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Aspectos constitucionais da nova Cofins à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Aspectos constitucionais da nova Cofins à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

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Todos os argumentos pela inconstitucionalidade da cobrança da Cofins são derrubados pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal, em que pese uma luta incansável e criativa dos doutos patronos.

1 INTRODUÇÃO

            O ordenamento jurídico em matéria tributária é caracterizado por um emaranhado de emendas constitucionais, leis ordinárias, leis complementares, medidas provisórias e resoluções que por vezes trazem informações desencontradas e até contraditórias, fazendo com que o operador do Direito tenha que fazer uma verdadeira ginástica mental e legislativa para transitar no universo dos tributos.

            Os tributos podem ser classificados em: imposto, taxa, contribuição de melhoria, contribuição social e empréstimo compulsório. Por sua vez, as contribuições sociais podem ser divididas em três grupos: as contribuições de intervenção no domínio econômico, as contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas e as contribuições da seguridade social.

            As contribuições sociais são caracterizadas pela sua destinação, financiando a atuação da União no setor da ordem social. Dentre as diversas contribuições sociais existentes elegeu-se a COFINS para tentar elucidar e aclarar alguns de seus pontos controversos.

            A cobrança da COFINS está na pauta das discussões atuais por haver sofrido diversas alterações recentemente, dentre elas destaca-se a modificação do sistema de cobrança, que passou de cumulativo para não-cumulativo mas em contrapartida, aumentou a alíquota.

            O aumento na alíquota da COFINS imprimiu um forte impacto na carga tributária, que o contribuinte é obrigado diuturnamente a suportar, fazendo com que o ônus alcance os limites da inviabilidade do prosseguimento da atividade empresarial. De outro lado, significou um alargamento da arrecadação da União, engordando ainda mais os cofres públicos.

            A majoração da alíquota é questionada por todos os advogados tributaristas. Ninguém fica satisfeito quando isso ocorre, com exceção do Governo Federal. É característica própria dos tributos em geral a sua compulsoriedade, ou seja, devem ser pagos independentemente do desejo dos contribuintes. Entretanto, os questionamentos e as irregularidades serão analisados à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sob pena de tornar inócuo o estudo.

            De pouca valia é questionar e insurgir-se contra as medidas adotadas pelo Governo se não há embasamento na Suprema Corte, dado que todas as ações acabam sendo decididas em última instância no Supremo Tribunal Federal. Por isso todos os argumentos pela inconstitucionalidade da cobrança da COFINS são derrubados pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal, em que pese uma luta incansável e criativa dos doutos patronos.

            A seguridade social conforme disposição constitucional deve ser financiada por toda a sociedade, seja de maneira direta ou indireta, assim a cobrança de contribuição social está perfeitamente prevista no ordenamento, podendo ser questionada alguma irregularidade pontual, mas dificilmente terá êxito, se apenas se insurgir contra a sua existência, dado que é uma necessidade "constitucionalmente prevista".

            Buscou-se principalmente no entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da COFINS os fundamentos e delimitações do presente estudo, por ser este o Guardião Supremo da Constituição Federal que por sua vez é a base e razão de todo o ordenamento jurídico nacional.

            Alguns argumentos pleiteando a inconstitucionalidade da COFINS serão expostos ao final do trabalho, entretanto, buscar-se-á desconstituir tais argumentos, pugnando-se pela constitucionalidade da referida contribuição social frente ao ordenamento vigente.


2 DOS TRIBUTOS

            Na definição contida no Código Tributário Nacional, será possível delinear os requisitos necessários para que se configure o tributo. Daquela definição, Sacha Calmon, destacará seus elementos: a) prestação; b) pecuniária; c) compulsória em virtude de lei; d) que não seja sanção de ato ilícito; e) administrativamente cobrado." (1)

            Sempre que em determinada relação jurídica estiverem presentes estes elementos pode-se afirmar que se trata de uma relação jurídica tributária.

            O iminente jurista Paulo de Barros leciona que o vocábulo tributo tem seis significações diversas na doutrina e na jurisprudência, destacando-se:

            a) tributo como garantia em dinheiro; b) tributo como prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; c) tributo como direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) tributo como sinônimo de relação jurídica tributária; e) tributo como norma jurídica tributária; f) tributo como norma, fato e relação jurídica. (2)

            Posteriormente, Barros, comentando a definição dada pelo Código Tributário Nacional explicita que: "esse sentido quer exprimir toda a fenomenologia da incidência, desde a norma instituidora, passando pelo fato concreto, nela descrito, até o liame obrigacional que surge à luz com a ocorrência daquele evento" (3)

            Para Hugo de Brito, aclara da inutilidade de conceituar tributo dado que sua conceituação encontra-se na lei e destaca a importância da expressão "toda prestação pecuniária" pois busca assegurar ao Estado os meios materiais para a persecução de seus objetivos:

            Assim, já agora se mostra de nenhuma utilidade, no plano do direito positivo vigente, o exame dos diversos conceitos de tributo formulados pelos juristas e pelos financistas. Prevalece o conceito legal, resta apenas analisa-lo, examinando os seus diversos elementos. (...) Note-se, porque relevante, que o tributo é toda prestação pecuniária que atenda aos demais requisitos da definição legal. Esta observação é importante para a determinação da natureza jurídica de certas imposições, como as contribuições parafiscais, por exemplo. (4)

            A imposição do tributo e sua cobrança serão sempre compulsórias, não cabendo ao contribuinte discutir se deseja ou não pagar, a compulsoriedade da prestação tributária é inerente ao próprio tributo, caracterizando-se pela ausência do elemento volitivo no suporte fático da incidência da norma impositora, a obrigação tributária surge mesmo que o contribuinte não queira.

            A vinculação na cobrança do tributo ficou bem delimitada nas lições de Paulo de Barros:

            De qualquer forma, ressalta, claro, do conceito de tributo que a cobrança há de ser feita na oportunidade, pela forma e pelos meios estabelecidos na lei, sem que à autoridade caiba decidir se cobra de fulano e deixa de cobrar de beltrano, por este ou por aquele motivo. Ou o tributo é devido nos termos da lei, e neste caso há de ser cobrado, ou não é devido, também nos termos da lei, e neste caso não será cobrado. (5)

            Na mesma toada explana Misabel Derzi ao prescrever que: "os tributos nascem de pressupostos que descrevem sempre fatos lícitos, que são independentes do consentimento do obrigado." (6)

            Os tributos são divididos em espécies, existe muita discussão na doutrina quanto ao número de espécies, para alguns juristas os tributos se dividem em dois: imposto e taxa, é a denominada concepção bipartite (7); para a corrente tripartite (8), os tributos são imposto, taxa e contribuições; a corrente que defende a divisão em quatro espécies (9) assim o faz: imposto, taxa, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios; a classificação mais completa (10) entende que os tributos são: imposto, taxa, contribuição de melhoria, contribuição social e empréstimo compulsório.

            Para o estudo da COFINS, a concepção qüinqüipartida é a que melhor se adequa por classificar a contribuição social como uma espécie separada das demais espécies de tributo, evitando-se confusões com outra espécie.

            2.1 DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

            As contribuições sociais estão previstas na Constituição Federal no Título VIII ("Da ordem social"), onde se afirma o primado do trabalho e se encontram os objetivos do bem-estar e da justiça social.

            A seguridade social, tratada no Capítulo II do mesmo título, é financiada por contribuições sociais e ainda por recursos dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

            As contribuições sociais podem ser divididas em três grupos: as contribuições de intervenção no domínio econômico, as contribuições de interesse de categoria profissionais ou econômicas e as contribuições da seguridade social.

            As contribuições sociais são caracterizadas pela sua destinação, financiando a atuação da União no setor da ordem social. Luciano Amaro (11) elucida bem a destinação das contribuições:

            É a circunstância de as contribuições terem destinação específica que as diferencia dos impostos, enquadrando-as, pois, como tributos afetados à execução de uma atividade estatal ou paraestatal específica, que pode aproveitar ou não ao contribuinte, vale dizer, a referibilidade ao contribuinte não é inerente (ou essencial) ao tributo, nem o fato gerador da contribuição se traduz na fruição de utilidade fornecida pelo Estado.

