” no véu de proteção da personalidade jurídica, assim, os responsáveis poderiam ser responsabilizados, e os terceiros poderiam ser indenizados.

Portanto, com esse objetivo, o direito Norte-Americano, cria a doutrina da “disregard of legal entity”.

A partir desse instituto, passa-se a desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, se esta praticar abuso de poder, ato ilícito, infração de disposição legal ou viola norma estatutária.

Atendidos os requisitos legais, esse instituto visa permitir que os bens particulares dos sócios fossem alcançados pelas obrigações por eles contraídas, visando, responsabilizar seus sócios, portanto, o juiz, afasta a personalidade jurídica da pessoa jurídica no caso concreto, superando sua autonomia patrimonial, para afetar o patrimônio particular dos sócios.

O objetivo da desconsideração não é anular os atos constitutivos da sociedade, mas tornar ineficazes os atos praticados em descumprimento à função social da empresa, devendo este instituto ser utilizado de forma extraordinária quando verificados eventos danosos praticados a terceiros, pois se deve sempre preconizar a preservação da personalidade jurídica e de responsabilidade de forma autônoma.

O art.50 do Código Civil de 2002 preconiza os requisitos que devem ser preenchidos para a utilização da desconsideração, sendo que estes possuem um cunho objetivo e um cunho subjetivo.

“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

O requisito objetivo será configurado quando houver ausência de patrimônio na pessoa jurídica quando esta for devedora, já o requisito subjetivo, consistente na intenção que seus sócios e/ou administradores tiveram ao realizar determinados atos considerados abusivos, tais atos preconizados no Código Civil de 2002, como o desvio de finalidade ou confusão patrimonial através da fraude ou do abuso de direito.

Tais requisitos devem ser preenchidos de forma cumulativa, ou seja, deve preencher tanto o requisito objetivo quanto o requisito subjetivo, além disso, no caso concreto, deve-se demonstrar que a conduta do sócio foi culposa ou a que a sua intenção foi abusiva ou fraudulenta ao valer-se dos bens da sociedade para fins distintos daqueles admitidos em lei.

A desconsideração da personalidade jurídica, ainda foi dividida em duas teorias: a “Teoria Menor da Desconsideração” e a “Teoria Maior da Desconsideração”, e a depender do ramo de direito estudado, cada uma delas é utilizada de forma diferente, apesar de derivarem de um radical comum, que é o de desconsiderar a personalidade jurídica, estas possuem requisitos distintos para a sua configuração.

O Código Civil de 2002 adota a “Teoria Maior da Desconsideração”, tal teoria prevê requisitos objetivos para sua configuração, sendo que é necessária a comprovação de efetiva fraude, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, e não apenas que haja a insolvência da pessoa jurídica, só quando preenchidos os requisitos objetivos, poderá haver a responsabilidade dos sócios e administradores.

A “Teoria Menor da Desconsideração” é principalmente adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, de acordo com essa teoria, basta a comprovação do estado de insolvência da pessoa jurídica para que os sócios e administradores possam ser responsabilizados em sua esfera particular mesmo que ausente a comprovação quanto à existência de dolo ou culpa, tal teoria é utilizada como exceção, uma vez  que o ordenamento jurídico Brasileiro adota, em regra, a “Teoria Maior da Consideração”.

Como a promulgação de Novo Código de Processo Civil pela Lei n° 13.105, de 16 de março de 2015, já não se faz necessária ação autônoma para a desconsideração da personalidade jurídica, pois, o anterior Código de Processo Civil, preconizava que ao juiz não seria possível desconsiderar a separação entre a pessoa jurídica e seus integrantes se não fosse via ação judicial autônoma, com caráter cognitivo, movida pelo credor da sociedade contra os sócios ou seus controladores, portanto, o patrimônio particular dos sócios e administradores, com relação às dívidas da pessoa jurídica, só poderiam ser atingidos após sentença judicial confirmatória.

Portanto, o atual Código de Processo Civil, criou capítulo específico sobre “Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica” (Título III, Capítulo IV), que foi promovido à modalidade de intervenção de terceiros, o que extingue a ideia de ação autônoma para configuração de desconsideração de personalidade jurídica.

A legitimidade para instauração do incidente de desconsideração foi outorgada a parte e ao Ministério Público, quando este possuir interesse na causa, conforme o art.133 CPC.

“Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo”.

O que se conclui desse artigo, é que não há possibilidade da instauração de desconsideração da personalidade jurídica de ofício pelo Juiz, por ser o rol de legitimados taxativo, no mais, o art. 133 do CPC coaduna com o art. 50 do CC, que prevê o mesmo rol de legitimados, quais sejam, o interessado e o Ministério Público nas causas em que atuar, seja como parte, ou como fiscal da lei (arts. 178/179 do CPC/15).

“Art. 178 - O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam:

I - interesse público ou social;

II - interesse de incapaz;

III - litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.

Parágrafo único.  A participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público.

Art. 179.  Nos casos de intervenção como fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público:

I - terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo;

II - poderá produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes e recorrer”.

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será cabível poderá ser requerido em todas as fases processuais (art.134 CPC/15), tal instituto também poderá ser utilizada nos Juizados Especiais Cíveis (art.1.062 CPC/15).

“Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.

§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica”.

“Art. 1062. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplica-se ao processo de competência dos juizados especiais”.

Deverá haver a prévia citação do sócio ou da pessoa jurídica, quando requerido tal instituto (art. 134, § 2º, parte final, e art. 135), para evitar a constrição judicial dos bens dos sócios, sem que haja contraditório.

“Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias”.

A instauração do incidente deverá ser comunicada ao distribuidor para o registro, anteriormente a citação, afim de que eventuais ações conexas possam ser distribuídas por prevenção, caso sejam movidas contra o sócio ou administrador a quem se alegou a responsabilidade.

Uma vez deferido o incidente de desconsideração, surgirão diversos efeitos dessa decisão, como a alienação ou oneração de bens, havida em fraude de execução, que será ineficaz em relação ao requerente (art.137 CPC), porém, o terceiro adquirente de boa-fé poderá pleitear o ressarcimento da quantia desembolsada em ação de regresso contra o sócio ou administrador a depender do caso concreto.

“Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente”.


7. AS TEORIAS DA RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL

Os administradores da sociedade empresária são quem presentam a sociedade, pois elas em si não possuem vontade, apesar de possuírem personalidade jurídica, é uma personalidade ficta, pois, em realidade é gerida por seus sócios e administradores, que ditam como essa será conduzida.

“Art. 1.022. A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores  com  poderes  especiais,  ou,  não  os  havendo,  por  intermédio  de qualquer administrador”.

Muito se discute acerca da responsabilidade empresarial, pois, ainda hoje, há divergências sobre como os administradores e sócios são responsabilizados com relação a sua administração, a partir desta celeuma, surgem duas grandes teorias doutrinárias sobre a administração da sociedade, sendo que cada uma delas possui adeptos com argumentos jurídicos que as fundamentam.

No Direito Empresarial, a doutrina majoritária é adepta da ‘Teoria Orgânica’, para este teoria, o administrador não representa a sociedade, mas sim a ‘presenta’, pois em verdade, o administrador é considerado a voz e parte integrante da estrutura da sociedade, portanto, ele a faz presente.

Em contraponto, a doutrina minoritária é adepta da ‘Teoria da Representação’, tal teoria considera que os administradores, são de fato, representantes legais da sociedade, pois são eles que a administram, as representando diante terceiros.

Em razão disso, os administradores não podem ter poder ilimitado para gerir a sociedade, portanto, seus poderes e deveres devem estar preconizados em contrato social, uma vez que, a administração deve ser atribuída a uma pessoa física, já que seria inviável se fosse a uma pessoa jurídica, portanto, poderá ser o sócio ou terceiro o administrador, contanto que seja pessoa física, no mais, há algumas outras restrições e deveres que são preconizados aos sócios, conforme os §§1º e 2° do art. 1.011 do CC/02 preveem:

“Art.1.011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.

§ 1º Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação.

§ 2º Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições concernentes ao mandato”.

Ao administrador é facultada a delegação em certas ocasiões de algumas atividades, porém, ninguém poderá exercer suas funções, pois, o administrador nessa qualidade agirá sempre em caráter personalíssimo, conforme o art. 1.018 do Código Civil.

“Art.1.018. Ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar”.

Normalmente, nas sociedades limitadas, a atribuição da administração é conferida aos seus sócios, se tal atribuição estiver firmada em contrato social e os sócios possuírem poderes de administração em igualdade, quando do ingresso de novo sócio, não será a ele automaticamente atribuído poderes de administração, conforme a regra preconizada no art. 1.060, parágrafo único do CC/02.

“Art.1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado.

Parágrafo único. A administração atribuída no contrato a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade”.

Os administradores podem ser nomeados no contrato social ou em ato separado, sejam eles sócios ou não da sociedade, sendo que a aprovação de administrador não sócio dependerá da aprovação da unanimidade dos sócios se seu capital social não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, se estiver integralizado, conforme o art.1061 do CC/02:

“Art.1.061. A designação de administradores não sócios dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3 (dois terços), no mínimo, após a integralização”.

O contrato social sendo omisso em alguns detalhes sobre a administração, poderá ser suplementado com o art.1013 do CC/02 que é capaz de suprir tais omissões que possam ocorrer quando definidos os poderes e atribuições dos sócios.

“Art.1.013. A administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios.

§1º Se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios, por maioria de votos.

§2º Responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria”.

Uma vez omisso o contrato social acerca dos poderes e deveres dos administradores, ficam estes autorizados a prática de qualquer ato relativo à gestão da sociedade, com exceção da alienação ou oneração de bens imóveis, que só poderão ser realizados se forem o objeto da sociedade.

Com relação aos poderes do administrador, surge a ‘Teoria da Aparência’, que é amplamente aplicada no Direito Empresarial e nas relações jurídicas da sociedade com terceiros, essa teoria preconiza que, em regra, a sociedade empresária deve responder perante terceiros pelos atos práticos pelo administrador inclusive quando praticados com excesso de poderes, com exceção de alguns atos, conforme o previsto nos incisos do parágrafo único do art. 1.015 do Código Civil.

“Art.1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.

Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:

I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;

II- provando-se que era conhecida do terceiro;

III- tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade”.

Os incisos I e II deste artigo, preconizam situações em que há limitação de poder expressa ao administrador, portanto, por esta estar prevista expressamente no contrato social e devidamente averbada, gera eficácia ‘erga omnes’, não podendo o terceiro alegar desconhecimento.

O inciso III, porém, preconiza situação relativa ao próprio objeto da sociedade, nesse caso, estamos diante da ‘Teoria Ultra Vires’, conforme essa teoria haverá presunção de excesso de poderes praticado pelo administrador quando este assume obrigações que sejam estranhas ao objeto social, ou seja, havendo evidente incompatibilidade entre a obrigação jurídica e o objeto da sociedade, o credor deveria observar tal situação, de forma que ficará afasta a responsabilidade da sociedade ante essa obrigação, uma vez que o credor foi displicente.

