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O princípio da proporcionalidade no direito penal constitucional

O princípio da proporcionalidade no direito penal constitucional

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Cuida-se da aplicação do princípio da proporcionalidade no direito penal constitucional, correlacionando as dimensões da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito com os institutos jurídicos penais.

RESUMO: O artigo discute a aplicação do Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal correlacionando as dimensões do referido princípio com os institutos jurídicos penais, utilizando-se da metodologia jurídico-teórica e raciocínio hipotético-dedutivo, de modo a conseguir sistematizar a aplicação do referido princípio. Inicia-se assim com a definição do princípio da Proporcionalidade pela doutrina de Robert Alexy. Adiante utilizou-se da doutrina do Ministro do STF Luís Roberto Barroso para delimitar as três dimensões do Princípio da Proporcionalidade, quais sejam a necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Assentadas tais premissas discutiu-se a imprescindibilidade da aplicação do Princípio da Proporcionalidade em matéria penal como fundamento de legitimidade, parâmetro hermenêutico, meio de correção das vicissitudes do sistema penal, fator de integração e sistematicidade do sistema penal. Assim, defendeu-se que a dimensão da necessidade está intimamente ligada com a característica de ultima ratio do sistema penal, de modo que é o fundamento que confere legitimidade a definição de bens jurídicos penais. Na dimensão da adequação asseverou-se que o legislador no momento da criação do tipo penal deve fazer um juízo de ponderação entre a tipificação da conduta e o fim de prevenção que deve buscar a pena criminal. Ademais, a dimensão da adequação impõe ao hermeneuta constitucional a tarefa de afastar a tipicidade das condutas cujas penas, a partir de um juízo de ponderação se revelem inadequadas a atingir os fins de prevenção. Por fim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito serve como meio de sistematizar e garantir a integridade e unidade do Direito Penal. Concluiu-se, ao final, que o Princípio da Proporcionalidade é fundamento de todo o Direito Penal, conferindo legitimidade, sistematicidade, racionalidade e cientificidade ao Direito Penal de modo que a sistematização da aplicação do referido princípio em seara penal é imprescindível.

Palavras - chave: Princípio da Proporcionalidade. Direito Penal. Legitimidade. Fator de Integração.

 RESUMEN:El artículo discute discute la aplicación del Principio de la proporcionalidad en el Derecho penal correlacionando las dimensiones de dicho principio con los institutos jurídicos penales utilizando la metodología jurídico-teórica y el razonamiento hipotético-deductivo para poder sistematizar la aplicación de dicho principio. Se inicia así con la definición del principio de la proporcionalidad por la doctrina de Robert Alexy. En adelante se utilizó la doctrina del Ministro del STF Luís Roberto Barroso para delimitar las tres dimensiones del Principio de la Proporcionalidad, cuáles son la necesidad, adecuación y proporcionalidad en sentido estricto. Asentadas tales premissas se discutió la imprescindibilidade de la aplicación del Principio de la Proporcionalidad en materia penal como, fundamento de legitimidad, parámetro hermenêutico, medio de corrección de las vicissitudes del sistema penal, factor de integración y sistematicidade del sistema penal. Así, se defendió que la dimensión de la necessidad está íntimamente ligada con la característica de última ratio del sistema penal de modo que es el fundamento que confiere legitimidad la definición de bienes jurídicos penales. En la dimensión de la adecuación se aseveró que el legislador en el momento de la creación del tipo penal debe hacer un juicio de ponderación entre la tipificación de la conducta y el fin de prevención que debe buscar la pena criminal. Además, la dimensión de la adecuación impone al hermeneuta constitucional la tarea de apartar la tipicidad de las conductas cuyas penas a partir de un juicio de ponderación resulten inadecuadas a alcanzar los fines de prevención. Por último, la dimensión de la proporcionalidad en sentido estricto sirve como medio de sistematizar y garantizar la integridad y unidad del Derecho Penal. Se concluyó al final que el Principio de la Proporcionalidad es fundamento de todo el Derecho Penal, otorgando legitimidad, sistematicidad, racionalidad y cientificidad al Derecho Penal, de modo que la sistematización de la aplicación del referido principio en quilla penal es imprescindible para eliminar los subjetivismos y la selectividad del sistema penal conferiendo racionalidad a la aplicación.

Palabras clave: Principio de proporcionalidad. Legitimidad. La consistencia. Factor de Integración.

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO ;  2 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE;3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EM MATÉRIA PENAL ; 4 DIMENSÃO DA NECESSIDADE E DO BEM JURÍDICO PENAL ; 5 DIMENSÃO DA ADEQUAÇÃO E O FIM DA PENA; 6 PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO; 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS. 


1 INTRODUÇÃO

O artigo cuida da aplicação do Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal Constitucional correlacionando as dimensões da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito com os institutos jurídicos penais.

O tema tem como justificativa a busca em conferir racionalidade à aplicação do Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal controlando a seletividade do sistema penal e o subjetivismo do intérprete.

Ademais, a aplicação do Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal ganhou destaque com a convocação dos interessados pela Ministra Rosa Weber do STF para participar da audiência pública que discutirá a Arguição de Descumprimento Fundamental - ADPF nº 442/2017 que teve como tema a descriminalização ou não da interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação. Veja que a decisão da Ministra ressalta o caráter sensível da matéria e a necessidade de diálogo do Poder Judiciário com a sociedade. Nesse sentido:

A discussão que ora se coloca para apreciação e deliberação desse Supremo Tribunal Federal, com efeito, é um dos temas jurídicos mais sensíveis e delicado, enquanto envolve razões de ordem ética, moral, religiosa, saúde pública e tutela de direitos fundamentais individuais. A experiência jurisdicional comparada demonstra essa realidade. Assim, a complexidade da controvérsia constitucional, bem como o papel de construtor da razão pública que legitima a atuação da jurisdição constitucional na tutela de direitos fundamentais, justifica a convocação de audiência pública, como técnica processual necessária, a teor do art. 6º, §1º, da Lei n. 9.882/99, e dos arts. 13, XVII, e 154, III, parágrafo único, ambos do RISTF. (BRASIL, 2017, p. 7)

Poderia se dizer que o tema abordado visando a sistematização da aplicação do Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal é intencionalmente novo, haja vista que para conseguir evoluir é necessário ter audácia intelectual, o verdadeiro cientista deve criar e não apenas repetir. Nesse sentido veja a afirmação de Popper: “Eu sou partidário da audácia intelectual. Nós não podemos ser intelectualmente covardes e ao mesmo tempo buscar a verdade. Aquele que busca a verdade deve ousar ser sábio – ele deve ousar ser um revolucionário no campo do pensamento” (POPPER, 2004, p. 91).