            A destinação específica da contribuição social não se confunde com a referibilidade ao contribuinte e nem com o usuário do benefício da Seguridade. O contribuinte pode ou não utilizar os serviços da Seguridade, dependendo da ocorrência de determinados eventos, entretanto existem situações em que o beneficiário da Seguridade jamais contribuiu e ainda assim usufrui benefícios.

            Os denominados carentes recebem benefícios pelo simples fato de terem baixa renda e por questão de justiça social, não precisam ter contribuído com o sistema da Seguridade para usufruir os serviços. É o lado assistencial da Seguridade Social.

            As contribuições sociais se enquadram no conceito de tributo porque devem obedecer ao regime jurídico tributário e por expressa previsão legal (12) limitam-se aos princípios da legalidade e da irretroatividade. Celso Antônio explana acerca do regime jurídico assim:

            Entende-se por regime jurídico o sistema de princípios e normas que disciplinam e regulam um objeto no direito. Para encontra-lo é via idônea tanto a perquirição do próprio sistema normativo como o conjunto das leis, quanto o exame da natureza peculiar do instituto examinado, uma vez que esta se define através das categorias jurídico-positivas e lógico-positivas. (13)

            É da essência do regime jurídico específico da contribuição para a Seguridade Social a sua destinação constitucional. Não a destinação legal do produto da arrecadação, mas o vinculo estabelecido pela própria Constituição entre a contribuição e o sistema de seguridade social, como instrumento de seu financiamento direto pela sociedade, na figura do contribuinte.

            As contribuições sociais possuem função parafiscal ou extrafiscal. As contribuições da seguridade social "destinam-se a suprir de recursos financeiros entidades do Poder Público com atribuições específicas, desvinculadas do Tesouro Nacional, no sentido de que dispõem de orçamento próprio." (14).

            Essas contribuições são compulsórias e se enquadram no perfil do art.3.º do Código Tributário Nacional. Sua natureza jurídica é determinada pela destinação do produto da arrecadação, além do que, há o orçamento próprio da seguridade social, que juntamente com o orçamento de investimento das estatais e o orçamento fiscal da União, integra o orçamento anual (art.165, § 5.º), de sorte que estes três orçamentos se integram.

            A Cofins que será objeto de análise por este trabalho se enquadra como sendo contribuição da seguridade social. Hugo de Brito explanando acerca do orçamento das contribuições da seguridade social define que:

            O orçamento da seguridade social não se confunde com o orçamento do Tesouro Nacional, e sua execução não se constitui atribuição do Poder Executivo, posto que a seguridade social há de ser organizada com base em princípios constitucionalmente estabelecidos, entre os quais destaca-se o "caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados" (art. 194, parágrafo único, inc. VII). (15)

            Em outra passagem Hugo de Brito assevera o entendimento sobre a destinação das contribuições da seguridade social:

            As contribuições, com as quais os empregadores, os trabalhadores e os administradores de concursos de prognósticos financiam diretamente a seguridade social, não podem constituir receita do Tesouro Nacional precisamente porque devem ingressar diretamente no orçamento da seguridade social. Por isto mesmo, lei que institua contribuição social com fundamento no art. 195 da Constituição Federal indicando como sujeito ativo pessoa diversa da que administra a seguridade social viola a Constituição. (16)

            As contribuições sociais são de competência exclusiva da União, podendo excepcionalmente, tais contribuições da seguridade social serem instituídas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios desde que essa contribuição seja destinada a financiar institutos de previdência e de assistência social dos próprios servidores e que seja usufruído em seu benefício. (17)

            As demais contribuições da seguridade social são de competência privativa da União, devendo ser cobrada daqueles que não se enquadram na concepção de servidor público.

            Cumpre salientar que competência tributária é distinto de capacidade tributária, a primeira se refere a capacidade de legislar em matéria tributária; e a segunda é de caráter administrativo e diz respeito a arrecadação e fiscalização. (18)

            A competência para instituir é privativa da União, mas a arrecadação deve obrigatoriamente ser realizada por pessoa distinta da União Federal, podendo apenas ela figurar na relação tributária como sujeito ativo. Conforme dispõe Souza Neves: "(...) face à autonomia administrativa, gestora, contábil e orçamentária da seguridade social, a constituição cassou a capacidade tributária ativa da União para arrecadar e administrar as contribuições sociais, destinadas ao custeio dos órgãos de seguridade social." (19)

            Em regra, os tributos são arrecadados pela pessoa jurídica pública que é a pessoa tributante por natureza (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), nada impedindo que outra pessoa diversa da instituidora da exação possa arrecadá-la. Basta que esta persiga finalidades públicas ou ao mesmo de interesse público.

            Esse fenômeno de arrecadação por parte de ente político diverso do ente tributante por natureza, dá-se o nome de parafiscalidade, e o tributo assim é denominado de contribuição social parafiscal.

            Acerca da parafiscalidade afetas às contribuições, Paulo de Barros explicita que por vezes a lei que instituiu o tributo indica sujeito ativo diverso daquele que detém a respectiva competência, atribuindo-lhe a disponibilidade dos recursos angariados para a persecução de seus objetivos peculiares. (20)

            As contribuições, ao contrário dos impostos, funcionam como sustentáculos dos encargos paralelos da administração pública direta, fazendo valer sua verdadeira função, que é nitidamente parafiscal.

            Não tendo como base as condições pessoais do contribuinte, tais como os impostos, as contribuições sociais não podem ser contempladas com o princípio da capacidade contributiva, visto que a dimensão dessa dependerá da necessidade da categoria social a que se destina, e não da análise pessoal do contribuinte.

            A COFINS em respeito à sua natureza tributária, não permite a aplicação da graduação conforme os ditames do princípio da capacidade contributiva, visto que esta, conforme norma constitucional, é dirigida tão somente aos impostos, que possuem natureza pessoal. Enquanto as contribuições possuem caráter real, lançadas em função da matéria tributável.

            Souza Neves defende a aplicação do princípio da capacidade contributiva nas contribuições previdenciárias através do princípio da solidariedade, dado quem possui maior quantidade de recursos deverá contribuir com mais, para compensar aqueles que nada possuem e estes últimos possam gozar de benefícios mesmo sem contribuir:

            Essa solidariedade não advém de mero altruísmo da sociedade ou do legislador, mas de uma diretriz constitucional que deve ser por todos obedecida. Por esse motivo a CF/88 determinou que pelo princípio da solidariedade as pessoas com capacidade contributiva (signos presuntivos de riqueza) contribuam com quem nada possui. (21)

            No ato da contribuição não é possível vincular cada pagamento ao contribuinte individualizado que efetuou o depósito, pois o valor da contribuição é vinculado a um fundo anônimo de recursos e a um número determinável de beneficiários.

            No caso da COFINS, o valor pago pelas empresas reflete a solidariedade como manifestação da responsabilidade perante o risco social, nesse não há retorno direto da contribuição como no caso do contribuinte pessoa física. (22)


3 HISTÓRICO DA COFINS

            A Contribuição ao Financiamento da Seguridade - COFINS - foi instituída pela Lei Complementar nº 70 de 30 de dezembro de 1991, que veio a substituir a antiga contribuição denominada FINSOCIAL, que foi instituída pelo Decreto Lei 1.940 de 25 de maio de 1982.

            O FINSOCIAL (Decreto-lei n.º 1.940/82) foi instituído com a alíquota de 0,5% determinada a financiar investimentos como educação, habitação popular, saúde e amparo ao pequeno agricultor.

            Para as empresas que prestavam serviço, o valor era de 5% sobre o Imposto de Renda devido ou como se fosse. O Supremo Tribunal Federal declarou estas contribuições como impostos inominados, abrangidos pela competência residual da União (RE n.º 103.778-4-DF, DJU, de 13-12-81).

            O FINSOCIAL foi recepcionado como contribuição destinada à seguridade social a partir de 1988, com a Constituição Federal, conforme o art.56 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

            A COFINS tem como fato gerador o faturamento das pessoas jurídicas, onde para fins de base de cálculo da referida contribuição o conceito legal de faturamento foi definido pela Lei Complementar nº 70/91 (23), em seu art. 2º, como sendo a receita bruta decorrente da venda de mercadorias ou da prestação de serviços.

