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Evolução constitucional do município brasileiro

Evolução constitucional do município brasileiro

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A despeito da tradição municipalista de nossa federação, as sucessivas Constituições brasileiras não têm viabilizado a concretização de um governo efetivamente local.

Resumo: Este artigo descreve inicialmente a evolução histórica dos entes locais. Num segundo momento aborda o tratamento que os Municípios receberam nas constituições brasileiras e, ao final, esclarece a sua importância social. A discussão acerca da descentralização do Estado, no Brasil, sempre leva em consideração a menor ou maior distribuição de competências que recebem os Municípios. Atualmente, os Municípios contam com importante participação no contexto constitucional, entretanto, resquícios do velho "coronelismo" impedem a concretização integral dos princípios que orientam a Carta Magna brasileira; dentre esses princípios está o da autonomia municipal.

            Palavras-chave: Direito municipal; município; poder local; constituições; federação; coronelismo.


Introdução

            Neste artigo, trata-se das origens do ente municipal e seu desenvolvimento ao longo dos anos. Enfatizam-se os aspectos históricos e sociais da origem do Município. A abordagem explora sua evolução constitucional e, conseqüentemente, as mudanças institucionais sofridas, principalmente no que diz respeito à sua autonomia, posição no sistema federativo e importância social. Nós, brasileiros, somos culturalmente "municipalistas". Mas, a despeito de tal constatação verificada no presente trabalho, as sucessivas constituições brasileiras não têm viabilizado a concretização de um governo efetivamente local.


1. Evolução histórica do Município

            Muitos dos que escrevem sobre o tema concordam com o fato de não ter existido, na antigüidade, Município na acepção que se tem hoje. Diomar Ackel Filho (1992, p. 19) afirma: "o Município, tal como existe, não guarda similaridade com a cidade antiga." No mesmo sentido, discorre José Nilo de Castro (1998, p. 81): "nesta fase, pelo que revelam as fontes históricas, não se conheceu o Município, na acepção e com a estrutura que veio a adquirir depois de certa época." Os autores concordam, entretanto, que havia aglomerações humanas como por exemplo: vilas, aldeias, burgos e condados, que, para Cretella Júnior (1981, p. 32), são "vestígios do que mais tarde se conheceu por Município".

            Paulino Jacques (1970, p. 147), em seu curso de Direito Constitucional, faz um consistente apanhado histórico-constitucional sobre os Municípios, consolidando o seguinte:

            O Município, antes de ser uma instituição político-jurídica, o é social, e, mesmo, natural, porque resulta do agrupamento de várias famílias num mesmo local, unidas por interesses comuns. Como a família e, a propriedade, é um fenômeno social, que precedeu, no ponto de vista sociológico, o advento do Estado.

            Os clãs sedentários definiam sua base territorial com espeque nos limites da caça, da pesca e, mais tarde, das pastagens aos rebanhos. Dessa organização, surgiu o sentido dos limites territoriais ao que posteriormente veio a ser definido por Município. Fundamentando-se nesses dados, Petrônio Braz (1994, p. 103) assegura que o Município "é uma criação jurídica, que se assenta num princípio de direito natural".

            Na antigüidade, destarte, a importância da organização local era principalmente religiosa (1) e social, realçando as características comunitárias. Ataliba Nogueira, (apud BLASI, 1983, p. 14) leciona sobre as raízes naturais do Município:

            o município é a associação dos vizinhos, em território determinado. Origina-se do instituto e da necessidade do homem que procura associar-se para conseguir o desempenho de vários serviços, alguns em todo indispensáveis, outros, embora não obrigatórios, todavia possibilitadores de melhores condições para a vida individual e coletiva.

            Essa índole associativa, em que as pessoas buscam a ajuda recíproca, marcou a evolução das cidades. Hoje, devido ao grande crescimento das metrópoles, esse panorama se transformou consideravelmente. Assevera Hely Lopes Meirelles (1996, p. 33) que "o gigantismo das cidades modernas e os problemas do campo destruíram as relações de vizinhança e o espírito comunitário que caracterizavam os Municípios da antigüidade." Mesmo assim, entendem Bastos e Martins (1993, p. 215) que:

            ... os traços fundamentais do município primitivo até hoje são mantidos. Trata-se de uma forma de organização política timbrada pela circunstância de incidir sobre uma particular forma de organização social, vale dizer, sobre a mais ampla destas organizações dentro das quais os homens mantêm a virtualidade de se contactarem ou se cruzarem na sua vida cotidiana.

            Em que pesem as observações de Hely Lopes, anteriormente transcritas, Carmen Lúcia Antunes Rocha, em palestra proferida no XXIV Encontro Nacional de Procuradores Municipais, afirmou, com base em pesquisas para redação de sua dissertação de mestrado, que o brasileiro é mais municipalista do que estadualista: "A referência dele e aquilo que o atinge é o Município, é a cidade. É a cidade no sentido mais pleno de sua vivência pública, da sua vivência social. Este é um dado que não pode ser desconhecido." (ROCHA, 1998, p. 89). A professora da Universidade Católica de Minas Gerais reforça sua constatação, acrescentando o seguinte:

            ... nós brasileiros somos mais municipalistas que federalistas no sentido de atermos à entidade federada, à entidade estadual. Exemplo disso é que quando se pergunta a alguém ‘– De onde você é?’ a pessoa que sempre faz referência aos Municípios e não ao Estado. O que é bem contrário, por exemplo, ao que acontece nos Estados Unidos, em que eles são, evidentemente mais estadualistas, até por que os Estados Unidos no seu próprio nome indica que as entidades federadas é que se uniram dando origem ao Estado norte-americano. (p. 89)

            Em alguns lugares, entre eles o Brasil, mantém-se historicamente essa identificação pessoal com a localidade. Verifica-se isso, tanto na identidade do cidadão com seu Município como no sistema legal, que procura dar aos entes locais status e prerrogativas comumente inexistentes na maioria dos Estados.


2. O surgimento do Município

            "O Municipalismo foi conhecido a partir de Roma", é o que afirma Iris Eliete Teixeira Neves de Pinho Tavares (1997, p. 169). A partir da República Romana, pode-se afirmar que o Município surgiu como unidade político-administrativa. O verdadeiro interesse dos romanos era a manutenção pacífica das cidades que os seus exércitos estavam conquistando.(MEIRELLES, 1996, p. 31).

            Paulino Jacques (1970, p. 48) leciona que Roma, depois de passados duzentos anos de Monarquia e quinhentos anos de República, passou a imprimir o regime municipal. Para este autor, foi Sila (80 a.C) "o verdadeiro instituidor do regime municipal romano". A estrutura municipal daquela época tinha a seguinte composição, descrita por Paulino Jacques (1970, p. 148):

            a) a assembléia dos cidadãos, que votava os estatutos (regulamentos e posturas) e nomeava (elegia) os magistrados; b) um conselho de 100 membros, que exercia as funções do Senado romano (controlava a ação da assembléia); c) quatro magistrados, que ministravam a justiça; d) os duumviri (equivalente a dois cônsules), os supremos magistrados da comunidade, os quais exerciam a censura; e) dois questores, que administravam os fundos; f) dois colégios de adivinhos pontífices e álgures, que exerciam as funções religiosas.

            Hely Lopes (1996, p. 31) destaca, ainda, que eram consideradas Municípios (municipium), as comunidades que auferiam vantagens, ou seja, que recebiam algum poder ou reconhecimento. José Nilo de Castro (1998, p. 32) fornece a etimologia da palavra:

            De conseqüência, as comunidades que recebiam essas vantagens chamavam-se Municípios, isto é, munus eris, quer dizer, na linguagem latina, dádivas, privilégios e capere (capio, is, cepi, captum, ere) verbo latino que significa receber. Daí, o Município etimologicamente explicado, aquela entidade que recebeu privilégios.

            Essas comunidades, consideradas Municípios, dividiam-se, ainda, em duas categorias: municipia caeritis e municipia foederata, conforme a maior ou menor autonomia dentro do direito italiano. No ano 40 antes de Cristo, a Lex Julia Municipalis, editada por Júlio César, estendeu o regime municipal a todas as colônias da Itália. Mais tarde, o sistema foi adotado nas Províncias conquistadas da Grécia, Gália e Península Ibérica (MEIRELLES, 1996, p. 31 - 32).

            Noticia José Nilo de Castro (1998, p. 33 - 34) que o Município romano estava em seu maior estágio, quando o Imperador Constantino passou a governar com absoluta centralização do poder, absorvendo-lhe as atribuições e importância.


3. O Município medieval

            O período da Idade Média, iniciado com a queda do Império Romano do Ocidente, foi marcado por poucas alterações no sistema municipal. Essa época se divide em dois períodos: um feudal e outro comunal.(CASTRO, 1998, p. 34). (2)

            Para Paulino Jacques (1970, p. 148), o início desse período foi ruim para as instituições romanas municipais: "... pouco a pouco, foram os Municípios absorvidos pelos feudos – grandes áreas que tinham como sede os castelos – e com as quais os reis agraciavam os seus cabos de guerra."

            Nesse primeiro período, o regime era de total concentração de poder nas mãos dos senhores feudais. Como todas as decisões eram centralizadas e arbitrárias, não existia qualquer sistema de leis administrativas, sendo, portanto, um período de estagnação ao desenvolvimento da organização local.(CRETELA JÚNIOR, 1981, p. 34 - 35).

            Na segunda fase (comunal), "o Município aparece como instituição genuinamente germânica" (CRETELA JÚNIOR, 1981, p. 35), pois que o estilo de organização romana não se coadunava com a vida "militar e quase nômade" dos cristãos visigodos. (3) Assim, a principal instituição municipal, que era o Conselho de Magistrados, foi substituída pelo conventus publicus vicinorum, que conforme Castro (1998, p. 34) era uma "assembléia composta de homens livres, com as competências próprias em diversas matérias, como a edilícia, a policial e a judicial." José Nilo de Castro acrescenta a seguinte informação:

            Datam deste período os fueros municipais (Cartas de garantias municipais), isto é, a qualidade de cidade, com independência e autonomia, reconhecida e atribuída pelos soberanos, pelas ordens eclesiásticas e militares, em sua própria autoridade, àquelas populações e aglomerações urbanas, à vista das reações generalizadas que se produziam contra o feudalismo, nas quais desempenharam papel importantíssimo, para a consolidação do poder real, as instituições municipais.

            "O ´´espírito comunal´´, nos séculos XI e XII, começou a renascer, como reação fatal e necessária ao ´´feudalismo´´" (JACQUES, 1970, p. 148). A cidade francesa de Mans foi a primeira a se revoltar contra a política dos barões, readquirindo a sua autonomia. Observando essa reação, diversas outras cidades passaram a restabelecer o seu poder, como, por exemplo, na França: Bouges, Tours e Narbona; na Itália: Florença, Veneza e Verona; na Alemanha: Hamburgo e Bremer, as quais passaram a se autodenominar "cidades livres". Na Espanha e em Portugal o municipalismo também se desenvolveu. No primeiro país, as cidades eram chamadas ajuntamientos e, em Portugal, foram criados os "conselhos de homens bons" (assembléias que governavam as cidades) (JACQUES, 1970, p. 149).

            Com o Renascimento, (4) houve um novo surto municipalista na Europa, mas, principalmente, na Inglaterra: "Os reis, unindo-se aos ´´Municípios´´, acabaram aniquilando o poder feudal, e, já no século XVI, consolidava-se a autoridade real, sem prejuízo da autonomia municipal."(JACQUES, 1970, p. 149) Assim como os ingleses, os franceses possuíam uma política centralizada; entrementes, o movimento local não foi tolhido, tendo, inclusive, desenvolvido-se o sistema comunal (JACQUES, 1970, p. 149).


4. O Município no Brasil

            Portugal e Espanha foram os países mais fiéis às concepções municipalistas de Roma. Por conseguinte, o Brasil seguiu a mesma influência, implantando, desde o início de sua colonização, os "Conselhos" que, logo, transformaram-se nas Câmaras Municipais. Com o desembarque de Pedro Álvares Cabral no Brasil, passaram a vigorar, nestas terras, as Ordenações do Reino de Portugal, através das quais "moldou-se a organização do município colonial."(VILLA, 1952, p. 12). Machado Villa (1952, p. 13) relata que as Ordenações Filipinas estabeleceram, de um modo geral, as funções que os Municípios exerciam através da Câmara.

            os Conselhos, já no início da colonização transformados em Câmaras, eram compostos de juízes ordinários, cuja insígnia era uma vara vermelha, que deviam carregar como símbolo da jurisdição, e tinham competência no crime e no cível, julgando ainda em última instância as questões de almotaceria; os vereadores, com atribuições tipicamente administrativas, entre elas a de fiscalizar o cumprimento das posturas do conselho, ´´verear´´, a de zelar pela conservação dos bens do patrimônio do município, a de guardar os documentos, a de superintender a fabricação do pão e a sua distribuição, em como a da carne verde, fixando preços honestos para esses gêneros, e a de organizar as processões; o procurador, que, pelas Ordenações, possuía atribuições predominantemente fiscalizadoras dos assuntos administrativos, mas que, no Brasil colonial, segundo referem os historiadores, teve as suas funções realmente alargadas, tornando-se o advogado do município, acompanhando-lhe as questões, e, ao mesmo tempo, o defensor dos colonos, cujas reclamações encaminhava à Câmara; os almotacés, com atribuições que correspondem ao poder de policia local, como zelar pelas condições de higiene e segurança nas ruas e demais logradouros, aferição de pesos e medidas, tendo também a função de julgar a aplicação de certas multas de pequena importância. Para os misteres menores ou de auxiliares figuravam o escrivão, o porteiro, o tesoureiro, os quadrilheiros e os recebedores de sisa.

            Em seguida, não houve expansão significativa dos Municípios, pois vigorava o regime das Capitanias Hereditárias. Os povoados que surgiam recebiam mais apoio da Igreja Romana do que dos donatários. Não obstante, os povoados organizavam-se e realizavam importantes obras, desempenhavam "relevantes atribuições de governo, de administração e de justiça." (MEIRELLES, 1996, p. 34).