O objetivo geral perseguido no trabalho é sistematizar a aplicação do Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal com o intuito de construir um Direito Penal Constitucional, notadamente no contexto dos denominados crimes sem vítimas como: porte de drogas para uso próprio art. 28 da Lei 11.343/2006 e o crime de manter casa de prostituição (art. 229 do Código Penal). Ademais, discutirá os crimes nos quais a criminalização se revela suscetível de produzir mais vítimas, como o aborto.

Assim, perpassará pelos objetivos específicos de definir os contornos do referido princípio e correlacionar cada dimensão do princípio da proporcionalidade aos institutos jurídicos penais.

O trabalho utilizará da metodologia jurídico-teórica e raciocínio hipotético-dedutivo com técnicas de pesquisa bibliográfica, às leis, decretos, doutrina e jurisprudência sobre a temática.  Assim, será abordada a posição de diversos juristas nacionais e estrangeiros, tais como Jorge Figueiredo Dias, Cezar Roberto Bitencourt, Rogério Greco, Robert Alexy, Luís Roberto Barroso, de modo construir uma sistematização fundamentada do Princípio da Proporcionalidade em âmbito penal.

Desse modo, iniciará abordando a definição do princípio da proporcionalidade e suas dimensões da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

 No segundo tópico discorrerá o problema da aplicação e sistematização da aplicação do Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal e quais os contornos da aplicação do referido princípio. Ademais, o referido tópico abordará ainda as duas facetas do Princípio da Proporcionalidade: a proibição do excesso e a vedação à proteção deficiente.

Nos capítulos seguintes discorrerá sobre a dimensão da necessidade na tipicidade penal, a dimensão da adequação e as teorias do fim da pena e, por fim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito, de modo a construir um Direito Penal de viés Constitucional.

Ao final buscará conferir cientificidade à sistematização da aplicação do Princípio da Proporcionalidade elaborando uma tese que fixe os parâmetros constitucionais de aplicação do Princípio da Proporcionalidade em matéria penal de modo a controlar a seletividade do sistema penal. 


2 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

A construção e sistematização do Princípio da Proporcionalidade teve como um dos principais percussores o jurista alemão Robert Alexy através das suas obras Direito e Razão Prática e Teoria dos Direitos Fundamentais.

O jurista alemão dissertando sobre a tensão na aplicação de princípios explicava que os princípios eram mandados de otimização que, ao contrário das regras, somente diziam que algo devia ser realizado na maior medida do possível, ou seja, os princípios podem ser cumpridos em diferentes graus, mas as regras só podem ser cumpridas ou não, jamais graduadas sua aplicação. Nesse sentido veja a lição de Alexy:

[...] Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, como também das jurídicas (...). De outro lado, as regras são normas que só podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então deve-se fazer exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Portanto, as regras contêm determinações no âmbito do fático e juridicamente possível” (ALEXY, 1993 b, p. 86-87).

Alexy (1993) em sua obra distingue regras de princípios, entendendo que as primeiras continham uma determinação no âmbito das “possibilidades fáticas e jurídicas, assim, duas regras em conflito não podem ser simultaneamente válidas, salvo uma cláusula interpretativo-argumentativa de exceção em uma delas” (Alexy, 1993 b: 88); já os princípios seriam razões prima facie, razão pela qual, em caso de colisão ambos não deixariam de ser válidos apesar de prevalência de um deles no caso concreto. Veja a lição do jurista alemão:

[...] não contêm mandados definitivos, mas somente prima facie. Do fato que um princípio valha para um caso não se infere que o que o princípio requer deste caso valha como resultado definitivo. Os princípios apresentam razões que podem ser ultrapassadas por outras razões opostas (...). Totalmente distinto é o caso das regras. Como as regras exigem que se faça exatamente como nelas se ordena, contêm uma determinação do âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas” (Alexy, 1993b: 99.) [...] “Quando dois princípios entram em colisão (...), um dos dois princípios tem que ceder ante o outro. Mas isto não significa declarar inválido o princípio que não teve curso, nem que haja de se introduzir no princípio que não teve curso uma cláusula de exceção. Ao contrário, o que acontece é que, sob certas circunstâncias, um dos princípios precede ao outro. Sob outras condições, a questão da precedência pode ser solucionada de forma inversa” (ALEXY, 1993 b, p. 89).

O conflito de princípios, segundo Alexy (1993), ocorre na dimensão do peso, ou seja, refere-se a quais dos “interesses abstratamente no mesmo nível possui maior peso no caso concreto” (ALEXY, 1993b. p. 90).

Nas regras, por sua vez, o conflito se dá na dimensão da validade de modo que, será resolvido pelos critérios tradicionais do conflito aparente de normas, quais sejam: critério cronológico – lei posterior revoga lei anterior; critério da especialidade – lei especial revoga lei geral no caso concreto; critério hierárquico – lei superior revoga lei inferior.

Na ponderação de princípios Alexy criou a denominada Lei de Colisão que pode ser definida como: “as condições sob as quais um princípio precede a outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio precedente” (ALEXY, 1993 b, p. 194).

Desse modo, a ponderação busca a efetivação de direitos fundamentais quando estamos diante de conflitos de princípios através do sopesamento para verificar qual princípio deve prevalecer no caso concreto sem, contudo, aniquilar o outro princípio.

O Princípio da Proporcionalidade segundo o Ministro do Supremo Tribunal Federal Barroso (2018, p. 168) apresenta três dimensões, quais sejam, da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

Pela dimensão da adequação deve-se verificar se a medida adotada é a que melhor atende aos fins constitucionais, ou seja, se a medida escolhida, dentre aquelas que no caso concreto poderiam ter sido aplicadas foi a que melhor atendeu aos imperativos de um Estado Democrático de Direito.

A necessidade impõe ao jurista que se adote no caso de conflitos de direitos fundamentais a medida, dentre as aptas a atender aos fins do Estado, que cause o menor prejuízo a coletividade, ou seja, implica em saber se a medida adotada é efetivamente necessária.

A dimensão da proporcionalidade em sentido estrito, por sua vez, se efetiva através da ponderação entre as vantagens e desvantagens em prevalecer um ou outro direito fundamental. Nesse sentido veja um excerto acerca do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade extraído da obra do Ministro Barroso (2018):

Em resumo sumário, o princípio da razoabilidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado (adequação); b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso para chegar ao mesmo resultado (necessidade/vedação do excesso); c) não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha (proporcionalidade em sentido estrito) (BARROSO, 2018, p. 168).

Ante o exposto, o Princípio da Proporcionalidade de matriz alemã notadamente fruto do trabalho de Robert Alexy aplica-se no caso de conflitos de princípios, que são mandados de otimização, ou seja, são aplicados na maior medida do possível, razão pela qual de plena aplicabilidade na seara penal, que cuida da preservação de bens jurídicos com a imposição de penas que sacrificam outros direitos fundamentais.

