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A teoria de Dworkin

A teoria de Dworkin

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Ronald Myles Dworkin foi um filósofo do Direito norte-americano. As últimas posições acadêmicas por ele ocupadas foram a de professor de Teoria Geral do Direito na University College London e na New York University School of Law.

1. Princípios, regras e fins.

 

A regra determina o que está dito pela Constituição Federal, sendo válida pelo direito. Essa seria a regra de reconhecimento do sistema jurídico, que fornece os critérios de validade de todo o ordenamento jurídico, encerrando a cadeia de validade do sistema.

A regra de reconhecimento, nesses termos, apresenta uma dupla natureza: a regra primeira do sistema jurídico, a lhe conferir validade e a manifestação de um fato social constituído pela aceitação prática de como as normas jurídicas são identificadas, decorrendo de sua existência de uma questão de fato.

Essa tese consubstancia a distinção entre direito e moral, pois existe uma medida alheia à moralidade na qual são reconhecidas as normas jurídicas.

Os princípios não estão submetidos a regra de reconhecimento – ao teste de pedigree. Os princípios têm sua dimensão consagrada pela sua própria forma normativa, vinculado a um critério material e derivados de moralidade política pressuposta pelas normas comunitárias. Desta forma o direito não se torna alheio à moral, sendo absolutamente equivocado a corte jus positivista efetuado entre as categorias do ser e do dever ser.

Sendo assim como forma comparativa do reconhecimento e concretização entre princípios e regras na linha dworkiana os seguintes aspectos:

 

• Enquanto as regras são reconhecidas por seu pedigree, por uma regra de reconhecimento, os princípios serão por sua medida de valor e intencionalidade;

 

• Na seara dos conflitos, anotados outro traço distintivo: no caso de conflito entre regras, o critério de solução será formal, excluindo-se, por uma questão de validade, do ordenamento jurídico. No caso dos princípios a solução passará por uma mediação reflexiva e prudencial;

 

• No campo da operatividade, flagramos outra distinção: ao passo que as regras são ou não aplicadas em sua totalidade, os princípios apresentam um grau de plasticidade, sendo mais ou menos concretizados em decorrência de sua substantiva dimensão valorativa.

 

Em outras palavras os tradicionais princípios gerais de direito acabam por cumprir a passagem da premissa à conclusão sem que se faça qualquer processo de mediação, acabando por ser sua amplas generalidades e abstrações, simples regras.

Segundo o pensamento de Dworkin conforme visto no horizonte conformador do corpus iuris, há, para além dos princípios normativos e das regras, as diretrizes políticas. Com efeito, em tal contexto uma distinção de natureza diversa daquela existente entre os princípios e as regras.

Ante o exposto, é possível recortar algumas divergências de Dworkin em relação ao positivismo jurídico:

 

• O sistema jurídico não se compõe apenas por regras, senão que também por princípios;

 

• Nos quadros de um Estado de direito, há de se negar o poder discricionário do juiz, e, quando a regra for imprecisa, o decidente deve recorrer aos princípios, assegurando aos litigantes uma solução justificada conforme o direto e não segundo seu arbítrio;

 

• Há uma inter-relação inexorável entre direito e moralidade.

 

A obra de Ronald Dworkin é um combate ao positivismo jurídico de seu antecessor Herbert Hart o qual dizia que o ordenamento jurídico era baseado em regras, a depender em algumas ocasiões poderia haver diversas interpretações do juiz quanto à norma e em casos em que não existissem regras que regulamentasse o juiz poderia criar para resolver o caso, havendo assim a discricionariedade tendo em vista que para ele os princípios eram mais imprecisos do que as regras e por isso estão sujeitos a maior discricionariedade judicial do que as regras jurídicas.

Para Dwokin um sistema jurídico nunca poderia ser discricionário, pois para ele o Direito é muito mais baseado em princípios morais do que em regras jurídicas. Mas isso não significa que o podem decidir como quiser. O ordenamento jurídico é baseado tanto em regra quanto em princípios e possuem diferença na sua estrutura lógica:

 

•  As regras são aplicadas na maneira do tudo ou nada, ou a regra é válida e será cumprida ou inválida e terá que ser excluída do ordenamento;

 

•  Afirma a possibilidade de se enumerar todas as exceções à regra;

 

•  E quando acontecer o que está previsto no enunciado da regra se dá a consequência jurídica prevista.