O Código Civil de 2002 adota a ‘Teoria Ultra Vires’, porém, tal aplicação é criticada pelos doutrinadores, uma vez que eles entendem que é um anacronismo diante da celeridade com que a relações econômicas nos dias atuais são realizadas que o credor seja obrigado a notar a má-fé do administrador que age contrariamente ao objeto social.

Os doutrinadores entendem de forma majoritária que o correto seria a aplicação da ‘Teoria da Aparência’ pois está dá maior segurança jurídica nas relações empresariais, uma vez que tal teoria preconiza que as sociedades devem sim se obrigar perante terceiros com relação aos atos praticados por seus sócios.

Tal entendimento também vem sendo adotado no âmbito jurisprudencial, inclusive com decisões pelo Superior Tribunal de Justiça.

“DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. GARANTIA ASSINADA POR SÓCIO A EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. EXCESSO DE PODER. RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE. TEORIA DOS ATOS ULTRA VIRES. INAPLICABILIDADE. RELEVÂNCIA DA BOA-FÉ E DA APARÊNCIA. ATO NEGOCIAL QUE RETORNOU EM BENEFÍCIO DA SOCIEDADE GARANTIDORA [...]

3. A partir do Código Civil de 2002, o direito brasileiro, no que concerne às sociedades limitadas, por força dos arts. 1.015, § único e 1.053, adotou expressamente a ultra vires doctrine.

4. Contudo, na vigência do antigo Diploma (Decreto n.º 3.708/19, art.10), pelos atos ultra vires, ou seja, os praticados para além das forças contratualmente conferidas ao sócio, ainda que extravasassem o objeto social, deveria responder a sociedade.

5. No caso em julgamento, o acórdão recorrido emprestou, corretamente, relevância à boa-fé do banco credor, bem como à aparência de quem se apresentava como sócio contratualmente habilitado à prática do negócio jurídico.

6. Não se pode invocar a restrição do contrato social quando as garantias prestadas pelo sócio, muito embora extravasando os limites de gestão previstos contratualmente, retornaram, direta ou indiretamente, em proveito dos demais sócios da sociedade fiadora, não podendo estes, em absoluta afronta à boa-fé, reivindicar a ineficácia dos atos outrora praticados pelo gerente.

7. Recurso especial improvido”.

“Art. 1.016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções”.

Portanto, uma vez que o administrador aja com culpa, este será responsabilizado pela sociedade e também perante terceiros.

O terceiro nessa situação poderá exigir pessoalmente do administrador o cumprimento da obrigação, que terá o dever de arcar com ele, porém, se o terceiro cobrar a sociedade, está terá direito de regresso contra o administrador, em clássico exemplo de responsabilidade solidária.

 O art.1017 do CC/02 também preconiza algumas formas de responsabilidade pessoal do administrador, vejamos:

“Art. 1.017. O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade, ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá.

Parágrafo único. Fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação”.

Portanto, conforme esses artigos, o administrador será responsabilizado se agir contrariamente a sociedade, se beneficiando ou beneficiando terceiros em razão de sua posição.

O artigo 1.020 do Código Civil preconiza obrigações aos administradores da sociedade.

“Art. 1.020. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico”.


8. A TEORIA DO ATO “ULTRA VIRES” E A TEORIA DA APARÊNCIA

A teoria “Ultra Vires”, surge na Inglaterra em 1855, em razão das falhas que existiam na administração da sociedade empresária, esta teoria surge com o intuito de minimizar e evitar tais falhas, o ‘leading case’ foi o caso: “Ashtray Railway Carriage and Iron Company Ltd v. Riche”, que teve grande repercussão à época.

Neste ‘Leading Case’, uma empresa chamada "The Ashbury Railway Carriage and Iron Company" foi constituída nos termos do Companies Act de 1862[17], sendo que o seu objeto no contrato social era: "fazer, vender ou emprestar em comércios, carruagens ferroviárias e vagões, e todos os tipos de instalações ferroviárias, acessórios, máquinas e material circulante; para exercer o negócio de engenheiros mecânicos e contratados em geral; para comprar, arrendar, trabalhar e vender minas, minerais, terrenos e edifícios; para comprar e vender, como comerciantes, madeira, carvão, metais ou outros materiais, e para comprar e vender esses materiais em comissão ou como agentes”.

Os diretores desta empresa concordaram em comprar uma concessão para fazer uma ferrovia em um país estrangeiro, e depois concordaram em atribuir a concessão a uma Sociedade Anônima formada naquele país.

O contrato com tal S.A. era fornecer os materiais para a construção da ferrovia e receber pagamentos periódicos da empresa inglesa.

Porém, conforme estabelecido no contrato social da empresa, deveriam fornecer e vender os materiais necessários para a construção de ferrovias, mas não para realizar sua construção.

Portanto, ao instituir que a empresa construiria a ferrovia, os administradores foram contrários ao Contrato Social da empresa, o violando. Em razão desta violação, a Corte Britânica, considerou que este contrato, era objeto estranho ao contrato social da empresa, confirmando a aplicação da Teoria ‘Ultra Vires’, de modo que mesmo o consentimento dos seus acionistas não teria poder para ratificar tal contrato, a Corte Britânica, portanto, considerou nulas todas as obrigações que fossem tidas como estranhas ao objeto social das empresas, consolidando tal entendimento nesse caso.

