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O cumprimento da sentença e a terceira etapa da reforma processual.

Primeiras impressões

O cumprimento da sentença e a terceira etapa da reforma processual. Primeiras impressões

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A proposta de alteração do CPC merece aplausos, já que permite que as sentenças condenatórias oriundas do processo de conhecimento sejam efetivadas sem a necessidade de ação de execução autônoma.

Sumário: 1- Os objetivos da nova etapa de reforma do CPC. 2- Breves comentários sobre a classificação das sentenças após a Lei 10.444/02 e a necessidade de ampliação das modalidades de efetivação sem ação de execução. 3- Alguns aspectos envolvendo o cumprimento da sentença condenatória de quantia sem ação de execução. 3.1- A necessidade de provocação e reflexões envolvendo a multa. 3.2- A natureza das sentenças envolvendo pagamento de quantia diante da nova etapa da reforma e os aspectos ligados ao estudo de seus capítulos. 3.3- A efetividade do processo e a execução imediata da sentença. O problema envolvendo o recurso de apelação com efeito suspensivo. 3.4- A necessidade de se repensar os conceitos tradicionais de sentença e decisão interlocutória. O regime de opção quanto ao juízo competente para o cumprimento.

Palavras Chave:Nova etapa da reforma do CPC; autonomia do processo de execução; celeridade do processo; efetivação sem execução; cumprimento da sentença condenatória de quantia; impugnação do devedor; natureza da sentença; reflexões envolvendo o Projeto de Lei 3.253/04.


Resumo:

            O texto procura enfrentar aspectos ligados à autonomia do processo de execução nos casos envolvendo sentenças condenatórias de quantia e a implementação de mais uma hipótese de sincretismo processual.

            Com efeito, procura demonstrar que, com a aprovação do Projeto de Lei 3.253/04, restará esvaziada a autonomia do processo de execução nos casos envolvendo condenação em quantia, tendo em vista que o cumprimento passará a ser efetivado mediante incidente processual.

            Por fim, procura o texto também suscitar algumas questões envolvendo a nova etapa da reforma, como a natureza jurídica da sentença que condena em quantia, aspectos práticos ligados à fixação e a efetivação da multa, dentre outros.


1.OS OBJETIVOS DA NOVA ETAPA DE REFORMA DO CPC

            A legislação processual civil, que está completando trinta e dois anos, vem passando por uma série de reformas, todas com um único objetivo: corrigir os pontos de estrangulamento do sistema, buscando dar maior rapidez à tutela jurisdicional.

            Destarte, após todos esses anos, os estudiosos do direito passaram a aprofundar as indagações quanto aos institutos então vigentes, assim como avaliar a necessidade de novas alterações legislativas como forma de se tentar superar alguns entraves que comprometem a brevidade da prestação jurisdicional, estimulando com isso o rápido acesso à justiça [01].

            Nesse sentido, a comissão coordenada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual e pela Escola Nacional da Magistratura desenvolveu importante estudo visando o aperfeiçoamento da lei processual, culminado com a elaboração de anteprojetos de reforma do CPC, que culminaram nas Leis 10.352 e 10.356/01, além da Lei 10.444/02 [02] [03].

            E não é só. Ainda estão em tramitação projetos para implementar maior efetividade ao processo de execução, envolvendo os títulos judiciais (Projeto de Lei n. 3.253/04) e extrajudiciais (Projeto de Lei n. 4.497/04), assim como anteprojeto envolvendo as tutelas de urgências.

            Aliás, a crise no processo de execução é tamanha, que muitas vezes desestimula o jurisdicionado à buscar a efetivação de seu direito. Com essa nova etapa da reforma, a Comissão procura resolver grandes problemas envolvendo o processo de execução, aparando suas arestas em busca da celeridade no alcance da satisfação do direito.

            No presente trabalho será enfrentado o projeto n. 3.253/04, ora em trâmite no Congresso Nacional, que trata do cumprimento da sentença que condena ao pagamento de quantia [04], em regra sem a necessidade de um processo de execução autônomo [05].

            Realmente, o objetivo do projeto em questão é enfrentar um dos pontos cruciais da atualidade, que é o tempo de duração da litispendência. Destarte, o tempo entre o ajuizamento da demanda condenatória de quantia e o recebimento do valor discutido, após um processo de conhecimento e outro de execução, ambos repletos de incidentes processuais, é aspecto que corrobora com a chamada crise do Judiciário.

            A reflexão é ainda mais relevante quando se observa que a Emenda Constitucional n. 45/04 ensejou o acréscimo de novo inciso no art. 5º da CF/88, desta feita consagrando constitucionalmente a garantia de um processo mais breve [06]. Contudo, uma indagação se nos faz necessária: como é possível falar em processo mais rápido, com a quantidade interminável de incidentes processuais e com a autonomia do processo de execução nos casos envolvendo títulos judiciais? [07]

            A autonomia do processo de execução e seus inúmeros incidentes configuram o calcanhar de Aquiles que a nova etapa da reforma procura enfrentar [08]. Na exposição de motivos do Projeto de Lei 3.253/04 consta, como fundamento para a reforma: "a efetivação forçada da sentença condenatória será feita como etapa final do processo de conhecimento, após um "tempus iudicati’, sem a necessidade de um ‘processo autônomo’de execução (afastam-se princípios teóricos em homenagem à eficiência e brevidade); processo ‘sincrético’no dizer de autorizado processualista. Assim, no plano doutrinário, são alteradas as ‘cargas de eficácia’da sentença condenatória, cuja executividade para a um primeiro plano; em decorrência, ‘sentença’passa a ser o ato ‘de julgamento da causa, com ou sem apreciação do mérito".

            Esses pontos de estrangulamento foram enfrentados no projeto ora discutido, permitindo se chegar à conclusão de que a autonomia da execução e o nulla executio sine titulo envolvendo tutelas pecuniárias estão sendo redimensionados nesse novo estágio da reforma processual.


2.BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DAS SENTENÇAS APÓS A LEI 10.444/02 E A NECESSIDADE DE AMPLIAÇÃO DAS MODALIDADES DE EFETIVAÇÃO SEM AÇÃO DE EXECUÇÃO.

            Com a alteração advinda da lei 10.444/02, as sentenças envolvendo tutelas específicas em regra são efetivadas sem a necessidade de processo de execução autônomo [09], mediante técnicas mandamental ou executiva [10], restando a execução judicial tão somente para os títulos executivos extrajudiciais, consoante a redação dos arts. 461, 461A, 621, 632 e 644 [11], todos do CPC.

            Não se deve olvidar que a autonomia do processo de execução é uma tendência mundial e, no Brasil, um dos seus marcos iniciais foi a previsão do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, onde a efetivação é alcançada sem intervalo, isso sem mencionar nas chamadas ações executivas lato sensu e mandamentais, normalmente relacionadas a procedimentos especiais como as ações possessórias e o mandado de segurança.

            Ocorre que, está em trâmite no Congresso Nacional o projeto já citado que procura implementar maior estímulo à execução sem a autonomia do livro II do CPC, ou da efetivação sem execução, nos casos envolvendo condenação em quantia. Importante transcrever, para melhor compreensão da discussão que se inicia, dois artigos constantes no projeto:

            "Art. 475-I. O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos do demais artigos deste Capítulo"

            (...)

            "475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação".

            Pois bem. Nos casos envolvendo as sentenças específicas, a satisfação advém da aplicação da sistemática prevista no art. 461 e 461A, inclusive com amplo poder ao magistrado para buscar a máxima identidade, inclusive utilizando as medidas de apoio, sem que se possa falar em violação aos art. 463 e mesmo 128 do CPC [12]. Com efeito, a sentença, nesses casos não encerra a prestação jurisdicional mas apenas é o capítulo (talvez o mais simples) que identifica o dever a ser cumprido, restando o capítulo do cumprimento, inclusive utilizando as medidas de apoio com o objetivo de alcançar a tutela específica ou mesmo o resultado prático equivalente [13].

            Aliás, o sistema processual já merece uma reforma completa. Institutos como o exaurimento da competência, adstrição do juiz ao pedido da parte e o próprio conceito de sentença merecem maior reflexão. Todos estão sendo objeto de alteração pelo projeto 3253/04. Destarte, o conceito de sentença não trará consigo necessariamente a noção de extinção do processo, principalmente porque o feito passará para o capítulo seguinte (o da satisfação), assim como o projeto procura dar maior poder ao juiz de alcançar a solução para o caso concreto, sem as amarras que por vezes se encontradas presente no art. 128 do CPC. [14]

            Realmente, o processo civil do novo século deve buscar a tutela contida na sentença condenatória de quantia, sem a necessidade de nova demanda, de nova citação, de novo processo. Não é o objetivo do presente trabalho enfrentar a discussão sobre o conteúdo e os efeitos da sentença, nem mesmo a sua classificação em trinária ou quinária [15], mas sim o objetivo desta nova etapa da reforma ao estabelecer a possibilidade da sentença que condena em quantia ser efetivada sem a necessidade de processo de execução autônomo.


3.ALGUNS ASPECTOS ENVOLVENDO O CUMPRIMENTO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA DE QUANTIA SEM AÇÃO DE EXECUÇÃO

            Como se observou até o presente momento, o que objetiva a nova reforma processual é implementar maior efetividade à prestação jurisdicional, permitindo que o capítulo executivo seja instado sem a necessidade de petição inicial, considerando que procura o reformista mitigar a autonomia do processo de execução.

            De qualquer forma, o projeto provoca algumas reflexões iniciais, como se passa a demonstrar:

            3.1- A necessidade de provocação e reflexões envolvendo a multa

            Como se observa pelo projeto, após a sentença condenatória de quantia deverá ser intimado o advogado do réu para cumprir o mandamento nela contido. O texto fala intimação e não citação, inclusive na pessoa do procurador, o que deixa claro que não se trata de nova ação e sim de conseqüência posterior ao julgado [16].

            É interessante observar que devem ser atendidos os seguintes requisitos: a) quantia líquida ou precedida de liquidação [17]; b) ocorra o trânsito em julgado da decisão ou esteja a mesma pendente de julgamento de recurso sem efeito suspensivo, ensejando a execução provisória [18]; c) não cumprimento no prazo fixado na sentença.

            De qualquer forma, após o não cumprimento da sentença no prazo fixado, o processo permanecerá aguardando provocação do interessado que poderá ser feita mediante simples petição, sem prejuízo da fixação da multa no percentual de 10% sobre o valor do débito.

            Aliás, de acordo com a redação do projeto, alguns parênteses devem ser abertos.

            O primeiro deles refere-se à fixação da multa de ofício pelo juiz, sem a necessidade de provocação do credor. Ora, o poder do juiz de fixar a multa não é novidade na sistemática da segunda etapa da reforma, tendo em vista que se trata de medida de apoio contida na efetivação das tutelas específicas dos arts. 461 e 461 A, isso sem falar que se configura clara mitigação às previsões contidas nos arts. 128 e 460 da legislação processual.

            Contudo, se no caso das tutelas específicas o valor é variável, podendo o juiz, "de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insubsistente ou excessiva"(art. 461 §6º, do CPC) [19]. Contudo, de acordo com a proposta de alteração do art. 475 J, a multa será fixa e, pelo menos nesta primeira reflexão, não atrelada a nenhum mandamento judicial [20].

            Aliás, a não fixação de periodicidade na fixação da multa nem o poder do juiz de adaptá-la à realidade de cada caso concreto poderá fazer com que não esta signifique necessariamente um ‘incentivo’ ou um ‘estímulo’ ao cumprimento da medida, já que o réu poderá preferir não cumpri-la dada a sua fixação em percentual único. E mais, uma vez imputada a multa, qual será o estímulo para cumprimento posterior da determinação judicial, já que a mesma não poderá ser alterada pelo magistrado nem imputada qualquer outra conseqüência processual ao contumaz?

            Esta indagação nos faz concluir que a proposta de alteração poderia ter caminhado um pouco mais, permitindo o manejo pelo magistrado das medidas de apoio já constantes no sistema de adimplemento das tutelas específicas, inclusive com aumento progressivo da multa, além de outras medidas coercitivas, com o objetivo de alcançar com maior efetividade a tutela contida no decisum. Sem dúvida que a alteração proposta é relevante no que respeita à quebra da autonomia do processo de execução, mas poderia assegurar poderes semelhantes aos implementados para as tutelas dos arts. 461 e 461 A do CPC.

            Realmente, pelo projeto, uma vez imputada a multa pelo descumprimento, poderá o réu adotar a estratégia de confortavelmente não cumprir a decisão judicial, sabedor que ficará aguardando provocação do interessado para pagamento do valor da condenação, inclusive com a consciência de que poderá o processo ser arquivado se referida provocação no ocorrer no prazo de seis meses, consoante previsão do §5º, do art. 475-J.

            De outra banda, há mais cinco indagações interessantes a fazer: a multa, uma vez fixada, dependerá de provocação do interessado para expedição do mandado de pagamento, juntamente com o valor total do débito, ou as medidas serão tomadas ex oficio? De acordo com a previsão contida no projeto, a multa terá caráter mandamental, sendo efetivada independente de provocação? Quem será o beneficiário da multa? Poderá o não cumprimento da medida ensejar a imputação de crime de desobediência? A alienação fraudulenta de bem após o prazo fixado na sentença mas antes do recebimento do mandado de penhora e avaliação será considerada fraude à execução ou fraude contra credores?

            Realmente, a redação do projeto poderá ensejar algumas interrogações, solucionadas mediante interpretação sistemática. O valor total do débito, constante na sentença condenatória, terá o caráter executivo, mas condicional, já dependente de provocação do interessado, que poderá ou não ocorrer [21] [22].

            E quanto a multa decorrente do não cumprimento do mandado? A sua fixação, pelo menos é essa a primeira impressão, terá caráter mandamental e sem a necessidade de requerimento expresso do autor, mas a sua efetivação dependerá de provocação, inclusive com a possibilidade de arquivamento dos autos caso não ocorra no prazo de seis meses (§5º do art. 475 J).

            Aliás, respondendo a terceira indagação acima, o credor é o beneficiário da multa, como compensação pelo não cumprimento da determinação no prazo constante na sentença, ao contrário, v.g. daquela prevista no art. 14, parágrafo único, do CPC.

            Sob outro aspecto, não vislumbro incidência de crime de desobediência previsto no art. 330 do CP, pelas seguintes razões: a) não consta no projeto qualquer penalidade em caso de não cumprimento da decisão, mas pelo contrário, a execução (ou efetivação) deverá ser precedida de provocação [23]; b) a fixação da multa tem caráter mandamental e deve ser feita ex oficio, mas a sua efetivação dependerá de provocação; c) caso não ocorra a provocação judicial do interessado, haverá arquivamento do processo. Logo, também quanto à efetivação, incide o princípio da disponibilidade.

            Por fim, quanto à alienação fraudulenta, a proposta deixa claro que, como não se trata de novo processo e sim de fase de cumprimento, a alienação fraudulenta após a citação na fase de conhecimento configura fraude à execução, inclusive aquela efetuada entre o prazo para o cumprimento da sentença e a provocação do credor (consoante redação proposta para o art. 475-J). De acordo com o projeto, não há a necessidade de nova ação, nem de nova execução, razão pela qual haverá uma única citação, que se configura o momento inicial para a configuração de fraude à execução, consoante a previsão contida no art. 593, III, do CPC.

            Aliás, à nível jurisprudencial já existem vários precedentes consagrando que a alienação efetuada antes da citação na execução mas posterior ao processo de conhecimento é considerada fraude à execução, ex vi art. 593, II, do CPC [24].

            3.2- A natureza da sentença envolvendo pagamento de quantia diante da nova etapa da reforma e aspectos ligados ao estudo de seus capítulos

            Como restou claro anteriormente, o que se procura com a alteração processual é encerrar o conceito tradicional de sentença condenatória como aquela possui como efeito principal a formação de título executivo, permitindo que passe a ser efetivada sem a necessidade de processo de execução autônomo [25].

            Mister é perceber que, de acordo com o projeto de lei, a sentença envolvendo prestação pecuniária passa a ter duas características distintas das existentes até a presente data: a imputação da multa de ofício, mitigando as previsões contidas nos arts. 128 e 460, CPC, e a possibilidade de efetivação sem processo de execução autônomo.

            Contudo, em que pese permanecer vivo o debate acerca da classificação das sentenças, uma interpretação inicial do projeto permite concluir que se tratam de novas técnicas de efetivação dos pronunciamentos condenatórios,, sem as amarras da autonomia do processo de execução [26].

            Destarte, a sentença envolvendo quantia terá caráter predominantemente condenatório, com eficácias mandamental e executiva envolvendo capítulos diferenciados: a primeira envolvendo a multa pelo descumprimento do prazo fixado na sentença e a segunda no que tange à satisfação do débito, com a expedição do mandado de penhora e avaliação, precedida de provocação do interessado [27]. Tudo dependerá, é bem verdade, do capítulo da sentença que está sendo observado.

            Sob outro prisma, poderá existir hipótese onde a sentença determine uma obrigação de fazer, além de condenar o réu em custas e honorários advocatícios. Neste caso, como será efetivada a sentença, considerando o projeto de lei em questão?

            O tema capítulos de sentença é um dos mais interessantes dentro da sistemática processual e enseja algumas importantes reflexões. In casu, é possível observar que há um capítulo principal, ligado obrigação de fazer, cujo cumprimento será efetivado na forma do art. 461, e capítulos dependentes [28], ligados às custas e honorários advocatícios.

            Logo, nada impede que um capítulo da sentença seja efetivado na forma do art. 461 e outro na forma da previsão contida no art. 475-J, inclusive com fixação de multa por atraso no cumprimento do preceito envolvendo o pagamento do valor do débito. De qualquer forma, o que procura o legislador reformista é evitar a ação de execução autônoma, sejam quantos forem os capítulos do decisum.

            O exemplo citado pode ensejar uma situação interessante, bastando se atentar para o fato de que, para o cumprimento da tutela específica é prescindível a provocação do interessado, enquanto que para o cumprimento da sentença condenatória – inclusive com a expedição de mandado de penhora e avaliação - o requerimento é condição sine qua non.

            Logo, no caso acima citado, poderá haver cumprimento da tutela específica, inclusive com as medidas de apoio do art. 461 e seus parágrafos, enquanto que a efetivação da tutela pecuniária dependente (custas e honorários) dependerá de provocação do interessado, mesmo que sem a necessidade de nova citação nem de nova demanda [29]. Nada impede, portanto, que o processo seja cumprido no capítulo principal e posteriormente arquivado, pela falta de provocação específica, consoante previsão para o art. 475 –J, §4º do CPC.

            3.3. A efetividade do processo e a execução imediata da sentença. O problema envolvendo o recurso de apelação com efeito suspensivo

            Já não é de hoje que a doutrina processual vem defendendo a necessidade de alteração no art. 520 do CPC, com o objetivo de implementar a execução imediata da sentença, mesmo que provisória, como regra [30]. Realmente, não se pode pensar em implementar modificações no cumprimento da sentença, enquanto o efeito suspensivo da apelação for regra em nosso sistema processual [31].

            Com efeito, no caso concreto apenas poderão ser discutidas as alterações visando trazer maior efetividade ao processo de execução, provisória ou definitiva, após o julgamento do recurso de apelação, já que os recursos posteriores não são dotados de efeito suspensivo.

            Vale registrar, por oportuno. que durante a tramitação dos anteprojetos de reforma do CPC que culminaram com as leis 10.352/01, 10358/01 e 10.444/02, pretendia-se alteração no artigo 520 do CPC, fazendo com que o efeito suspensivo da apelação fosse exceção e não regra, como ocorre nos dias de hoje [32].Contudo, a alteração foi tímida e incompleta, considerando que apenas foi introduzido o inciso VII, ao art. 520 do CPC. Logo, permanece no sistema processual a regra do efeito suspensivo da apelação [33].

            Contudo, há luz no fim do túnel, já que também está tramitando no Congresso Nacional o projeto de Lei n. 3605/2004, o qual procura alterar a redação do art. 520 do CPC. Esta é a proposta de alteração: "Art. 520. A apelação terá somente efeito devolutivo, podendo o juiz dar-lhe efeito suspensivo para evitar dano irreparável à parte" [34].

            A viabilização das propostas de alteração da execução realmente necessita da retirada do efeito suspensivo da apelação, sob pena continuar a existir este ponto de estrangulamento do sistema, já que em alguns estados brasileiros o julgamento do recurso pode demorar vários anos. Com efeito, como se pode falar em efetivação do direito sem processo de execução com a permanência do recurso de apelação com duplo efeito? [35].

            Em outro trabalho, já se teve oportunidade de observar que as "alterações ocorridas na execução provisória poderiam ser dotadas de maior efetividade, se a reforma também atingisse o duplo efeito da apelação" [36].

            Esta é mais uma reflexão que deve ser feita visando uma correta interpretação das novas etapas da reforma do CPC.

            3.4. A necessidade de se repensar os conceitos tradicionais de sentença e decisão interlocutória. O regime de opção quanto ao juízo competente para o cumprimento

            A alteração processual contida no projeto de lei ensejará também reflexões envolvendo os pronunciamentos jurisdicionais, com reflexos à previsão contida no art. 162 do CPC.

            Nos casos envolvendo as tutelas específicas, já não resta intacto o conceito de sentença como ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, posto que posteriormente adentra-se na fase de cumprimento, com as técnicas no art. 461 e 461 A.

            Nesse momento, o projeto procura conceituar a sentença não como ato final do procedimento, mas apenas como medida de acertamento, de identificação do dever, de um ônus ao réu, passando o feito para a fase de cumprimento [37], inclusive com a imputação de multa pelo atraso no cumprimento do preceito.

            Logo, percebe-se que a sentença condenatória de quantia não mais extinguirá o processo, posto que este continuará até a sua efetivação. Fala-se, também nos casos envolvendo quantia, em processo sincrético onde a sentença funciona como verdadeira ponte de ligação entre a fase de conhecimento e a de efetivação [38].

            Após a alteração processual será necessário repensar não apenas o conceito de sentença, mas também o de decisão interlocutória, já que ambas resolverão incidentes processuais sem colocar termo ao processo. Assim qual será o critério de diferenciação, já que em alguns casos a interlocutória também poderá ensejar tutela de mérito? [39]

            Ademais, a efetivação (satisfação do direito) também poderá advir de decisão interlocutória, bastando para isso lembrar o instituto da tutela antecipada, inclusive no que respeita ao pedido incontroverso.

            Enfim, os tempos mudaram assim como os conceitos. A decisão interlocutória poderá resolver parcialmente a lide [40], assim como a sentença não mais a encerrará, mas apenas servirá de ponte entre a fase de conhecimento e de execução.

            Assim, com as reformas já implementadas e as que são objeto do projeto, o que se procura é assegurar ao CPC novos instrumentos em busca de uma maior efetividade na satisfação do direito do autor, pouco importando a natureza do pronunciamento judicial proferido.

            Contudo, enfrentando, pelo menos em reflexão prematura, a diferenciação entre sentença e decisão interlocutória após a implementação desta etapa da reforma, arrisca-se a afirmar que esta resolve incidente processual (fazendo ou não coisa julgada material, resolvendo ou não parcialmente o mérito), enquanto aquela reflete o ponto final da fase de conhecimento do processo, a ponte da estrada que liga o capítulo de conhecimento ao de efetivação [41].

            Ademais, outra importante questão envolvendo o projeto refere-se ao juízo do cumprimento da decisão, já que permite o regime de opção, à critério do exeqüente, entre o juízo que processou a causa em primeiro grau de jurisdição ou aquele onde se encontram os bens sujeitos à expropriação, ou mesmo pelo do atual domicílio do executado, consoante previsão contida no art. 475 – P.

            A previsão de fixação de competência concorrente significa importante instrumento para o cumprimento da medida, principalmente naqueles casos em que o réu não possui bens no foro originário, sendo permitido ao credor requerer ao juízo do feito o deslocamento da competência. Isso configura clara preocupação dos reformistas com a maior efetividade à fase de cumprimento do julgado, inclusive constituindo clara mitigação à regra estabelecida atualmente no art. 575, II, do CPC.

            Após essas considerações, percebe-se que a proposta de alteração do CPC merece muitos aplausos, já que permite que a democratização, em nosso sistema, do chamado sincretismo processual, permitindo que as sentenças condenatórias oriundas do processo de conhecimento sejam efetivadas sem a necessidade de ação de execução autônoma, inclusive mitigando as regras de competência. [42].


Notas

            01 Acerca do tema acesso à justiça, ver a obra clássica de Mauro Cappelleti e Bryant Garth (Acesso à Justiça. Porto Alegre : Sérgio Fabris, 1988), além de obra anterior de minha autoria intitulada Acesso à Justiça e Efetividade do Processo. Curitiba: Juruá, 2001, e da coordenada por Maria Tereza Sadek. Acesso à Justiça : São Paulo : Fundação Konrad Adenauer, 2001.

            02 Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier ensinam que "são certamente louváveis, portanto, os esforços da Comissão de Reforma do Código de Processo Civil, que, com extrema competência, aguçada sensibilidade e profundo senso democrático, formulou propostas interessantíssimas, sempre voltadas a modernizar os mecanismos de acesso à prestação jurisdicional justa". In Breves Comentários à 2ª fase da Reforma do Código de Processo Civil. 2ª edição. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002, p. 12.

            03 Em outros trabalhos já se teve oportunidade de enfrentar alguns aspectos da recente reforma processual. Nesse sentido, ver obra em conjunto com Gustavo Vaz Salgado intitulada Recursos Cíveis – manual sobre as reformas ocorridas na recente reforma processual. 1ª edição, 2ª tiragem. Curitiba : Juruá, 2004. Ainda foram escritos alguns trabalhos individuais, para os quais reporto o leitor: Algumas reflexões envolvendo o art. 515, §3º do CPC - julgamento do mérito, pelo tribunal, nos casos de sentença processual impugnada através de apelação. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo : Editora Dialética nº 08 / novembro de 2003. Novas diretrizes do agravo retido após as reformas processuais. Genesis : Revista de Direito Processual Civil – nº 29, julho/setembro 2003. Curitiba/Pr. e Anotações sobre a ‘nova’ disciplina da execução provisória e seus aspectos controvertidos. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo : Editora Dialética nº 14, maio/2004.

            04 Não se pode deixar de afirmar que a Lei 10.444/02 trouxe alteração aos arts. 461, 461A, 621, 644, deixando claro que, nos casos envolvendo sentenças que determinem condutas específicas (fazer, não fazer, coisa) a efetivação é nos próprios autos, sem a necessidade de processo de execução. Nesse sentido, ensina Luiz Guilherme Marinoni que "O CPC, em seus arts.461 e 461-A, generalizou a dispensa da ação de execução diante das sentenças relativas a não-fazer, fazer e entrega de coisa. Em razão dessas disposições, tais sentenças, mesmo que dependentes da prática de ato pelo réu (as quais, assim, em princípio poderiam ser condenatórias), embora não autorizem, desde logo, a expedição de mandado de execução, eliminam a necessidade da propositura da ação de execução". As novas sentenças e os novos poderes do juiz para a prestaçao da tutela jurisdicional efetiva. Gênesis – Revista de Direito Processual Civil n. 29, Curitiba : Gênesis, 2003, p. 551.

            05 Leonardo Greco aduz que "pode haver jurisdição de execução sem autônomo processo de execução, desde que a atividade executória seja complementar da atividade cognitiva ou tão singela que não justifique a instauração de uma relação processual autônoma". A execução e a efetividade do processo. Revista de Processo n. 94, abril-junho de 1999. São Paulo : RT, 1999, p. 46.

            06 Esta é a redação do art. 5º, inciso LXXVII, após a EC 45: "LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

            07 É fato que há a necessidade de tempo para o encerramento do processo, mas o que preocupa a sociedade nos dias atuais é a sua excessiva duração. Existem hipóteses em que o jurisdicionado aguarda dez, quinze e até vinte anos para alcançar a solução do processo de conhecimento, sem falar no tempo para alcançar a satisfação de seu direito. Uma reflexão formulada por José Rogério Cruz e Tucci merece atenta leitura: "É normal aguardar-se mais de 2 anos pelo exame, no juízo a quo, da admissibilidade do recurso especial ou extraordinário? É normal esperar por mais de 4 anos, após encerrada a instrução, a prolação de sentença num determinado processo em curso perante a Justiça Federal? É normal a publicação de um acórdão do Supremo mais de 3 anos depois do julgamento? É normal etc. etc. etc.?!? A resposta, em senso negativo, para todas as indagações, é elementar". Tempo e Processo São Paulo : Revista dos Tribunais, 1997, p. 105.

            08Alexandre Freitas Câmara chega a afirmar que a "tutela jurisdicional condenatória-executiva permanece sendo, muitas vezes, o grande ‘vilão’a prejudicar a plena efetividade do processo, vez que a demora do processo de conhecimento de procedimento ordinário, somado às mazelas do processo executivo, á capaz de provocar situações em que o direito material (ou o próprio processo) seja alvo de um dano grave, de difícil ou impossível reparação". Novas observações sobre a efetividade do processo. In Escritos de Direito Processual. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2001, p. 43.

            09 De acordo com as lições de Luiz Guilherme Marinoni, "o CPC, em seus arts. 461 e 461A, generalizou a dispensa de ação de execução diante das sentenças relativas a não-fazer, fazer e entrega de coisa. Em razão dessas disposições, tais sentenças, mesmo que dependentes da prática de ato pelo réu (as quais, assim, em princípio poderiam ser condenatórias), embora não autorizem, desde logo, a expedição de mandado de execução, eliminam a necessidade de propositura da ação de execução". Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004, p. 121.

            10 Ambas atuam sem a necessidade de nova demanda, como se pode observar na sentença envolvendo o mandado de segurança, além das ações possessórias, onde a conduta é alcançada sem a presença de uma nova provocação judicial. Aliás, sobre a diferenciação entre essas duas modalidades, em que pese a polêmica que o assunto ainda provoca, entendo bastante esclarecedora a observação apresentada por Carlos Alberto Álvaro de Oliveira: "a tutela mandamental, embora atue como a executiva lato sensu, por meio de emissão de ordens do juiz, desta se diferencia porque age sobre a vontade da parte e não sobre o seu patrimônio. Assim o exige a situação jurídica substancial porque a natureza da obrigação não recomenda, dentro da idéia de maior efetividade possível, o emprego da tutela condenatória". O problema da eficácia da sentença. Revista de Processo n. 112. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003, p.21.

            11 Com isso, a recente reforma incentiva o sincretismo processual, permitindo que, diante de única demanda, possam ser praticados atos de conhecimento e execução, abreviando a duração do litígio. Aliás, Joel Dias Figueira Júnior, comentando a Lei 10.444/02, chega a afirmar que: "o nosso legislador reformista, ou os doutrinadores, haverão de encorajar-se para conferir às malsinadas sentenças condenatórias natureza verdadeiramente mandamental, a exemplo do que se verifica no revolucionário art. 17 inserto na nova Lei que instituiu os Juizados Especiais Federais (Lei 10.259, de 12/7/01), onde encontramos a transmudação da condenação (exortação) em mandamentalidade (ordem), se e quando constatado o inadimplemento espontâneo da sentença diante da recalcitrância do sucumbente". Comentários à novíssima reforma do CPC: Lei 10.444, de 07 de maio de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 09.

            12 Luiz Guilherme Marinoni afirma que "está expressa, nos arts. 461 do CPC e 81 do CDC, a possibilidade de o juiz dar conteúdo diverso ao fazer ou não fazer pedido, ou melhor, impor outro fazer ou não fazer, desde que capaz de conferir resultado prático equivalente àquele que seria obtido em caso de adimplemento da ‘obrigação originária’.". As novas sentenças e os novos poderes do juiz para a prestação da tutela jurisdicional efetiva. Op. cit. p. 559.

            13 Nesse sentido, abordando os arts. 461 e 461 A, Cândido Rangel Dinamarco ensina que: "Esses dispositivos transgridem a tradicional regra da correlação entre o provimento jurisdicional e a demanda (art. 128 e 460), quando mandam que o juiz, diante da resistência do obrigado ao preceito contido na sentença, determine ‘providências que assegurem resultado prático equivalente ao do adimplemento’- sem que essas providências hajam sido postuladas na demanda inicial do processo de conhecimento. Transgridem ainda a regra do exaurimento da competência porque, embora o juiz esteja em princípio impedido de inovar no processo de conhecimento depois de publicada a sentença de mérito (art. 463), para a efetivação dessas obrigações a lei o autoriza a inovar mediante as providências descritas no caput e parágrafos do art. 461 (v. também art. 461 – A); essas providências desencadeiam-se no próprio processo de conhecimento, que para sua realização se reanima apesar de declarado extinto (art. 469, inc. I)". Nova era do processo civil. São Paulo : Malheiros, 2003, p. 19 e 20. Ainda sobre tutelas específicas, ver, TALAMINI, Eduardo. Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e de Não Fazer. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 2ª edição, São Paulo Revista dos Tribunais, 2000, RAPISARDA, Cristina. Profili della Tutela Civile Inibitoria. Padova. Cedam, 1987, MATTEI, Ugo. Tutela Inibitoria e Tutela Risarcitoria. Milão, Guiuffrè, 1987 e RODRIGUES NETTO, Nelson. Notas sobre as tutelas mandamental e executiva lato sensu nas leis 10.358/2001 e 10.444/2002. Revista de Processo n. 110. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003, p. 196-224.

            14 De acordo com o projeto, essas serão as redações dos artigos em questão: Art. 162. §1º. Sentença é o provimento do juiz segundo os arts. 267 e 269. Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la:".

            15 Sobre o assunto, sem cansar o leitor com indicação bibliográfica longa, ver BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Conteúdo e efeitos da sentença: variações sobre o tema. Temas de Direito Processual. 4ª série. São Paulo : Saraiva, 1989, p. 175-183 e Questões velhas e novas em matéria de classificação das sentenças. Temas de Direito Processual, 8ª série, São Paulo : Saraivam 2004, p. 125-142. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1970, t.I e ÁLVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O problema da eficácia da sentença. Revista de Processo n. 112. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003, p.9-22.

            16 Considerando a inexistência de regra específica, o prazo para atendimento da decisão judicial será computado na forma prevista nos arts. 234 a 242 do CPC.

            17 O Projeto propõe alteração na liquidação, passando a ser mero incidente processual, inclusive com expressa revogação ao art. 520, III do CPC. Com efeito, as duas modalidades hoje existentes de liquidação (arbitramento e artigos) permanecerão no novo sistema, mas a decisão envolvendo o quantum debeatur ficará sujeita a agravo de instrumento, ex vi art. 475 H. Aliás, necessário observar que se trata de mais uma hipótese, além daquelas já previstas no art. 523, §4º do CPC, onde o agravo retido restará incabível, posto que já proferida a sentença e por certo restará impossível sua ratificação no recurso de apelação, consoante previsão contida no caput do citado artigo. Sobre a nova sistemática do agravo retido, ver: ARAÜJO, José Henrique Mouta e SALGADO, Gustavo Vaz. Recursos cíveis. Op. cit. p. 63-82.

            18 Há também previsão de alteração das regras envolvendo a execução provisória, complementando as já efetivadas pela Lei 10.444/02, dentre as quais merece aplausos: a) a liquidação dos eventuais danos decorrentes da execução provisória injusta mediante arbitramento; b) a dispensa de caução nos casos de pendência de agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.

            19 Aliás, na técnica do art. 461 a multa e as demais medidas de coerção indireta servem como ‘incentivo’ para o cumprimento da tutela específica.

            20 Também nesse sentido, ver AMARAL, Guilherme Rizzo. Técnicas de tutela e o cumprimento da sentença no Projeto de Lei 3.253/04: uma análise crítica da reforma do Processo Civil brasileiro. In Visões críticas do Processo Civil brasileiro : uma homenagem ao Prof. Dr. José Maria Rosa Tesheiner. Guilherme Rizzo Amaral e Márcio Louzada Carpena (coord). Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2005, p. 141.

            21 Característica que, nesse aspecto, configura certa diferença no que respeita as sentenças executivas já existentes no sistema como, v. g, nas tutelas do 461 e mesmo na reintegração de posse, já que, "na reintegração de posse, a execução da sentença se faz de plano, independente de citação do executado, não comportando embargos. O direito de retenção na ação possessória deve ser invocado na contestação" (Ap. 269379, 1º TACSP, Rel. Macedo Bittencourt, RF 278/220. In TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Código de Processo Civil Anotado. 7ª edição. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 655). Com efeito, no cumprimento da sentença, em que pese ser executiva a decisão, os atos judiciais serão precedidos de provocação, mediante simples petição, do credor.

            22 No CPC italiano também há previsão semelhante, contida nos arts. 480 e 482, com a seguinte redação: "Art. 480. O preceito consiste na intimação de cumprir a obrigação constante no título executivo até o prazo não menor que dez dias, salvo a autorização conforme o Art. 482, com a advertência que, na falta, se procederá à execução forçada (...)". Já no art. 482, consta: "não se pode iniciar a execução forçada antes de ter decorrido o prazo indicado no preceito e, em todo caso, não antes que decorridos dez dias da notificação desse; mas o chefe do ofício competente pela execução, se houver perigo no atraso, pode autorizar a execução imediata, com caução ou sem. A autorização é feita com decreto escrito ao pé da página do preceito e transcrito aos cuidados do oficial de justiça na cópia para notificar-se".GAMA, Ricardo Rodrigues. Código de Processo Civil Italiano – traduzido e adaptado para a língua portuguesa. Campinas, SP : Agá Juris Editora, 2000, p. 179-180. Percebe-se, pela simples transcrição legal, que no direito processual italiano, o sistema permite, em caso de perigo de atraso, que a execução imediata se inicie, com ou sem caução.

            23 "Desobediência. Se pela desobediência de tal ou qual ordem judicial a lei comina penalidade administrativa ou civil, sem ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330 do CP, não há cogitar desse delito"(JTACrimSP 72/287).

            24"PROCESSUAL CIVIL. FRAUDE DE EXECUÇÃO. DEPOIS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO E ANTES DA AÇÃO DE EXECUÇÃO. Pode incidir a regra contida no inciso II do art. 593 do Código de Processo Civil, ocorrendo a fraude contra a execução, após a citação para o processo de conhecimento, não sendo indispensável que já tenha se instaurado a ação de execução. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido". Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Recurso Especial 233.152/MG. Relator Min. César Asfor Rocha. Julg. Em 21/11/2002. DJ de 10.03.2002). Ainda sobre o assunto, ver: AgRg no AG 11.981; REsp. 97.646; REsp. 234.473.

            25 Como bem afirma José Carlos Barbosa Moreira, "Há consenso por assim dizer universal, v.g., em atribuir à sentença condenatória o essencial efeito de ensejar a execução. Ninguém situa esse efeito, contudo, no interior da própria sentença. Supõe-se, isso sim, que ele corresponda a algo do conteúdo da sentença condenatória, a algo que existe nela e não existe nas outras sentenças, desprovidas daquele efeito". Mais adiante conclui: "o elemento característico da sentença condenatória (rectius: do seu conteúdo) não se identifica com o efeito executivo que ela irradia". Conteúdo e efeitos da sentença : variações sobre o tema. Op. cit. p. 177.

            26Ainda sobre a discussão quanto a autonomia das sentenças executivas e mandamentais, afirma Humberto Theodoro Jr que: "há quem advogue a existência, também, de sentenças executivas e mandamentais, que seriam diferentes das condenatórias porque não preparariam a execução futura a ser realizada em outra relação processual, mas importariam comandos a serem cumpridos dentro do mesmo processo em que a sentença foi proferida, dispensando, dessa maneira, a actio, iudicati (v.g. ações possessórias, de despejo, mandado de segurança, etc). Nas mandamentais, outrossim, o desrespeito à ordem judicial, além das medidas executivas usuais, acarretaria responsabilidade penal para a parte que não a cumprisse voluntariamente. Essas peculiaridades, a meu ver, não são suficientes para criar sentenças essencialmente diversas, no plano processual, das três categorias clássicas. Tanto as que se dizem executivas como as mandamentais realizam a essência das condenatórias, isto é, declaram a situação jurídica dos litigantes e ordenam uma prestação de uma parte em favor da outra. A forma de realizar processualmente essa prestação, isto é, de executá-la, é que diverge". Curso de Direito Processual Civil. Vol I, 40ª edição, Rio de Janeiro : Forense, 2003, p. 470.

            27 Sobre o critério da preponderância, ver BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Conteúdo e efeitos da sentença. Op. cit. p. 180 e PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações. 2ª edição. São Paulo : Revista dos Tribunais, T.I, p. 124.

            28 Sobre capítulos de sentença, irrefutável é a lição de Cândido Rangel Dinamarco: "É dependente o capítulo, que no sistema do Código de Processo Civil toda sentença deve conter, sobre a atribuição do custo financeiro do processo. Ao condenar uma das partes a arcar com os encargos integrantes desse custo (despesas e honorários) o juiz se oriente pelo chamado princípio da sucumbência, atribuindo-os em princípio à parte vencida; e a subordinação desse capítulo ao principal é natural decorrência do fato de a causa haver sido decidida em favor de um dos litigantes ou de outro". