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O sigilo bancário como corolário do direito à intimidade

O sigilo bancário como corolário do direito à intimidade

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A teoria do direito à privacidade, bastante difundida em todo o mundo, propaga ser o sigilo bancário um corolário do direito à intimidade, o qual, por sua vez, integra os direitos da personalidade.

1- INTRODUÇÃO

Ao longo da história, os bancos vêm exercendo papel cada vez mais importante na organização das sociedades. Essa evolução atingiu tamanha dimensão que hoje resta inimaginável o bom funcionamento de uma comunidade sem a presença de uma instituição financeira intermediando e fomentando as atividades mercantis. Se outrora apenas uma pequena parcela da população precisava entrar em um estabelecimento bancário para pedir um empréstimo, descontar uma letra ou depositar valores, hoje constituem raríssimas exceções os que conseguem desenvolver suas atividades sem se relacionar direta ou indiretamente com esse tipo de empresa. Neste sentido, Sérgio Carlos Covello [1] sabiamente pontua:

Tanto recorrem aos bancos o comerciante e o industrial, como o profissional liberal, o funcionário público, o pequeno assalariado, o estudante e, mesmo, a dona de casa. Uns em busca de grandes capitais com que incrementar seu ramo de negócio, outros à cata de pequenos empréstimos para a aquisição de bens de consumo, outros em busca de conta corrente sobre a qual possam sacar seus cheques; outros ainda, para simplesmente efetuar o pagamento de um título ou de uma conta, - o fato é que todos, de uma forma ou de outra, entram em contato com a empresa bancária.

O sigilo, tema de nosso trabalho, "não apenas surgiu com o próprio dealbar das atividades bancárias" como atesta Nelson Abrão [2], mas também as impulsionou. Isso porque, é difícil se conceber o desenvolvimento do comércio sem a fidúcia entre cliente e instituição bancária, decorrente do dever desta guardar segredo quanto à operação daquele. Se hoje o vazamento de informação por parte do estabelecimento de crédito pode gerar para o cliente não apenas inconvenientes, como o recebimento de materiais publicitários e promocionais indesejáveis, pode também sujeitá-lo a ser vítima de delitos de roubo, extorsão mediante seqüestro e até mesmo latrocínio. O que dizer da Idade Média em que os saques e pilhagens eram coisas normais e corriqueiras? Como conquistar clientes em épocas como essa sem garantir-lhes a mais absoluta discrição quanto às informações que poderiam não apenas revelar seu patrimônio, mas também facilitar a sua localização, tornando-os alvos fáceis para este tipo de delito?

Enaltecendo a importância do dever de sigilo do banqueiro, o saudoso ministro Nelson Hungria [3] pronunciou que "Raros seriam, por certo, os clientes do banco, se não contassem com a reserva do banqueiro e seus prepostos. Em nenhuma outra atividade profissional é de se atender, com mais adequação, à advertência de que a alma do negócio é o segredo".

Não obstante a grande verdade contida nessas palavras, não se pode mais ver o sigilo bancário como um requisito da atividade bancária para a obtenção de clientes. Isso porque, com o desenvolvimento dos estudos sobre os direitos fundamentais e a positivação de sua proteção em quase todos os ordenamentos jurídicos do mundo, o direito ao segredo passou a ser, sobretudo, uma garantia dada ao cidadão de não ter a sua vida devassada.

Hoje, há inclusive quem questione o papel desse direito historicamente consagrado por entender ser ele um escudo da criminalidade econômico-financeira em razão de facilitar a prática de condutas delituosas tais como a lavagem de dinheiro e a sonegação fiscal.

Ao longo da presente obra, analisaremos os aspectos históricos desse instituto e as diversas teorias que o fundamentam, antes de nos posicionarmos em relação à problemática e abordarmos as discussões que regem o assunto na atualidade.


2- CONCEITO

Com base na breve explanação introdutória, já se faz possível uma observação fundamental para a correta conceituação do instituto ora estudado: o de que ele não representa o mesmo para o indivíduo e para o banco, posto que, para o primeiro, trata-se de um direito e, para o segundo, de uma obrigação.

Passada essa primeira etapa, cumpre salientarmos ainda que o conceito adotado vai variar conforme a natureza que o autor atribua ao dever de segredo dos banqueiros e seus prepostos, tema que reservaremos para uma discussão posterior.

Assim, mostram-se interessantes os conceitos de Malagarriga [4] sobre o direito estrangeiro. Para ele "a obrigação imposta aos bancos de não revelar a terceiros, sem causa justificada, os dados referentes a seus clientes que cheguem a seu conhecimento como conseqüência da relação jurídica que os vinculam" e de Villegas [5] que tem o sigilo como"o dever imposto aos bancos e demais entidades financeiras de não revelar informações que possuam de seus clientes e as operações e negócios que realizam com eles".

Labanca [6], ao tratar do tema, viu no sigilo bancário "um dever de silêncio a cargo dos bancos a respeito dos fatos vinculados com pessoas com quem mantêm relações comerciais".

Criticando com justeza a simploriedade de tais definições, Sérgio Carlos Covello propõe a sua própria segundo a qual o sigilo bancário constitui-se na "obrigação que têm os bancos de não revelar, salvo justa causa, as informações que venham a obter em virtude de sua atividade profissional". Tal definição, segundo o próprio autor, possui o mérito de observar três questões básicas: a utilização do vocábulo "obrigação" no lugar de "dever", por ter o primeiro sentido técnico-jurídico mais preciso de relação de crédito que envolve um dar, fazer ou não fazer alguma coisa; a relatividade do sigilo bancário demonstrada na expressão "justa causa"; e a não utilização de termos como cliente e clientela, haja vista a possibilidade de a notícia que o banco fica obrigado a não revelar dizer respeito a um terceiro.


3- EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Na doutrina brasileira, quem mais detalhadamente trata da evolução histórica do sigilo bancário é Sérgio Carlos Covello. Para tanto, estuda o instituto de acordo com as três fases do desenvolvimento da atividade bancária: a embrionária, a institucional e a capitalista.

3.1- Fase embrionária

Observando que na Babilônia os sacerdotes não só recebiam valores em dinheiro como realizavam empréstimos, antecipações e mediação nos pagamentos, Sergio Covello [7] finda por concluir ser inegável "que o segredo e a discrição vieram em parte da localização, nos templos, dos primitivos institutos bancários, pois devido a isso seus atos presumivelmente se colocaram sob a proteção dos Deuses, testemunho do seu nascimento". Aos poucos as operações bancárias foram passando para a iniciativa privada, continuando, no entanto, a discrição a ser uma de suas características principais.

Assim Napoleão Nunes Maia Filho [8] observa que "na Antiguidade, os depósitos de valores móveis, embora nem sempre sob a forma pecuniária, pois seguramente anteriores à invenção da moeda, ficavam geralmente em mãos dos sacerdotes, guardados na intimidade dos templos, como se fossem mesmo coisas sagradas, somente acessíveis aos depositantes e aos seus depositários e aos seus guardadores". Ressalva ainda que, nesse momento inicial, a atividade bancária não era exercida profissionalmente, mas sim como forma de fidúcia ou confiança.

Entre o povo Hebreu, resta interessante observar, como bem o fazem Sérgio Covello [9] e Maria José Oliveira Lima Roque [10], que o empréstimo de dinheiro a juros era uma prática restrita às transações realizadas com os estrangeiros, sendo expressamente vedada nas transações entre os pares. No entanto, ambos vislumbram, nessa prática, o início do exercício da atividade bancária, cujo rápido desenvolvimento entre os hebreus possibilitou a existência de figuras como a dos cambistas, cuja atividade consistia no comércio de dinheiro, no início da era cristã.

Novamente nesse povo, a atividade financeira mostrava-se indissociada da atividade religiosa em razão dos Templos, principais centros religiosos e políticos dos hebreus, serem os responsáveis pela conservação do tesouro sagrado, pela administração dos bens das viúvas e dos órfãos e, assim como ocorria entre os babilônios, pela percepção de depósitos de todos os cidadãos.

Bastante válida resta a observação feita por Sérgio Covello [11] de que, ainda que não vinculados ao Templo, os cambistas tinham também o dever de agirem com discrição nas operações realizadas. Segundo o mencionado autor, tal dever decorria do mandamento bíblico segundo o qual cada um dos integrantes do povo escolhido deveria tratar o negócio realizado com o seu próximo de maneira a não revelar o segredo do outro [12].

Da mesma forma, na civilização grega, a atividade bancária surge nos templos, onde os fiéis depositavam seus bens e os sacerdotes os emprestavam a terceiros. Dentre os locais onde essas operações eram realizadas, merecem destaque os templos de Delfos, de Atenas, de Delos e de Olímpia. As principais operações eram relacionadas ao crédito agrário.

Ainda segundo Sérgio Covello [13], com a introdução da economia monetária na sociedade helênica, surge a figura dos trapezistas, que nada mais eram que banqueiros privados e cambistas.

A atividade financeira alcançou tamanho desenvolvimento nesse povo clássico que autores como Francisco Salinas Quijada [14] vêem nas atividades da civilização grega a origem de institutos como a conta corrente, que veio a ser bastante popularizada nos tempos que se seguiram.

Ressalta também Sérgio Covello que os banqueiros de então não se limitavam à atividade de intermediação do crédito, exercendo igualmente o papel de notários e de confidentes de seus clientes em razão de seus conhecimentos de escrita e de legislação. Essa razão o levou a acreditar na existência do segredo mesmo após a saída da atividade bancária do recinto dos templos. Além disso, o autor mantém a crença de que foi com o povo grego que primeiro se desenvolveu a noção de respeito à vida privada que, para muitos, consiste no principal fundamento do sigilo bancário hodiernamente.

Já os Egípcios, povo de economia eminentemente baseada na agricultura e na troca de bens, foram apresentados à atividade bancária no momento em que entraram em contato com os gregos. Em razão dessa forte influência dos helênicos no desenvolvimento da atividade financeira desse povo, muitos autores defendem que, mesmo não havendo nenhuma referência histórica sobre o sigilo bancário entre eles, os cambistas egípcios observavam a reserva no trato com os clientes.

Por fim, a economia romana, inicialmente agrária, passa a contar com forte comércio bancário já no século 30 a.C. Alguns dos fatores que contribuíram para esse acontecimento foram a introdução da moeda e as conquistas militares sucessivas. O desenvolvimento dos romanos nessa área do comércio foi tamanho que Maria José Oliveira Lima Roque [15] noticia a existência de duas espécies de banqueiros: os argentários, que eram os banqueiros típicos, e os numerários, que lidavam com o câmbio de moedas. A mesma autora observa ainda que os romanos que se dedicavam a esses misteres tinham boas noções de escrituração e mantinham seus livros sob expresso sigilo.

Corroborando tais assertivas, Sérgio Covello [16] observa que "o fato de o banqueiro romano ser obrigado a exibir seus livros, em caso de litígio com seu cliente, constituía, sem dúvida, um limite à faculdade de excluir do conhecimento de terceiros as notícias contidas nos seus registros" e, ao final, conclui que, já na civilização romana, a obrigação de guardar segredo nas operações financeiras deixa de vincular-se à religião, passando a ser objeto de regulação propriamente jurídica.

3.2 Fase institucional: Idade Média

Apesar de o sigilo deixar afastar-se da religião já durante o Império Romano, somente durante a Idade Média ele se consolida como regra de conduta a ser seguida por todos os banqueiros.

Nesse período histórico, surgem as figuras das letras de câmbio e da operação de desconto, além de a atividade do cambista sair da esfera da marginalidade para tornar-se uma respeitável profissão, o que nos demonstra a evolução da atividade bancária então ocorrida.

Conforme novamente a lição de Sérgio Covello [17], os banqueiros logo se agruparam em associações de classe, reguladas por estatutos próprios que muito contribuíram para o surgimento de um direito bancário gremial.

Também merece ressalva o papel desempenhado pelos cavaleiros templários, que aperfeiçoaram a técnica bancária através do desenvolvimento de um meticuloso sistema de escrituração contábil.

Tratando especificamente do que nos interessa, o segredo passa a ser obrigação imposta a todos os empregados do estabelecimento que tinham, inclusive, que prestar juramento de que manteriam em segredo tudo aquilo que soubessem concernente aos atos e documentos da instituição. Segundo Esteban Cotelly [18], citado por Napoleão Nunes Maia Filho, tamanha era a preocupação com a discrição que o Banco de San Giorgio, tido por muitos como o primeiro banco moderno, empregava como subalternos sempre pessoas analfabetas, de forma a evitar que essas até mesmo entendessem as anotações dos dados patrimoniais confiados ao banco.

3.3 – Fase capitalista: da Renascença aos nossos dias –

Segundo Napoleão Nunes Maia Filho [19], que costuma denominar essa fase histórica de tempos modernos, "o notável desenvolvimento das atividades sociais e humanas, o surgimento das grandes companhias de navegação, os descobrimentos e, sobretudo, o aparecimento do Estado Moderno e da burguesia, favoreceram a enorme expansão dos créditos e dos depósitos de grandes valores mobiliários, dando lugar de destaque aos grandes banqueiro e financiadores de empreendimentos com a aplicação de vastos recursos". Em suma, durante esse momento histórico ocorre significativa expansão na atividade dos profissionais do dinheiro, cujas operações não se limitam mais às fronteiras de seu próprio país.

Com o desenvolvimento dos bancos comerciais, notadamente os de Nápoles, Rialto e o Banco do Giro, e dos bancos emissores, datam da Renascença as primeiras tributações bancárias.

Nesse período tivemos também o surgimento dos montes pietatis, empréstimos oferecidos pela Igreja Católica como política para evitar que seus fiéis recorressem aos judeus ou a qualquer cambista para obter dinheiro a juros. Com o passar do tempo, tais estabelecimentos eclesiásticos passaram a realizar outras atividades como antecipação sobre mercadorias, financiamentos da indústria e do comércio, contribuindo, e muito, para o desenvolvimento dos sistemas financeiros organizados.

Durante esse período de organização do mercado bancário, surgem diversas normas disciplinando e controlando as atividades de tais instituições, dentre as quais normas relativas ao dever de segredo destas, como o Decreto editado por Luís XIII, em 1639, no qual se ressaltava a importância da discrição para o comércio e para as finanças.

Em razão da crescente importância dos bancos na sociedade, durante esse período o sigilo deixa paulatinamente de ser norma costumeira para galgar o posto de norma positivada. A doutrina pátria consente em afirmar que o sigilo bancário, da forma explícita e positivada como hoje o conhecemos, surge em 1706 com a Grande Ordennance Sur lê Commerce que estabelecia:

Levando em conta que o segredo é absolutamente necessário nas negociações de banco, câmbio, comércio e finanças, que estas se consumam em sua maior parte na cidade, em cadernos de notas e livros de contas, que não é possível escriturá-los de forma regular e que amiúde se apresentam vários agentes comerciais confusamente para fazer negociações, estabelece-se que o segredo das negociações não poderá ser revelado, e que a representação ou comunicação dos registros não poderá ser concedida qualquer que seja o pretexto ou causa, de conformidade com o art. 9 do título XXX do edicto mês de março de 1673.

Sérgio Carlos Covello [20] afirma ser durante esse período que se universaliza, na consciência comum dos povos, como necessidade jurídica a despertar a atenção da autoridade pública, a idéia de que as operações bancárias devem permanecer sob reserva, numa evolução que culminou nas modernas legislações que regulam o sigilo bancário.

Hodiernamente, as legislações que tratam do sigilo de dados financeiros vêm sendo revistas sob duas perspectivas distintas. A uma busca-se criar mecanismos de proteção aos dados bancários, cada vez mais vulneráveis ao acesso não autorizado de profissionais da informática que utilizam o avanço tecnológico e seus conhecimentos para empreenderem verdadeiras devassas nas contas correntes e investimentos. A duas questiona-se a própria existência do sigilo em face dos organismos estatais, sobretudo em razão da proliferação da criminalidade organizada e dos chamados crimes de colarinho branco, delitos extremamente prejudiciais ao patrimônio público, cuja investigação esbarra, por vezes, no dever de silêncio dos bancos.


4- DIREITO ESTRANGEIRO

Pode-se dividir os ordenamentos jurídicos em três grupos conforme o modelo de regulamentação adotado para o sigilo bancário. São eles: o anglo-saxão, o continental europeu e o suíço. A seguir, trataremos mais detalhadamente de cada um deles.

4.1 Modelo anglo-saxão

Segundo leciona Napoleão Nunes Maia Filho [21], os sistemas bancários anglo-saxões têm, tradicionalmente, como principal característica não acolher qualquer tipo de sigilo quanto às operações realizadas pelos clientes com o banco. Desta feita, o acesso aos seus dados e valores são tidos como fontes de referência para todos aqueles que transacionam, em relações extra-bancárias, com sua clientela. Analisando mais detalhadamente cada um dos sistemas que integram esse modelo anglo-saxão, Arnoldo Wald [22] assim se manifestou:

No direito inglês não há nenhuma norma escrita que estabelece sanção à violação do segredo bancário, mas qualquer pessoa que queira trabalhar em uma instituição financeira deve assinar um formulário especial pelo qual se compromete a manter sigilo sobre as movimentações bancárias. O dever de segredo na atuação do banco é interpretado rigorosamente pelos tribunais ingleses.

No sistema jurídico norte-americano, depois da discrepância nas legislações estaduais e após lei federal que restringiu o âmbito da obrigatoriedade do sigilo bancário, foi aprovado a Right to Financial Privacy Act, que dispõe que a prestação de informações por parte da instituição financeira somente pode ser dada em processos administrativos ou judiciais, quando os dados forem relevantes para solucionar o litígio. Com essa lei a quebra do sigilo bancário ganhou um caráter excepcional, somente podendo ocorrer desde que respeitado o devido processo legal. Assim o direito americano buscou conciliar a defesa ao direito de privacidade, o atendimento aos interesses público quanto às informações financeiras e a existência do contraditório.

Como se depreende das informações de Arnoldo Wald, os Estados Unidos, apesar de agrupados no sistema anglo-saxão por razões históricas , cada vez mais têm buscado normatizar o segredo nas operações bancárias, aproximando-se do modelo continental europeu que analisaremos a seguir.

4.2 Modelo continental europeu

Adotado na maioria dos países, inclusive no Brasil que, esse modelo foi adaptado à realidade de cada um deles, não apresentando, assim, uniformidade. Sua principal característica é o forte reconhecimento da necessidade de proteção jurídica ao segredo, seja por intermédio de lei ou por tradição costumeira, não apenas na esfera cível como também na penal, uma vez que a maioria dos países comina sanções dessa natureza para aqueles que violarem sua obrigação de discrição.

4.2.1. Alemanha

De acordo com os ensinamentos de Carlos Alberto Hagstrom [23], "na Alemanha não há regra específica nem definição legal para o segredo bancário, mas sua observância é observada, reconhecida pelo Direito Privado e pelo Direito Público, admitida em diversas leis, aceita pela doutrina e pela jurisprudência". Corroborando com tal pensamento, Napoleão Nunes Maia Filho [24] defende que, na Alemanha, o dever de sigilo decorre de forte tradição, fundada basicamente em três vertentes: no direito costumeiro, no vínculo que o contrato de depósito bancário estabelece entre o banco e o cliente e na necessidade de preservação da confiança.

Poder-se-ia questionar a veracidade dessas informações em razão de existirem, no ordenamento jurídico alemão, estes dispositivos legais: um impondo a obrigação de segredo a todos que exercem a função de vigilância e fiscalização do sistema bancário alemão e outro cominando sanção para os casos de descumprimento.

Trata-se da Lei de 19.07.1961 que, em seu artigo 9º, determina não deverem, os que ocupam o cargo federal de vigilância, divulgar ou utilizar, sem autorização, os fatos de que se tornem conhecedores no exercício de sua atividade e sobre os quais o instituto de crédito ou um terceiro tenha interesse em manter em segredo, principalmente quando se tratar de segredo comercial e industrial, ainda que não se encontre mais em serviço ativo, ou sua atividade tenha terminado. Já em seu artigo 55 comina pena de até um ano de prisão, além de multa pecuniária para os casos de violação, podendo essa ser aumentada em mais um ano se o infrator age no intuito de tirar proveito para si ou para outrem [25].

No entanto, importa observar que tal norma possui aplicação restrita aos integrantes de cargos oficiais, sendo consensual na doutrina e jurisprudência tedescas o entendimento de que o dever de sigilo das instituições financeiras consiste em uma das características do contrato de Banco, ou num compromisso adicional a que fica vinculado o instituto de crédito. Assim, a sua responsabilidade perdura mesmo depois de concluída a relação contratual. Vejamos como se manifestou Espriella Ossío, citado por Sérgio Carlos Covello [26]:

Ademais, excepcionalmente e a requerimento do cliente, intui-se, em forma expressa, uma cláusula adicional no respectivo contrato sobre uma obrigação de reserva bancária que vem a constituir um verdadeiro compromisso adicional, serviço ou condição contemplado no artigo 157 do Código civil alemão. Logicamente a violação por parte do banco não implica maior diferença nas conseqüências jurídicas, pois a Corte Suprema de justiça (Bundesgerichtsof) tem dito em repetidas ocasiões que a reserva é um evidente aspecto integral do contrato bancário, como também um claro compromisso adicional, o que, em ambos os casos, a responsabilidade continua ainda depois de concluída a relação contratual.

Sérgio Covello acrescenta ainda a informação de que o sigilo integra a tradição bancária, estando presente, já em 1765, nos estatutos do Kocnigliche Giro-und Lehn-Banko, de Berlim, como proteção penal. Referido autor, assim como Arnoldo Wald, defende ainda que, entre os Germânicos, o sigilo bancário tem como fonte os direitos da personalidade.

4.2.2. Portugal

Segundo doutrina Alberto Luís [27], o dever de sigilo bancário era observado em Portugal muito antes de ser positivado, aplicando-se a ele a regra do Código Civil que determinava a interpretação dos contratos tanto segundo o que neles é expresso quanto segundo suas conseqüências usuais e legais. Logo, partindo-se da premissa de que o segredo era observado nos contratos bancários desde a antiguidade, defende o autor que eles continham, por integração, a cláusula de segredo.