A expressão “ultra vires” vem da conjugação de duas palavras, sendo que a palavra “ultra” tem o significado de “além”, e a palavra “vires” tem o significado de “força”, em conjunto pode ser traduzida a expressão “ultra vires” como “agir além de suas forças”, ou seja, “agir além de seus poderes”.

A apreensão da Corte Britânica ao adotar a “Teoria Ultra Vires”, se deu pelo fato de que à época abriu-se a possibilidade da separação do patrimônio dos sócios com o patrimônio das empresas, e em razão disto, estavam surgindo muitas empresas com responsabilidade limitada, criando assim diversos problemas, por isso a Corte Britânica começa a preocupar-se, objetivando prevenir prejuízo à economia do país.

Porém, a Teoria “Ultra Vires” passa a ser aplicada de forma muito rígida, o que acaba por prejudicar e gerar um retrocesso na economia, porém, aos poucos no século XX, passa a ser mitigada e ajustada conforme as necessidades da sociedade.

Portanto, a aplicação da “ultra vires doctrine”, passa por três fases:

A primeira fase da aplicação da Teoria “Ultra Vires”, considerava que qualquer ato que fosse praticado a revelia do objeto social deveria ser considerado nulo de pleno direito, sendo a pessoa jurídica responsabilizada por tais atos violadores do contrato social.

Em momento posterior, a segunda fase da aplicação da Teoria “Ultra Vires”, passa-se a considerar que a Pessoa Jurídica por possuir personalidade ficta e não ter controle direito sobre os seus atos, mas que são controladas por seus respectivos administradores, não deve ser punida pelos atos que estes realizem em violação ao objeto social, portanto, as pessoas jurídicas em si, passam a não ser responsabilizadas, nesta fase, a responsabilização recai sobre o administrador da sociedade, que é quem a presenta, essa forma de aplicação da Teoria “Ultra Vires” foi adotada no Direito Brasileiro.

A segunda fase da aplicação da Teoria “Ultra Vires”, possuía uma grande crítica, pois, atingia terceiros de boa-fé, que contratavam com a sociedade e depois não possuíam ações de regresso contra esta, em virtude da responsabilização pessoal dos administradores por aqueles atos.

Portanto, passa-se a analisar a boa-fé de terceiros, possibilitando a exigência da sociedade pelo cumprimento do contrato mesmo que contrariando o objeto social, se o terceiro não tivesse conhecimento da cláusula delimitadora do objeto social e agisse comprovadamente de boa-fé.

Nesse sentido, o Enunciado 219, criado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal determina que:

“Está positivada a Teoria Ultra Vires no Direito brasileiro, com as seguintes ressalvas:(a) o ato ultra vires não produz efeitos apenas em relação à sociedade; (b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de seu órgão deliberativo, ratificá-lo; (c) o Código Civil amenizou o rigor da Teoria Ultra Vires, admitindo os poderes implícitos dos administradores para realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade (...)”.

Em razão desta mitigação da aplicação da Teoria “Ultra Vires”, surge a consagração da “Teoria da Aparência”, que exclui a responsabilidade daquele que presumidamente desconhecia o contrato social da empresa, que age de boa-fé e que poderá responsabilizar diretamente a sociedade pelos atos de seus administradores.

A Teoria “Ultra Vires” foi de tal forma atenuada, que não tem mais aplicação em alguns países Britânicos e dos Estados Unidos da América.

A teoria da aparência tem suas formas mais destacadas partir da década de 1950 no Brasil, e como uns de seus grandes doutrinadores Pontes De Miranda E Orlando Gomes.

Nas palavras de ORLANDO GOMES, este afirma que:

“Manifesta-se, a aparência em relação ao próprio mandato e em relação a um ato praticado pelo mandatário”.

Tal teoria preconiza sobre a gestão em excesso pelos administradores, de atos para os quais não lhes conferem poderes os estatutos, ou o contrato social.

Ainda nas palavras de ORLANDO GOMES, que conclui:

“Entende-se, em suma, que em todas essas situações aparentes devem os terceiros merecer proteção, exigindo-se, apenas, que seu erro, provenha de circunstâncias tais que teriam podido enganar o indivíduo medido”.

A aplicação da Teoria da Aparência no caso concreto deve observar a boa-fé do terceiro, e que tal erro seja escusável de forma que a situação de fato possua aparência de situação de direito em consonância com o ordenamento jurídico.


9. APLICAÇÃO DA TEORIA DO ATO “ULTRA VIRES” E A TEORIA DA APARÊNCIA NO DIREITO BRASILEIRO

 No Direito Brasileiro, é aplicada a Teoria “Ultra Vires”, em sua forma mista, conforme segunda fase de aplicação, na qual há a responsabilização do administrador e não da pessoa jurídica pelos atos praticados fora do objeto social (Arts. 47 e 1.015 do Código Civil de 2002).

“Art. 47. Obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo”.

“Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.

Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:

I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;

II - provando-se que era conhecida do terceiro;

III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade”.

A Teoria “Ultra Vires” só passa a ser aplicada no Direito Brasileiro com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, sendo que o Brasil no século XX não a aplicou, época em que foi largamente aplicada fora do Brasil, tido com o auge de sua aplicação.

Atualmente, a aplicação da “ultra vires doctrine” tem sido relativizada em decisões jurisprudenciais no Brasil, em que pese a previsão expressa do Código Civil de 2002 pela sua aplicação.

Confira-se decisão no Recurso Especial nº 704.546 – DF (2004), com relatoria do Min. Luis Felipe Salomão:

DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. GARANTIA ASSINADA POR SÓCIO A EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. EXCESSO DE PODER. RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE. TEORIA DOS ATOS ULTRA VIRES. INAPLICABILIDADE. RELEVÂNCIA DA BOA-FÉ E DA APARÊNCIA. ATO NEGOCIAL QUE RETORNOU EM BENEFÍCIO DA SOCIEDADE GARANTIDORA.