            Posteriormente, o Poder Executivo em 29 de outubro de 1998, editou a Medida Provisória nº 1.724, que foi convertida na Lei nº 9.718 em 27 de novembro de 1998, que ampliou a base de cálculo da COFINS, dando novo conceito de faturamento, não obstante, em princípio, a falta de previsão constitucional para tanto.

            A Lei nº 9.718/98, também elegeu como base de cálculo da COFINS o faturamento das pessoas jurídicas. A referida norma legal alterou o conceito de faturamento ampliando-o, definindo como faturamento/ receita bruta a totalidade das receitas auferidas, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas, sendo que este "aumento" na base de cálculo da COFINS se deu através da Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro de 1998, que acabou por dar uma nova redação à letra b do inc. I do art. 195 (24) da Constituição Federal.

            Em 29 de agosto 2002, foi publicada a Medida Provisória nº 66/02, que estabeleceu, dentre outras providências, a não-cumulatividade da Contribuição ao Programa de Integração Social - PIS, bem como majorou a alíquota da exação para 1,65% (um por cento e sessenta e cinco décimos), que previa que tal sistemática seria estendida para a COFINS até 31 de dezembro de 2003.

            Em 11 de janeiro de 2003, a Medida Provisória nº 66/02 foi convertida na Lei nº 10.637/02 posteriormente alterada pela Lei nº 10.684 de 30 de maio de 2003. Estabelecendo, assim, a não-cumulatividade da Contribuição ao PIS.

            Em 30 de outubro de 2003, com o intuito de antecipar a reforma tributária, o Executivo Federal editou a Medida Provisória nº 135 que foi convertida na Lei nº 10.833, em 29 de dezembro de 2003 a qual alterou, entre outras disposições, a forma de apuração da COFINS.

            A alteração de um conceito legalmente definido para fins tributários somente pode ocorrer se estiver em pleno acordo com os princípios e diretrizes traçadas em nossa Constituição Federal, norma máxima que fixa as regras matrizes das hipóteses de incidência tributária.

            Caso fosse a intenção do legislador infraconstitucional que a COFINS recaísse sobre todas as receitas da pessoa jurídica, deveria ter elegido somente conceito de receita, muito mais abrangente do que o conceito de faturamento previsto na da Emenda Constitucional nº 20/98.

            O mencionado dispositivo constitucional autoriza que a Contribuição ao PIS e a COFINS incida sobre receita ou o faturamento e não receita e faturamento como expresso nas Leis nºs 10.833/03 e 9.718/98, assim, eleito um dos critérios o outro é automaticamente excluído.

            Assim, apesar de existir autorização constitucional para instituição da COFINS sobre "a receita", o legislador optou pelo conceito de "faturamento", que foi ampliada pelas Leis nº s 10.833/03 e 9.781/98.

            O próprio conceito de faturamento é um conceito comercial, ou seja, é decorrente do ato de emitir faturas. E quem é autorizado pela legislação comercial - Lei nº 5.474, de 18 de julho de 1968 a emitir faturas é o comerciante (que pratica atos de comércio), pois somente ele pode emitir o título de crédito denominado duplicata.

            Nos termos do que dispõe o artigo 110 do Código Tributário Nacional, a Legislação Tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o conceito utilizados no Direito Privado.

            Pode-se entender que a Lei em tela simplesmente comete uma atecnia ao definir faturamento como receita, ou seja, o legislador despreocupado com o rigor técnico no que tange o sentido semântico dos institutos, utiliza "faturamento" como sinônimo de "receita bruta", e desta forma não comete nenhuma ilegalidade, deixando ao encargo do cientista do direito a tarefa de extrair dos enunciados prescritivos o verdadeiro sentido da norma jurídica promulgada.

            Existem várias disposições constitucionais que são conceitos abertos cabendo ao interprete e em última análise compete aos Tribunais definir a interpretação desses conceitos.

            Quando uma Constituição é criada vislumbra-se a sua perpetuação no tempo. Para isso, é necessário que se utilize conceitos que permitam acompanhar a evolução da dinâmica da sociedade, pois se todos os conceitos fossem estanques e imutáveis na Constituição, sua duração seria muito efêmera por tornar-se inadequada em poucos anos.

            A Lei nº 10.865/04, fruto da conversão da Medida Provisória nº 164/04, alterou a base de cálculo do PIS/COFINS não-cumulativo, entretanto a referida Medida Provisória só tratava do PIS/COFINS na importação.

            O fato gerador do PIS/COFINS é o faturamento mensal, que compreende a receita da venda de bens e serviços e todas as demais receitas auferidas pela sociedade, permitindo algumas deduções da base de cálculo, tais como as vendas canceladas, os descontos incondicionais, as receitas não operacionais, dentre outras causas.

            A alíquota aplicável à base de cálculo no caso da COFINS sofreu uma elevação de 3% para 7,6%, e no caso do PIS passou de 0,65% para 1,65%. Em ambos os casos houve um aumento de aproximadamente 153,33%. Apesar do aumento da alíquota para o contribuinte, o legislador pretendeu acabar com a cumulatividade dessas contribuições, que oneravam demais a cadeia produtiva.

            Na teoria o contribuinte poderia minimizar o impacto do aumento da alíquota através do aproveitamento de créditos sobre aquisições de bens e serviços necessários à atividade da empresa e de algumas despesas que o legislador determinou, como insumos sobre as despesas de leasing/arrendamento mercantil e energia elétrica.

            A Lei nº 10.865/04, diferentemente do que previam as Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, retirou o direito ao crédito sobre determinadas despesas, quais sejam:

            a)As despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos não geram mais crédito ao contribuinte;

            b)As despesas de depreciação e amortização de bens adquiridos, até 30 de abril de 2004, só geram crédito até 1º de setembro de 2004;

            c)Somente as despesas de depreciação de bens adquiridos a partir de 1º de maio é que geram crédito ao contribuinte. Por opção do contribuinte o cálculo da depreciação poderá ser realizado no prazo de 4 anos, a razão de 1/48 ao mês;

            d)As despesas de depreciação de bens reavaliados, não geram direito a crédito; e,

            e)As despesas de aluguel ou arrendamento mercantil de bens ou direitos que já tenham integrado o patrimônio da pessoa jurídica não geram crédito.

            Os créditos gerados pelo contribuinte não representarão receita bruta tributável pelas contribuições, não será passível de atualização monetária, nem da incidência de juros SELIC.

            Em princípio, a sistemática não-cumulativa do PIS/COFINS, não abrange: pessoas-jurídicas que apurem o imposto de renda trimestral, com base no lucro presumido ou arbitrado; microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo SIMPLES; sociedades imunes a impostos; operadoras de plano de saúde; securitizadoras de crédito; instituições financeiras; órgãos públicos; autarquias e fundações públicas; as receitas decorrentes dos serviços de telecomunicações; dentre outras.

            O legislador acabou, a exemplo da Lei nº 10.833/03, privilegiando alguns setores da economia em detrimento de outros que tiveram uma majoração em sua carga tributária.

            A Lei 10.833/03 previa que cento e vinte dias após a sua publicação, o Poder Executivo deveria encaminhar ao Congresso Nacional Projeto de Lei prevendo a substituição parcial da contribuição previdenciária a cargo da empresa, incidente sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho, em contribuição social incidente sobre receita bruta, observando-se o princípio da não-cumulatividade.

            A sistemática não-cumulativa da COFINS apesar de ter sido instituída sob o fito de desonerar a cadeia produtiva, o que era uma luta de muitos contribuintes, deve ser analisada com certa desconfiança, pois, em alguns casos, isso tem representado um efetivo aumento na carga tributária.

            É o que ocorre com as empresas prestadoras de serviços, cujo maior custo é a folha de salários, bem como as empresas do início da cadeia produtiva, que estão recolhendo o PIS/COFINS em valor maior, tendo em vista a falta de base para formação de crédito em valor relevante.

            O termo utilizado é não-cumulativo, mas na prática o contribuinte tem direito a um crédito presumido/prêmio de PIS/COFINS. Se fosse um sistema não-cumulativo, como o do ICMS/IPI, o contribuinte teria direito ao crédito de todo o valor pago nas contribuições do PIS/COFINS que foi pago na cadeia anterior, quando do pagamento de uma despesa ou item do seu custo, sendo que seria recolhido apenas o efetivo valor agregado.