            Percebe-se que, notadamente no século XIX, os Municípios tiveram grande participação nos importantes eventos históricos. Os relatos abaixo são de Paulino Jacques (1970, p. 149):

            Quase todos os grandes movimentos cívicos se originaram nas Câmaras: o de 1710, com o grito de República por Bernardo Vieira de Melo, na de Olinda; o do Fico, em 9-1-1822, nas Câmaras de São Paulo, Vila Rica e Rio de Janeiro, sob a influência de José Bonifácio e José Clemente Pereira; a outorga do título de ´´Defensor Perpétuo do Brasil´´, em 13-5-1822, ao príncipe D. Pedro, pela Câmara do Rio de Janeiro; a 23-5-1822, a representação para ser convocada uma Constituinte, pela mesma Câmara; a aprovação da própria Constituição em 1824, por algumas Câmaras; a confederação republicana de Pais de Andrade e Frei Caneca, em 1824, na de Olinda; o movimento de 1835-1845, com a República Rio-Grandense, sob Bento Gonçalves e Domingos de Almeida, na de Jaguarão; o de 1870, com o Manifesto Republicano, na de Itu; e o de 1888, com a representação da Câmara Municipal de São Borja sobre a conveniência de ser modificada a Constituição na parte que regulava a sucessão ao trono, de modo a afastar o conde D´´Eu.

            Esses acontecimentos confirmam que, de fato, as Câmaras eram o centro nervoso da vida política do Brasil (JACQUES, 1970, p. 149). Para José Nilo de Castro (1998, p. 38), esses fenômenos de atuação das Câmaras Municipais, desde o período colonial, "refletem a identidade do homem com seu torrão natal, o sentimento nativista, a relação de vizinhança a demonstrar a necessidade de se proverem os interesses locais em consonância com as aspirações de emancipação de um povo..."


5. O Município na Constituição de 1824

            Eugênio Franco Montoro (1975, p. 27) afirma que foi com a Independência do Brasil que "se iniciou a fase verdadeiramente brasileira de nossa história municipal". Assevera que a origem constitucional do Município brasileiro está no artigo 167 da Carta Magna de 1824. Até então, tratava-se de mero enxerto do modelo Português.

            O mesmo autor lembra que o projeto elaborado pelos constituintes não previa o Município para o texto constitucional de 1824. À lei ordinária ficaria o encargo de dispor sobre a matéria.

            Em cada comarca haveria um Presidente nomeado pelo Imperador, e por ele demissível. Em cada distrito, um Sub-Presidente e um Conselho de Distrito. Em cada termo, um administrador e um decurião, o qual seria Presidente da municipalidade. (MONTORO, 1975, p. 27).

            Mas, a Constituição de 1824 não seguiu essa orientação, dispondo da seguinte forma:

            Art. 167. Em todas as Cidades e Villas (5) ora existentes, e, nas mais, que para o futuro se crearem haverá Câmaras, às quaes compete o Governo econômico e Municipal das mesmas Cidades e Villas.

            Art. 168. As Câmaras são electivas, e compostas do número de Vereadores que a Lei designar, e o que tiver o maior número de votos, será Presidente.

            Art. 169. O exercício de suas funcções municipais, formação das suas Posturas policiais, applicação das suas rendas, e todas as suas particulares, e úteis attribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar. (CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1985, p. 649).

            Franco Montoro (1975, p. 28) lembrou que, na época dessa assembléia constituinte, havia duas correntes nítidas relativamente à natureza jurídica do governo local. Uma defendendo a autonomia dos Municípios insertos numa federação de províncias; outra fiel ao poder central rígido, defendendo o caráter meramente administrativo do poder municipal. A Lei regulamentar, mencionada pelo art. 169 da Constituição de 1824, foi editada em 1º de outubro de 1828. Restou declarado nessa Lei (artigo 24): "serem as Câmaras corporações meramente administrativas, não exercendo jurisdição alguma contenciosa." (MONTORO, 1975, p. 28). Vitória, portanto, dos defensores do governo unitário e centralizador.

            Hely Lopes Meirelles (1996, p. 35) faz a seguinte observação:

            Essa lei surgiu em 1.10.1828, disciplinando o processo da eleição dos vereadores e juízes de paz e catalogando todas as atribuições da novel corporação, mas, com surpresa para os que tinham lobrigado a autonomia municipal nos dispositivos constitucionais, trouxe ela para as Municipalidades a mais estrita subordinação administrativa e política aos Presidentes das Províncias. Assim, as franquias locais, que repontavam na Carta Imperial, feneciam na lei regulamentar.

            Exsurge, destarte, que o Município estava melhor posicionado no período colonial, quando suas prerrogativas legais eram mais consentâneas com suas finalidades institucionais, ou seja, o ente local detinha mais autonomia na fase colonial do que na imperial, podendo, com isso, suprir melhor as necessidades da comunidade.

            A Constituição Imperial teve um Ato Adicional (Lei n.º 16 de 12.08.1834) que optou pela descentralização do Estado; entrementes, ao mesmo tempo em que concedia um benefício aparente aos Municípios, estes perdiam ainda mais sua autonomia. É que o artigo 10 da mencionada Lei subordinava as Municipalidades, em questões de exclusivo interesse local, às Assembléias Legislativas Provinciais. Para Visconde de Uruguai (apud CASTRO, 1998, p. 40), o Ato Adicional foi o germe de morte das liberdades municipais. Posteriormente, foi editada a Lei 105, de 12 de maio de 1840, denominada Lei Interpretativa – "interpretando alguns artigos da reforma constitucional imperial, sem, contudo, melhorar o regime municipal, em face, quer da Constituição, quer da Lei 28 e do Ato Adicional." (CASTRO, 1998, p. 40).

            Hely Lopes Meirelles (1996, p. 36), relata que

            ... a Lei 105 procurou remediar o mal, dando interpretação mais ampla a dispositivos do Ato Adicional, de modo a restituir algumas franquias ao Município. Nem assim ficaram as Municipalidades aptas a uma boa administração, porque a Lei regulamentar de 1828, que uniformizara toda a organização dos Municípios, não lhes dava órgãos adequados às suas funções.

            Para Franco Montoro (1975,p. 32) "se o Ato Adicional foi um passo à frente em direção ao federalismo, a Lei de Interpretação, lei 105, de 12 de maio de 1840, foi uma parada, se não uma marcha ré."

            Os Municípios atravessaram o Império sem rendas próprias para prover as suas demandas e sem possibilidade de exercício autônomo do poder de polícia.

            A figura do Prefeito Municipal foi criada pela Província de São Paulo, através da Lei 18, de 11.4.1835. Até então, as localidades não possuíam um agente executivo. Existia apenas o Procurador Municipal, que era mero empregado da Câmara, encarregado basicamente de fiscalizar e aplicar as rendas do Conselho Deliberativo do Município (MEIRELLES, 1996, p. 36).

            Hely Lopes (1996, p. 35) resume a situação rasa vivida pelos Municípios durante o Império:

            O centralismo provincial não confiava nas administrações locais e poucos foram os atos de autonomia praticados pelas Municipalidades, que, distantes do poder central, e desajudadas pelo governo da Província, minguavam no seu isolamento, enquanto os presidentes provinciais cortejavam o Imperador, e o Imperador desprestigiava os governos regionais, na ânsia centralizadora que impopularizava o Império.

            Constata-se, assim, que durante o Império (Constituição de 1824) as localidades ficaram sujeitas aos mandos imperiais que, de forma alguma, poderiam reconhecer as necessidades da população distante da metrópole.