 

Já os princípios possuem uma dimensão de peso ou importância:

 

•  Existem princípios que prevalecem em detrimento de outro, pois possui mais peso e importância que o outro. Embora não possamos dizer que os demais não sejam, mas para aquele caso concreto aquele princípio seria mais;

 

•  Um princípio não é exceção do outro: as exceções não são enumeráveis como as regras, pois são mais imprecisos;

 

•  Os princípios não conduzem a uma única decisão jurídica, irá depender do caso concreto e do contexto em que princípio foi aplicado.

 

Os princípios jurídicos não poderiam ser motivos para exclusão das regras, tendo em vista que não teria um sistema jurídico consistente, onde os juízos poderiam fazer o que achassem melhor. Dworkin defendia que em razão da segurança jurídica o correto é a união das regras e princípios visto que o pós-positivista supracitado, colocava os princípios no mesmo patamar das regras.

 

2. A tese dos direitos.

 

Ronald Dworkin destaca em sua obra um elemento muito importante que trata da compactação do direito com o ensino político. Essas relações entre direito e política faz surgir a tese dos direitos.

Ele assevera que os direitos individuais são desenvolvidos também por princípios e não somente por regras. Todavia, com isto, temos uma parte argumentos de princípios e em outra de política. Os argumentos de princípios buscam salvaguardar um direito, seja pessoal ou de um grupo determinado, a racionalidade axiológica. Já os políticos visam um objetivo de toda sociedade, ou seja, coletivo, com um finalismo pré-determinado.

O direito se dá através do exercício do próprio poder, subordinando a política numa interrelação para garantir o fundamento do direito, permitindo a sua autonomia e dignidade.

Ronald Dworkin propõe que, para um regime político seja uma democracia, ele deve levar os direitos a sério e ainda, elabora uma teoria que sirva de base para os juízes decidirem e para a fiscalização de suas decisões pela sociedade.

O autor faz, com clareza, a distinção entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Os direitos se desenvolvem das regras e princípios normativos relacionados ao bem-comum.

O Poder Judiciário, ao decidir um caso em que lhe é provocado para tal, deverá fundamentar as suas decisões na legislação e princípios do Estado em que pertence. Já o Poder Legislativo fica a cargo de elaborar normas e parâmetros para a regência da sociedade. Enquanto os legisladores atuam com ânimo e embasamentos políticos diante do compromisso com a população, os juízes devem decidir conforme natureza ético-jurídica, garantindo a ordem e a isonomia na aplicação das leis em vigor.

Os princípios, por sua vez têm ganhado cada vez mais força na sociedade contemporânea com sua força suprema. Outrossim, diferente do positivismo jurídico que somente considera direito o que está expressamente pactuado, os princípios referem-se a algo indisponível, garantindo através da rotina judicial, a aplicação para cada pessoa, inclusive de forma isonômica.

O direito prevalece sobre as finalidades sociais, não permitindo com isso, que o Poder Judiciário se torne um legislador sem limites. Os Tribunais têm que garantir a eficácia de cumprimento de um direito que foi lesado ou está prestes a ser, possibilitando a autonomia dos direitos sem sujeição a critérios sociopolíticos.

 

 

Sobre a atuação do juiz, Dworkin diz:

 

Um juiz consciente de seu convencionalismo estrito perderia o interesse pela legislação e pelo precedente exatamente quanto ficasse claro que a extensão explícita dessas supostas convenções tivesse chegado ao fim. Ele então entenderia que não existe direito, e deixaria de preocupar-se com a coerência com o passado; passaria a elaborar um novo direito, indagando qual lei estabeleceria a legislatura em vigor, qual é a vontade popular ou o que seria melhor para os interesses da comunidade no futuro. (Dworkin, 1999a, p. 159)

 

Já a atividade do legislador deve sempre visar um bem ao coletivo, regada de racionalidade em busca desta finalidade. Hoje, com a observação da realidade, verifica-se o caráter instrumental da lei, afastando cada vez mais um legislador racional e que atua respeitando a vontade de todos, se tornando um plano de governo. Podemos visualizar ainda, que as modificações da forma de lei escrita na sociedade atual com a consagração dos princípios, não há cogitação de abandonar a lei.

A lei perde a exclusividade de ser única fonte do direito, dividindo esta função com convenções políticas e comandos imperativos aplicado pelo Judiciário.

As pessoas têm direitos anteriores e independentes dos programas, ações e decisões do governo, das autoridades políticas ou mesmo dos poderes públicos. Para Ronaldo Dworkin tais direitos são direitos institucionais, como por exemplo o direito à integridade física, o direito que protege as pessoas em face de uma legislação retroativa.