Assim, fixadas as premissas e os contornos gerais sobre o Princípio da Proporcionalidade será abordado no tópico seguinte a aplicação do referido princípio no âmbito penal de modo a conferir racionalidade e sistematicidade a aplicação.


3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE EM MATÉRIA PENAL

O Princípio Jurídico da Proporcionalidade, embora não previsto expressamente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é corolário do Estado Democrático de Direito, razão pela qual de plena e imediata incidência na seara penal que cuida da privação de direitos constitucionais dos indivíduos em nome de outros direitos igualmente importantes.

O Direito é eminentemente uma ciência interpretativa e impõe ao hermeneuta interpretar os dispositivos legais tendo como norte a Constituição da República.

A exegese, atribui ao intérprete a tarefa de descobrir o sentido e o real alcance da norma criminal estabelecendo os contornos de incidência do dispositivo legal, através de um processo racional e controlável, tendo como norte o Princípio da Proporcionalidade. Nesse sentido Dias (2012):

A limitação da intervenção penal acabada de referir derivaria sempre, de resto, do princípio jurídico constitucional da proporcionalidade em sentido amplo, que faz parte dos princípios inerentes ao Estado de Direito. Uma vez que o direito penal utiliza, com o arsenal de suas sanções específicas, os meios mais onerosos para os direitos e liberdades das pessoas, ele só pode intervir nos casos em que todos os outros meios da política social, em particular da política jurídica não-penal, se revelem insuficientes ou inadequados. Quando assim não aconteça, aquela intervenção pode e deve ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade, sob a precisa forma de violação dos princípios da subsidiariedade e da proibição de excesso. Tal sucederá, p. ex., quando se determine a intervenção penal para a proteção de bens jurídicos que podem ser suficientemente tutelados pela intervenção dos meios civis (a legitimidade ou ilegitimidade de criminalização do cheque sem provisão, quando não constitua um crime de burla, constitui a este propósito, um exemplo instrutivo), pelas sanções do direito administrativo (entrando aqui, de pleno, toda a controvérsia sobre as fronteiras que devem separar o direito penal do direito de mera ordenação social ou das contra ordenações ou do direito disciplinar). Como o mesmo sucederá sempre que se demonstre a inadequação das sanções penais para a prevenção de determinados ilícitos, nomeadamente sempre que a criminalização de certos comportamentos seja fator da prática de muitíssimas mais violações do que as que se revela suscetível de evitar (o que pode suceder sobretudo no domínio dos criminologicamente denominados “crimes sem vítima” como, v. g., o consumo de drogas ou de álcool, a prostituição, a pornografia, etc; caso em que fica próxima a afirmação de que a prevenção e o controle de tais comportamentos, quando  se repute socialmente desejável deve ser deixado por inteiro à intervenção de meios não penais de controle social. Neste sentido se pode e deve afirmar, em definitivo, que a função precípua do direito penal – e desta deriva o conceito material de crime – reside na tutela subsidiária (de ultima ratio) de bens jurídicos-penais (DIAS, 2012, p. 128-129, grifo nosso).

A aplicação do princípio da proporcionalidade em matéria penal pode ser extraída também da jurisprudência. Um exemplo é o voto no caso do aborto até o 3º (terceiro) mês de gestação do Ministro Barroso do Supremo Tribunal Federal no HC 124.306/2017, que define os contornos gerais do princípio, nos seguintes termos:

[...] A tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de abortos praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios (BRASIL, 2017, p. 1, grifo nosso).        

Desse modo, a escolha entre os bens jurídicos que se busca preservar com a criminalização da conduta e os bens jurídicos sacrificados, impõe um juízo de ponderação de forma a atribuir, segundo Barros (1996, p.169), a esse procedimento de escolha um caráter mais racional e, portanto, controlável. Veja:

A questão da ponderação radica na necessidade de dar a esse procedimento (colisão de direitos fundamentais) um caráter racional e, portanto, controlável. Quando o intérprete pondera bens em caso de conflitos de direitos fundamentais, ele estabelece uma precedência de um sobre o outro, isto e, atribui um peso maior a um deles. Se pode estabelecer uma fundamentação para esse resultado, elimina-se o irracionalismo subjetivo e passa-se para o racionalismo objetivo. (BARROS, 1996, p. 169).

Cabe salientar que a aplicação do Direito Penal no Estado Democrático de Direito deve ser realizada através de juízo de proporcionalidade entre a pena imposta a conduta e sua adequação ao propósito visado pelo legislador com a sua punição, ou seja, a intervenção penal só restará legitimada quando a punição se revele adequada a finalidade da pena e em um juízo de proporcionalidade em sentido estrito não se revele apta a causar prejuízos sociais maiores. Nessa ótica Reale Júnior (2012):

A intervenção penal em um Estado Democrático deve estar revestida de proporcionalidade, em uma relação de correspondência de grau entre o mal causado pelo crime e o mau que se causa por via da pena. (REALE JÚNIOR, 2012, p. 29)

Ademais, o Princípio da Proporcionalidade funciona como parâmetro integrador do Direito Penal conferindo sistematicidade e corrigindo eventuais falhas do processo legislativo criminal fortemente imediatista e espetacularizado.

Cabe salientar que o princípio da proporcionalidade apresenta segundo Streck (2005, p. 180) ainda uma dupla faceta de um lado a proibição do excesso (Übermassverbot) e de outro a vedação a proibição deficiente dos direitos fundamentais (Untermassverbot).

Pela proibição do excesso ou no termo germânico Übermassverbot o princípio da proporcionalidade funciona como parâmetro hermenêutico nos casos que o legislador excedeu a necessidade e adequação violando de maneira desarrazoada direitos fundamentais como a liberdade de locomoção, de manifestação, dignidade da pessoa humana, entre outros.

O STJ já aplicou o princípio da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso no HC 239363/2014 de modo a afastar a aplicação da pena de 10 a 15 anos do crime previsto no § 1º-B do art. 273 do CP, pois a pena era extremamente desproporcional, razão pela qual determinou a aplicação da pena cominada para o tráfico de drogas. Segue o teor do julgado:

É inconstitucional o preceito secundário do art. 273, § 1º-B, V, do CP - "reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa" -, devendo-se considerar, no cálculo da reprimenda, a pena prevista no caput do art. 33 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), com possibilidade de incidência da causa de diminuição de pena do respectivo § 4º. De fato, é viável a fiscalização judicial da constitucionalidade de preceito legislativo que implique intervenção estatal por meio do Direito Penal, examinando se o legislador considerou suficientemente os fatos e prognoses e se utilizou de sua margem de ação de forma adequada para a proteção suficiente dos bens jurídicos fundamentais. Nesse sentido, a Segunda Turma do STF (HC 104.410-RS, DJe 27/3/2012) expôs o entendimento de que os "mandatos constitucionais de criminalização [...] impõem ao legislador [...] o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. A idéia é a de que a intervenção estatal por meio do Direito Penal, como ultima ratio, deve ser sempre guiada pelo princípio da proporcionalidade [...] Abre-se, com isso, a possibilidade do controle da constitucionalidade da atividade legislativa em matéria penal". Sendo assim, em atenção ao princípio constitucional da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos (CF, art. 5º, LIV), é imprescindível a atuação do Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena de "reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa" abstratamente cominada à conduta inscrita no art. 273, § 1º-B, V, do CP, referente ao crime de ter em depósito, para venda, produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais de procedência ignorada. Isso porque, se esse delito for comparado, por exemplo, com o crime de tráfico ilícito de drogas (notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde pública), percebe-se a total falta de razoabilidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do CP, sobretudo após a edição da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), que, apesar de ter aumentado a pena mínima de 3 para 5 anos, introduziu a possibilidade de redução da reprimenda, quando aplicável o § 4º do art. 33, de 1/6 a 2/3. Com isso, em inúmeros casos, o esporádico e pequeno traficante pode receber a exígua pena privativa de liberdade de 1 ano e 8 meses. E mais: é possível, ainda, sua substituição por restritiva de direitos. De mais a mais, constata-se que a pena mínima cominada ao crime ora em debate excede em mais de três vezes a pena máxima do homicídio culposo, corresponde a quase o dobro da pena mínima do homicídio doloso simples, é cinco vezes maior que a pena mínima da lesão corporal de natureza grave, enfim, é mais grave do que a do estupro, do estupro de vulnerável, da extorsão mediante sequestro, situação que gera gritante desproporcionalidade no sistema penal. Além disso, como se trata de crime de perigo abstrato, que independe da prova da ocorrência de efetivo risco para quem quer que seja, a dispensabilidade do dano concreto à saúde do pretenso usuário do produto evidencia ainda mais a falta de harmonia entre esse delito e a pena abstratamente cominada pela redação dada pela Lei 9.677/1998 (de 10 a 15 anos de reclusão). Ademais, apenas para seguir apontando a desproporcionalidade, deve-se ressaltar que a conduta de importar medicamento não registrado na ANVISA, considerada criminosa e hedionda pelo art. 273, § 1º-B, do CP, a que se comina pena altíssima, pode acarretar mera sanção administrativa de advertência, nos termos dos arts. 2º, 4º, 8º (IV) e 10 (IV), todos da Lei n. 6.437/1977, que define as infrações à legislação sanitária. A ausência de relevância penal da conduta, a desproporção da pena em ponderação com o dano ou perigo de dano à saúde pública decorrente da ação e a inexistência de consequência calamitosa do agir convergem para que se conclua pela falta de razoabilidade da pena prevista na lei, tendo em vista que a restrição da liberdade individual não pode ser excessiva, mas compatível e proporcional à ofensa causada pelo comportamento humano criminoso. Quanto à possibilidade de aplicação, para o crime em questão, da pena abstratamente prevista para o tráfico de drogas - "reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa" (art. 33 da Lei de drogas) -, a Sexta Turma do STJ (REsp 915.442-SC, DJe 1º/2/2011) dispôs que "A Lei 9.677/98, ao alterar a pena prevista para os delitos descritos no artigo 273 do Código Penal, mostrou-se excessivamente desproporcional, cabendo, portanto, ao Judiciário promover o ajuste principiológico da norma [...] Tratando-se de crime hediondo, de perigo abstrato, que tem como bem jurídico tutelado a saúde pública, mostra-se razoável a aplicação do preceito secundário do delito de tráfico de drogas ao crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais" (BRASIL, 2014, p. 1, grifo nosso).

Todavia, ao lado do garantismo negativo consubstanciado na proteção do excesso há também o garantismo positivo através da vedação à proteção deficiente de direitos fundamentais.

 A vedação à proteção deficiente de direitos fundamentais ou Untermassverbot é uma vertente do garantismo positivo, pois impõe uma atuação positiva da função judicante de modo corrigir eventuais deficiências do legislador na proteção de direitos fundamentais.

O jurista Streck (2005) aborda a temática da proibição deficiente nos seguintes termos: “[…] a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente de um direito fundamental-social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos”. (STRECK, 2005, p.180)

Ademais, o Ministro do STF Gilmar Mendes (2006, p. 688/689) já aplicou a vedação da proteção deficiente no RE 418.376/2006 que visava a decretação da extinção da punibilidade do agente que praticou ato violento ao pudor contra uma menor de 8 (oito) anos, mas que, posteriormente, veio a contrair união estável com a vítima e desse modo, requereu a extinção da punibilidade, pois entendeu o Ministro que havia uma proteção deficiente dos direitos fundamentais da criança.

Contudo, apesar de reconhecer-se a existência da faceta da proteção deficiente há sérias ressalvas quanto a sua aplicação no âmbito penal que é norteado pelo princípio da legalidade, da anterioridade da pena e que veda a analogia in malam partem, pois mitiga a garantia do cidadão contra criminalizações arbitrárias.

Assim, fixada as premissas de aplicação do Princípio da Proporcionalidade em matéria penal, abordará nos tópicos seguintes as dimensões da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido, correlacionando aos institutos jurídicos penais de modo a sistematizar a aplicação do referido princípio.


4 DIMENSÃO DA NECESSIDADE E DO BEM JURÍDICO PENAL

O Princípio da Proporcionalidade impõe na dimensão da necessidade a ultima ratio do Direito Penal que só deve intervir quando os outros ramos do direito se revelem inadequados ou insuficientes.

Tal característica de ultima ratio do Direito Penal se traduz no Princípio da Intervenção Mínima que, nada mais é a concretização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que não pode permitir a criminalização arbitrária de condutas com a imposição de consequências extremamente gravosas aos indivíduos. Nesse sentido, veja um excerto da obra do jurista Barro (2012, cap. 4.1, n.p):

A intervenção mínima é decorrente do princípio constitucional expresso da dignidade humana (CF, art. 1º, III) e da determinação impositiva do art. 3º, IV, da Constituição Federal, concernente à efetivação do bem de todos por meio da obrigatória ação dos Poderes Públicos. Em um Estado Democrático de Direito que tem como alicerce a Dignidade Humana e objetivo o bem de todos, não se podem permitir a criminalização de comportamentos arbitrariamente, ao livre talante de quem quer que seja, ainda que em nome de uma suposta maioria e de supostos interesses emergenciais. Ademais, por imperativo da proporcionalidade, a vida e a liberdade, direitos fundamentais expressamente garantidos pelo art. 5º, caput, da Constituição Federal, somente podem ser privados ou restritos se estritamente necessário para a tutela de direitos de fundamental importância.  (BARRO, 2012, cap. 4.1, n.p)

Nesse contexto a definição de bem jurídico penal deve obediência ao Princípio da Proporcionalidade, razão pela qual imprescindível o estudo da tutela subsidiária de bens jurídicos.

Na tutela subsidiária de bens jurídicos o direito penal somente estará legitimado a intervir quando seja necessário para assegurar a proteção de bens jurídicos indispensáveis a manutenção e desenvolvimento da sociedade, porém a definição de bens jurídicos é fruto de uma imposição, assim se faz imprescindível, como forma de evitar o arbítrio da intervenção penal, que a pena seja socialmente adequada, ou seja, a pena tem de se mostrar apta a alcançar fins sociais maiores. Segundo o jurista Gomes (2014):

Toda intervenção penal (na medida que implica uma restrição a um direito fundamental, destacando-se o direito à liberdade de locomoção) só se justifica se: (a) necessária, isto é, toda medida restritiva de direito deve ser a menos onerosa possível (a intervenção penal é a última das medidas possíveis; logo, deve ter a “menor ingerência possível”, a pena de prisão, do mesmo modo, só pode ter incidência se absolutamente necessária; sempre que possível deve ser substituída por outra sanção); (b) adequada ou idônea ao fim que se propõe (o meio tem de ter aptidão para alcançar o fim almejado); e (c) desde que haja proporcionalidade e equilíbrio entre a gravidade da infração e a natureza e intensidade da medida ou da pena cominada e aplicada. (GOMES, 2014, n.p, grifo nosso)

Assim, para a aplicação do Princípio da Proporcionalidade em matéria penal ganha relevância, notadamente, o estudo acerca da definição do bem jurídico penal que é a base da estrutura e interpretação dos tipos penais indispensáveis, portanto, a qualquer estudo dos tipos penais. Veja a lição do jurista Jescheck (1993) a respeito da importância da definição de bem jurídico:

O conceito de bem jurídico exerce funções distintas em Direito Penal: a) o bem jurídico deve ser o conceito central do tipo, em torno do qual devem girar todos os elementos objetivos e subjetivos e, portanto, constitui importante instrumento de interpretação. Por isso responde-se sempre negativamente sobre a existência de tipos penais desprovidos de bens jurídicos; b) o bem jurídico, como pedra angular da estrutura dos tipos penais, permite as condições necessárias para a classificação e formação dos diversos grupos de tipos penais. Toda a parte especial está estruturada e organizada mais ou menos em torno de espécies diferentes de bens jurídicos protegidos, permitindo a classificação e hierarquização dos valores protegidos, formação de capítulos, títulos etc.; c) o bem jurídico definido tem influência decisiva nas configurações de legítima defesa, estado de necessidade, configuração do crime continuado etc (JESCHECK, 1993, p. 351).

 O estudo sociológico e constitucionalmente orientado evidencia que a definição de bem jurídico não é, e nem pode ser uma conceituação abstrata, universal e que se identifique simplesmente com a ratio legis, mas uma conceituação com um sentido social próprio, de modo que se entenda o bem jurídico como um fato social, que está em constante mutação com a mudança de valores da sociedade. Veja a definição do jurista Bitencourt (2012) que se segue:

[...] O bem jurídico, no entanto não pode identificar-se simplesmente com a ratio legis, mas deve possuir um sentido social próprio, anterior a norma penal e em si mesmo decidido, caso contrário não seria capaz de servir a sua função sistemática, de parâmetro e limite de preceito penal e de contrapartida das causas de justificação na hipótese de conflito de valorações. (BITENCOURT, 2012, p. 340)

Em um primeiro momento, bem jurídico pode ser definido segundo Castro (1983) como: o conjunto de valores e interesses, de uma dada sociedade, em um determinado espaço e tempo, que são impostos pelos detentores do poder como indispensáveis a manutenção e desenvolvimento da sociedade, não sendo, portanto, o delito uma realidade ontológica. Veja a lição de Castro (1983):

Quando falarmos nos mecanismos de criação das normas penais, veremos que não há uma natureza própria do delitivo, mas que o delitivo é imposto de cima pela pessoa ou grupo que tem mais poder; que isso depende da posição de poder, e que esta posição de poder determinará que os interesses, as crenças e a cultura dos que usufruem essa posição de predomínio definam o que é delitivo em uma sociedade. Não podemos dizer que o homicídio ou o furto são delitivos por natureza. São delitivos, porque em um determinado momento da história de um país, aqueles que detinham o poder suficiente para assegurar, com os instrumentos legais, os seus interesses e crenças, consideraram que era útil castigá-los. A prova disso é que há dentro da coletividade uma série de valores fortemente desaprovados, que excedem o limite de tolerância da comunidade e que, no entanto, nunca chegam a fazer parte da conduta legalmente reprimida, ou seja, que é apenas conduta desviada, não conduta delitiva. Não é conduta delitiva porque não houve alguém que tivesse, por sua vez, poder e interesse suficientes para implantá-la como conduta delitiva (CASTRO, 1983, p. 15, grifo nosso).

No Brasil a imposição unilateral dos bens jurídicos pelos detentores do poder se revela latente, haja vista que as minorias não encontram no Poder Legislativo respostas aos seus pleitos.

O Poder Legislativo a quem incumbiria debater e discutir com ampla participação popular, devido a sua própria composição, simplesmente não decide acerca de temas sensíveis como aborto, descriminalização do uso de drogas entre outros temas.

No contexto atual de omissão do Poder Legislativo ganha protagonismo a figura do “Poder Judiciário” que incumbe exercer a função contra majoritária, defendendo os direitos das minorias frente as maiorias eventuais na seara penal. Nesse sentido, veja a lição de Netto (2003):

[...] o constitucionalismo só é efetivamente constitucional se institucionaliza a democracia, o pluralismo, a cidadania de todos, se não o fizer é despotismo, autoritarismo; bem como a democracia só e democracia se impõe limites constitucionais à vontade popular, à vontade da maioria, se assim, não for estaremos diante de uma ditadura, do despotismo do autoritarismo. (CARVALHO NETTO, 2003, p. 282)

A dita ação ou omissão deliberada do Poder Legislativo é um mecanismo de seletividade do Sistema Penal definindo quais os conjuntos de valores e interesses são merecedores de tutela penal e quais grupos são destinatários da reprimenda penal.

Nesse sentido, um dos problemas criminais que compromete a própria legitimidade do Direito Penal é a seletividade do sistema penal. Veja o ensinamento Zaffaroni (2003):

[…] a muito limitada capacidade operativa das agências de criminalização secundária não têm outro recurso senão proceder sempre de modo seletivo. Desta maneira, elas estão incumbidas de decidir quem são as pessoas criminalizadas e, ao mesmo tempo, as vítimas protegidas. (ZAFFARONI, 2003, p. 44, grifo nosso) 

Desse modo, o processo de criminalização das condutas no Brasil é seletivo e estigmatizante, ou seja, há uma seleção das condutas praticadas por determinados grupos sociais que devem ser apenadas e também a seleção do grupo de vítimas. Nesse sentido Batista (2007):

 “[...] assim, o sistema penal é apresentado como igualitário, atingindo igualmente as pessoas em função de suas condutas [...] O Sistema penal é também apresentado como justo, na medida em que buscaria prevenir o delito, restringindo sua intervenção aos limites da necessidade [...] quando de fato seu desempenho é repressivo, seja pela frustração de suas linhas preventivas, seja pela incapacidade de regular a intensidade das respostas penais, legais ou ilegais. Por fim, o sistema penal se apresenta comprometido com a proteção da dignidade humana [...] quando na verdade é estigmatizante, promovendo uma degradação na figura social de sua clientela. [...]” (BATISTA, 2007, p. 25). 

Assim, verifica-se que muitas condutas são consideradas típicas em razão da imposição dos detentores do poder, de seus interesses, sendo que restaram legitimadas por um processo legislativo que impôs tais ações como merecedoras de tutela penal.

Ocorre que, embora tais condutas possam ser formalmente típicas devido a imposição por um grupo de pessoas em detrimento de minorias étnicas, sociais ou sexuais, não raras vezes, as punições se revelam arbitrárias, inadequadas ou desproporcionais para os fins pretendidos, necessitando que o “Poder Judiciário” afaste a tipicidade material das referidas condutas. Veja um excerto da obra de Baratta (1994):

  O cuidado que se deve ter hoje em dia em relação ao sistema de justiça criminal do Estado de direito é ser coerente com seus próprios princípios “garantistas”: princípios de limitação da intervenção penal, de igualdade, de respeito ao direito das vítimas, dos imputados e dos condenados (BARATTA, 1994, p. 23).

Assim, ante o inevitável aspecto volitivo na definição de bens jurídicos penais que, como visto, é fruto de uma imposição dos detentores do poder e o caráter seletivo do sistema penal, o princípio da proporcionalidade, na dimensão da necessidade, realiza uma importante função como parâmetro hermenêutico constitucional para o intérprete, possibilitando afastar a tipicidade material daquelas condutas cujas sanções penais se revelem desnecessárias ou arbitrárias e corrigindo as inevitáveis vicissitudes do Sistema Penal.

Todavia, o Princípio da Proporcionalidade é composto por três dimensões que se inter-relacionam e que foram divididas para fins didáticos, razão pela qual no tópico seguinte será abordada a correlação da dimensão da adequação com as teorias dos fins da pena.


5 DIMENSÃO DA ADEQUAÇÃO E O FIM DA PENA           

A dimensão da adequação do Princípio da Proporcionalidade em matéria criminal impõe realizar uma investigação entre o fim visado com a imposição da sanção penal e os resultados efetivamente obtidos, posto que a intervenção penal, com o sacrifício de bens jurídicos (liberdade, patrimônio, entre outros), em razão da proteção de outros bens jurídicos, só se revela constitucionalmente adequada quando a pena busque uma finalidade.

O juízo de adequação é realizado primeiramente, em regra, pelo legislador que pondera entre o mal causado pela pena e o fim que se busca alcançar com a sanção penal. Em um segundo momento da mesma forma a jurisprudência e a doutrina realiza um juízo concreto de adequação entre a pena imposta e os resultados efetivamente alcançados com a imposição da sanção penal.

Cabe acrescentar que, embora o trabalho divida o juízo de adequação em dois momentos, tal divisão não é absoluta e estática, posto que, ora uma ou outra, as situações podem se inverter, como por exemplo: o legislador pode através de um juízo de adequação concreto revogar uma lei que tipifica uma conduta.

Ademais, a própria função judiciária em controle concentrado de constitucionalidade pode realizar um juízo de adequação em abstrato, sem que tenha ocorrido ainda a aplicação da sanção penal objeto de controle de constitucionalidade.

Fixadas as premissas necessárias ao juízo de adequação cabe o estudo das teorias do fim da pena, entre as quais a teoria retributiva, da prevenção especial e da prevenção geral, sendo que somente as duas últimas podem ser legalmente aceitas em um Estado Democrático de Direito.

No que concerne às teorias dos fins da pena, cabe distinguir as teorias absolutas e relativas, sendo a primeira conceituada, como aquelas que concebem a pena como um fim em si mesmo, ou seja, uma compensação do mal causado pelo crime, enquanto as teorias relativas consideram e justificam a pena enquanto meio para a realização do fim utilitário da prevenção. Nesse sentido, Ferrajoli (2002):

São teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concebem a pena como um fim em si própria, ou seja, como castigo reação, reparação ou, ainda, “retribuição” do crime, justificada pelo seu intrínseco valor axiológico, vale dizer, não um meio, e tampouco um custo, mas, sim, um dever ser metajurídico que possui em si seu próprio fundamento. São, ao contrário, “relativas” todas as doutrinas utilitaristas, que consideram e justificam a pena enquanto meio para a realização do fim utilitário da prevenção de futuros delitos. (FERRAJOLI, 2002, p. 204)

A primeira teoria do fim da pena é a absoluta em sua dimensão retributiva que defende a ideia equivocada que a pena é uma mera retribuição ao mal causado pelo crime, ou seja, a pena seria uma espécie de vingança privada institucionalizada, razão pela qual inaceitável em um Estado Democrático de Direito que tem como pilares a Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da Proporcionalidade. Segue a lição de Dias (2012):

A doutrina da retribuição deve ser recusada ainda pela sua inadequação à legitimação, à fundamentação e ao sentido da intervenção penal. Estas podem apenas resultar da necessidade, que ao Estado incumbe satisfazer, de proporcionar as condições de existência comunitária, assegurando a cada pessoa o espaço possível de realização livre da sua personalidade. Só isto pode justificar que o Estado furte a cada pessoa o mínimo indispensável de direitos, liberdades e garantias para assegurar os direitos dos outros e, com eles, da comunidade. Para cumprimento de uma tal função a retribuição, a expiação ou a compensação do mal do crime constituem meios inidôneos e ilegítimos. O Estado Democrático, pluralista e laico dos nossos dias não pode arvorar-se em entidade sancionadora do pecado e do vício, tal como uma qualquer instância os define, mas tem de limitar-se a proteger bens jurídicos; e para tanto não pode servir-se de uma pena conscientemente dissociada de fins, tal como é apresentada pela teoria absoluta (do latim absoluta, terminologicamente: desligada). Daí que tão pouco possa ver-se o Estado como instância destinada a realização terrena da ideia pura da “Justiça” como uma espécie de Ersatz da Justiça divina (DIAS, 2012, p. 48).           