6. O Município na Constituição de 1891

            A Constituição Republicana de 1891 reservou o título n.º III, com apenas um artigo, exclusivamente ao Município, prevendo, ali, expressamente a autonomia municipal: "Art. 68. Os Estados organizar-se-hão de fórma que fique assegurada a autonomia dos municipios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse."(CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1985, p. 586).

            A nova ordem, imposta pela Constituição de 1891, foi inspirada no figurino norte-americano. Operou tríplice transformação: "a forma de governo, de monárquica passa a republicana; o sistema de governo, de parlamentar transmuda-se em presidencial; a forma de estado, de unitária converte-se em federal". (BARROSO, 1993, p. 11).

            Apesar da previsão constitucional sobre autonomia municipal, esta, na verdade, foi apenas simbólica.

            Durante os 40 anos em que vigorou a Constituição de 1891 não houve autonomia municipal no Brasil. O hábito do centralismo, a opressão do coronelismo e a incultura do povo transformaram os Municípios em feudos de políticos truculentos, que mandavam e desmandavam nos ´´seus´´ distritos de influência, como se o Município fosse propriedade particular e o eleitorado um rebanho dócil ao seu poder. (MEIRELLES, 1996, p. 37).

            José Afonso da Silva (1991, p. 71) afirma que "o sistema constitucional implantado enfraquecera o poder central e reacendera os poderes regionais e locais, adormecidos sob o guante do mecanismo unitário e centralizador do império". Afonso da Silva referiu-se, na verdade, ao afloramento dos movimentos regionais e locais, mas não que tais movimentos tivessem redundado em progresso imediato e efetivo aos interesses municipais. Nessa novel federação, as Províncias passaram a ser denominadas de Estados, elevando, assim, sua influência política e administrativa. O mesmo não ocorreu com os Municípios.

            No tocante à autonomia municipal, o texto constitucional foi notoriamente impreciso. Limitou-se em estabelecer que os Estados-membros deveriam assegurar a autonomia dos Municípios, em tudo quanto respeitasse ao seu peculiar interesse (art. 68). Para Paulino Jacques (1970, p. 150), essa expressão representou algo indeterminado – "nada mais vago" – em suas próprias palavras.

            Nessa época, a Lei Orgânica dos Municípios era elaborada pelas Assembléias Legislativas em quase todos os Estados. Alguns, porém, agindo mais democraticamente, atribuíam essa prerrogativa aos Municípios. Eram eles: Rio Grande do Sul, Pará e Goiás.

            Surgiam, ainda, outras questões em relação à autonomia dos Municípios. No projeto que serviu de base aos trabalhos da constituinte, elaborado por Rui Barbosa, constava, juntamente com a autonomia das administrações locais, a eletividade dos seus administradores; contudo, após várias emendas, tal previsão foi suprimida (MONTORO, 1975, p. 40).

            Duas discussões afloraram em razão desses fatos. A primeira era para saber se a eletividade dos administradores municipais já estava imbricada na previsão de autonomia e, a segunda, se a autonomia municipal era inerente ao sistema federativo. Ambas as interpretações vieram em favor do Estado e em prejuízo dos Municípios. A eletividade restou facultada aos Estados através de lei. Seguindo o mesmo vetor, passou-se a considerar que a autonomia municipal não é inerente ao sistema federal, calcando-se nos exemplos de federações como os Estados Unidos, Suíça, e Argentina (MONTORO, 1975, p. 38-41).

            Para Franco Montoro (1975, p. 38-41),

            do ponto de vista estritamente jurídico, a autonomia dos Estados e dos Municípios deveria ser respeitada. No entanto, o modelo adotado pela Constituição era criação engenhosa de juristas e dos militares, afastados da realidade política e social então existente.

            Segundo o mesmo autor, durante a chamada Primeira República, os Estados e Municípios foram transformados em verdadeiros feudos dos poderosos. "Nessa atmosfera de opressão, as instituições locais não puderam encontrar campo para o seu desenvolvimento." (p. 41)

            Para Victor Nunes Leal (1975, p. 101), "o próprio poder central se consolidou através de um sistema de concentração do poder provincial", processando-se através do enfraquecimento do Município.

            Em razão desse grande poder adquirido pelos Governadores de Estados, instalou-se a "política dos governadores", notadamente porque a eleição não se dava mais por simples indicação do poder central como no Império. Criou-se, assim, o que Victor Nunes Leal (1975, p. 101) chamou de "um sistema de compromissos". Vale transcrever a explicação de Leal:

            Assim como nas relações estaduais-federais imperava a ´´política dos governadores´´, também nas relações estaduais-municipais imperava a ´´política dos coronéis´´. Através do compromisso típico do sistema, os chefes locais prestigiavam a política eleitoral dos governadores e deles recebiam o necessário apoio para a montagem das oligarquias municipais. Para que aos governadores, e não aos ´´coronéis´´, tocasse a posição mais vantajosa nessa troca de serviços, o meio técnico-jurídico mais adequado foi justamente as limitações à autonomia das comunas.

            Assim se vê como os nossos juristas-idealistas, que pretendiam limitar o poder dos municípios para impedir as oligarquias locais, acabaram dando aos governadores os meios de que se serviram eles para montar, em seu proveito, essas mesmas oligarquias locais, fundando, assim, as oligarquias estaduais que davam lugar, por sua vez, a esta outra forma de entendimento – entre os Estados e a União–, que se conhece em nossa história por ´´política dos governadores´´.

            Os governadores "conquistavam" o apoio político dos coronéis (6) através de nomeações, favores, empréstimos, obras públicas e outras formas. Mas, quando isso não era suficiente, um destacamento policial se encarregava de realizar o convencimento do líder recalcitrante, sob pena de o Estado colaborar com "outra corrente política municipal" (LEAL, 1975, p. 103). Obviamente, esses atos estavam impregnados de violência.

            Assim, a sistemática da recém-criada República Federal proporcionou o fortalecimento das oligarquias estaduais, através da troca de apoio aos chefes locais (coronéis) e em prejuízo das comunidades municipais.

            Nesse passo, os Municípios seguiram com prefeitos eleitos ou nomeados na forma disposta pela legislação Estadual. Afirma Hely Lopes (1996, p. 37) que "as eleições eram de antemão preparadas, arranjadas, falseadas ao desejo do ´´coronel´´. [...] E, nessa atmosfera de opressão, ignorância e mandonismo, o Município viveu quatro décadas, sem recurso, sem liberdade, sem progresso, sem autonomia."

            Victor Nunes Leal (1975, p. 30-36) retratou essa política municipalista vivenciada até 1946 com as seguintes palavras: "da parte dos chefes locais, incondicional apoio aos candidatos do oficialismo nas eleições federais e estaduais; da parte da situação estadual, carta branca ao chefe local governista em todos os assuntos relativos ao Município."

            Embora, em 1926, houvesse uma reforma constitucional, tendo a autonomia municipal sido elevada à categoria de princípio constitucional, a alteração foi insensível no plano fático.


7. O Município na Constituição de 1934

            Em razão da revolução de 1930 e a queda dos homens da Velha República, a corrente social-democrática influenciou sensivelmente a elaboração da Constituição de 1934. Esse período foi um Renascimento ao Municipalismo (MEIRELLES, 1996, p. 38).