1. Cuidando-se de ação de declaração de nulidade de negócio jurídico, o litisconsórcio formado no pólo passivo é necessário unitário, razão pela qual, nos termos do art. 320, inciso I, do CPC, a contestação ofertada por um dos consortes obsta os efeitos da revelia em relação aos demais. Ademais, sendo a matéria de fato incontroversa, não se há invocar os efeitos da revelia para o tema exclusivamente de direito.

2. Não há cerceamento de defesa pelo simples indeferimento de produção de prova oral, quando as partes, realmente, litigam exclusivamente em torno de questões jurídicas, restando incontroversos os fatos narrados na inicial.

3. A partir do Código Civil de 2002, o direito brasileiro, no que concerne às sociedades limitadas, por força dos arts. 1.015, § único e 1.053, adotou expressamente a ultra vires doctrine.

4. Contudo, na vigência do antigo Diploma (Decreto n.º 3.708/19, art. 10), pelos atos ultra vires, ou seja, os praticados para além das forças contratualmente conferidas ao sócio, ainda que extravasassem o objeto social, deveria responder a sociedade.

4. No caso em julgamento, o acórdão recorrido emprestou, corretamente, relevância à boa-fé do banco credor, bem como à aparência de quem se apresentava como sócio contratualmente habilitado à prática do negócio jurídico.

5. Não se pode invocar a restrição do contrato social quando as garantias prestadas pelo sócio, muito embora extravasando os limites de gestão previstos contratualmente, retornaram, direta ou indiretamente, em proveito dos demais sócios da sociedade fiadora, não podendo estes, em absoluta afronta à boa-fé, reivindicar a ineficácia dos atos outrora praticados pelo gerente.

6. Recurso especial improvido.

A relativização da “ultra vires doctrine” já é uma realidade na jurisprudência brasileira, pois, em consonância com a boa-fé e aplicação das cláusulas gerais de direito, bem como, a função social dos contratos, tal entendimento traz maior liberalidade para que o julgador possa no caso concreto, aplicar teorias que se amoldem melhor as sociedades empresárias nos dias atuais, e que também acompanhem a rápida evolução destas, ao utilizarem doutrinas mais modernas como a “teoria da aparência”, podendo a análise do magistrado incidir sobre qual doutrina deve ser aplicada no caso concreto ou não.

O posicionamento que vem sido adotado pelos tribunais, pelo abrandamento da “teoria ultra vires” no Direito Brasileiro, tem sido grande destaque em relação a essa matéria, e também encontra grandes adeptos e elogios pelos doutrinadores, uma vez que, não seria razoável que se pudesse preencher todas as lacunas possíveis que surgiriam do contrato social, ou seja, impossível seria que os contratantes pudessem imaginar todas as formas e atos que a empresa e o administrador realizariam em sua gestão, portanto, desproporcional seria que eles pudessem se resguardar por meio do contrato de todas as possíveis violações ao seu patrimônio pessoal.

Portanto, vem o judiciário, através da proporcionalidade e razoabilidade, aplicar o que há de mais moderno em relação à “ultra vires doctrine”, gerando assim uma maior segurança para terceiros e para a própria empresa.

A teoria da aparência não se encontra positivada em nosso ordenamento jurídico de forma expressa, apesar disso, pode ser encontrada de forma implícita em alguns dispositivos que tratam da proteção do terceiro que age de boa-fé, conforme se verifica no artigo 1.015 do Código Civil de 2002.

A teoria da aparência tem sido nos dias atuais aplicada de forma a alcançar a estabilidade social, impedindo que aquele que agiu de boa-fé possa ser prejudicado por terceiros que ostentam ‘aparência’ de agirem com regulares poderes em suas ações, em razão disso, com a evolução do direito privado o reconhecimento da eficácia de atos fundados na aparência devem ser aplicados no Direito Brasileiro.

Nas palavras do Dr. Arnaldo Rizzardo do Direito no Rio Grande do Sul, o qual preconiza:

“As relações sociais se baseiam na confiança legítima das pessoas e na regularidade do direito de cada um. A todos incumbe a obrigação de não iludir os outros, de sorte que, se por sua atividade ou inatividade violarem esta obrigação, deverão suportar as consequências de sua atitude. A presença da boa-fé é requisito indispensável nas relações estabelecidas pelas pessoas para revestir de segurança os compromissos assumidos”.[18]

A boa-fé contratual deve ser exigida, criando responsabilidades e restringindo as nulidades, para que haja confiança nos negócios jurídicos realizados pelas empresas e por seus administradores.

O administrador é a figura que carrega a aparência de titular de um direito, porém, muitas vezes não o é, podendo em alguns casos, aparentar poderes que não possui, e por conta disso, terceiros de boa-fé podem realizar negócios jurídicos com aparência de válidos.

Por isso, importante a aplicação da denominada “Teoria da Aparência”, teoria tal que sustenta a proteção à boa-fé, manifestada através da confiança depositada na aparência.