As Teorias Relativas, ao contrário, se fundamentam nos critérios da prevenção geral e especial, sendo que a prevenção geral se divide em negativa e positiva.

A teoria da prevenção geral negativa ou por intimidação defende a ideia que a pena imposta ao autor da infração intimida aos demais membros da sociedade para se absterem de praticar tais condutas pelo temor causado pela punição.

Por sua vez, a teoria da prevenção geral positiva trabalha com a ideia de que a pena funciona como fator de integração social infundindo na sociedade a necessidade de respeito aos valores e a fidelidade ao direito. Nesse sentido, veja a lição de Queiroz (2001):

“Para os defensores da prevenção integradora ou positiva, a pena presta-se não a prevenção negativa de delitos, demovendo aqueles que já tenham incorrido na prática de delito; seu propósito vai além disso: infundir, na consciência geral, a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito; promovendo em última análise a integração social”. (QUEIROZ, 2001, p. 40)           

Insta salientar que a Teoria da prevenção especial também se divide em negativa e positiva, pela prevenção especial negativa há a retirada do agente do convívio social, ou seja, a neutralização do agente com a imposição de uma pena privativa de liberdade. Veja a lição de Greco (2013):

[...] pela prevenção especial negativa existe a neutralização daquele que praticou a infração penal, com sua segregação no cárcere. A retirada momentânea do agente do convívio social o impede de praticar novas infrações penais, pelo menos na sociedade do qual foi retirado. (GRECO, 2013, p. 107)

A prevenção especial positiva, por sua vez, se fundamenta na ideia de ressocialização, ou seja, a pena teria a tarefa de fazer com que o agente refletisse sobre seu comportamento obstando, assim, que o indivíduo volte a reincidir na prática de novas infrações. Nesse sentido veja o magistério de Roxin citado por Greco:

Pela prevenção especial positiva, segundo Roxin, “a missão da pena consiste unicamente em fazer com que o autor desista de cometer novos delitos”. Denota-se, aqui, o caráter ressocializador da pena, fazendo com que o agente medite sobre o crime, sopesando suas consequências, inibindo-o ao cometimento de outros. (ROXIN apud GRECO, 2013, p. 107)           

Ante o exposto, no Estado Democrático de Direito a pena deve visar um fim de prevenção seja geral ou especial, negativo ou positivo, sendo inconstitucional toda e qualquer teoria retributiva, haja vista que a restrição ou privação de direitos fundamentais só estará legitimada quando, com a medida, atingir um fim social maior.

Assim, nos casos dos crimes de porte de drogas para uso próprio previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006, no crime de manter casa de prostituição previsto no art. 229 do CP e no crime de aborto arts. 124 e 126 do CP a punição penal não atinge nenhum propósito de prevenção, pois não intimida e não ressocializa, mas ao contrário estigmatiza.

Acrescente-se que é imperioso reconhecer que a criminalização do aborto não inibe a sua prática, haja vista que nos deparamos constantemente com notícias de fechamento de clínicas clandestinas de aborto em que milhares de mulheres e seus fetos perdem todos os dias suas vidas.

O crime de porte de drogas para uso próprio, previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006 também revela que a punição penal é socialmente inadequada, posto que, sem adentrar eventuais discussões sobre se a conduta seria crime, contravenção ou uma infração sui generis, a criminalização da conduta não inibe a prática de tal crime e ainda aumenta o número de infrações relacionadas ao tráfico de entorpecentes.

Ante o exposto, a dimensão da adequação do Princípio da Proporcionalidade é um parâmetro hermenêutico constitucional que impõe ao intérprete um juízo entre o fim visado com a pena e o resultado efetivamente alcançado de modo a considerar atípica a conduta cuja punição penal se revele inadequada.

Adiante será abordado a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito visando encerrar o processo de aplicação e sistematização do Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal.


6 PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO

No Estado Democrático de Direito a privação ou restrição aos direitos fundamentais de um ser humano só restará legitimada quando, a partir de um juízo de ponderação racional a medida se mostrar necessária, adequada e proporcional. A pena tem de ser necessária à preservação de bens jurídicos indispensáveis a manutenção e desenvolvimento da sociedade, adequada ao fim de prevenção, e, por fim tem de haver proporcionalidade entre o mal causado pela pena e o fim visado com a punição penal.

Assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito no âmbito penal impõe uma ponderação entre as vantagens e desvantagens em prevalecer um ou outro direito fundamental, ou seja, verificar se a medida adotada não sacrificou direitos fundamentais mais importantes do que aquela que se buscou preservar.

No contexto brasileiro há um processo de midiatização do processo penal de caráter punitivista, fruto de jornais policialescos, apresentados por jornalistas preocupados tão somente com o aumento de telespectadores.

O fenômeno de midiatização do processo penal acaba por infundir na população em geral a ideia equivocada que as penas no Brasil são muito brandas e que esse é o motivo do alto índice de criminalidade em nosso país.

 A ideia de agravamento das penas como meio de evitar a criminalidade há muito tempo foi superada por Beccaria (1764) que defendia, na sua obra dos Delitos e das Penas, que “quanto mais atrozes forem os castigos, tanto mais audacioso será o culpado para evita-los. Acumulará os crimes, para subtrair-se à pena merecida pelo primeiro”. (BECCARIA, 1764, p. 86)

O jurista defendia que o meio mais eficaz de reduzir a criminalidade é a prontidão da imposição penal, posto que somente assim a pena cumpriria sua função de prevenção. Nesse sentido, Beccaria (1764):

Quando o delito é constatado e as provas são certas, é justo conceder ao acusado o tempo e os meios de justificar-se, se lhe for possível, é preciso, porém, que esse tempo seja bastante curto para não retardar demais o castigo que deve seguir de perto o crime, se quiser que o mesmo seja útil contra os celerados. (BECCARIA, 1764, p. 74)                                                                                          

Esse cenário de midiatização do processo penal, acarreta na criminalização de condutas, sem a obediência de um devido processo legislativo, criando-se penas extremamente desproporcionais, posto que o legislador como forma de satisfazer seu eleitorado elabora imediatamente uma lei em resposta a um crime, porém não observa a sistematicidade do Direito Penal criando verdadeiras aberrações jurídicas.

Um exemplo de violação do Princípio da Proporcionalidade é o art. 303 do Código de Trânsito Brasileiro, que impõe pena de detenção de seis meses a dois anos para quem praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (BRASIL, 2018).