A inserção de tal dever em texto legal só veio a ocorrer, no país de Camões, em 1967, com a edição do decreto-lei nº 47.909, de 7 de setembro de 1967, que determinava, em seu artigo 3º, não serem os elementos informativos fornecidos pelas instituições de crédito susceptíveis de difusão violadora do princípio de segredo que deve proteger as operações de crédito em causa. O seu artigo 6º, por sua vez, tipificava como crime a violação do dever de segredo, assimilando-o ao delito de violação de sigilo profissional punível nos termos do artigo 290 do código Penal.

Tal norma veio a ser substituída posteriormente pelo Decreto-lei 2/78 que, buscando imprimir confiança no funcionamento das instituições de crédito, para que se afirmem como veículos necessários para a captação de poupança, criou normas tão rígidas de proteção ao sigilo bancário que muitos autores chegam a afirmar ser tal regime mais protecionista que o Suíço.

Assim pensa Alexandra Falque de Gouvêa [28], em trabalho citado pelo eminente Ministro potiguar José Augusto Delgado, ao atestar que "a tutela do segredo bancário surgiu em Portugal conjunturalmente associada aos esforços de reanimação das instituições de crédito como fonte de captação da poupança. Por esse facto, foi-lhe dado um regime mais protector do que o próprio regime vigente na suíça, campeã em matéria de proteção do segredo bancário".

Complementando tais assertivas, a referida autora disse ainda:

(...)é testemunha de que esse reforço da confiança nas instituições de crédito foi de facto o objectivo do legislador ao aprovar o normativo que disciplina o sigilo bancário, a letra do preâmbulo do Dec.-lei 2/78, de 9 de janeiro que contém o enquadramento legal da matéria, o qual reza o seguinte: ‘Ponderando que a reconstrução do País implica o estabelecimento de um clima de confiança na banca que permita a captação e recuperação do dinheiro entesourado, vem o governo revelando preocupações pela tutela do segredo bancário’. No mesmo sentido, a letra do preâmbulo do Despacho Normativo 357/79, de 20 de novembro: ‘A importância do segredo bancário é bem conhecida para a estabilização, normalidade de funcionamento e transmissão de uma imagem de confiança por parte de qualquer sistema bancário’. Nesta medida, com a legislação então aprovada, o regime português na matéria afastou-se quer do sistema da common law, de responsabilidade (exclusivamente) civil do banqueiro por violação do dever de discrição bancária, quer da generalidade dos sistemas europeus que integram a matéria no regime geral do sigilo profissional (equiparando o banqueiro ao confidente necessário), aproximando-se mais dos sistemas europeus, que integram a matéria no regime geral do sigilo profissional (equiparando o banqueiro ao confidente necessário), aproximando-se mais dos sistemas praticados na Suíça e no Líbano (todavia, enquanto no Líbano há uma total imunidade das instituições de crédito às requisições da autoridade judiciária, na Suíça o princípio é o da cooperação com a função judiciária no tocante à matéria penal".

Justifica a autora lusa suas afirmações no fato de o dever de cooperação com as autoridades judiciárias, com o advento de tal decreto, ter passado a cessar inclusivamente nas matérias sujeitas ao segredo bancário.

Ao referir-se a essa norma, o Conselho Consultivo da Procuradoria da República de Portugal expendeu as seguintes conclusões [29]:

1º) Fora dos casos em que é admitida a dispensa do dever do segredo, os membros dos conselhos de administração, gestão ou de direção ou de quaisquer órgãos, e bem assim todos os trabalhadores de instituições de crédito, só podem revelar factos cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente por virtude do exercício das suas funções quando tal dever de informação esteja consagrado em lei;

2º) Não existe disposição legal que preveja o dever de informação das entidades referidas na conclusão anterior relativamente a autoridades judiciárias e policiais quanto a factos objectos de sigilo profissional;

O rigor estabelecido pelo Decreto de 1978 gerou grande polêmica na doutrina e jurisprudência lusas, chegando Alberto Luís [30] a afirmar que "a falta de texto legislativo e interpretativo transformou os bancos em lugares de asilo para os capitais senão de impunidade para certas operações".

4.2.3. Itália

Apesar de na Itália não haver norma específica disciplinando o sigilo bancário, este é, nos dizeres de Sérgio Covello [31], uma realidade incontestável e antiqüíssima, vez que constitui em tradição herdada diretamente dos Bancos Medievais.

O mesmo autor observa a contrariedade existente no fato de o Códice Civile, primeiro documento a regulamentar de maneira sistemática as operações bancárias, não ter se referido explicitamente ao sigilo bancário, instituto tão consagrado na tradição comercial do país.

Existem, é bem verdade, normas que, no entender de alguns doutrinadores ítalos, protegem indiretamente o sigilo bancário, como o artigo 622 do Código Penal italiano, que consagra o sigilo profissional, e o artigo 10 da lei bancária, que impõe o sigilo aos funcionários do órgão controlador das instituições financeiras. Há ainda os que vislumbram derivar a proteção ao sigilo bancário do art. 1.374 do Código Civil, que reza que "o contrato obriga as partes não só quanto ao que nele está expresso como também a todas as conseqüências que dele derivam, segundo a lei, ou, na falta desta, segundo os costumes e a eqüidade".

De qualquer sorte também no território italiano não é ele absoluto, cedendo ao interesse de ordem pública.

Vejamos, então, como se pronunciou a respeito o autor italiano Giacomo Molle [32], citado por Luiz Fernando de Bellinetti:

A obrigação do banco ao segredo não é sem limite e sendo ela, como se tem dito, direito à tutela do cliente e, portanto, de um interesse privado,não havendo ali limite da parte do legislador. Prescindindo daí casos aos quais a revelação seja imposta da lei como um dever de comunicação pode surgir no confronto da autoridade judiciária, do fisco e do terceiro.

4.2.4. França

Situação semelhante à italiana encontramos no "Grande Hexágono", vez que também lá inexiste norma específica, fundando-se a proteção num conjunto de regras de ordem penal, civil e comercial, e admitindo-se a quebra do sigilo em face de interesses de ordem pública.

Invocando mais uma vez os ensinamentos de Sérgio Covello [33], observamos que "a França foi vanguardeira em reconhecer oficialmente, ainda sob o regime monárquico, a importância do sigilo para as operações bancárias", e que nesse país o direito ao segredo tem seu fundamento na idéia de liberdade consolidada com a Revolução Francesa de 1789.

Ressaltamos ainda que, também lá, a violação ao sigilo bancário é punida como violação de segredo profissional, com base no artigo 378 do Código Penal de 1810.

4.2.5 Bélgica e Luxemburgo

No direito belga e no luxemburguês, à semelhança do que ocorre no direito gálico, o sigilo bancário é aceito pela doutrina e jurisprudência como uma obrigação maior de discrição e respeito à vida privada, sendo enquadrado entre os segredos profissionais penalmente protegidos, podendo, no entanto, ser quebrado para atender os interesses da justiça e do fisco. Tudo isso apesar de inexistir previsão legal expressa. Cumpre observar a inexistência, em Luxemburgo, de uma lei de 1940 que impõe aos bancos o dever de proporcionar à Administração todas as informações necessárias para assegurar a determinação e percepção de impostos, podendo os agentes ficais exigirem dos estabelecimentos de crédito extratos de conta e outros documentos pertinentes ao contribuinte, sem a necessidade de recorrerem ao judiciário.

4.2.6 Espanha

Apesar de ter sido observado durante muito tempo como um costume, o sigilo bancário passou a ser inserido em textos legais em meados do século XX. Primeiramente surgiram as leis de 1940 e 1941 e a ordem ministerial de 16.2.1942, que o limitaram para fins tributários. Em seguida, o Decreto de 24 de julho de 1947, que aprovou os estatutos do Banco da Espanha. Apesar de este último não se referir explicitamente a todos os estabelecimentos de crédito, mas apenas ao banco estatal, a jurisprudência hispânica vem estendendo a aplicação do seu artigo 23 – que disciplina o segredo bancário – para que abranja todas as instituições integrantes do Sistema Financeiro.

Comentando tais assertivas, Rafael Jimenez de Parga Cabreira [34], citado por Sérgio Covello, atesta que a proibição afeta o banco e abrange qualquer notícia com relação às contas correntes ou depósitos de qualquer natureza, tendo como único limite a resolução judicial. Rafael Jimenez faz tais afirmações por entender que a Lei Larraz não possui mais aplicabilidade ante à proteção à intimidade pessoal e familiar prevista no artigo 18 da Carta Constitucional espanhola.

4.3 – Modelo Suíço

Apesar de o direito suíço pertencer ao modelo europeu continental, o trataremos em separado em razão das peculiaridades que o notabilizaram, em especial o rigor com que tratam o dever de segredo dos bancos. Até porque tal modelo foi depois adotado em outros países, como teremos a oportunidade de ver logo adiante.

4.3.1- Suíça

Conforme pondera Napoleão Nunes Maia Filho [35], "o modelo suíço é o mais fechado dos modelos de sigilo bancário que é praticado no Ocidente". Sérgio Carlos Covello [36] busca explicação para essa rigidez na cultura do povo suíço e em fatos históricos pelos quais este passou, in verbis:

Na verdade o povo suíço está educado de tal modo, no que tange o respeito à vida privada, que essas normas acabam sendo meramente preventivas, pois a melhor garantia de proteção a esse bem jurídico é a vontade firme de cada indivíduo de respeitar a intimidade alheia e a cada profissional, de não revelar o que fique sabendo em razão do seu ofício.

Tradicionalmente a Suíça tem sido, por esse espírito de veneração da liberdade, por sua neutralidade política e por sua estabilidade administrativa, uma das nações preferidas pelos refugiados políticos do mundo inteiro, atraindo grandes somas de dinheiro para os cofres de seus estabelecimentos de crédito.

País sem preconceitos políticos, acolhe em seu solo pessoas de toda e qualquer convicção. Na época da Revolução Francesa, vários nobres para lá se dirigiram a fim de escaparem à sanha dos revolucionários. No presente século, a Suíça deu abrigo a vários alemães e judeus que, ao se perceberem dos propósitos de Hitler no sentido de suprimir as liberdades civis, para lá se transferiram, levando consigo grandes capitais que foram desaguar nos cofres dos bancos suíços, inspiradores da mais alta confiança, em razão do absoluto sigilo de que se revestem as operações bancárias no país, de sorte que, segundo alguém observou, o sigilo bancário serviu para salvar vidas e proteger a propriedade de muitas pessoas nos tempos modernos.

Nesse regime, cujas contas são numeradas para evitar identificação, cumpre ao cliente indicar ao banco quais os elementos das suas operações que devem permanecer em segredo e quem são as pessoas que podem ter acesso a esses dados.

Recentemente, em razão das pesadas críticas que a muito vinha sofrendo por prejudicar os esforços internacionais contra a criminalidade do tráfico de drogas, da lavagem de dinheiro e do terrorismo transnacional, isso sem falar em outros ilícitos e atos de improbidades, o governo suíço adotou uma política de cooperação internacional na esfera penal.

Tal política encontra-se atualmente regulamentada pela lei sobre a cooperação internacional na Esfera Penal (CIEP) [37] e pela instrução normativa que a regulamenta.

O jurista suíço Carlo Lombardini esmiuçou o tema em artigo traduzido para o português pelo advogado Rogério Acquarone [38], do qual destacaremos as seguintes informações:

1) para que o pedido de quebra de sigilo bancário formulado por entidade estrangeira seja deferido deverá: conter todos os fatos pertinentes e as disposições legais aplicáveis;explicar quais são os motivos pelos quais a cooperação é solicitada; requerer atos de cooperação proporcionais relacionados com a investigação em curso;

2) a cooperação não deve ter por objetivo a descoberta de infrações que a autoridade desconhece. Ela deverá se limitar a permitir a prova da existência de infrações mais ou menos identificadas;

3) a indicação, pela autoridade estrangeira, das disposições legais aplicáveis deve permitir assegurar que o princípio da dupla incriminação seja respeitável. Em outras palavras, é necessário que a infração punível que deu causa ao pedido também seja punível de acordo com o direito suíço;

4) a autoridade estrangeira deve receber somente o que for necessário para a sua investigação e não deve ter acesso a mais informações do que as que solicitou;

5) o processo no Estado estrangeiro não deve apresentar vícios graves e deve respeitar os princípios da Convenção Européia dos Direitos do Homem.

4.3.2 Líbano-

Antes de 1945, o sigilo bancário no Líbano fundava-se nos usos e costumes, uma vez que inexistia, no país, disposição expressa sobre esse procedimento. Em caso de descumprimento do dever de manter silêncio por parte de funcionário de instituição financeira, aplicava-se a ele as penas do artigo 579 do Código Penal, que disciplina o sigilo profissional.

Após esse momento, o Líbano buscou copiar o modelo suíço de sistema de contas cifradas e cofres-fortes sob números, o que culminou na promulgação da lei de 3 de dezembro de 1956. O regime libanês, então constituído, mostra-se ainda mais rígido que o suíço, uma vez que naquele o banco não pode ser obrigado a fornecer informações ao Fisco, nem a depor em demandas de terceiros, sejam de natureza civil ou criminal, enquanto neste a escusa não vale nas questões penais.

Aliás, como bem observado por Sérgio Carlos Covello [39], o sigilo bancário nesse país só pode ser limitado em caso de falência, litígio entre o cliente e o banco e pedidos de informações formulados pela Justiça em ações relativas a enriquecimento ilícito. O que nos parece bastante contraditório é o fato de um mesmo regime primar pela proteção total ao segredo e permitir a troca de informações entre os bancos.


5 – SIGILO BANCÁRIO NO DIREITO COMUNITÁRIO

O advogado paraense Zenóbio Simões de Melo [40] nos chama a atenção para a política pensada pela União Européia para uniformizar, nos próximos anos, os modelos estudados, pelo menos no que se refere aos países que a integram.

Tais assertivas encontram fundamento no que foi decidido durante o conselho europeu de junho de 2000, em Santa Maria da Feira. Na ocasião, o jornal "O Estado de São Paulo" [41] assim noticiou o fato:

"Numa das mais importantes decisões adotadas durante o Conselho Europeu que marca o fim da presidência portuguesa da União Européia (EU), seus quinze países aprovaram um projeto de harmonização fiscal. No ponto mais polêmico, o pacote deverá acabar com o sigilo bancário até 2010. ... foi uma negociação. ... Áustria e Luxemburgo não aceitavam a princípio acabar com o sigilo bancário. A justificativa austríaca é que este é um princípio que faz parte da constituição do país há 200 anos. Para aceitar o acordo, o país exigiu a manutenção do sigilo nos bancos austríacos para quem resida no país".

Percebe-se, com base nesses dados, que, nos próximos dez anos, estaremos diante de uma grande quebra de paradigma no que se refere ao sigilo bancário, uma vez que a decisão implementada pela União Européia fatalmente refletirá no restante do mundo.


6- NATUREZA JURÍDICA

Por absurdo que possa parecer, ainda há, na doutrina, discussões no que diz respeito à natureza do dever de sigilo dos banqueiros, se ele é jurídica ou não. Para Rafael Jimenez de Parga Cabreira [42] a principal natureza do sigilo é moral, em razão de o banco possuir o dever moral de não revelar os segredos de seus clientes, não apenas para defender os interesses destes, como também para salvar a sua própria reputação.

No entanto, essa argumentação não merece acolhida ante ao simples fato de que o sigilo bancário encontra-se, hoje, reconhecidamente presente em todos os ordenamentos jurídicos do mundo. Naqueles em que não está positivado, ainda assim integra o direito, em razão do reconhecimento dos tribunais, como é o caso da Alemanha.

Ademais, o fato de o segredo constituir um dever moral do banco não descaracteriza o seu caráter jurídico, uma vez que o direito não contrasta com a moral. Ao contrário, a integra.

Aceitas essas considerações, passemos a discutir as teorias que buscam explicar a natureza jurídica do sigilo:

6.1 - Teoria contratualista

Bastante aceita em países que não têm regra expressa, como Inglaterra e Itália, a teoria contratualista defende que o sigilo bancário decorre da relação contratual formada voluntariamente ente o banco e o cliente, através da qual a instituição financeira se compromete a guardar segredo das operações que realizar, ainda que não haja cláusula nesse sentido. Seus defensores atestam que ela se inspira nos usos, nos costumes e na boa-fé, aplicáveis na interpretação dos contratos comerciais.

Questiona-se muito qual seria a espécie de tal contrato. Na Itália, prevalece a idéia de que se trata de um contrato de mandato em decorrência de o artigo 1.856 do Còdice Civile estatuir que o banco responde, segundo a regra do mandato, pela execução dos encargos recebidos do correntista de outro cliente.

Na França, por outro lado, prevalece a associação do sigilo bancário à figura do depósito, por entender-se que o banco, além de ser depositário dos bens dos clientes, é, também, depositário de seus segredos.

Sérgio Carlos Covello [43] observa, no entanto, que nenhuma das duas idéias satisfaz completamente a questão. Quanto à primeira, porque nem toda relação cliente-banco configura um mandato. Se por um lado pode-se interpretar as figuras da conta-corrente e da cobrança de título de depósito de administração como contratos de depósito, o mesmo não pode ser dito em relação aos empréstimos. No que se refere à segunda, o erro consistiria no fato de os contratos de custódia terem natureza real e só se aperfeiçoarem com a entrega de alguma coisa material, o que afasta a figura do segredo, que possui natureza imaterial.

Há ainda quem prefira qualificar o segredo como um contrato inominado ou sui generis, o que nos parece uma tentativa forçada de estabelecer essa regra a qualquer preço.

De uma maneira geral, as principais críticas a essa doutrina residem no fato de os bancos raramente assumirem, de maneira clara, a obrigação de segredo. Mesmo a tese da cláusula implícita vem sendo atacada por não explicar nem o sigilo que o banco deve manter, mesmo que o contrato não chegue a consumar-se, nem o sigilo que deve ser mantido para com terceiros estranhos à relação jurídica das partes.

6.2 – Teoria consuetudinária

Busca o fundamento do sigilo bancário no uso tradicional e universalmente observado pelos bancos ao longo da história. No Brasil, o grande defensor dessa idéia foi Lauro Muniz Barreto [44], que defendia que, por serem os contratos bancários atos de comércio, devem ser interpretados em conformidade com os usos e costumes da prática comercial, nos termos do artigo 131 do Código Comercial e, em outra premissa, a de que, sendo o sigilo bancário uma prática costumeira no comércio bancário, deveria estar presente na interpretação dos contratos dessa natureza.

É de fácil percepção a semelhança entre esta teoria e a contratualista, vez que ambas partem da mesma premissa para criar teorias complementares. Por vezes os autores chegam a confundi-las ou uni-las em suas definições, como na que transcrevemos [45] a seguir:

O banqueiro deve guardar o segredo, tanto sobre as operações tratadas com seu cliente como sobre o esclarecimento dado por este em vista de sua realização. É uma obrigação que decorre dos usos e cujo descumprimento pode gerar a responsabilidade contratual do banqueiro.

Os opositores dessa doutrina refutam-na em virtude de o costume não gerar direitos, mas apenas os expressar. E, em conseqüência, essa teoria não é capaz de explicar a razão do sigilo bancário, mas tão somente a sua fonte formal.

Além disso, se esse pensamento pode, em tese, dirimir as dúvidas quanto à natureza do sigilo em países que não possuem um dispositivo legal a este respeito, o mesmo não pode ser dito nos que possuem.

6.3- Teoria da boa-fé

Encontra fundamento no fato de o sigilo bancário, por sua própria natureza, estar vinculado ao caráter fiduciário da atividade bancária.Critica-se essa corrente por ser apenas uma nova roupagem da teoria contratualista.

Ademais, a boa-fé constitui-se em uma obrigação acessória que se impõe aos negócios jurídicos em geral, restando difícil, por isso, encontrar nela o fundamento de um outro dever.

6.4- Teoria do sigilo profissional

Muito comum no sistema europeu continental, sobretudo porque na maioria dos países que o integram não há previsão legal de sanção penal para o descumprimento do sigilo bancário. Aos que violam esse dever aplicam-se, por conseguinte, as penas cominadas para a violação de segredo profissional. Entendemos não merecer esta teoria as mais profundas considerações por estar indissociavelmente ligada e, diríamos até, inserida dentro da teoria do direito à privacidade, haja vista estar o sigilo profissional incluso na esfera íntima e pessoal tanto da pessoa obrigada a guardá-lo como daquela sobre o qual ele versa.

6.5 – Teoria do direito à intimidade dos bancos

Teoria moderna surgida na Itália, busca justificação para o sigilo bancário no direito à intimidade da empresa de crédito. Em outras palavras, os defensores dessa idéia sustentam que a instituição financeira tem legítimo interesse de se recusar a revelar a terceiros a movimentação financeira dos seus clientes, assim como os fatos a ela relacionados.

Francisco Capriglione, citado por Sérgio Carlos Covello [46], defende encontrar essa teoria fundamento legal no artigo 10 da lei bancária italiana que impõe ao Banco Central e a seus funcionários o segredo sobre notícias, informações e dados respeitantes à empresa de crédito. Isso se traduz numa suposta proteção da esfera de reserva do estabelecimento bancário, equiparável à proteção do segredo científico e industrial, também prevista pelo direito italiano.

De uma maneira geral, pode-se dizer que os defensores dessa corrente doutrinária vêem, no direito de sigilo, um direito do banco, por ser a garantia de fidúcia e de discrição indispensável para que este arrecade novos clientes.

