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A função social da empresa e o princípio da solidariedade social

A função social da empresa e o princípio da solidariedade social

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As empresas precisam cumprir com suas funções sociais, seja porque são constituídas através de contratos sociais, seja porque são propriedades que devem atentar para sua função social, consoante princípios constitucionais.

RESUMO: As empresas precisam cumprir com suas funções sociais, seja porque são constituídas através de contratos sociais, seja porque a empresa é uma propriedade que deve atentar para sua função social. Nesse contexto, a atuação das empresas é pautada pelos reflexos na ordem econômica constitucional e pelos ditames da justiça social, razão pela qual a empresa deve ser solidária com seus empregados, com o meio ambiente, com a sociedade, com os consumidores.

ABSTRACT: Companies must fulfill their social functions, either because they are constituted through social contracts, or because the company is a property that must pay attention to its social function. In this context, the performance of companies is guided by the reflexes in the constitutional economic order and by the dictates of social justice, which is why the company must be in solidarity with its employees, the environment, society and consumers.

PALAVRAS-CHAVE: empresas; função social; ordem econômica constitucional; solidariedade social.

KEY WORDS: companies; social role; constitutional economic order; social solidarity.


INTRODUÇÃO

São as empresas que justificam a ordem econômica constitucional (artigo 170), uma vez que produzem os bens e serviços que suprirão as necessidades da sociedade, geram os postos de trabalho e fazem circular as riquezas. Devido ao papel de destaque que ocupam, o legislador constituinte de 1988 assegurou que a livre iniciativa é um dos fundamentos da ordem econômica. Portanto, o Estado não pode intervir na atividade econômica, apenas fiscalizar e regrar o mercado econômico. Desta forma, o empresário está livre para perseguir aquele que é seu maior objetivo, o lucro.

Numa sociedade capitalista, o lucro é sempre um perigo para os vulneráveis (trabalhadores, consumidores, meio ambiente, comunidade etc). É incontestável que o que motiva alguém a constituir uma empresa e explorar determinada atividade econômica é auferir lucros, e não há nada de ilícito nisso, ao contrário, isso promove o desenvolvimento da sociedade.

Em contrapartida, a empresa precisa cumprir com sua função social, através de seus contratos sociais, os quais têm um papel social perante a sociedade. Do mesmo modo, o estabelecimento onde a empresa funcionará, que é a propriedade do empresário e como tal deve cumprir com a função social da propriedade.

O empresário deve estar atento para minimizar ao máximo os prejuízos causados ao meio ambiente e naquelas hipóteses em que eles foram inevitáveis, deve fazer a contrapartida. Devolver de outro modo ao meio ambiente os prejuízos causados. A empresa precisa ser solidária com todos aqueles que dela necessitam e daqueles que ela se utiliza, pois somente assim todos alcançarão a justiça social.


1. A Empresa e sua Função Social na Ordem Econômica Constitucional e no Código Civil

A Constituição Federal consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois assegura a livre iniciativa as empresas, nos termos dos artigos 1°, inciso IV, e 170. Portanto, o Estado não pode intervir na atividade econômica dos empresários.

Todavia, a ordem econômica constitucional é fundada também na valorização do trabalho humano, cuja finalidade é assegurar a todos uma existência digna, observado os princípios da soberania nacional, da propriedade privada, função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego, o tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

1.1 A Empresa na Ordem Econômica Constitucional

As empresas são instituições econômicas que visam o desenvolvimento das atividades de produção e distribuição de bens e serviços, criam riquezas e utilidades, são disciplinadas pelo direito e pela economia (SACCHELLI, 2013, p. 265).

As empresas atuam com liberdade frente à livre iniciativa, sendo que a intervenção do Estado é realizada como instrumento para alcançar o desenvolvimento econômico e social. O Estado interfere nas atividades econômicas interagindo no mercado, definindo e estabelecendo as regras para maior eficiência dos processos econômicos, mas também como produtor de bens públicos. Essa interferência se opera pela regulação pública da economia, pelo conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionadas, que o Estado, por si ou por delegação, determina, controla ou influencia o comportamento dos agentes econômicos.