O Código Penal no art. 129 (BRASIL, 2018), por sua vez, impõe no caso de lesão corporal dolosa leve a pena de detenção de três meses a um ano, ou seja, no caso de um mesmo indivíduo, com vontade e consciência, na direção de veículo automotor, decida ofender a integridade física de outrem e cause uma lesão corporal leve, sua pena será inferior àquela que lhe será imposta caso por negligência, imprudência ou imperícia pratique lesão corporal leve na direção de veículo automotor.

Assim, a proporcionalidade em sentido estrito impõe ao hermeneuta Constitucional a tarefa de afastar a tipicidade de certas condutas que, embora formalmente típicas, sua punição se revelem aptas a causar maiores prejuízos sociais e ainda atribui ao exegeta a tarefa de buscar a sistematização do Direito Penal através de imposições de penas proporcionais ao delito através de uma analogia in bonam partem.

Nessa ótica, a criminalização da prática do aborto até a 12ª semana de gestação deve ser afastada, posto que vem acarretando enormes prejuízos sociais com a morte de milhares de mulheres e seus fetos, não importando em diminuição das práticas abortivas e aumentando a criminalidade com clínicas clandestinas de aborto. Nesse sentido, veja um excerto do voto do Min. Barroso (2017) no HC 124.306/2017:

[...] A tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de abortos praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios (BRASIL,  2017, p. 2, grifo nosso). 

Ante o exposto, a aplicação da dimensão da proporcionalidade em sentido estrito é tarefa precípua do aplicador do direito que deve, ao impor uma sanção penal, realizar um juízo de ponderação entre o mal causado pelo crime e a pena imposta, de modo a afastar a tipicidade de condutas cujas punições a partir da constatação da realidade social não atendam os fins do Direito Penal no Estado Democrático de Direito, causando maiores violações aos direitos fundamentais.

Ademais, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito do princípio da Proporcionalidade contribui para que o hermeneuta constitucional efetive uma interpretação sistemática dos diversos dispositivos penais efetivando a unidade do ordenamento jurídico e corrigindo as vicissitudes do processo legislativo penal na cominação de penas desproporcionais.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS                                                                                  

O presente artigo iniciou-se contextualizando a discussão da aplicação do Princípio da Proporcionalidade como fator integrativo do Direito Penal e norteador de um Direito Penal Constitucional, haja vista que não há grandes estudos que apresentem os contornos e sistematização da aplicação do referido princípio em âmbito criminal.

Nos capítulos da tese utilizando-se da metodologia jurídico-teórica e raciocínio hipotético-dedutivo buscou-se sistematizar e estabelecer os referidos contornos através de uma análise minuciosa do Princípio da Proporcionalidade através do seu principal precussor Robert Alexy.

No capítulo inaugural e no seguinte extrai-se que o Princípio da Proporcionalidade, embora não previsto expressamente na Constituição da República de 1988 é inerente ao Estado Democrático de Direito e sua aplicação no campo penal é ampla e imprescindível, posto que o Direito Penal possui a importante função de proteger os bens jurídicos fundamentais à manutenção e desenvolvimento de uma sociedade, com a imposição de penas extremamente gravosas aos indivíduos.

Nessa ótica, todo o processo de seleção de bens jurídicos, das penas e o processo de efetiva aplicação das sanções penais deve obediência ao Princípio da Proporcionalidade, posto que no Estado Democrático de Direito a intervenção penal somente restará legitimada quando visar tutelar de forma subsidiária bens jurídicos e a punição penal se revelar socialmente adequada.

Desse modo, o processo de seleção de bens jurídicos merecedores de tutela penal, através do devido processo legislativo, deve sempre obedecer ao Princípio da Proporcionalidade de modo que, revela-se intolerável a criminalização de condutas quando há outros meios menos gravosos de pacificação social.

Ademais, o Princípio da Proporcionalidade realiza um importante papel instrutivo da interpretação das normas legais conferindo sistematicidade e integridade ao Direito Penal e, ainda, possui a nobre missão de corrigir eventuais vicissitudes do processo legislativo criminal marcado pela seletividade, imediatismo e espetacularização.

Nos tópicos 4, 5 e 6 abordou-se a aplicação do Princípio da Proporcionalidade em matéria penal sistematizando em três momentos distintos, mas que se interpenetram e, cujos atores principais são diversos.

No primeiro momento, pela dimensão da necessidade, o Princípio da Proporcionalidade impõe ao legislador, mas não só a ele, através de um devido processo, a tarefa de realizar um juízo de ponderação racional para a definição dos bens jurídicos e a imposição das respectivas sanções.

A dimensão da necessidade também tem como ator todo e qualquer hermeneuta que no momento da aplicação do Direito Penal deve ter como parâmetro os direitos fundamentais previstos na Constituição da República.

Assim, a dimensão da necessidade acompanha a aplicação do Direito Penal durante todo o percurso desde o processo legislativo, o processo judicial até o efetivo cumprimento da pena.

A dimensão da adequação, por sua vez, pode ser dividida em duas fases uma primeira atribuída, em regra, ao legislador que realiza um juízo abstrato de adequação da pena criminal ao fim da pena de prevenção.

No segundo momento, de aplicação do Direito Penal, encontra-se, em regra, a jurisprudência e doutrina que realizam um juízo de adequação concreto a partir de dados constatados na realidade social na aplicação da pena em outros casos.

Por fim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito funciona como parâmetro hermenêutico e integrador do Direito Penal conferindo sistematicidade, posto que o legislador ao tipificar uma nova conduta deve verificar se a pena imposta é coerente com as demais existentes para casos semelhantes no sistema penal.

Acrescente-se que tal dimensão é aplicada também pelo hermeneuta ao aplicar o Direito Penal de modo a afastar a aplicação de sanções penais desproporcionais.

Assim, o Princípio da Proporcionalidade é o fundamento da tipificação de condutas, de imposição de penas e da aplicação concreta das sanções penais de modo que a sistematização da aplicação do referido princípio em matéria penal é imprescindível para eliminar os subjetivismos, conferindo racionalidade à aplicação.

Ante o exposto, conclui-se que a sistematização da aplicação do Princípio da Proporcionalidade em matéria penal perpassa pelas três dimensões do referido princípio que se complementam e guardam relação com os institutos jurídicos penais da tipicidade, dos fins da pena e da execução penal, servindo como fundamento para a construção de um Direito Penal Constitucional. 


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Autor

  • Sanges Morais

    Advogado militante; Graduado em Direito pela PUC MINAS; Pós-graduando em Direito Penal pela Faculdade Internacional Signorelli; Pós-graduando em Direito Processual pela PUC MINAS; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 2º semestre 2012; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 1º semestre 2013; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 1º semestre 2014; Destaque Acadêmico PUC MINAS curso de Direito 2º semestre 2014; Estagiário na Turma Recursal dos Juizados Especial Federal.

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