            No período entre 1930 e 1934, foram criados Conselhos Municipais que analisavam as contas das administrações e opinavam sobre a conveniência de empréstimos externos. Essas novas exigências obrigaram os Municípios: a) à prestação periódica de contas; b) ao desenvolvimento de técnicas de contabilidade pública; e c) à elaboração de orçamentos municipais.

            Diante dessas obrigações,

            manifestou-se, de forma bastante clara, a necessidade de serem previstos maiores recursos para os Municípios, o que veio a ser reconhecido pela Constituição de 1934, e a necessidade de serem estabelecidos mecanismos de fiscalização financeira das administrações locais. (MONTORO, 1975, p. 47).

            Hely Lopes corrobora este pensamento, asseverando o seguinte: mais do que a necessidade de um governo próprio, o ente local carecia "de rendas próprias, que assegurassem a realização de seus serviços públicos e possibilitassem o progresso material do Município." (MEIRELLES, 1996, p. 38).

            O constituinte de 1934 consignou, enfim, de forma mais clara, os parâmetros da autonomia municipal. Além disso, constou expressamente no texto constitucional a eletividade de prefeitos e vereadores, podendo aqueles serem eleitos por estes. Ao Município foi, atribuída renda própria, podendo ele decretar os "seus impostos e taxas, e a arrecadação e aplicação de suas rendas" bem como "a organização de serviços de sua competência." (7)

            Hely Lopes (1986, p. 38) afirma que: "Pela primeira vez uma Constituição descia a tais minúcias, para resguardar um princípio tão decantado na teoria quanto esquecido na prática dos governos anteriores". Para José Nilo de Castro (1998, p. 41), a Constituição de 1934 "foi inovadora na organização municipal, pois propiciou o afastamento do mandonismo político dos Estados que, no regime anterior, pelas Constituições e por suas Leis de Organização Municipal, oprimiam os Municípios".

            Foi impossível aferir os resultados práticos de tais alterações, haja vista que a Carta de 1934 durou pouco mais de três anos, quando foi revogada pela Carta promulgada por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937.


8. O Município na Constituição de 1937

            Com o Estado Novo, criado pelo golpe ditatorial de 1937, caracterizado por Hely Lopes (1996, p. 38) como um "misto de corporativismo e socialismo, temperado com algumas franquias democráticas", as previsões constitucionais não passaram de letra morta, sujeitas aos desmandos do poder central, consoante assinalado pelo próprio Getúlio Vargas:

            Por outro lado, as novas formações partidárias, surgidas em todo o mundo, por sua própria natureza refratária aos processos democráticos, oferecem perigo imediato para as instituições, exigindo, de maneira urgente e proporcional à virulência dos antagonismos, o reforço do poder central. (apud SILVA, 1991, p. 74)

            A Constituição de 1937 manteve a discriminação das rendas municipais, subtraindo o Imposto Cedular sobre a renda dos imóveis rurais. (8)

            A autonomia dos municípios foi gravemente afetada nesse período. Os Prefeitos passaram a ser nomeados pelos Governadores dos Estados (Interventores Federais) (9) e a previsão de eleição para Vereador apenas ilustrou o texto constitucional que nunca foi obedecido. (10) Acima do Prefeito, estava ainda o Conselho Administrativo Estadual, órgão controlador das atividades municipais.

            As Câmaras Municipais perderam completamente sua função democrática, visto que todo o poder decisório estava atrelado unicamente ao Prefeito. Para Hely Lopes Meirelles: "Pode-se afirmar, sem vislumbre de erro, que, no regime de 1937, as Municipalidades foram menos autônomas que sob o centralismo imperial." (1996, p. 39). O autor municipalista afirma isso, porque, na Monarquia, as Câmaras deliberavam as necessidades locais, levando os pedidos aos Presidentes de Província, enquanto no regime em comento, o Prefeito agia discricionariamente, sem qualquer colaboração.

            Montoro (1975, p. 53) lembra de uma previsão constitucional de 1937 que nunca foi posta em prática: "As Câmaras Municipais, formadas por Vereadores eleitos diretamente pela população, participariam do processo de escolha dos membros da Câmara dos Deputados". Os vereadores participariam, também, do colégio eleitoral do Presidente da República, conforme o artigo 82 da Constituição de 1937. Todavia, tais disposições nunca foram aplicadas.

            José Afonso da Silva (1991, p. 74) descreve que:

            A Carta de 1937 não teve, porém, aplicação regular. Muitos de seus dispositivos permaneceram letra morta. Houve ditadura pura e simples, com todo o Poder Executivo e Legislativo concentrado nas mãos do Presidente da República, que legislava por via de decretos-leis que ele próprio depois aplicava, como órgão do Executivo.

            Assim, a autonomia municipal também foi vítima do autoritarismo e da centralização impostos na era Vargas. A não observância dos preceitos legais conquistados pela movimentação social prejudicaram o ente municipal e, via de conseqüência, os cidadãos, conforme se infere ter ocorrido na ditadura.


9. O Município na Constituição de 1946

            Em 1945, as Forças Armadas depuseram o Governo Ditatorial, renascendo o movimento democrático, que culminou com a Constituição de 18 de setembro de 1946. Para Celso Ribeiro Bastos (1993, p. 217) "o período róseo do municipalismo brasileiro é vivido por ocasião do Texto Constitucional de 1946." O mesmo autor noticia que nessa Constituinte, a corrente municipalista foi forte, revivescendo o tradicional conceito de peculiar interesse.

            O peculiar interesse municipal, por força de uma interpretação jurisprudencial encampada na década de 30, deixa de ser a expressão de uma idéia vaga e imprecisa, para significar tudo aquilo que fosse de interesse predominante do município.

            Além de manter o critério distributivo da renda pública, através da identificação dos tributos na Constituição, houve também repartição de competência entre a União, os Estados e os Municípios, "de modo a não comprometer a Federação, nem ferir a autonomia estadual e municipal", na opinião de Hely Lopes Meirelles (1996, p. 39). No tocante ainda às receitas públicas, destaca-se, também, que o Município, pela primeira vez, passou a ter – além dos tributos a ele atribuídos – participação na arrecadação da União e dos Estados. (11)

            Para Hely Lopes Meirelles (1996, p. 39), essa Constituição estabeleceu simetria entre o governo municipal e as demais esferas, dispondo um novo sistema político municipal, integrado agora por Poderes Executivo e Legislativo. Segundo o mesmo autor, na Constituição de 1946, a autonomia política, administrativa e financeira foi assegurada

            pela eleição do prefeito e dos vereadores (art. 28, I); pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse e especialmente à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação de suas rendas, bem como à organização dos serviços públicos locais (art. 28, II).

            Outra grande conquista do Município, na Constituição de 1946, foi a possibilidade de se invocar o Supremo Tribunal Federal, caso as Leis Estaduais ferissem a autonomia municipal. A argüição de inconstitucionalidade das Leis Estaduais dava-se por representação do Procurador-Geral da República, (12) e, caso fosse julgada procedente, era decretada a intervenção.

            O princípio era o da não intervenção, conforme consagrado pelo artigo 7º da Carta Magna, mas, entre as exceções previstas, estava a de intervir nos Estados para preservar a autonomia municipal (inciso VII, alínea e).