Eros Roberto Grau diz que da livre-iniciativa advém à liberdade, considerada desde a perspectiva de resistência ao poder, quanto como reivindicação por melhores condições de vida (liberdade individual e liberdade social e econômica). A liberdade se decompõe em inúmeras espécies: liberdade política, econômica, intelectual, artística, de ensino, de palavra, de ação, etc.  Portanto, não se pode visualizar no princípio tão somente uma afirmação do capitalismo, pois a ordem econômica constitucional deve assegurar a todos existência digna, nos ditames da justiça social (GRAU, 2015, p. 199-200).

A justiça social é que garante a solidariedade social por parte das empresas, assegurando, assim, uma existência mais digna para todos os envolvidos (empregados, consumidores, meio ambiente e a sociedade (comunidade).

1.2 A Função Social da Empresa na Ordem Econômica Constitucional e no Código Civil

A Constituição Federal e o Código Civil determinam que a propriedade terá que cumprir com sua função social, ou seja, o empresário tem o direito de constituir uma empresa sem a intervenção do Estado, mas a sua atuação é pautada pelos ditames constitucionais e civilistas.

1.2.1 A Função Social da Empresa (Função Social da Propriedade) na Ordem Econômica Constitucional

O direito de propriedade é um direito individual que visa proteger o indivíduo, bem como as famílias, de serem proprietários de bens que sirvam para sua subsistência, alcançando-lhes uma existência digna. A empresa, em relação ao empresário, é sua propriedade. A Constituição Federal, nos artigos 5°, inciso XXIII, e 170, reconhece como princípio a função social da propriedade.

Leon Duguit foi o primeiro a defender que a propriedade não deveria existir senão na medida do interesse social, o que deu origem à teoria da função social da propriedade e sua incorporação nos ordenamentos jurídicos da atualidade. O homem vive em sociedade e a sociedade subsiste apenas pela solidariedade que une os indivíduos que a compõe. Por consequência, uma regra de conduta impõe-se ao homem social pela própria força das coisas, e essa regra pode formular-se deste modo: nada fazer que atente contra a solidariedade social sob qualquer das suas duas formas e fazer tudo o que for de natureza a realizar e a desenvolver a solidariedade social mecânica e orgânica (DUGUIT, 2003, p. 19).

Ana Frazão estudando a função social da empresa, enquanto propriedade, diz que não pode ter outra finalidade senão a de estabelecer o compromisso da propriedade e da empresa com a dignidade, ressaltando os deveres que resultam para o proprietário e para o empresário (FRAZÃO, 2011, p. 190).

Portanto, a empresa precisa ser solidária com todos aqueles que dela necessitam (empregados, consumidores, economia), bem como com aqueles que ela se utiliza. Nesse contexto, além dos já citados, acresce-se o meio ambiente, que não pode ser explorado inconsequentemente pelo empresário.

1.2.2 A Função Social da Empresa no Código Civil

As empresas são constituídas através de contratos sociais, que também precisam cumprir com sua função social. O artigo 421 do Código Civil diz que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Os contratantes têm a liberdade de contratar o que for dos seus interesses para o sucesso do negócio jurídico, desde que esta autonomia privada não encontre conflito com as normas da ordem pública, que defendam os interesses da sociedade.

Portanto, os proprietários das empresas têm liberdade para discutir e fixar as cláusulas que estarão presentes em seus contratos sociais, assim como possuem liberdade no momento de explorar a atividade econômica que for dos seus interesses, mas sempre atento ao bem maior, que é bem comum do interesse público, do interesse da sociedade.

É considerada cumpridora da sua função social a empresa que gera empregos, tributos e riqueza, contribui para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atua, de sua região ou do país, adota práticas empresariais sustentáveis visando à proteção do meio ambiente e ao respeito aos direitos dos consumidores. Se sua atuação é consentânea com estes objetivos, e se desenvolve com estrita obediência às leis a que se encontra sujeita, a empresa está cumprindo sua função social; isto é, os bens de produção reunidos pelo empresário na organização do estabelecimento empresarial estão cumprindo com a pretensão do legislador constituinte (COELHO, 2012, p. 81).