O STF aplicou a teoria da aparência ao julgar o RE n° 77.814/SP, sendo este o caso paradigma da aplicação, pois, a Primeira Turma, em julgamento de 02/04/1974, com relatoria do Ministro Luiz Gallotti, no caso concreto, tratou-se da responsabilidade empresarial por ato de ex-dirigente que mesmo depois de afastado de sua atividade por impedimento, continuou a administra-la e contrair obrigações com terceiros em nome desta, o que gerou presunção de veracidade perante terceiros quanto aos negócios realizados com excesso de poderes pelo ex-dirigente, pugnando então a Suprema Corte pela aplicação da teoria da aparência ao caso, confira-se:

EMENTA

“TEORIA DA APARENCIA. ACÓRDÃO QUE BEM A APLICOU. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (STF - RE: 77814 SP, Relator: Min. LUIS GALLOTTI, Data de Julgamento: 02/04/1974, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 10-05-1974)”.

“[...] Em relação ao art.121 daquela lei, o recurso assente, a toda evidência, em pressuposto que o acórdão não adotou. Lembra o recorrente que segunda a lei o diretor só faz a sociedade responsável pelos atos que pratica, “quando atua em nome desta”, - e afirma em seguida que no caso o corretor teria vinculado a sociedade, “em ato pessoal seu, em que nenhuma declaração há de que agia em nome da firma que era procurador” (fls.1895). Ora, o acórdão discorre longamente sobre a prova e sobre “as circunstâncias, fatos e indícios” precisamente para decidir que ficou demonstrado o contrário, isto é, que no caso, de acordo com a “teoria da aparência”, o corretor agia em nome da sociedade; e, firmando nesse pressuposto, o acórdão declarou a sociedade responsável pelos atos de Joaquim Pinto Júnior, - com a implícita aplicação do dispositivo que o recurso afirma ter sido demonstrado[...]”.

A 4ª Turma do STJ, por sua vez, em julgamento do RESP n° 12.811, no dia 31/05/1993, com relatoria do Ministro Sálvio De Figueiredo, decidiu, por unanimidade, que:

“A teoria da aparência mostra-se aplicável nos casos em que vendedor, gerente ou pessoa equiparada, por expressa ou tácita permissão do comerciante, vende mercadorias, salvo se comprovado má-fé de adquirente”.

Confira-se a ementa do julgado:

“CIVIL E COMERCIAL. COMPRA E VENDA DE GADO. CONTRATO "FICA". RELAÇÃO DE TRABALHO. MANDATO MERCANTIL. TEORIA DA APARENCIA. RECURSO DESACOLHIDO.

I - O PECUARISTA QUE DE FORMA HABITUAL COMPRA E VENDE GADO COM OBJETIVO DE LUCRO QUALIFICA-SE COMO COMERCIANTE, FICANDO, NESSA CONDIÇÃO, OBRIGADO POR ALIENAÇÃO DE BOVINOS REALIZADA PELO GERENTE-GERAL DA FAZENDA A TERCEIROS DE BOA-FE.

II - O CONTRATO DE TRABALHO, ALEM DE CONSTITUIR E ESTABELECER AS CONDIÇÕES DO VINCULO EMPREGATICIO, PODE, QUANDO CELEBRADO ENTRE COMERCIANTE (EMPREGADOR) E COMERCIARIO (EMPREGADO), REVESTIR-SE DE NATUREZA HIBRIDA (LABORAL E COMERCIAL), CONSUBSTANCIANDO TAMBEM MANDATO MERCANTIL.

III - A TEORIA DA APARENCIA MOSTRA-SE APLICAVEL NOS CASOS EM QUE VENDEDOR, GERENTE OU PESSOA EQUIPARADA, POR EXPRESSA OU TACITA PERMISSÃO DO COMERCIANTE, VENDE MERCADORIAS, SALVO SE COMPROVADO ERRO INESCUSAVEL OU MA-FE DO ADQUIRENTE”.[19]

A aplicação da teoria da aparência se coaduna com as relações jurídicas atuais, uma vez que a sociedade necessita que o direito acompanhe a sua rápida evolução, o crescimento da população e dos negócios jurídicos aumenta dia a dia, o que faz ser importante a forma com estes se apresentam.

Aliado com a boa-fé objetiva e a proteção dos terceiros, a teoria da aparência passa segurança jurídica às relações.

Conforme asseveram também algumas decisões, que aplicaram a Teoria da Aparência:

“RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS PUBLICITÁRIOS. CONTRATO FIRMADO POR PREPOSTO DA AUTORA. TEORIA DA APARENCIA. EMPRESA QUE DEVE SER RESPONSABILIZADA POR ATOS DE SEUS PREPOSTOS. COBRANÇA INDEVIDA NÃO EVIDENCIADA.

1. O funcionário que contratou os serviços da ré em nome da autora (fl. 24) é justamente aquele que atuou como preposto da demandante na audiência de conciliação (fl. 32), o que demonstra agir em nome da parte autora. Assim, plausível concluir-se que, na hipótese, contratou em nome da autora, inclusive utilizando-se do carimbo da empresa requerente (fl. 24). Incide, portanto, a Teoria da Aparência, nas circunstâncias, tendo a demandada acreditado estar contratando com representante da autora que agia em nome e no interesse desta.

2. Ausentes indícios de que tenha ocorrido a alegada cobrança indevida, bem assim coação por parte da ré. Foi o próprio advogado da autora (fls. 19/23) quem solicitou a emissão do boleto bancário para realizar o pagamento contra o qual agora se insurge. E não há qualquer comprovação de que assim agiu sob coação, até mesmo porque, sendo profissional do Direito, sabia da possibilidade de judicialmente buscar eventual determinação para que o nome da empresa autora não fosse inscrito em órgão de devedores, caso efetivamente não tivesse anuído com a contratação.