            O legislador ao vedar o direito ao crédito do contribuinte como o fez em algumas situações que deveriam dar direito ao crédito, como no caso das despesas administrativas e de vendas, acabou majorando a carga tributária, pois o contribuinte é obrigado a manter esses gastos para realizar sua atividade operacional, e não seria justo não ter direito ao crédito sobre esses valores.

            O custo tributário desses aumentos acaba sendo suportado pelo consumidor final, pois dentro da cadeia produtiva é ele que arca com o ônus dessas modificações.

            Uma das grandes discussões que norteiam as contribuições da COFINS e do PIS é acerca da cumulatividade das duas contribuições dado que ambas incidem sobre a mesma base de cálculo.

            O professor Rubens de Souza leciona que no caso em tela não há que se falar em cumulatividade:"(...)não há bitributação posto que só pode ocorrer bitributação entre dois impostos e no caso presente estamos diante de um caso de bis in idem previsto constitucionalmente." (25)

            No tocante ao processo legislativo a questão pontual se refere a hierarquia das leis e a miscelânea jurídica que o legislador realiza em matéria tributária.

            Ocorre que cada matéria exige um determinado tratamento jurídico, e deve-se observar o disciplinamento de cada matéria no texto constitucional, ou seja, se para um assunto específico a Constituição estipular uma espécie normativa, não poderá outra regulamentar o tema.

            3.1 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS AFETOS

            A COFINS sofre influências e deve obedecer aos seguintes princípios constitucionais em especial: legalidade tributária e anterioridade.

            A legalidade tributária também é denominada tipicidade fechada ou estrita legalidade tributária. Reza este princípio que o tributo pode ser realmente cobrado deste que estejam presentes dois requisitos: somente a lei pode criar o tributo, e esta lei criadora deverá conter todos os elementos necessários para que ocorra a tributação, através de uma descrição completa do tributo (qual o valor, quem deve pagar, quando e para quem deve ser pago, dentre outros).

            A Constituição é explicita ao dizer que nenhum tributo será instituído ou aumentado sem que seja mediante lei. Hugo de Brito expõe seu entendimento da seguinte maneira:

            Sendo a lei a manifestação legítima da vontade do povo, por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o ser instituído em lei significa ser o tributo consentido. O povo consente que o Estado invada seu patrimônio para dele retirar os meios indispensáveis à satisfação das necessidades coletivas. Mas não é só isto. Mesmo não sendo a lei, em certos casos, uma expressão desse consentimento popular, presta-se o princípio da legalidade para garantir a segurança nas relações do particular (contribuinte) com o Estado (Fisco), as quais devem ser inteiramente disciplinadas, em lei, que obriga tanto o sujeito passivo como o sujeito ativo da relação obrigacional tributária. (26)

            Luciano Amaro conclama os ideais existenciais da legalidade tributária: "(...) o princípio é informado pelos ideais de justiça e de segurança jurídica, valores que poderiam ser solapados se à administração pública fosse permitido, livremente, decidir quando, como e de quem cobrar tributos." (27)

            A legalidade não é apenas uma autorização para que o Poder Legislativo atue, deve formular a lei definindo de modo taxativo as situações passíveis de tributação e também os critérios de quantificação do tributo, ou seja, deve trazer todos os aspectos pertinentes ao fato gerador e à mensura do tributo em cada caso concreto.

            Essa pormenorização do tributo na lei criadora se faz necessário, pois são vedadas a interpretação extensiva e a analogia na cobrança dos tributos devendo, portanto o legislador prever todas as hipóteses de incidência previamente.

            Em regra a lei a que se refere o princípio da legalidade é a lei ordinária, e nos casos excepcionados em lei se faz necessária lei complementar. No tocante a vedação a majoração dos tributos, não está incluída a sua atualização e correção monetária, pois esta ocorre apenas pela desvalorização da moeda corrente.

            A anterioridade da lei tributária decorre da irretroatividade, que é a impossibilidade da lei de abarcar situações pretéritas, porém é mais ampla, exige que sua cobrança ocorra apenas no exercício financeiro posterior. Portanto, anterioridade não é sinônimo de anualidade, princípio este afeto ao direito financeiro.

            Exercício financeiro é o lapso temporal, coincidente com o ano civil, para o qual a lei orçamentária aprova as receitas e as despesas públicas que serão realizadas durante o ano.

            As contribuições em geral obedecem ao princípio da anterioridade, entretanto as contribuições da seguridade social, seguem a anterioridade diferenciada, que é a denominada "anterioridade nonagésimal" ou "noventalidade" (28), ou seja, entre a criação ou majoração da contribuição e sua aplicabilidade, deve haver um interregno de noventa dias.

            Luciano Amaro elucida acerca do momento que passa a ser exigível a exação:

            Parece-nos óbvio que o preceito (ao falar em contribuições "exigidas") só autoriza a incidência sobre fatos que ocorram após os noventa dias. Não atende ao preceito o mero adiamento, por noventa dias, do pagamento de contribuições que pudessem imediatamente incidir sobre fatos ocorridos a partir da publicação da lei: esta só grava os fatos (descritos in abstrato na norma) que ocorram após noventa dias contados da publicação. (29)

            A anterioridade permite o planejamento tributário, evitando-se o inconveniente da insegurança jurídica referente ao montante do ônus que deverá ser suportado pelo contribuinte. Seria a materialização do princípio da não-surpresa.

            Mesmo havendo a exceção à anterioridade, não haverá em nenhuma hipótese exceção à irretroatividade que no caso das contribuições sociais é princípio absoluto.


4 POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

            Na ação declaratória de constitucionalidade nº 1-1 do Distrito Federal, os Ministros Octavio Gallotti, Néri da Silveira, Sydney Sanches, Paulo Brossard, Sepúlveda Pertence, Celso Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Ilmar Galvão, Francisco Rezek, tendo como relator o Ministro Moreira Alves, julgaram por unanimidade a constitucionalidade da COFINS, sob argumentos que serão objeto da explanação.

            O ponto inicial para entender o posicionamento do STF acerca da COFINS está no enquadramento constitucional que se atribui a esse tributo, e também no tocante a sua natureza jurídica.

            A controvérsia sobre a natureza jurídica deste tributo advém da origem da antiga FINSOCIAL que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como imposto inominado. Sendo regulado pelo Ato das Disposições Transitórias, em seu art. 56 (30). E posteriormente foi substituído pela COFINS em 1991.

            A COFINS não pode ser considerada imposto inominado apenas pelo simples fato de haver substituído a FINSOCIAL, pelo contrário, pela própria inteligência do art. 56 do Ato das Disposições Transitórias já decorre a ilação de que a COFINS é a contribuição prevista pelo art. 195, I e que era preconizada como substitutiva da FINSOCIAL.

            Discute-se também que possui natureza jurídica de imposto porque é arrecadada e fiscalizada pela Receita Federal, e deveria ser realizada pela própria Seguridade Social para ser considerada como contribuição social.

            Ocorre que o que define as contribuições sociais é a prévia destinação para o custeio dos programas da Seguridade Social, e essa destinação é mantida, apenas o órgão que fiscaliza e arrecada não pertence à estrutura da Seguridade.

            Entretanto não pode ser considerado apenas este fato isoladamente para desnaturar a característica fundamental de fonte de custeio da Seguridade Social, sendo, portanto uma contribuição social.

            O Ministro Ilmar Galvão (31) em seu voto na ADC 1- DF explica que: "(...) o aspecto relevante para caracterização da contribuição social, como tributo, é que o produto de sua arrecadação tenha uma destinação específica, e não o modo pelo qual é arrecadada."

            No tocante ao enquadramento constitucional, é de suma importância, pois é o ponto de partida para todas as discussões posteriores, e também a escolha do artigo correspondente a COFINS, decorre a obediência a certos princípios constitucionais.

            Existem dois enquadramentos possíveis para a COFINS: o art. 195, I (32) ou o art. 195, § 4º. Os que vislumbram a COFINS no art. 195, § 4º encontram vários argumentos para a sua inconstitucionalidade, entretanto quando colocada no art. 195, I acabam os problemas de tal vício.

            As contribuições previstas no art. 195, § 4º (33) são as novas fontes de custeio que poderão ser criadas pela União para suprir as necessidades da Seguridade Social, sendo expressa a observância ao art. 154, I (34) da Constituição Federal, sendo denominado impostos de competência residual da União.