A atividade empresarial é um modo de exercício de propriedade privada, talvez um dos mais importantes, pois atinge uma coletividade. As empresas empregam trabalhadores (que sustentam famílias), geram serviços e produzem bens (que movimentam a economia privada e pública), agem sobre o meio ambiente (muitas vezes, o prejudicando). É um universo que compreende o mundo empresarial, mundo este que precisa cumprir com sua função social. A função social da empresa é necessária para sua própria preservação, pois esta tornou-se independente da pessoa do empresário e constituiu-se em uma organização autônoma, com implicações na esfera econômica e social (FACCHINI NETO; ANDRADE, 2016, p. 26).

Assim, a função social não é somente a distribuição do lucro e a consequente riqueza distribuída aos que a ela estão vinculados, a empresa precisa usar os seus direitos para auxiliar na construção de uma sociedade mais justa, solidária e livre.


2 A Função Social da Empresa diante do Princípio da Solidariedade Social

A função social da empresa impõe deveres positivos e negativos, pois é um direito do empresário perseguir o lucro e a empresa precisa ser preservada, pois é fonte de riquezas para todos. Contudo, também deve contribuir para a promoção do emprego, circulação das riquezas e preservação do meio ambiente.

A Constituição de 1988 conformou um modelo de mercado assentado, de um lado, na liberdade de iniciativa econômica, de outro, na valorização do trabalho e na defesa do consumidor, princípios conducentes à consecução de um preciso fim, a construção de uma sociedade solidária (e livre e justa) (MARTINS-COSTA , 2002, p. 620). 

2.1 O Princípio da Solidariedade Social

A solidariedade implica preocupação com o outrem, implica em colaboração nas relações contratuais. A atividade empresarial precisa adotar uma atitude positiva de cooperação e colaboração em favor do interesse alheio para concretização do mandamento constitucional.

Para que a autonomia empresarial atenda ao princípio da solidariedade social é imprescindível que o homem seja o epicentro dos interesses da empresa, não apenas objeto ou considerado como valor econômico-financeiro. Implica o que se pode denominar de princípio da empresarialidade responsável, que é uma diretriz que deve fundamentar toda a atividade empresarial, pois não podem existir empresas sem homens. Aliás, inexiste empresa que produza algo cujo consumo não se dirija, direta ou indiretamente, ao homem. Portanto, é inconcebível que a atividade empresarial não seja banalizada pela diretriz da solidariedade social.

A empresa solidária é aquela que se preocupa com seus empregados; que se preocupa com a sustentabilidade do meio ambiente que ocupa; que se preocupa com o crescimento do município onde esta instalada, muitas vezes recebendo benefícios fiscais. A empresa solidária é aquela que cumpre com sua função social na ordem econômica constitucional.  

2.2 Efeitos que Derivam do Princípio da Função Social da Empresa e o da Solidariedade

Deve ser extraído da noção de função social da empresa um elemento de proteção á própria empresa, uma vez que esta tornou-se independente da pessoa do empresário e constitui-se em uma organização autônoma, com implicações na esfera econômica e social. É necessário criar instrumentos para ser salvaguardada, pelo simples e singelo fundamento de que ela, pela sua própria existência, atua e contribui para a sociedade, gera riquezas, mediante seus vínculos com empregados, fornecedores, consumidores e também na sua relação com a esfera pública, bem como propicia lucro aos seus acionistas e administradores (FACCHINI NETO; ANDRADE, 2016, p. 26).

Ou seja, é função social da empresa, talvez uma das mais importantes, a sua preservação, pois é fonte de emprego, riquezas e crescimento econômico e tecnológico. Para se dar cumprimento aos mandamentos constitucionais (salienta-se a dignidade da pessoa humana; sociedade livre, justa e solidária; alcance ao mínimo existencial; pleno emprego) é imprescindível que a empresa exista e tenha uma vida saudável. O Estado tem a obrigação de auxiliar na preservação das empresas.

2.3 A Função Social da Empresa como Princípio para a Implementação de Deveres Externos 

A função social da empresa constitui um poder-dever para o empresário, no sentido de harmonizar as atividades empresariais com os interesses da sociedade, mediante a obediência de determinados deveres positivos e negativos. Esses são encontrados em inúmeras áreas (Direito Tributário, Direito Empresarial, Economia, Direito e Tecnologia etc.), mas serão analisados apenas as áreas do Direito do Trabalho, Direito do Consumidor, Direito Ambiental  e a cogestão. 