Essa concepção teórica, apesar de não ser bem aceita pela doutrina brasileira, tem respaldado alguns julgados de nossos tribunais, senão vejamos:

MANDADO DE SEGURANÇA - INFORMAÇÕES DECORRENTES DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO – INSTITUIÇÃO BANCÁRIA – LEGITIMIDADE ATIVA – INTERESSE DE AGIR – EXISTÊNCIA – O mandado de segurança consubstancia remédio constitucional destinado a proteger direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo de poder emanado de autoridade pública. Se o ordenamento jurídico constitucional somente autoriza a quebra judicial do sigilo bancário desde que justificada a necessidade da medida para fins de investigação criminal, tem interesse de agir a instituição bancária que, ao reputar ilegal a ordem, pretende ver reconhecido perante o Poder Judiciário seu direito líquido e certo em não prestar as informações bancárias solicitadas. (ROMS nº9.918-Paraná, STJ, Relator Ministro Vicente Leal, publicado em 30 de outubro de 2000)

Cumpre observar, no entanto, que há decisões em sentido oposto como, por exemplo, a proferida no julgamento do Recurso Especial 2001/0054455-3, pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Nela em que a Ministra Nancy Andrighi decidiu que pedido de exibição de documentos formulado por correntista em face de instituição bancária que ameaça inclusão do número do seu CPF no Cadastro de Cheques sem Fundos, em virtude da emissão de cheque devolvido por insuficiência de fundos, não viola o sigilo bancário, como alegara o banco em sua defesa. Em seu voto, a Ministra se manifestou sobre o assunto da seguinte forma:

Ainda que o cheque não houvesse entrado em circulação, não se teria sentido obstar a exibição desse e dos outros documentos requisitados pela recorrida sob o argumento de que esses estariam protegidos pelo sigilo bancário, pois não há como estabelecer o sigilo das transações efetivadas entre pessoas que mantêm um vínculo contratual que, no caso, se traduz na manutenção de conta corrente pela recorrida junto ao banco credor.

Assim sendo, inexiste violação ao art. 38, §7º, da Lei 4595/64.

Ao negar o direito do banco de opor o sigilo ao cliente, a Ministra deixa transparecer que o sigilo bancário não se constitui em um direito da instituição e sim do cliente. Nesse sentido se manifestou Sérgio Carlos Covello [47] , in verbis:

Certamente, o Banco tem o direito de proteger sua esfera privada, que se integra de técnicas operacionais, projetos, esquemas de trabalho, rol de clientes etc., mediante o exercício de um ‘jus excludiendi alios’ caracterizador do sigilo. Mas isso não significa que o sigilo bancário decorra deste direito. Não é para proteger a intimidade do Banco que existe o sigilo bancário e sim para proteger a intimidade do indivíduo. Não fora assim, o Banco poderia livremente fornecer informação sobre seu cliente, sem sofrer sanção, porque estaria exercendo o legítimo direito de abrir mão de um aspecto de sua intimidade.

6.6 – Teoria da complexidade do vínculo

Arnoldo Wald [48] chama a atenção para essa nova teoria segundo a qual, além dos direitos e das obrigações principais, existem deveres secundários para ambos os contratantes que decorrem da regra geral da boa-fé, exigindo que a atuação de uma parte não cause danos à esfera jurídica da outra. Assim, o sigilo bancário nada mais seria que um dever acessório na relação jurídica.

Pedimos vênia para discordar do renomado autor por entender que essa nova teoria nada mais é que o resgate da teoria da boa-fé com nova roupagem, aplicando-se a ela as mesmas críticas já efetuadas.

6.7 – Teoria do direito à privacidade

Doutrina bastante difundida em todo o mundo e que propaga ser o sigilo corolário do direito à intimidade, o qual, por sua vez, integra o direito da personalidade. Da Alemanha, temos a teoria das esferas ou círculos concêntricos, que compõe a intimidade na esfera maior e o segredo no círculo de menor raio, o que resulta na observação de que este integra aquela. Na Suíça, país conhecido pela rigidez com que trata o tema, o fundamento apontado para o sigilo bancário é a intimidade do cidadão, encarada como direito essencial do indivíduo. Demonstrando o rigor como tal pensamento encontra-se presente na cultura do povo suíço, Sérgio Carlos Covello [49] observa que "não é o artigo 47 da lei bancária suíça que determina o segredo aos bancos e sim o direito privado numa norma de maior transcendência". Conclui ainda afirmando que é o respeito à personalidade, tido como um dos traços básicos da democracia, que impõe às instituições de crédito o dever de silêncio sobre as operações que intermediam. Também na Itália e Argentina há uma forte corrente doutrinária apregoando ser o sigilo bancário uma das facetas dos direitos à intimidade ou à privacidade e, portanto, um direito da personalidade.

No Brasil, cumpre observar que a ampla maioria da doutrina especializada sustenta essa bandeira. Entre os adeptos dessa teoria em nosso país, merecem especial destaque Sérgio Carlos Covello [50], Nelson Abrão [51], Roberto Quiroga Mosquera [52] e Arnoldo Wald [53].

A esse respeito, o eminente Ministro potiguar José Augusto Delgado [54] assim se manifestou:

O sigilo bancário diz respeito à intimidade e privacidade das pessoas?

A resposta é, optando por convencimento influenciado pelas idéias da corrente predominante, positiva.

O nosso entendimento é no sentido de que o direito à intimidade integra os direitos da personalidade e visam proteger o direito à inviolabilidade do domicílio, da correspondência, das comunicações de qualquer espécie, dos dados pessoais computadorizados, do sigilo bancário. O mesmo acontece com o direito à privacidade.

(...)

A concepção do sigilo bancário no âmbito do direito à intimidade e à privacidade visa garantir ao homem o mínimo capaz para que lhe seja assegurada a sua condição humana, protegendo-o das ingerências alheias, como apregoa a Conferência Nórdica sobre o Direito à Intimidade, realizada em Estocolmo , na data de maio de 1967, ao fazer inserir, no documento que publicou, a seguinte definição ‘O direito à intimidade é o direito do homem de viver em forma independente a sua vida, com um mínimo de ingerência alheia’.

Há, entretanto, corrente contrária que entende não constituir o sigilo bancário derivação do direito à privacidade, não integrando o rol dos direitos da personalidade e, portanto, não encontrando guarida em nossa Carta Magna. Veja-se, neste sentido, o posicionamento de Maria José Oliveira Lima Roque [55] que, após argumentar serem os direitos da personalidade o mínimo necessário para que a personalidade se desenvolva plenamente, sendo imprescindíveis para dar a cada pessoa uma identidade própria, argüiu nascerem todos com direito à vida, à saúde, a um nome, a professar uma fé, à integridade física, à honra, a ter vida íntima, etc., enquanto ninguém nasce com direito ao sigilo bancário.

A autora questiona ainda a inclusão do sigilo bancário no rol dos direitos da personalidade em razão de o Estado não poder sequer garantir a todos o direito de ser cliente de um banco, haja vista ser o banco quem seleciona seus clientes. Portanto, é contraditório falar em direito ao sigilo bancário como inerente a todos os cidadãos. Ademais lembra que, segundo a teoria clássica dos direitos da personalidade, estes seriam oponíveis a todos e irrenunciáveis, o que não ocorre com o sigilo bancário, que não apenas comporta exceções como é renunciável.

Maria José de Oliveira Lima Roque vai ainda além, refutando a possibilidade de se incluir o sigilo bancário entre os direitos da personalidade como um corolário do direito à intimidade, aduzindo o seguinte:

Acresça-se que por intimidade entende-se tudo o que está adstrito à cidadela interior de cada um, tudo que não produza reflexo no mundo social. Se a movimentação patrimonial de alguém gera nova relação de direitos com outros titulares, deixa de ser assunto de mera intimidade.