Devemos fazer dois esclarecimentos:

 

• Nem todos os direitos representam direitos contra o governo (basta pensarmos que o direito, por vezes, tem um mero aspecto organizativo, por exemplo, as normas que regulam o tráfego de automóveis: hoje, em determinada via, posso ter direito a estacionar um automóvel em uma determinada rua, amanhã, na mesma via, tal direito pode ser negado);

 

• Sustentar a tese dos direitos não implica afirmar que o Estado jamais poderá deixar de dar o respectivo peso a esse direito, ou até mesmo invalidá-lo (antes, expressa que o governo não está justificado a deixar de respeitar um direito pelo simples fato de buscar uma vantagem social).

 

Desrespeitar um direito institucional significa tratar a um homem como algo menos que um homem, porque de fato a tese dos diretos implica no aspecto substantivo da existência comunitária a superioridade deste em relação aos fins sociais.

Contudo e necessário levar em consideração que há formas de tratar um homem incompatíveis com o reconhecer de sua condição de integrante da comunidade humana e, também, que às minorias e aos membros mais fracos de uma comunidade devem ser assegurados iguais direitos, consideração e respeito destinados às maiorias ou aos membros mais poderosos.

Assim sendo destaca formalismo jurídico, surgido a partir do pensamento moderno-iluminista, que, atento ao então nascente individualismo, com a sua respectiva redução do direito às normas, acabou por confluir para um absoluto esgotamento axiológico-substancial do direito. Todavia, destaca acentuar a peculiaridade característica dessa superação: o não-seguimento do curso das muitas tendências existentes no pensamento jurídico, destacadamente as funcionalistas, que, instrumentalizando o direito, vinculam-no a uma orientação marcadamente segundo fins e funções, com os quais deve o Direito regularmente fazer cumprir.

Como relevante para tese do direito temos a recuperação da autonomia do direito, caracterizada pelo postular da intencionalidade valorativa da ordem principiológica, intentando sua concreta realização pela mediação de um juízo prático-reflexivo que, frente aos poderes socialmente estabelecidos, reconheça e afirme o direito das pessoas.

Deste modo se pelo referencial do formalismo normativista o direito é perspectivado pela categoria do indivíduo, se pelo referencial funcionalista o direito é perspectivado pela sociedade, o referencial da tese dos direitos o será pelo homem.

Ronald Dworkin preconiza um método interpretativo, em que o direito, ao invés de um objeto dado, reflete sempre uma tarefa a construir e a reconstruir uma prática social institucionalizada e argumentativa e racionalmente justificada, afastando peremptoriamente das Escolas do Direito Natural. Em nenhum momento são pensados como imutáveis, universais ou unitários, ou ainda oriundos de uma transcendente e metafísica ordem, compreensão metodológico-jurídica jusnaturalista, pois, se esta navega nas águas da dedução.

Da tese dos direitos e da inteligibilidade dos princípios, Dworkin cria a doutrina da única resposta correta, ou seja, tanto os complexos casos jurídicos quanto as intricadas questões de moralidade política encontram, no lugar de um leque de soluções ofertadas, a serem escolhidas mais pelo arbítrio que pela razão, uma só resposta adequada a ser revelada pelos princípios, em conformidade com a tese dos direitos.

Porém o autor não afirma que em cada caso haverá uma solução correta preestabelecida, mas sim que, em princípio, ela é possível, sendo, na maior parte dos casos, factível, alcançável.

Importa destacar que não há como assegurar de que todos devam alcançar a mesma resposta ou mesmo que as decisões judiciais não sejam passíveis de críticas e controvérsias ou ainda que todas as decisões levadas a termo sejam corretas.

Portanto o encontrar dessa resposta não é tarefa fácil. Ao contrário, é missão de elevada dificuldade. A ponto de ser necessário, para desempenhá-la, invocar-se a figura ideal do sobre-humano juiz Hércules, que, provido de qualidades especiais para manejar o manancial jurídico aportado pelos princípios normativos, pelas diretrizes políticas, assim como as regras, teria aptidão para construir a resposta correta. Note-se que, ao usarmos o verbo construir, não o fazemos gratuitamente.

Para estabelecer que a resposta correta não será oriunda de um lógico-formal processo de aplicação mecânica do direito, senão que de um processo interpretativo, fruto de uma ação argumentativa que mobilizará razões justificadoras da decisão.

Sendo assim a resposta mais adequada possível não será encontrada em pressuposto e dado catálogo de convenções, nem da imposição da autoritárias de um poder, tampouco será aquela tão-somente endereçada ao cumprimento de um fim social, mas sim a que, após enunciada, mobilizadas as dimensões da normatividade jurídica, tendo por base uma fundamentação racional argumentativo-dialógica, perceba-se historicamente contextualizada como a única correspondente à justeza decisória exigida pelo caso.