2.3.1 Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho é onde se encontra a maior gama de direitos e deveres das empresas, pois para a execução das atividades empresariais são necessários admitir empregados, fazendo com que a empresa utilize o Direito do Trabalho.  

Consoante artigo 2° da CLT, empregador é quem admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços, assumindo os riscos da sua atividade econômica. Ou seja, a empresa faz uma assunção de riscos em relação aqueles que emprega (Princípio da Alteridade). Nesse ínterim, protegeu-se o empregado também dos negócios que o seu empregador pode realizar (compra e venda, fusão, incorporação etc) e criou-se a figura da sucessão de empresas (artigos 10 e 448 da CLT). Assim, pode o empregador (empresa) ser sucedido no contrato de trabalho por outro empregador (empresa), mas o contrato de trabalho não sofre alterações, uma vez que com o passar do tempo de serviço o empregado obtém vantagens.

Outro aspecto que deve ser mencionado é que através do trabalho, os indivíduos se tornam profissionais, obtém a identidade profissional, que são imprescindíveis para o desenvolvimento de sua personalidade. A empresa precisa auxiliar no desenvolvimento das habilidades e capacidades dos seus empregados, ser solidária. 

2.3.2 Direito do Consumidor

O inciso III do artigo 4º do CDC dispõe que deverá haver compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica. Esse trecho, implicitamente, conduz ao princípio da função social das empresas nas relações de consumo.

Quanto aos deveres no CDC, a empresa tem o dever da responsabilidade por defeitos e vícios do produto (artigo 12 e 18), sendo esta responsabilidade objetiva e no caso do vício de serviço, há solidariedade entre os fornecedores. Outra figura que merece ser mencionada é a desconsideração da personalidade jurídica da empresa (artigo 28, § 5°), que estabelece este mecanismo de tutela do consumidor quando configurado algum entrave para o seu ressarcimento. 

2.3.3 Direito Ambiental

A proteção ao meio ambiente deve ser interpretada de acordo com o artigo 170, inciso VI, combinado com o artigo 225, ambos da Constituição. A atividade empresarial deve assumir deveres positivos em prol do objetivo constitucional, bem como deve estar sujeita a inúmeras limitações tendentes à preservação dos recursos naturais e da chamada sustentabilidade (FRAZÃO, 2011, p. 196).

O Supremo Tribunal Federal já julgou processos envolvendo limitações à livre iniciativa em favor da proteção do meio ambiente, bem como respaldando a legitimidade de imposições de deveres positivos. Citam-se como exemplo a discussão acerca da importação de pneumáticos usados[2] e a cobrança de compensação devida pela implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental, sob o fundamento de que o referido instrumento seria um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômica[3].

Na atual conjuntura socioeconômica, verifica-se o aparecimento de um segmento empresarial que se preocupa em aplicar a ética nas empresas e nos negócios. Se pauta na tripla linha de fundo que pressupõe a conciliação do desempenho econômico, ambiental e social. É a ênfase nos três PPs (pessoas, planeta e lucro) (DALLEGRAVE NETO , 2015, p. 53).

A empresa terá sustentabilidade plena quando for comprometida com sua suportabilidade material (recursos e insumos), mas, acima de tudo, compromisso social perante seus empregados e empresas terceirizadas (principalmente nas questões envolvendo medicina, saúde e segurança do trabalho) e segurança para com os seus parceiros externos (fornecedores e investidores)[4]. Aliados a tudo isso, o produto e o serviço apresentados pela empresa devem ser resultado de tecnologia capaz de ser constantemente aprimorada.

2.3.4 Cogestão

A cogestão é uma possibilidade que os empregados das sociedades anônimas têm de participar das decisões da empresa, consoante artigo 140, inciso IV, da Lei de Sociedade por Ações. Normalmente, a direção das sociedades é competência exclusiva dos sócios; todos os órgãos da sociedade, a começar pelo mais importante deles, a assembleia geral, se estruturam com base nesse princípio. A cogestão reconhece o direito dos empregados de participarem de certas decisões (COUTO E SILVA, 1985, p.  49).  