3. Inexistindo elementos a invalidar o negócio firmado entre os litigantes, deve ser reconhecida a improcedência dos pleitos... contidos na inicial. RECURSO PROVIDO SENTENÇA REFORMADA”. {C}[20]

“DIREITO CIVIL. PAGAMENTO. TEORIA DA APARÊNCIA. CÓDIGO CIVIL, ART. 935. NÃO INCIDÊNCIA NO CASO. RECURSO NÃO CONHECIDO.

I - A incidência da Teoria da Aparência, em face da norma do art. 935 do Código Civil, calcada na proteção ao terceiro de boa-fé, reclama do devedor prudência e diligência, assim como a ocorrência de um conjunto de circunstâncias que tornem escusável o erro do devedor.

II - Se as notas fiscais, nas quais se arrimou o devedor para efetuar o pagamento, expressamente consignavam que o negócio somente seria quitado pela empresa vendedora, lícito não era ao adquirente pagar a concessionária, especialmente quando reconhecidamente insolvente”.[21]

“PROCESSUAL CIVIL. CONSÓRCIO. TEORIA DA APARÊNCIA. LETIGIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA.

A empresa que, segundo se alegou na inicial, permite a utilização da sua logomarca, de seu endereço, instalações e telefones, fazendo crer, através da publicidade e da prática comercial, que era responsável pelo empreendimento consorcial, é parte passiva legítima para responder pela ação indenizatória proposta pelo consorciado fundamentada nesses fatos.

Recurso conhecido e provido”.

“MANDATO. RENÚNCIA INOPERANTE EM RELAÇÃO A TERCEIROS DE BOA-FÉ. TEORIA DA APARÊNCIA.

A situação peculiar do negócio jurídico celebrado ensejou ao tribunal ´´a quo´´ a aplicação do disposto no art. 1.318 do Código Civil, assim como a incidência da Teoria da Aparência.

Imputação de má-fé a terceiros, que exige, todavia, o reexame de matéria probatória, defeso na instancia excepcional (Súmula n. 07/STJ).

Agravo improvido”.

 “PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - PROVA: CERCEAMENTO DE DEFESA.

1. O STJ, quando julga Recurso Especial, está restrito ao exame de teses jurídicas, não podendo analisar provas (Súmula n. 07).

2. Considera-se autorizada a representar a empresa administrativamente aquele que se apresentar ao Fisco como empregado encarregado da contabilidade: Teoria da Aparência (art. 17 do CC e art. 12 do CPC).

3. Para realizar provas em audiência não basta requerer. É preciso demonstrar a necessidade e indispensabilidade das mesmas (art. 330 do CPC).

4. Recurso especial improvido”.

“DUPLICATA. COMPRA E VENDA MERCANTIL. MERCADORIA RECEBIDA NA SEDE DA EMPRESA POR FUNCIONÁRIOS. ALEGAÇÃO DE FALTA DE PODERES DE REPRESENTAÇÃO. TEORIA DA APARÊNCIA.

– Não ofende os arts. 17 do Código Civil de 1916 e o art. 144 da Lei nº 6.404, de 15.12.1976, o julgado que, em face das circunstâncias da causa (recebimento da mercadoria na sede da compradora por seus funcionários, com a participação do ‘supervisor de vendas’) dá prevalência à boa-fé da vendedora e à ‘teoria da aparência’, em oposição ao aspecto meramente formal (empregado desprovido de poderes de representação).

– Pretensão da recorrente, ademais, de modificar a base fática da lide. Incidência da Súmula nº 7-STJ.

Recurso especial não conhecido”.

 “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 267, IV, DO CPC. ART. 535, II DO CPC.

1. Não há violação ao art. 267, IV, c/c o art. 12, VI, do CPC, quando o acórdão, aplicando a Teoria da Aparência na elaboração dos atos processuais, aceita como perfeita representação de pessoa jurídica sem que tenham sido apresentados os estatutos. O fato do outorgante da procuração vir praticando atos contínuos em nome da empresa, defendendo-a até em procedimento administrativo, caracteriza uma presunção que a representa de modo legítimo e tem, portanto, poderes para constituir advogado.

2. Não há violação ao art. 535, II, do CPC, quando o acórdão repele a tese dos embargos, não obstante, ao final, registre que os rejeita. Alegação de fato superveniente que, na verdade, se acolhida, implicaria em desconstituir a decisão, dando-lhe efeito rescisório.

3. Recurso especial improvido”.

Orlando Gomes indica três razões, que fundamentam tal teoria (da aparência):

“1 – para não criar surpresas à boa-fé nas transações do comércio jurídico; 2 – para não obrigar os terceiros a uma verificação preventiva da realidade do que evidencia a aparência; 3 – para não tornar mais lenta, fatigante e custosa a atividade jurídica. A boa-fé nos contratos, a lealdade nas relações sociais, à confiança que devem inspirar as declarações de vontade e os comportamentos exigem a proteção dos interesses jurisformizados em razão da crença em uma situação aparente, que tomam todos como verdadeira” (Transformações Gerais do Direito das Obrigações, Ver. Dos Tribs. São Paulo, 1967, p.96).

Nos negócios, não é possível que se coloque o ônus ao contratante de saber com certeza a quem é a pessoa que com ele está contratando, pois há um milhões de situações que nos ocorrem todos os dias, sendo que não seria possível catalogar todas, e prever suas consequências, portanto, é forçoso que adotemos certa confiança diante dessas situações, sem maiores questionamentos.

Seria muito difícil para as relações que se exigisse a comprovação da qualidade de todos os envolvidos em cada mera situação cotidiana, o que geraria sem dúvida, tumulto e atrasaria tais relações, portanto, há a necessidade que tenhamos a crença daquilo que os outros representam.