            Para Raul Machado Horta (1982, p. 113), a Constituição de 1946 possibilitou que o Supremo Tribunal Federal também se manifestasse sobre a autonomia municipal. O autor cita três exemplos de representação, nas quais o Supremo fundamentou a inconstitucionalidade de dispositivos de Constituições Estaduais por violação da autonomia municipal.

            Declarou a inconstitucionalidade dos artigos 34 e 104 da Constituição do Estado do Ceará, na Representação n.º 295. "No artigo 34, a Constituição autorizava suspender a execução das leis, posturas e atos da administração municipal." (HORTA, 1982, p. 114). Já o artigo 104 atribuía à Assembléia Legislativa competência para anular leis, resoluções e atos municipais, nos casos que indicava.

            Na Representação n.º 314, o Supremo declarou a inconstitucionalidade do artigo 104 da Constituição do Rio de Janeiro, cujo teor era o mesmo do artigo 104 da Constituição do Ceará.

            No terceiro caso, o artigo 91 da Constituição do Estado de Minas Gerais foi declarado inconstitucional através da representação n.º 350, pois que previa "recurso, com efeito suspensivo, para o Tribunal de Contas ou a Assembléia Legislativa, de decisão da Câmara Municipal que impusesse a perda do cargo ao Prefeito." (HORTA, 1982, p. 114).

            Em 1964, a revolução armada lançou por terra grande parte dessas conquistas municipais. As ditaduras sempre tiveram como destaque a centralização do poder e, conseqüentemente, o enfraquecimento dos poderes locais.

            Primeiro foi "a criação de municípios tidos por relevantes para a segurança nacional e a proliferação daqueles considerados estâncias hidrominerais", como artifícios – segundo Celso Bastos – para infirmar a locução peculiar interesse, visto que os interesses passavam a ser nacionais e não mais locais, sonegando assim a autonomia aos Municípios. (1993, p. 217)

            Posteriormente, o governo central retirou dos Municípios os meios financeiros de que dispunham. Através da Emenda Constitucional n.º 18, de 1.12.1965, foi revogado o artigo 29 da Constituição de 1946, o qual previa a participação dos Municípios na receita Estadual e da União. Informa Celso Ribeiro Bastos que "do total da arrecadação tributária brasileira, apenas 7% era atribuído ao Município. Mais de 60% destinava-se aos cofres da União" (BASTOS, 1993, p. 217).

            Assim, a expectativa em torno da municipalização ficou afetada pelo total desrespeito às normas constitucionais, bem como pela facilidade com que as vantagens eram oferecidas e seguidamente retiradas das comunidades locais.


10. O Município na Constituição de 1967

            Eugênio Franco Montoro (1975, p. 67-70) registrou alguns fatos que antecederam a Constituição de 1967. Dentre eles, a formação de uma comissão de juristas integrada por Levi Carneiro, Orozimbo Nonato, Seabra Fagundes e Themistocles Cavalcanti, a qual ficou encarregada de elaborar um anteprojeto de Constituição. O trabalho gerou forte polêmica, razão por que o Governo acabou por apresentar ao Congresso outro projeto, muito diferente daquele elaborado pelos juristas. Levi Carneiro, em pronunciamento ao Congresso Nacional, declarou que o trabalho foi praticamente inútil. (ANAIS, da Constituição de 1967 apud MONTORO, 1975, p.69)

            Todas as conquistas até então alcançadas pelos Municípios estavam sucumbindo. Para Diogo Lordello de Mello (ANAIS, da Constituição de 1967 apud MONTORO, 1975, p.78), a "autonomia municipal e a federação entraram em grave crise com o esquema centralizador da nova Constituição".

            No projeto apresentado pelo governo, os Municípios passavam a ser meras entidades administrativas dos Estados. Entretanto, estranhamente, o projeto mantinha a intervenção federal, caso fosse desrespeitada a autonomia municipal.

            Na opinião de Raul Machado Horta (1982, p. 114), a Constituição de 1967 trouxe duas inovações à concepção de Município: "A primeira, de natureza puramente formal", criando um capítulo destinado às competências dos Estados e dos Municípios (capítulo III). Horta considerou esta inovação apenas formal por dois motivos: por não ter inserido expressamente o Município na Federação brasileira em seu artigo 1º; (13) e, porque não houve distribuição de competências entre as esferas governamentais. Machado Horta já reivindicava, portanto, nessa época, a inserção constitucional do Município como ente da federação. A segunda inovação apontada por Horta (1982, p. 115) foi a dilatação das matérias de interesse municipal reguladas diretamente pelo Governo Federal, em detrimento da autonomia dos Estados-membros.

            Exemplo disso foi a implantação de exigências para a criação de novos Municípios, conforme critérios definidos em Lei Complementar Federal (apud JACQUES, 1970, p. 153):

            população superior a 10.000 habitantes e não inferior a cinco milésimos da população do Estado; b) eleitorado mínimo de 10% da população; c) centro urbano já constituído com um mínimo de 200 casas; d) uma arrecadação no último exercício correspondente, pelo menos, a cinco milésimos da receita estadual de impostos; e) plebiscito para consulta à população da área territorial interessada (arts. 2º e 3º da Lei Complementar n.º 1).

            A inovação representou uma perda aos Estados-membros, uma vez que, até então, essa competência de regular a criação de Municípios lhes dizia respeito. Mais uma vez, o poder central se fortalecia.

            A CF/67 criou mais uma possibilidade de intervenção da União nos Estados-membros, esta para garantir que as quotas tributárias fossem realmente entregues aos Municípios. (14) Previu, ainda, mais uma hipótese de intervenção dos Estados-membros nos Municípios: "quando a administração municipal não prestar contas a que esteja obrigada na forma da lei estadual", (15) o que foi uma evolução à moralidade.

            Tornou obrigatória a nomeação dos prefeitos das capitais e das estâncias hidrominerais pelo Governador do Estado, o que, pela Carta de 1946 era facultativo. Além disso, permaneceu a nomeação dos Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional, cujos nomes deveriam ser – antes de efetivamente nomeados pelo Governador de Estado – aprovados pelo Presidente da República.

            Outro fato a ser destacado é que, a partir da Carta de 1967, as Constituições Federais passaram a prever o número de vereadores aos Municípios. Nesta, o número foi fixado em vinte e um.

            Em 13/12/1968, o Ato Institucional n.º 5 (AI-5) modificou substancialmente a Lei Fundamental, prejudicando a aplicação do texto básico. Iris Eliete Teixeira Neves de Pinho Tavares (1997, p. 179) relata que o AI-5

            ... no seu art. 2º, estabelece, para o Presidente da República, o poder de decretar o recesso dos poderes legislativos federal, estaduais e municipais; no art. 3º, autoriza a intervenção, por ordem do Presidente da República, nos Estados e nos Municípios, sem limitações constitucionais; ficam suspensos os direitos políticos (art. 4º), bem como garantias constitucionais e legais (art. 6º).

            Dessarte, os Municípios perderam sua autonomia em tríplice aspecto: político, financeiro e administrativo. Seguiram ao AI-5 diversos outros Atos Institucionais e Complementares modificadores do regime constitucional, afetando muitos deles os Municípios.

            O Ato Institucional n.º 12 afastou o Presidente Costa e Silva, por impossibilidade de governar em razão de enfermidade, atribuindo o Poder Executivo aos Ministros da Marinha, Guerra, Exército e Aeronáutica.