            Caso a União queira criar uma nova fonte de custeio da Seguridade Social deve ater-se à utilização do instrumento normativo correto, qual seja, a lei complementar que exige quorum qualificado, sendo necessário um maior número de votos para sua aprovação. Diferentemente da lei ordinária que para sua aprovação exige-se apenas maioria simples, sendo mais fácil sua criação.

            O novo imposto deve obedecer ainda a não cumulatividade e não poderá ter a mesma base de cálculo ou fato gerador dos impostos já elencados na Constituição.

            Três pontos devem ser considerados do art. 154, I: a lei complementar, a não cumulatividade, e a proibição da mesma base de cálculo ou do fato gerador.

            A lei complementar é exigida apenas nos casos expressos na Constituição, como na criação de novos impostos de competência residual da União. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal já decidiu na ADC 1- DF que a COFINS é contribuição social oriunda da competência originária da União, dado que vem autorizada no art. 195, I da Constituição Federal.

            O fato de a COFINS ter sido criada pela Lei Complementar nº 70 de 1991, não interfere em sua natureza. A lei instituidora da COFINS é formalmente complementar, mas materialmente ordinária, pois a Constituição no art. 195, I fala apenas em lei, não sendo exigível, portanto lei complementar.

            O Ministro Moreira Alves em seu voto como relator explana que :

            Sucede, porém, que a contribuição social em causa, incidente sobre o faturamento dos empregadores, é admitida expressamente pelo inciso I do artigo 195 da carta Magna, não se podendo pretender, que a Lei complementar nº 70/91 tenha criado outra fonte de renda destinada à manutenção ou a expansão da seguridade social.

            Por isso mesmo, essa contribuição poderia ser instituída por Lei ordinária. A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente complementar- a Lei Complementar nº 70/91- não lhe dá, evidentemente, a natureza de contribuição social nova, e que se aplicaria o disposto no §4º do artigo 195 da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída- que são o objeto desta ação-, é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar. (35)

            Como não obedece ao regime da lei complementar, poderia ser objeto de alteração por Medida Provisória, pois esta só está vedada quando for exigível a lei complementar, logo, ao contrário do que gostaria a maioria dos advogados tributaristas é perfeitamente admissível a alteração da Lei complementar nº 70/91 através do instrumento normativo Medida Provisória, sem que isso fosse inconstitucional.

            O segundo ponto, o da cumulatividade também não poderia ser alegado na COFINS que foi instituída como cumulativa e hoje com o advento da lei 10.833/2003 passou a ser não- cumulativa.

            Ocorre que apesar do desagradável efeito da incidência da contribuição sobre o faturamento, sem a possibilidade de descontar o valor pago na etapa anterior do montante devido na operação subseqüente, conforme a sistemática do ICMS, essa previsão da não-cumulatividade, não se aplica a COFINS por ser distinto dos impostos e também por ser decorrente da competência originária da União.

            O princípio da não-cumulatividade se aplica apenas aos tributos de competência residual da União.

            Por último no tocante a vedação de criar um novo imposto com a mesma base de cálculo ou fato gerador de outro imposto já explicitado pela Constituição, tal proibição se refere a criação de dois impostos com a mesma base de cálculo, não veda a criação de contribuição social com mesma base de cálculo de imposto.

            O Ministro Moreira Alves já se pronunciou acerca do tema no Recurso Extraordinário 146.733 prevendo a possibilidade do mesmo fato gerador ou base de cálculo se utilizado por um imposto e por uma contribuição.

            Por fim, não se pode ver inconstitucionalidade no fato de a contribuição sob análise ter fato gerador e base de cálculo, idênticos ao do imposto de renda e do PIS. Pelo singelo motivo de que não há, na Constituição, nenhuma norma que vede a incidência dupla de imposto e contribuição sobre o mesmo fato gerador, nem que proíba tenham dois tributos à mesma base de cálculo. (36)

            Luciano Amaro defende que não é pelo fato gerador que se define a natureza dos tributos.

            A contribuição do empregado à previdência, ainda que tenha por base de cálculo o seu salário, não é imposto de renda, assim como a contribuição do empregador sobre o faturamento não é IPI, nem ICMS nem ISS; da mesma forma, a apurada sobre o lucro não é imposto de renda, nem a contribuição sobre a comercialização da produção rural ou pesqueira(art. 195, §8º) é imposto sobre a produção ou circulação. (37)

            O ministro Ilmar Galvão em outra oportunidade também entendeu que não há tal vedação:

            Por outro lado, a existência de duas contribuições sobre o faturamento está prevista na própria Carta (art. 195, I e art.239) motivo singelo, mas bastante, não apenas para que não se possa falar em inconstitucionalidade, mas também para infirmar a ilação de que a contribuição do art. 239 satisfaz a previsão do art.195, I, no que toca à contribuição calculada sobre o faturamento. (38)

            O Dr. Moacir Antonio Machado da Silva, membro da Procuradoria da República, em seu parecer, exaspera no mesmo entendimento ao preceituar que:

            A existência de duas contribuições sobre a mesma base de cálculo- o faturamento- está autorizada na própria Constituição, em seus arts. 195, I e 239, não se podendo falar em inconstitucionalidade, nem mesmo em antinomia entre essas normas constitucionais. (39)

            Portanto, tampouco poderia questionar-se acerca da inconstitucionalidade por tratar-se de bis in idem, dado que a própria Constituição prevê as duas contribuições sociais, o PIS expressamente no art. 239 e admite a criação da COFINS no art.195, I, e também no ato das disposições transitórias art.56.

            Para a caracterização do tributo na modalidade contribuição social, o que efetivamente importa é a sua afetação, ou seja, a destinação específica dos recursos angariados para o custeio da Seguridade Social.

            Diante do exposto conclui-se que a COFINS tem sua previsão constitucional no art. 195, I, e não sendo tributo novo previsto no art. 195 §4º, não deve obedecer às vedações contidas no art. 154, I.

            Assim, a COFINS é constitucional porque foi instituída por lei materialmente ordinária, por ser expresso o texto constitucional ao permitir a sua criação como contribuição social proveniente da competência originária da União, e por não estar vedada sua cumulatividade.

            Gilberto Ulhoa tem o mesmo entendimento acerca da possibilidade da cumulatividade:

            É evidente que as contribuições sobre o lucro e o faturamento, explicitamente referidas no inciso I do art. 195, podem ser cumulativas (como certamente o são as que incidem sobre o faturamento) e ter fato gerador ou base de cálculo de outros impostos do sistema (como seguramente têm) dada a sua semelhança com o imposto de renda (sobre o lucro das empresas) e com o ICMS ou ISS (a que grava o faturamento), devendo se entender que tais características foram conscientemente toleradas quanto às modalidades expressamente previstas no inciso I. (40)

            Uma outra polêmica acerca da COFINS está no sujeito passivo da contribuição, ou seja, quem deve efetuar o pagamento. Em primeira análise pode-se dizer que o contribuinte da COFINS é o empregador conforme art. 195, I da Constituição Federal. Entretanto tal conceito de empregador necessita um estudo mais pormenorizado.

            Leciona Luciano Amaro que contribuinte é:

            (...) numa noção não rigorosamente técnica, pode ser identificado como a pessoa que realiza o fato gerador da obrigação tributária principal. Essa noção não é precisa, porquanto o fato gerador muitas vezes não corresponde a um ato do contribuinte, mas sim a uma situação na qual se encontra (ou com a qual se relaciona) o contribuinte.

            É por isso que a figura do contribuinte (como devedor de tributo) é geralmente identificável à vista da simples descrição da materialidade do fato gerador. (41)

            A própria Constituição Federal trouxe o rol dos sujeitos passivos das contribuições, entretanto houve discussão acerca do conceito de empregador sendo levado a apreciação do Supremo Tribunal Federal a questão do empregador efetivo e do empregador em potencial para saber se havia diferença entre estes conceitos para efeito de incidência da COFINS.

            Nos julgados deliberou a Suprema Corte no sentido de não haver distinção dos conceitos para efeito da cobrança das contribuições sociais, devendo o empregador em potencial suportar o ônus de maneira semelhante ao empregador efetivo.