Atualmente, o direito brasileiro, tanto em sua jurisprudência quanto em sua doutrina, aceita a “Teoria da Aparência”, porém, há divergência quanto a sua fundamentação quando de sua aplicação, pois, em um momento aparece como proteção à boa-fé de terceiros, e em outro momento aparece fundamentada no erro escusável de terceiro.


CONCLUSÃO

O administrador diligente é aquele que cumpre com os deveres legais e estatutários da empresa que administra, porém, além disso, deve-se observar também o a função social da empresa e o interesse público.

Se o administrador agir em violação a tais deveres, isso lhe acarretará em consequências jurídicas e patrimoniais.

Se o administrador causar prejuízos à sociedade quando desempenhando seus deveres, seja com dolo ou culpa, este responderá civilmente.

Em regra, o administrador será responsabilizado civilmente quando os prejuízos que causou a empresa forem resultado da violação da lei ou do estatuto social.

A regra seria então pela aplicação da “Teoria Ultra Vires”, conforme positivado em nosso ordenamento jurídico no Código Civil de 2002.

Porém, o posicionamento dos tribunais brasileiros, em algumas situações tem se revelado rigoroso quanto às responsabilidades dos administradores, portanto, deve-se ponderar tal entendimento e analisar em quais casos efetivamente o administrador deverá responder pessoalmente quando no exercício de sua administração.

Ainda há certa insegurança jurídica com relação a esse tema, uma vez que não há uniformidade das decisões judiciais, ou seja, na prática, há ainda muitas decisões colidentes.

No entanto, a teoria da aparência, contrapondo-se a teoria “ultra vires”, trata das situações em que o contratante de boa-fé age de acordo com situação aparente, mas não verdadeira.

A discussão, portanto, gira em torno das obrigações criadas em razão desse “engano” pelo terceiro de boa-fé.

O terceiro de boa-fé que contrata com o aparente detentor de um direito não desconhece que somente o proprietário pode dispor de seus bens; o que ele desconhece é que a pessoa que se apresenta como proprietário não seja, em face da lei, o verdadeiro titular. Se o erro é insuperável e genérico, equipara-se, para todos os efeitos, ao erro de fato.

A celeridade e a segurança do comércio, a abundância de negócios corriqueiros que se estabelecem diariamente, os acordos que se avultam constantemente, a dependência da vida a uma vinculação de relações contratuais inevitáveis, entre outros fatores, constituem as causas que induzem atualmente a sociedade a não dar tanta estima ao conteúdo dos atos que realiza, prendendo-o ao aspecto exterior dos eventos que se apresentam.

As necessidades sociais e o interesse público tornam impraticável julgar a situação jurídica exata de uma pessoa ou de um bem, ou se a situação jurídica exterior corresponde, efetivamente, à interior.

Levando em consideração esses fatos, a doutrina é pacífica em aceitar a aplicação da teoria da aparência, no âmbito do Direito Empresarial, em hipóteses como a de excesso de mandato ou de continuação de mandato encerrado ou, ainda, nos contratos de representação, quando o representante se desvia da vontade do representado.

A aparência do direito é uma falsa percepção da realidade, ou seja, aquilo que é falso parece ser real aos olhos de terceiros de boa fé.

Deve-se nesses casos aplicar o Princípio geral da aparência, sendo que se houver alguma tutela específica para aquela situação concreta, é essa que deverá ser utilizada ao invés dos institutos da aparência de direito.

A melhor e mais efetiva aplicação da teoria da aparência do direito, é a que analisa as situações jurídicas concretas caso a caso, sendo de extrema importância que se leve em consideração a boa fé de terceiros, a segurança das relações jurídicas, a escusabilidade de seu erro e as especificidades da situação concreta, que deverá ser analisada em seu todo pelo julgador.

A preservação da segurança das relações jurídicas e o resguardo da boa-fé de terceiros, manifesta-se através da confiança depositada na aparência, e justifica a aplicação da teoria da aparência.

Em comparação as duas teorias, podemos afirmar que, para a teoria ultra vires, o ato praticado fora dos poderes delimitados é nulo e, ao contrário, na teoria da aparência, o ato é válido e obriga a pessoa jurídica, desde que avaliados os requisitos para a sua aplicação, quais sejam, a boa-fé e a escusabilidade do erro.

Da interpretação dos artigos 47 e 1.015 do Código Civil concluímos que há liberdade para a prática de todos os atos pertinentes à gestão da sociedade. O terceiro, todavia, deve ser diligente em seus atos e analisar no contrato social da empresa se existe alguma restrição à prática de determinados atos pelo administrador (inciso I do art. 1.015).

Porém, o inciso II do art. 1.015 do mesmo Código dá azo à aplicação da teoria da aparência invertendo-se à empresa o ônus da prova da ciência da limitação pelo terceiro, e o inciso III do mesmo artigo impõe ao terceiro o ônus da prova da regularidade do negócio.

A teoria ultra vires veio positivada pelo Código Civil de 2002, mas atualmente não tem sido aplicada de forma absoluta pelos Tribunais, assim, o STJ e demais Tribunais brasileiros tem procurado um balanceamento entre a teoria ultra vires e a da aparência, levando em consideração a dinâmica das relações, a segurança dos atos jurídicos e a proteção contrabalançada ao terceiro de boa-fé.

Logo, conclui-se que a aplicação destas teorias deve estar sujeita ao criterioso arbítrio judicial, levando em consideração as circunstâncias do caso concreto, para definir corretamente qual teoria se adequa a cada caso.


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