11. O Município na Constituição de 1967 com a Emenda n.º 1/69:

            Menos de dois meses após os Ministros assumirem o poder para completar o governo do Marechal Costa e Silva, foi expedido um novo texto constitucional, denominado Emenda Constititucional n.º 1, promulgado em 17.10.69, entrando em vigor em 30.11.69.

            Embora a opinião não seja unânime, muitos constitucionalistas defendem a posição de que o documento de 1969 não foi meramente uma emenda, mas, tecnicamente, tratou-se de uma nova Constituição que, inclusive, alterou sua denominação. Ao invés de Constituição do Brasil, passou a chamar-se Constituição da República Federativa do Brasil. (SILVA, 1991, p. 78) (16)

            Para Eugênio Franco Montoro (1975, P. 82), "foram pequenas as modificações trazidas pela Emenda Constitucional n.º 1, quanto ao regime municipal, pois, foi praticamente mantido o sistema instituído pela Constituição de 1967". Paulino Jacques (1970, p. 153) assevera que as alterações se deram em apenas dois aspectos: em relação à intervenção nos Municípios e à fiscalização financeira e orçamentária. Mas, foi Raul Machado Horta (1982, p. 115), em 1982, quem identificou com precisão a importância das alterações efetuadas na Carta de 1969. Hoje se pode fazer essa afirmação, devido à confirmação da tendência apresentada pelo autor no texto Constitucional de 1988. Horta diz que a Emenda n.º 1, de 1969

            ... aprofundou o movimento de dilatação da matéria municipal na Constituição Federal. Esse movimento de absorção foi igualmente intenso nas duas direções que ele adotou. A direção no rumo da federalização de temas municipais pela sua retirada da área das Constituições Estaduais, ou dos poderes reservados, e sua conversão em temas da Constituição Federal e da legislação federal, conforme tendência consagrada no texto constitucional originário e já anotada.

            Destarte, as alterações do texto constitucional em 1969 podem ter sido parcas, consoante afirmam os autores antes citados; todavia, significaram a abertura do caminho para a efetivação, pelo menos formal, do Município como ente federado.

            Dentre outros dispositivos de interesse direto dos Municípios, a Constituição de 1969 passou a exigir dos entes locais a aplicação de pelos menos 20% (vinte por cento) da receita tributária municipal no ensino primário. É o início de mais uma tendência que passou a se dilatar, a saber, o controle federal da aplicação dos recursos dos Municípios.

            Foram estabelecidas novas formas para à fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios, através de órgãos competentes de controle interno e externo. Ao controle externo, a Câmara Municipal, auxiliada pelo Tribunal de Contas ou pelo órgão estadual a que fosse atribuída essa competência (17), ao qual passou o dever de emitir parecer anual prévio, sobre as contas municipais. Ao controle interno, o Executivo Municipal.

            Para Raul Machado Horta (1982, p. 114), a Constituição de 1969 equiparou o Município à União, aos Estados e ao Distrito Federal, quando o tornou "destinatário das normas tributárias de vedação". (18) Segundo o mesmo autor, as Constituições anteriores não consignaram explicitamente essa regra, pois que sempre seguiram uma linha federalista que não comportava o Município na repartição federal de competências.

            A Constituição subseqüente à de 1969 é a de 1988. Suas principais características, no que concerne à evolução municipal diante das constituições brasileiras, passarão a ser analisadas abaixo.


12. O Município na Constituição de 1988

            Atendendo à reivindicação de municipalistas como Hely Lopes Meirelles e Diogo Lordello de Melo, na Carta de 1988 o Município passou a integrar o texto constitucional como ente federado (SILVA, 1991, 408). Para Meirelles (1996, p. 42), houve a correção de uma falha das Constituições anteriores, posto que o Município sempre foi "peça essencial da organização político-administrativa brasileira." Porém, para José Afonso da Silva (1991, p. 438) e José Nilo de Castro (1998, p. 53), dentre outros, a participação expressa, no texto constitucional, do Município como ente federado é um equívoco.

            Na Constituição de 1988, houve ampliação da autonomia municipal, outorgando-se aos Municípios o poder de elaborar sua própria Lei Orgânica. (19) Noticia Hely Lopes (1996, p. 42) que, anteriormente ao novo texto, somente o Estado do Rio Grande do Sul fazia essa concessão. Foram proibidas nomeações de Prefeitos para quaisquer Municípios, independentemente de serem considerados área de interesse para a segurança nacional ou estância hidromineral. Agora, também os Prefeitos passaram a ser eleitos pelo voto direto e simultâneo, realizado em todo o país, a exemplo do que já ocorria com os vereadores. (20)

            O Município recebeu algumas competências comuns (art. 23) com a União, os Estados e o Distrito Federal como, por exemplo: zelar pela guarda da Constituição e das instituições democrática; cuidar da saúde e assistência públicas; proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; proteger o meio ambiente, etc; mas, também, conquistou competências privativas (art. 30), dentre elas, a de legislar em assuntos de interesse local, nova redação dada à antiga expressão peculiar interesse.

            A fiscalização do Município continuou a ser exercida internamente pelo Poder Executivo e externamente pela Câmara de Vereadores, auxiliada esta pelo Tribunal de Contas, que emite parecer anual prévio.

            A receita municipal foi ampliada com a Constituição de 1988. Além dos impostos municipais: predial e territorial urbano; sobre transmissão inter vivos; e o sobre serviços de qualquer natureza, (21) o Município passou a ter participação maior nos impostos federais e estaduais. (22)

            Para José Nilo de Castro (1998, p. 42), o Município alcançou, na Carta de 1988, "a consagração máxima que se podia vislumbrar dentro do contemporâneo municipalismo, para a autonomia municipal e seu regime jurídico-constitucional."

            Assim, verifica-se que o Município recebeu, na Constituição de 1988, maiores poderes políticos e administrativos do que possuía anteriormente.


Considerações finais:

            Diante das considerações acima, podemos inferir alguns aspectos conclusivos, os quais merecem ser ponderados a seguir.

            A autonomia da municipalidade tem recebido, ao longo da história constitucional brasileira, tratamento inconstante. Conforme o poder central muda seus "atores", modificam-se também as estruturas e as autonomias locais. Alguns concedem franquias maiores e outros, menores. Essa constatação leva a concluir que, no Brasil, embora as Constituições e as legislações infraconstitucionais proclamem autonomias e poderes aos entes locais, tais não passam de liberalidades do poder central. Assim, é inegável o predomínio da cultura unitarista brasileira, contrariamente aos postulados da descentralização. O próprio sistema Constitucional de competências de 1988 denuncia esse fato. Praticamente todos os poderes estão nas mãos da União, a despeito da inclusão do Município enquanto ente federado.

            Verificamos, ainda, que os Municípios estão engessados pela Constituição numa organização arcaica e ineficiente, faltando-lhe, principalmente, profissionalismo. A gestão dos negócios comunais não pode ficar ao alvedrio dos interesses do grupo que comanda temporariamente a municipalidade. Esse fato depõe contra o verdadeiro "interesse local".

            A administração municipal perde muito com a atual estrutura de predomínio político (ou seria predomínio "de políticos"?), porque não possibilita aquilo que é o seu grande trunfo: a participação popular. Com ela, evoluiríamos muito em cidadania, em democracia (participativa) e, enfim, em cultura de descentralização.