            O ministro Nelson Jobim de maneira expressiva elucidou a matéria em seu voto no Agravo de Instrumento nº 318.429, ministrando uma verdadeira aula acerca do tema:

            O que deve ser considerado é que a pessoa jurídica recorrente constitui-se em potencial empregadora. Se não admite empregado é opção sua. Pode, entretanto, admiti-los, está apetrechada para tal.

            (...)

            Não obstante a multiplicidade e obviedade das razões, não pode restar dúvidas de que a melhor exegese para o vocábulo "empregador" adotado pelo legislador constituinte no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal é que ele abarca a pessoa jurídica enquanto potencial empregadora, mesmo porque o comando maior do qual não se pode olvidar está contido no caput do artigo 195, preconizando que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, não se podendo dissociar que a menção a toda a sociedade pressupõe obviamente, que a intenção do legislador foi de não excluir ninguém da responsabilidade de financiar a seguridade social.

            Usou-se o vocábulo "empregador" ali tão somente enquanto o qualificativo da entidade. A singularidade das contribuições sociais aflora na proporção da compreensão do fenômeno científico do seguro social e sua correspondente especificidade e instrumentalidade social. (42)

            Para pacificar este entendimento o ministro Carlos Velloso na análise do Recurso Extraordinário nº 364.215 decidiu nas mesmas linhas: "O acórdão deixa expresso que a recorrente está habilitada a operar, inclusive admitindo trabalhadores. Se não os admite, é opção sua. Porém, para efeitos de incidência da contribuição sobre o lucro é empregadora." (43)

            Vencida a discussão acerca do sujeito passivo, passa-se a analisar a divergências causadas pela alteração do conceito de faturamento.

            O Ministro Ilmar Galvão explicita em seu voto que o conceito de faturamento utilizado como base de cálculo da COFINS é extraído do Decreto-Lei 2.397/87:

            De outra parte, o D.L. 2.397/87, que alterou o D.L. 1.940/82, em seu artigo 22, já havia conceituado receita bruta do artigo 1º, parágrafo 1°, do mencionado diploma legal como a "receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços", conceito esse que coincide com o de faturamento, que para efeitos fiscais, foi sempre entendido como o produto de todas as vendas e não apenas das vendas acompanhadas de fatura, formalidade exigida tão-somente nas vendas mercantis a prazo. (art. 1º da lei 187/36). (44)

            Em outro voto proferido na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº1-1 do Distrito Federal, o eminente ministro Ilmar Galvão dá ênfase ao conceito de faturamento:

            De efeito, o conceito de "receita bruta" não discrepa de "faturamento", na acepção que este termo é utilizado para efeitos fiscais, seja, o que corresponde ao produto de todas as vendas, não havendo qualquer razão para que lhe seja restringida a compreensão, estreitando-a nos limites do significado que o termo possui em direito comercial, seja, aquele que abrange tão-somente as vendas a prazo, em que a emissão de uma "fatura" constitui formalidade indispensável ao saque da correspondente duplicata. (45)

            Das ilações proferidas por Ilmar Galvão pode-se concluir que o conceito de faturamento não fica limitado a interpretação dada pelo Direito Comercial, não podendo ser utilizados conceitos de outros ramos do Direito para a definição da base de cálculo das contribuições sociais. Devendo-se buscar na própria Constituição Federal os elementos para sua integração.

            A seguridade social deve ser financiada por todos os membros da sociedade, conforme disposição constitucional, logo não se deve restringir o conceito de faturamento como base de cálculo da COFINS, o correto seria ampliar sem olvidar-se da intenção do legislador que é o custeio do sistema de seguridade social capaz de atender a todos quantos necessitem de seu auxílio.

            Aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário 346.084 que questiona a constitucionalidade de dispositivo da Lei 9.718/98, que aumentou a base de incidência da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social, entretanto não houve ainda julgamento por parte de todos os Ministros.

            Os ministros Gilmar Mendes e Maurício Corrêa votaram pela constitucionalidade da referida lei, faltam ainda os votos dos demais ministros, entretanto a composição do Supremo Tribunal Federal foi alterada com a chegada de novos Ministros que podem trazer frescor aos julgamentos, sendo de difícil adivinhação qual será o posicionamento final da Suprema Corte.

            Um último ponto a ser analisado acerca da constitucionalidade da COFINS está na interpretação do artigo 167, inciso XI da Constituição Federal que apesar de sua redação intrincada permite chegar-se ao porquê dos aumentos freqüentes na alíquota da COFINS.

            O referido artigo versa sobre as vedações acerca do Orçamento, e o inciso XI foi acrescentado pela Emenda Constitucional nº20 de 1998, que traz a seguinte redação: "Art. 167. São vedados: XI- a utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I, a e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201."

            Fazendo uma leitura a contrario sensu, a própria Constituição autoriza que haja um desvio da destinação da COFINS, pois excetua que somente a contribuição sobre folha de salário e a contribuição do trabalhador devem ser efetivamente destinadas ao custeio dos benefícios da previdência social.

            Permite-se assim que os valores arrecadados com as demais contribuições sociais possam ser aplicados em outros setores como por exemplo para suplantar os déficits do Tesouro Nacional.

            Em que pese não seja nada nobre essa inclusão trazida pela Emenda Constitucional nº20/98, facilitando o desvio dos valores arrecadados supostamente para a previdência social, não se pode pugnar pela inconstitucionalidade, pois foi incorporada ao próprio texto constitucional, através de uma emenda que é uma via legislativa que requer quorum qualificado e é um processo legislativo dificultoso que passou por ambas Casas Legislativa. Não podendo ser alegado que foi ato discricionário do Presidente da República, que inovou através de Medida Provisória.

            4.1 ARGUMENTOS PELA INCONSTITUCIONALIDADE

            Este trabalho entende pela constitucionalidade da COFINS, entretanto não se pode furtar de analisar os argumentos pelos quais alguns tributaristas defendem a inconstitucionalidade da referida contribuição social.

            Pode-se pugnar pela inconstitucionalidade da COFINS com base na ofensa ao artigo 246 da Constituição Federal, na violação ao artigo 150, Inciso IV, da Constituição Federal que veda o confisco, e na ofensa ao princípio da isonomia.

            O artigo 246 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 32/01, determina: "Art. 246 - É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive."

            O legislador, pela edição da mencionada emenda constitucional, quis colocar um termo à edição de inúmeras e sucessivas Medidas Provisórias pelo Poder Executivo, bem como limitar sua abrangência.

            Nesse sentido o artigo 195, da Carta Maior, base constitucional da COFINS, foi alterado pela Emenda Constitucional nº 20/98, conforme supra mencionado. Dessa forma não poderia a Medida Provisória nº 135/03 tratar sobre a COFINS, vez que artigo 246 da Constituição Federal proíbe expressamente a utilização de tal diploma legal para esse fim.

            Da constatação de inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 135/03 tem-se: a) inexigibilidade da COFINS nos moldes da mencionada medida provisória; e/ou b) inconstitucionalidade da própria Lei nº 10.833/03, uma vez que se originou de um diploma também inconstitucional.

            A Medida Provisória nº 135/03 já continha o vício de legislar acerca de matéria restrita a lei, sendo portanto inconstitucional, logo a Lei nº 10.833/03 também padece do mesmo vício dado que não foi fruto de um projeto de lei e sim de uma Medida Provisória já inconstitucional, e o fato de se converter em lei não sana nenhum vício.

            Confiscar é tomar para o Fisco, ou seja, desapossar o contribuinte de seus bens em favor do Estado. A Constituição Federal veda a utilização do tributo para efeitos confiscatórios. Esse princípio está atrelado a outro princípio, o da capacidade contributiva, como ambos ditames constitucionais não seguem critérios matemáticos, cabe ao julgador da norma apreciar o caso concreto com fundamento na razoabilidade.

            O artigo 1º da Lei nº 10.833/02, determina que a base de cálculo da COFINS é todo faturamento, entendido, assim, como todas as receitas auferidas pela respectiva empresa. Ocorre que, tal interpretação tão abrangente, acaba por incluir os valores decorrentes das variações cambiais de ativos e passivos na base de cálculo da COFINS.

            Nesse sentido, toda empresa que negocia no mercado externo, acaba por contrair, inevitavelmente, passivos e/ou ativos em moeda estrangeira, os quais devem fazer parte de seu balanço, para os devidos fins, inclusive os de caráter tributário.

            Dessa forma, quando há variação, tanto positiva quanto negativa, gera-se no final de um determinado período de apuração um "ganho" ou "perda" de ativos/passivos. Tal variação, apesar de caráter provisório e, portanto, irreal, deve ser lançada nos demonstrativos das empresas.

            Assim, à luz da definição de faturamento da Lei nº 10.833/03, os valores decorrentes da variação cambial, que gerem receita, automaticamente integrariam a base de cálculo da mencionada exação.

            Em contrapartida, caso a variação cambial gerasse uma perda, tal valor não representaria hipótese de crédito da COFINS. Isso porque no o § 3º, do artigo 1º, da Lei nº 10.833/03, não prevê perda cambial, como base de cálculo de crédito da COFINS.

            Logo se num determinado período de apuração a flutuação cambial representar uma variação positiva de receita, a empresa será obrigada a recolher a COFINS sobre tal valor, por outro lado se num período posterior constar-se uma variação negativa do mesmo ativo/passivo, não poderá excluir tal prejuízo da base de cálculo da mencionada exação por falta de previsão legal.

            Dessa forma, a sistemática adotada pela Lei nº 10.833/02, ao incluir a variação cambial de ativos e passivos cotados em moeda estrangeira, acaba por violar o princípio do não-confisco dos tributos, previsto no artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal, dado que sobrecarrega por demais o contribuinte.

            O mestre Celso Antônio leciona brilhantemente acerca do princípio magno da isonomia:

            A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes. (46)

            Algumas empresas foram contempladas com um crédito prêmio/presumido da COFINS, em detrimento de outras que não foram agraciadas com esse tratamento diferenciado.

            Tal situação vai de encontro com o Princípio da Isonomia Tributária, insculpido em cláusula pétrea no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, o qual não deixa dúvidas quanto à impossibilidade de instituir tratamento desigual entre pessoas que se encontrem em situação equivalente.

            Defendem que a Lei nº 10.833/03, impingiu, em total confronto com a Lei Maior, tratamento desigual entre contribuintes que se encontram na mesma situação, concedendo crédito em algumas operações determinadas e negando em outras sem qualquer discrímen jurídico-econômico. Entretanto poder-se-ia considerar discriminação se estivessem todos os contribuintes em igual plano, ocorre que a lei considerou os contribuintes de acordo com a atividade exercida e dentro de cada grupo preservou-se a igualdade.

            A discriminação não pode ser gratuita, o legislador ao fazer a opção por diferenciar os contribuintes deve observar a correlação lógica entre o tratamento diferenciado e a motivação que deu lugar ao privilégio, caso contrário essa distinção desmotivada afrontará o princípio da isonomia.

            As empresas que tiveram a alíquota da COFINS majorada, deverão suportar aumento da carga tributária, com restrições ao seu crédito, enquanto que outras, poderão, dependendo do caso, apurar até mesmo um excedente, os quais seriam compensados com outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal.

            O tratamento desigual a contribuintes que se encontram em idêntica situação é vedado ao legislador infraconstitucional em matéria tributária, consoante princípio estampado no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal.

            O conceito de crédito prêmio/presumido fica evidente, pois caso se tratasse de não-cumulatividade, como nos casos dos impostos ditos indiretos (ICMS e IPI), o contribuinte poderia se creditar de todos os valores recolhidos nas cadeias anteriores e não de algumas hipóteses expressamente determinadas pelo legislador.

            Nesse sentido, ressalta-se que as hipóteses em que o IPI e o ICMS, não geram crédito para posterior compensação, são exceções determinadas expressamente em lei, por outro lado, no caso da Lei nº 10.833/03, o que ocorre é exatamente o inverso, em que as situações que podem gerar crédito são determinados na lei, enquanto as demais operações não.

            A chamada não-cumulatividade da COFINS não é plena, sendo determinado na própria lei quais as despesas e custos que geram valores passíveis de serem geradores de crédito pelo contribuinte, podendo até apresentar um saldo residual, o qual poderá ser compensado com outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal.

            Decorrência imediata de tal procedimento é o fato de que algumas empresas foram, inegavelmente, beneficiadas (exportadoras) em comparação à maioria (prestadoras de serviços e importadores) que tiveram majorado sua carga tributária.

            Tal sistemática assemelha-se muito mais com uma espécie de crédito prêmio ou presumido do que não-cumulatividade. A exemplo do que temos para o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação - ICMS e para o imposto sobre produtos industrializados - IPI - em que se destaca o imposto pago na operação antecedente e o contribuinte toma o crédito para compensar na operação subseqüente.

            Todos os argumentos elencados pelos tributaristas neste tópico não alcançaram êxito quando levados a apreciação do Supremo Tribunal Federal. Como a matéria é complexa e de difícil assimilação, esses argumentos favoráveis à inconstitucionalidade florescem e se proliferam entre os advogados que buscam solução para os problemas de seus clientes.

            Entretanto com um estudo mais pormenorizado acerca do tema desemboca-se inevitavelmente no reconhecimento da constitucionalidade da COFINS, mesmo que isto reflita no aumento da carga tributária suportada pelo contribuinte.


5 CONCLUSÃO

            É da essência do regime jurídico específico da contribuição para a Seguridade Social a sua destinação constitucional. Não a destinação legal do produto da arrecadação, mas o vínculo estabelecido pela própria Constituição entre a contribuição e o sistema de seguridade social, como instrumento de seu financiamento direto pela sociedade, na figura do contribuinte.

            As contribuições, ao contrário dos impostos, funcionam como sustentáculos dos encargos paralelos da administração pública direta, fazendo valer sua verdadeira função, que é nitidamente parafiscal.

            A destinação específica da contribuição social não se confunde com a referibilidade ao contribuinte e nem com o usuário do benefício da Seguridade. O contribuinte pode ou não utilizar os serviços da Seguridade, dependendo da ocorrência de determinados eventos, entretanto existem situações em que o beneficiário da Seguridade jamais contribuiu e ainda assim usufrui os benefícios.

            As contribuições em geral obedecem ao princípio da anterioridade, entretanto as contribuições da seguridade social seguem uma anterioridade diferenciada, que é a denominada anterioridade nonagésimal, ou seja, entre a criação ou majoração da contribuição e sua cobrança deve haver um interregno de noventa dias.

            A anterioridade permite o planejamento tributário, evitando-se o inconveniente da insegurança jurídica referente ao montante do ônus que deverá ser suportado pelo contribuinte. Seria a materialização do princípio da não-surpresa.

            A irretroatividade no caso das contribuições sociais é princípio absoluto, não podendo ser jamais desobedecido, dado que a lei em matéria tributária regula sempre fatos ocorridos no futuro, sendo vedada tributar fatos pretéritos.

            A sistemática não-cumulativa da COFINS apesar de ter sido instituída sob o fito de desonerar a cadeia produtiva, o que era uma luta de muitos contribuintes, deve ser analisada com certa desconfiança, pois, em alguns casos, isso tem representado um efetivo aumento na carga tributária.

            O legislador ao vedar o direito ao crédito do contribuinte como o fez em algumas situações que deveriam dar direito ao crédito, como no caso das despesas administrativas e de vendas, acabou majorando a carga tributária, pois o contribuinte é obrigado a manter esses gastos para realizar sua atividade operacional, e não seria justo não ter direito ao crédito sobre esses valores.

            O custo tributário desses aumentos acaba sendo suportado pelo consumidor final, pois dentro da cadeia produtiva é ele que arca com o ônus dessas modificações.

            A COFINS é constitucional porque foi instituída por lei materialmente ordinária, por ser expresso o texto constitucional ao permitir a sua criação como contribuição social proveniente da competência originária da União, e por não estar vedada sua cumulatividade. O princípio da não- cumulatividade se aplica apenas os tributos de competência residual da União.

            A COFINS não está sujeita às limitações prevista para os impostos acerca da proibição da mesma base de cálculo, dado que se trata de uma contribuição social, por isso é que não há vedação para que tenha a mesma base de cálculo do IPI, do ICMS, ou mesmo do PIS, pois ambas contribuições foram previstas pela Constituição, não prevalecendo à alegação de bitributação ou de bis in idem.

            Não pode haver distinção dos conceitos para efeito da cobrança das contribuições sociais do sujeito passivo, devendo ser considerado o empregador em potencial de maneira semelhante ao empregador efetivo, fazendo com que ambos suportem o ônus do pagamento da COFINS.