Há também uma consequência importante decorrente da tese dos direitos. No âmbito da teoria política, procurando caracterizar o que deve ser o direito e o funcionamento de suas instituições, traz clara uma crítica ao utilitarismo, à sua pretensão de situar o direito a serviço do bem-estar geral, devendo, pois, visar ao estabelecimento de maiores vantagens ao maior número de pessoas.

Ora, admitir que tal entendimento corresponderia a um pôr em risco os direitos das minorias, haja vista, por óbvio, não se enquadrarem na categoria do maior número. A isso Ronald Dworkin contrapõe uma noção de um liberalismo progressista, de elevada natureza igualitária.

 

3. Conclusão.

 

Todo o assunto tratado no texto relata uma unificação da atividade jurisprudencial e o direito como uma proteção social, que deve ter por fim buscar a certeza das decisões pelo intermédio normativo jurídico para sua solução.

Fazendo assim que o direito perante os fatos da vida a ser regulado, não se faça por regras já existentes e sim definidos por uma compreensão legal, requerendo uma grande prática argumentativa que é necessária para mudar a injustiça das decisões.

Ao se contrair o entendimento do exposto, assume-se aí a tradução do diacrônico do pensamento e da metodologia jurídicas. A partir do marco relatado se têm por ponto de partida o código Napoleônico, podendo ser diferenciado em três grandes fases:  a da escola de Exegese (vinda próximo do ano de 1880); a das escolas funcionais e sociológicas (até 1945); e a da concepção tópico, resumindo de tal forma:

I – Na primeira fase, cumprindo os ditames dos revolucionários franceses, o direito identificou-se com a lei. Obedecendo-se a divisão tripartida dos poderes e a formação do contrato social rousseauniano, caberia ao legislador, representando a expressão da vontade geral, criar o direito. Animado pelo racionalismo moderno, o sistema jurídico é pensado como axiomático, de todo completo e coerente, restando aos tribunais uma atividade passiva, de mero repetidor das palavras da lei. Por conseguinte, estabelecidos os fatos, basta subsumi-los à regra que está dada. A pedra de toque da função judicial dá-se pelo silogismo formal, em que a premissa maior é a lei, a premissa menor, o fato e a conclusão, decorrente de um simples raciocínio dedutivo, será a sentença.

 

II – A fase das Escolas Funcionais ou Sociológicas preconiza outro ofício para o direito e a atividade judicial, passando-se agora a questionar acerca dos fins almejados pelo legislador. A inteligibilidade do direito ocorre pelos objetivos e valores que este procuram produzir na sociedade. Os tribunais abandonam a concepção dedutiva e abraçam uma atuação finalística, haja vista que o direito passa a ser considerado como um meio para atingir determinados objetivos. Diante disso, interpreta-se o texto legal em conformidade com a vontade do legislador. Ao cabo, os juízes deixam de ser a boca da lei para se transformar em seus olhos e braços, que devem ver e realizar os fins pretendidos pelo legislador aquando da elaboração da lei.

 

III – A terceira fase, dita tópica, apresenta caracteres próprios e distintos das suas anteriores. Com efeito, o direito não será percebido em razão dos fins desejados e tampouco como um sistema dedutivo-formal, identificado com a restrita literalidade das leis. O caso concreto, compreendendo-se o direito como uma ciência problemática, assume um papel de relevo na metodologia jurídica, e o pensamento jurídico ocupa-se, desde logo, em justificar as decisões judiciais, tornando-as, por essa via, aceitáveis. Para tal desiderato, há de se afastar os subjetivismos, e, por meio de uma lógica dialética, preocupar-se com a experiência jurídica, com o atender e o conjugar dos valores conflitantes no caso judicial e aqueles formadores da intencionalidade da normatividade jurídica.

Não sendo expresso, nenhuma verdade inquestionável e nem se quer absolutamente verdadeira. Só expõe uma visão jusfilosófica, com a preocupação do normativismo extremo e os terríveis arbítrios que já ocorreram na história.

Opondo-se assim, que o direito deixe de ser uma simples inclusão de normas ao caso concreto, para passar a ser fundado por decisões que se amparem por questões estruturais mais complexas, realizada por uma relação dialética argumentativa.

Assim formado por o direito não ser uma situação pré-escrita e sim formado por uma razão matéria e justificada das ações e decisões levadas a termo pelo direito, e não por suposições de verdades.

Portanto o direito deve ser entendido por um prisma razoável, respeitando a sua aplicação em vários pontos que influenciam na maneira de agir de cada cidadão, por serem criados por verdades culturais diferentes, devendo o direito por esse ponto ser inserido no campo da compreensibilidade pelas variantes sócias.

 


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