Essa tese, no entanto, não tem encontrado respaldo nos tribunais superiores de nosso país, que vêm reiteradamente decidindo pela inclusão do sigilo bancário no rol dos direitos da personalidade, como derivado do direito à privacidade, senão vejamos:

SIGILO BANCÁRIO. DIREITO À PRIVACIDADE DO CIDADÃO. QUEBRA DO SIGILO. REQUISITOS LEGAIS. RIGOROSA OBSERVÂNCIA. A ordem jurídica autoriza a quebra do sigilo bancário, em situações excepcionais. Implicando, entretanto, na restrição do direito à privacidade do cidadão, garantida pelo princípio constitucional, é imprescindível demonstrar a necessidade das informações solicitadas, com estrito cumprimento das condições legais autorizadoras. (STJ – Resp. 124.272/RO – Rel. Min. Hélio Mosimann – J. em 11.12.1997 – DJ 02.02.1998 – BIJ 174/ 13.631)

Recentemente, por ocasião do julgamento do MS 21.729-4/DF, tivemos a oportunidade de ver a manifestação de todos os então ministros do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Na seqüência temos um pequeno extrato dos seus pronunciamentos:

Na ocasião, o Ministro Marco Aurélio de Mello assim se pronunciou: "(...)Tenho que o sigilo bancário está sob a proteção do disposto nos incs. X e XII do art. 5º da CF. Entendo que somente é possível afastá-lo por ordem judicial".

O Ministro Maurício Correia, atual presidente de nossa Corte maior, e o Ministro Celso de Melo demonstraram também comungarem com tal entendimento ao assim se pronunciarem:

(...)Também eu entendo que no contexto da inviolabilidade destes direitos à intimidade e à vida privada assegurados pela Constituição aos brasileiros e aos estrangeiros aqui residentes, estão contidos os desdobramentos do direito à privacidade, entre os quais, inexoravelmente, o direito ao sigilo bancário e ao fiscal. Esse direito individual está assegurado de tal forma que não se permite, sequer, que a sua abolição seja objeto de deliberação em proposta de emenda à Constituição (art. 60, §4º, IV). Ministro Maurício Correia

(...) agora em virtude dos textos expressos da Constituição e especialmente da interpretação sistemática dos incs. X e XII do art. 5º da CF, ficou evidente que a proteção ao sigilo bancário adquiriu nível constitucional, impondo-se ao legislador, o que, no passado, podia ser menos evidente. (...) A relevância do sigilo bancário – que traduz uma das projeções realizadoras do direito à intimidade – impõe, por isso mesmo, a cautela e a prudência ao Poder Judiciário na determinação da ruptura da esfera de privacidade individual que o ordenamento jurídico, em norma de salvaguarda, pretendeu submeter à cláusula tutelar de reserva constitucional (CF, art. 5º, X). Min. Celso de Mello.

O Ministro Ilmar Galvão, por sua vez, adotou, no referido julgado, uma posição que poderia ser tida como mista, não fosse o nosso entendimento de que o sigilo bancário constitui-se em espécie do gênero sigilo profissional. Eis o seu pronunciamento:

A Constituição, ao dizer, no art. 129, VI, que tem o Ministério Público a atribuição de requisitar informações e documentos para instruir os procedimentos administrativos de sua competência, não investiu o órgão do poder de devassa. Competência dessa natureza, por interferir no direito fundamental de privacidade, consagrado no art. 5º, X, da CF, haveria de vir expressa, não podendo resultar de interpretação ampliativa do mencionado inciso do artigo 129, nem, muito menos, de disposição da lei complementar destinada a regulamentá-lo, já que constitui restrição a dois postulados básicos, quais sejam, os valores da privacidade e da intimidade, e o dever de sigilo sobre conhecimento decorrente do exercício profissional(incs. X e XIV do art. 5º da CF).

Já o Ministro Carlos Velloso apenas confirmou o entendimento manifestado outrora:

Em voto que proferi na Pet. 577/DF, caso Magri, sustentei a tese de que o sigilo bancário protege os interesses privados: ele é espécie do direito à privacidade, que é inerente à personalidade das pessoas a que a Constituição consagra no art.5º, X, além de atender a uma finalidade de ordem pública qual seja a proteção do sistema de crédito.

O voto do então Ministro Francisco Rezek, hoje integrando a Corte Internacional de Justiça, causou surpresa e estraneza, pois, contrariando precedentes do próprio STF e entendimento doutrinário amplamente majoritário, entendeu que o sigilo bancário não se constitui em um direito à intimidade ou à privacidade, in verbis:

(...) O inciso X do rol de direitos fala assim numa intimidade onde a meu ver seria extraordinário agasalhar a contabilidade, mesmo a das pessoas naturais, e por melhor razão a das empresas. (...) É possível que os dados bancários, em certos casos, deixem entrever aspectos da vida privada, como ocorreria, por exemplo, na revelação de gastos com especialidades médicas de certas enfermidades ou despesas com pessoas das relações afetivas mais íntimas, que o cliente queira manter em segredo. Isso, contudo, é exceção, porque, em regra, as operações e serviços bancários não podem ser referidos à privacidade, no sentido de que é protegido no inciso X do art. 5º da Constituição. Assim, os dados bancários concernentes a pagamentos de compra de imóveis, os financiamentos para aquisição de casa própria ou os financiamentos públicos para o desenvolvimento de atividades produtivas são alguns exemplos de informações que não se inserem no núcleo irredutível da privacidade.

Tal entendimento encontrou respaldo no voto do Ministro Sepúlveda Pertence, para quem "o sigilo bancário só existe no direito brasileiro por força de lei ordinária". Em seqüência o Ministro completou seu raciocínio nos seguintes termos:

Não entendo que se cuide de garantia com status constitucional. Não se trata de intimidade protegida no inciso X do art. 5º da CF. Da minha leitura, no inciso XII da Lei fundamental, o que se protege, e de modo absoluto até em relação ao Poder Judiciário, é a comunicação "de dados" e não os "dados" o que tornaria impossível qualquer investigação administrativa, fosse qual fosse.

Observamos, no entanto, que esse entendimento é isolado na atual composição do Excelso Pretório. Prevalece também lá o entendimento de que o sigilo bancário integra o direito à intimidade e à vida privada, portanto, encontra amparo constitucional.

Ressalva seja feita, entretanto, ao fato de que, desde a data em que foi prolatada a paradigmática decisão em comento houve plena reformulação composição do Tribunal, que passou a ser integrado pelos Ministros Gilmar Ferreira Mendes, Nelson Jobim, Ellen Gracie, além dos recém-indicados Carlos Ayres de Brito, Joaquim Benedito Barbosa, Antônio Cézar Peluso e Eros Grau, o que pode resultar em mudança no entendimento acima exposto. Além do que, encontram-se em tramitação cinco ADINs [56] que tratam da matéria do sigilo bancário distribuídas para o Ministro Sepúlveda Pertence, o que lhe conferirá uma ótima oportunidade de defender sua tese para os novos ministros.

De qualquer sorte, aproveitamos a ocasião para registrar a nossa opinião no sentido de ser o sigilo bancário uma derivação do direito à intimidade e à vida privada, em razão de ser possível estabelecer o panorama sobre a vida de um indivíduo através de simples análise de seus dados financeiros. Um simples extrato de conta corrente ou cartão de crédito se mostra capaz de revelar importantes informações sobre a vida de um cidadão, tais como hábitos de consumo, controle financeiro, situação econômica, relações extramatrimoniais e até mesmo estado emocional, haja vista não serem poucas as vezes em que uma situação psicológica ruim resta refletida nos seus gastos pessoais.


Autor

  • Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho

    Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutor em Direito pela Université de Nantes (França). Professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas. Professor, Coordenador de cursos de pós-graduação e membro do Conselho Curador da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. Advogado.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. O sigilo bancário como corolário do direito à intimidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 735, 10 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6988. Acesso em: 24 abr. 2024.