            A seguridade social deve ser financiada por todos os membros da sociedade, conforme disposição constitucional, logo não se deve restringir o conceito de faturamento como base de cálculo da COFINS, o correto seria amplia-lo para abarcar o maior número de contribuintes, fazendo com que o ônus fosse suportado efetivamente por todos. Neste tocante o Supremo Tribunal Federal ainda não se pronunciou estando pendente julgamento de Recurso Extraordinário.

            A própria Constituição autoriza que haja um desvio da destinação da COFINS, pois excetua que somente a contribuição sobre folha de salário e a contribuição do trabalhador devem ser efetivamente destinadas ao custeio dos benefícios da previdência social. Fazendo com que a receita auferida com a arrecadação da referida contribuição seja utilizada para outro fim que não o previsto na sua origem.

            Para encerrar este trabalho não poderia deixar de comentar sobre a atual realidade brasileira, onde há um consenso geral, sobre a necessidade de uma urgente reforma tributária. É fato concreto que, pelo menos no discurso, todos concordam com isso, e as justificativas são as mais variadas possíveis: a carga tributária está se tornando insuportável, as regras são muito complexas, inviabiliza ou inibe novos investimentos, etc.

            No entanto, a tão almejada reforma tributária não é muito fácil de ser feita, pois todos concordam com ela, desde que não sejam prejudicados, tais como: O Governo Federal não pode abrir mão de receita; Os Governos Estaduais e Municipais só pensam em aumentar a sua receita; as empresas que pagam muito querem uma racionalização e redução; as empresas que pagam pouco ou nada pagam não querem suportar uma tributação ou uma elevação; a pessoa física quer e precisa de uma urgente correção na tabela de "imposto de renda" e por aí vai.

            Agora, uma coisa é certa, como está não pode ficar. O assunto tem que ser exaustivamente discutido, com a participação efetiva de toda a sociedade, e isto já começa a ocorrer. A imprensa tem dado um espaço muito grande para o assunto e, de maneira geral, todos tem se mobilizado.

            Não se pode mais continuar com esse emaranhado de regras tributárias. Só o assunto que tratamos no presente trabalho, COFINS, acrescido do PIS que tem regras semelhantes, tiveram 56 normas editadas desde 2.002, sendo 7 leis, 3 medidas provisórias, 10 decretos, 17 instruções normativas e 19 normas (entre atos declaratórios e normas de execução), segundo o Jornal Valor Econômico de 19.10.2004, pg. A10.

            No início do presente trabalho, incluímos um excerto de um texto de Adam Smith, da obra "A Riqueza das Nações" que assim diz: "O imposto que cada indivíduo é obrigado a pagar deve ser fixo e não arbitrário. A data de recolhimento, a forma de recolhimento, a soma a pagar, devem ser claras e evidentes para o contribuinte e para qualquer outra pessoa".

            A obra de Adam Smith "A Riqueza das Nações" é de 1776. Parece que nossas regras relativas ao tema desenvolvido: "COFINS" e ainda o nosso atual sistema tributário brasileiro, têm muito que aprender e aplicar, buscando os ensinamentos de Adam Smith, que ocorreram há muitos e muitos anos.


REFERÊNCIAS

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            BRASIL. Lei Complementar nº 7, de 1970. Regulamenta a instituição do Pis devido por empresas privadas.

            BRASIL. Lei n. Complementar nº 70 de 1991. Institui a Cofins devida pelas pessoas jurídicas em substituição ao antigo Finsocial.

            BRASIL. Lei nº 9718 de 27.11.1998. Unificou as bases de cálculo do Pis e da Cofins a partir de fevereiro de 1999.

            BRASIL. Lei nº 10.637 de 30.12.2002. Institui o Pis não cumulativo a partir de dezembro de 2002.

            BRASIL. Lei nº 10.833 de 29.12.2003. Institui a Cofins na cumulativa a partir de fevereiro de 2004.

            BRASIL. Lei nº 10.865 de 30.04.2004. Trouxe alterações no Pis e na Cofins.

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            SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito Tributário. São Paulo: Editora Siciliano Jurídico, 2004.


NOTAS

            1 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Controle de Constitucionalidade das Leis e do Poder de Tributar na Constituição de 1988. Del Rey: Belo Horizonte, 1993. p.225

            2 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1995. p.16

            3 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1995. p.20

            4 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.p.51

            5 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1995. p.57

            6 DERZI, Misabel. Contribuições in Revista de Direito Tributário. São Paulo, nº 48 p.223

            7 os adeptos da corrente bipartite são Pontes de Miranda e Alfredo Augusto Becker.

            8 Os defensores da corrente tripartite são Geraldo Ataliba, Paulo de Barros, Roque Carraza, Sacha Calmon, dentre outros.

            9 Essa corrente encontra aceitação apenas por Fabio Fanuchi e Bernardo Ribeiro de Moraes.

            10 A divisão qüinqüipartida é defendida por Ives Gandra, Hugo de Brito e Barbosa Nogueira.

            11 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.p. 85

            12 O art. 149caput da Constituição Federal prevê que as contribuições sociais devem obedecer ao art. 150I e III, que se referem as limitações do poder de tributar, especialmente a legalidade e a irretroatividade.

            13 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Prestação de serviços públicos e Administração indireta. Revista dos Tribunais, 2ª ed. 1979. p.19.

            14 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.p.353

            15 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.p.355

            16 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.p.356

            17 Art. 149 §1° da Constituição Federal dispõe: "Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistema de previdência e assistência social."

            18 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 10.ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 1997. p. 247.

            19 NEVES. Luis Fernando de Souza. COFINS- Contribuição Social sobre o faturamento- L.C. 70/91. São Paulo: Max Limonad. 1997. p.74.

            20 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1995. p.150.

            21 NEVES. Luis Fernando de Souza. COFINS- Contribuição Social sobre o faturamento- L.C. 70/91. São Paulo: Max Limonad. 1997. p.84-85.

            22 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 3ªed. São Paulo: LTR, 1995. p.80.

            23 Art. 2º: "A contribuição de que trata o artigo anterior será de dois por cento e incidirá sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza."

            24 Art. 195, I, b) a receita ou faturamento.

            25 Apud. HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 3ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2003.p 268.

            26 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 36.

            27 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.p.111.

            28 A nomenclatura noventalidade é utilizada por Roque Antônio Carrazza.

            29 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.p.125-126.

            30 Art. 56 da ADCT: " Até que a lei disponha sobre o art. 195, I, a arrecadação decorrente de, no mínimo, cinco dos seis décimos percentuais correspondentes à alíquota da contribuição de que trata o Dec.- lei 1.940, de 25 de maio de 1982, alterada pelo Dec.-lei 2.049, de 1º de agosto de 1983, pelo Decreto 91.236, de 8 de maio de 1985, e pela Lei 7.611, de 8 de julho de 1987, passa a integrar a receita da seguridade social, ressalvados, exclusivamente no exercício de1988, os compromissos assumidos com programas e projetos em andamento."

            31 Ação Declaratória de Constitucionalidade nº1-1 Distrito Federal, de 1º de dezembro de 1993. p.136.

            32 Art. 195: "A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições: I- do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro."

            33 Art. 195 §4º: " A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I"

            34 Art. 154, I: "A União poderá instituir: I- mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição."

            35 Ação Declaratória de Constitucionalidade nº1-1 Distrito Federal, de 1º de dezembro de 1993. p. 123-124.

            36 Recurso Extraordinário 146.733-SP

            37 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

            38 RE 150.164-1

            39 Ação Declaratória de Constitucionalidade nº1-1 Distrito Federal, de 1º de dezembro de 1993. p. 111

            40 CANTO, Gilberto Ulhoa et alii. Contribuições, in Caderno de Pesquisas Tributárias. São Paulo: Resenha Tributária, nº 17. p. 68.

            41 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.291.

            42 AI 318.429- AgR/PR publicado no DJ 22.02.2002 fls. 25

            43 RE 364.215/ PR

            44 RE 150.164-1

            45 ADC 1-1 DF, fls. 47.

            46 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.p.8


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NIEHUES, Amauri Sebastião. Aspectos constitucionais da nova Cofins à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 675, 11 maio 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6703. Acesso em: 25 abr. 2024.