            Finalizando, podemos afirmar, salvo melhor juízo, o seguinte: para que o poder local se liberte dessa inconstância constitucional, é mister, portanto, o fortalecimento, de fato, de instituições municipalistas verdadeiramente locais. Não de benesses temporárias do poder central, mas sim, de conquistas reais ao exercício efetivo da autonomia.


Referências Bibliográficas:

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Notas

            1 José Nilo de Castro (1998, p. 31) discorre sobre a influência da religião: "Espírito essencialmente religioso, o homo antiquus, carecendo de viver já em comunidade, em cidade, cuja localização era indicada pela divindade – daí o apego a seu torrão natal, o nativismo que vincula os homens ao seu rincão que o viu nascer -, tinha na divindade, na presença de seus deuses, a força de sua vida."

            2 Em mesmo sentido está Cretela Júnior (1981, p. 34).

            3 Visigodos eram denominados aqueles oriundos da região oeste da Germânia. Eram chamados "Bárbaros" pelos gregos e romanos, pois que eram estrangeiros.

            4 Movimento em prol da recuperação da Antigüidade Clássica, em 1450.

            5 "No Império, a diferença entre cidade e vila identificava-se apenas pelo critério democrático e pela composição dos membros das Câmaras Municipais. É que as Câmaras das cidades eram compostas de nove membros, além do secretário, e as das vilas, de sete. A eleição municipal fazia-se de quatro em quatro anos, com domicílio eleitoral das assembléias paroquiais (art. 92, da Constituição Imperial), tendo dois anos de domicílio eleitoral, no termo paroquial, para as eleições primárias." (CASTRO, 1998, p. 38)

            6 Coronéis "eram, de ordinário, os mais opulentos fazendeiros ou os comerciantes e industriais mais abastados, os que exerciam, em cada município, o comando-em-chefe da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que a direção política, quase ditatorial, senão patriarcal, que lhes confiava o governo provincial. Tal estado de coisas passou da Monarquia para a República, até ser declarada extinta a criação de Feijó. Mas o sistema ficou arraigado de tal modo na mentalidade sertaneja, que até hoje recebem popularmente o tratamento de ´´coronéis´´ os que têm em mãos o bastão de comando da política edilícia ou os chefes de partidos de maior influência na comuna, isto é, os mandões dos corrilhos de campanário." (LEAL, Victor Nunes. op. cit. p. 21.)

            7 Constituição de 1934 "Art. 13. Os Municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e especialmente: I. a electividade do Prefeito e dos Vereadores da Câmara Municipal, podendo aquelle ser eleito por esta; II. a decretação dos seus impostos e taxas, e a arrecadação e applicação das suas rendas; III. a organização dos serviços de sua competência. § 1º - O Prefeito poderá ser de nomeação do governo do Estado no município da Capital e nas estâncias hydromineraes. § 2º - Além daquelles de que participam, ex vi dos artigos 8º, § 2º, e 10, parágrafo único, e dos quais lhes forem transferidos pelo Estado, pertencem aos Municípios: I. o imposto de licenças; II. os impostos predial e territorial urbanos, cobrado o primeiro sob a forma de décima ou de cedula de renda; III. o imposto sobre diversões públicas; IV. o imposto cedular sobre a renda dos inmoveis ruraes; V. as taxas sobre serviços municipaes. § 3º - É facultado ao Estado a creação de um órgão de assistência technica à administração municipal e fiscalização de suas finanças. § 4º - Também lhe é permitido intervir nos Municípios, afim de lhes regullarizar as finanças, quando se verificar impontualialidade nos serviços de emprestimos garantidos pelo Estado, ou a falta de pagamento da sua dívida fundada por dois annos consecutivos, observadas, naquilo em que forem aplicáveis, as normas do artigo 12." (apud CAMPANHOLE e CAMPANHOLLE, 1985, p. 509)

            8 O art. 28 da Constituição brasileira de 1937 elencou os tributos municipais.

            9 "Ao golpe de 10 de novembro, seguiu-se um regime interventorial nos Estados e Municípios. O interventor era um preposto do ditador, e os prefeitos, prepostos do interventor. Todas as atribuições municipais enfeixavam-se nas mãos do prefeito, mas acima dele pairava soberano o Conselho Administrativo estadual, órgão controlador de toda a atividade municipal, que entravava eficientemente as iniciativas locais." (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. p. 38)

            10 Constituição de 1937, Art. 26. Os municípios serão organizados de fórma a ser-lhes assegurada autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e especialmente: a) à escolha dos vereadores pelo sufrágio direto dos munícipes alistados eleitores na forma da lei; b) à decretação de impostos e taxas atribuídas à sua competência por esta Constituição e pelas Constituições e leis dos Estados; c) à organização dos serviços públicos de caráter local. Art. 27. O prefeito será de livre nomeação do Governador do Estado. (CAMPANHOLE, Adriano, CAMPANHOLE, Hilton Lobo, op. cit., p. 424)

            11 "a) 30% do excesso de imposto arrecadado pelo Estado-membro nos Municípios sobre o total das rendas locais de qualquer natureza, excluído o Município da Capital (art. 20); b) 40% do total de imposto decretado pela União ou Estado-membro, não previsto na Constituição, sendo os outros 40% aos Estados-membros, e os restantes 20% à União (art. 21) – para evitar que uns Estados fiquem em situação de privilégio tributário em relação à União e aos Municípios; c) uma cota proporcional de 60% do imposto de ´´produção, comércio, distribuição e consumo´´, de que trata o §2º, do art. 15 da Constituição Federal; d) uma cota igual para todos os Municípios, salvo os das capitais, de 10% do total do imposto de renda (art. 15, §4º." (JACQUES, 1970, p. 152)

            12 Art. 7º, parágrafo único da Constituição de 1946 – "No caso do n.º VII, o ato argüido de inconstitucionalidade será submetido pelo Procurador-Geral da República ao exame do Supremo Tribunal Federal, e, se êste a declarar, será decretada a intervenção."

            13 Art. 1º da Constituição de 1967 – "O Brasil é uma República Federativa, constituída, sob o regime representativo, pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios." (CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1985, p. 8)

            14 Art. 10 da Constituição de 1967 – "A União não intervirá nos Estados, salvo para: V – reorganizar as finanças do Estado que: b) deixar de entregar aos Municípios as cotas tributárias a êles destinadas." (CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1985, p. 11)

            15 Artigo 16, §3º, c, da Constituição de 1967. (CAMPANHOLE e CAMPANHOLE,1985, p. 15)

            16 Entendendo que o texto de 1969 se trata apenas de uma emenda, está Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

            17 Art. 16, §1º da Constituição de 1969.

            18 Art. 20 da Constituição de 1969 – "É vedado: (...) III – aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens de qualquer natureza, em razão da sua procedência ou destino." (apud CAMPANHOLE e CAMPANHOLE, 1985, p. 16)

            19 Art. 29 da Constituição de 1988 – "O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo estado e os seguintes preceitos: [...]"

            20 Conforme art. 29, inciso I da Constituição de 1988.

            21 Conforme art. 156 da Constituição de 1988.

            22 Conforme art. 157 à 162 da Constituição de 1988.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCO, Cristhian Magnus De. Evolução constitucional do município brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 693, 29 maio 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6798. Acesso em: 26 abr. 2024.