A cogestão permite que proprietários e/ou administradores estejam à frente da empresa juntamente com seus empregados, compondo a estrutura da empresa. Ou seja, a empresa é administrada pelo capital e pelo trabalho, formando uma única unidade econômica de interesses comuns.

O fato da Lei das Sociedade por Ações fazer tal previsão demonstra a evolução das empresas e os efeitos decorrentes da função social da empresa, inclusive na sua administração. 

2.4 A Função Social da Empresa diante do Princípio da Solidariedade Social

Os princípios do artigo 170 da Constituição estão diretamente associados à função social da empresa. O equilíbrio entre a liberdade empresarial e o igual direito à liberdade dos demais membros da sociedade envolve a questão da justiça social. Os princípios da função social da propriedade e da empresa podem ser considerados como uma forma que a Constituição encontrou de condicionar o exercício da atividade empresarial à justiça social sem ter que recorrer a nenhum compromisso previamente determinado (FRAZÃO, 2011, p. 198-199).

A justiça social deve andar alinhada com a solidariedade que se busca por parte das empresas. Especialmente em um país como o Brasil, onde a pobreza e a miséria impedem parte substancial da sociedade de ter o legítimo direito à autonomia, a função social implica necessariamente a existência de um padrão mínimo de distribuição da riqueza e dos benefícios da atividade econômica.

A livre iniciativa não será legítima enquanto exercida com o objetivo do puro lucro e realização individual do empresário, somente será enquanto propiciar a justiça social, no seu sentido distributivo. Este também é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, na ADI 319, cujo Relator foi o Ministro Moreira Alves, publicado no DJ 30/04/1993.

São vários exemplos de Leis e julgados que entenderem que é função social da empresa auxiliar na justiça social: o STF considerou constitucional a “meia entrada” para estudantes regularmente matriculados em instituições de ensino; a Lei n° 8.899/1994 que concede o “passe livre” aos portadores de deficiência foi considerada constitucional; a Lei n° 8.039/1990 que dispõe sobre o reajuste das mensalidades escolares foi considerada constitucional.

A justiça social é um conceito aberto, que pode ser redescoberto de tempos em tempos, dependendo o contexto social, histórico e econômico que a sociedade vive. A empresa para cumprir com sua principal função social que é obter lucros (gerar riquezas) necessita auxiliar na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Isto é a justiça social. 


CONCLUSÃO

A Constituição Federal, ao disciplinar a ordem econômica, adotou o capitalismo. Na verdade reconheceu que esse era o sistema adotado há décadas, e disciplinou a atuação das empresas, assegurando a livre iniciativa.

Nesse escopo, as empresas atuam com total liberdade e autonomia, incumbindo ao Estado apenas regrar a atuação. Considerando que a ordem constitucional é fundada também na valorização do trabalho humano, cuja finalidade é assegurar a todos uma existência digna, observados os princípios da soberania nacional, da propriedade privada, função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca do pleno emprego, as empresas têm inúmeros deveres externos.

A empresa terá que empregar trabalhadores, cujo trabalho deverá atingir o seu valor social. Ou seja, é a garantia de acesso ao mínimo existencial através do trabalho e que o trabalhador atinja sua autonomia intelectual e desenvolva sua personalidade. O trabalho deve libertar.

Em relação à função social da propriedade, a empresa precisa se estabelecer em um determinado local e, independentemente de sua atividade econômica, deve zelar pela função social de suas atividades e pelo espaço que ocupa. A solidariedade impõe que o empresário não seja egoísta, visando apenas o seu lucro, e que sempre esteja atento para que a atividade explorada auxilie no desenvolvimento da economia e da localidade onde está situada a empresa.

A livre concorrência deve servir para que melhores preços e produtos cheguem aos consumidores. A concorrência deve qualificar o trabalho prestado pelas empresas. As empresas também precisam ser solidárias umas com as outras, seja no sentido de trocarem tecnologias, como não praticarem ilícitos empresariais, como a dumping e os carteis.

Na busca incessante pelo lucro, os direitos do consumidor devem ser observados e preservados. As empresas precisam dos trabalhadores para executarem suas atividades econômicas e dos consumidores para comprarem seus bens ou contratarem seus serviços. Portanto, a relação deve ser pautada pela transparência e boa-fé, inerentes ao princípio da solidariedade social.

Assim, como o meio ambiente não pode ser sacrificado em troca do lucro. Não há como negar que determinadas atividades econômicas desestabilizam o meio ambiente, muitas vezes o destroem, mas deve o empresário fazer compensações e devolver aquilo que retirou. Nesse contexto, é muito bem-vinda as parcerias público-privadas, em que empresas que devastam a natureza para construírem prédios, plantam árvores, adotam praças. 

É indubitável que o ideal seria não prejudicar o meio ambiente, mas, por outro lado, a sociedade precisa dos bens produzidos pelas empresas. Assim, procura-se minimizar os prejuízos e compensar de outra forma. É uma demonstração clara da solidariedade social entre o empresário e a sociedade (Estado) que não proíbe o prejuízo ao meio ambiente, mas determina que compensações sejam adotadas.

No mundo contemporâneo, é preciso olhar com solidariedade para o próximo. Não se pode pretender que a empresa vise apenas lucros, mas, por outro lado, precisa-se buscar mecanismos para que os empresários sobrevivam as crises econômicas, a concorrência acirrada imposta pela globalização, a alta carga tributária imposta pelo Estado. Nesse contexto, o Estado deve ser solidário às empresas com dificuldades econômicas e buscar mecanismos para minimizar problemas relacionados com crises econômicas.

A empresa também precisa ser preservada, uma vez que isso compreende a função social do Direito e o princípio da solidariedade social.

Em que pese a justiça social disposta no artigo 170 da Constituição ser um conceito indeterminado, conclui-se que isto é justiça social: atender a todos que necessitem de ajuda.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa (volume 1). 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

COUTO E SILVA, Clóvis de. O conceito de empresa no direito brasileiro. Revista da Ajuris, n° 37, julho/1985, p. 43-60.

DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Função Social da Empresa como Princípio Constitucional. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. ALVARENGA, Rúbia Zanotelli (org.). Direito do trabalho e direito empresarial: sob o enfoque dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2015.

DUGUIT, Léon. Fundamentos do Direito. Campinas: Editora LZN, 2003.

FACCHINI NETO, Eugênio. ANDRADE, Fábio Siebeneichler de. A Funcionalização do Direito: A Empresa e sua Função Social. STEINDORFER, Fabriccio. MIZUTA, Alessandra (coord.). Limitações constitucionais ao exercício da atividade econômica. Curitiba: Juruá, 2016.

FRAZÃO, Ana. Função Social da Empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e de administradores de S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, 17ª edição. São Paulo: editora Malheiros, 2015.

MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e Solidariedade Social entre Cosmos e Taxis: A boa-fé nas relações de consumo. MARTINS-COSTA, Judith (org.). A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais do direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

SACCHELLI, Roseana Cilião. A livre iniciativa e o princípio da função social nas atividades empresariais no contexto globalizado. Revista da Ajuris, volume  40, n° 129,  março 2013, p. 249-278


Notas

[2] STF-AgR 171, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ 28/02/2008; ADPF 101, com a mesma relatora, DJ 11/03/2009.

[3] ADI 3378, Relator Ministro Carlos Britto, DJ 19/06/2008.

[4] Cita-se como exemplos os casos envolvendo produtos com defeitos; produtos adulterados como já ocorreu com o leite no RS.


Autor

  • Maria Cláudia Felten

    Advogada trabalhista. Doutoranda em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Coordenadora da Pós-Graduação Lato Sensu no Direito da Faculdade Meridional S/A – IMED, em Porto Alegre/RS. Professora da graduação em Direito do Trabalho I e na disciplina de Estágio Supervisionado em Direito do Trabalho no Instituto Metodista Porto Alegre – IPA. Professora convidada da Pós-Graduação Lato Sensu da IMED, UNIRITTER, Verbo Jurídico, Escola Superior da Advocacia – ESA, UNISC e da Universidade de Caxias do Sul - UCS. Autora de livros. Advogada. Palestrante.

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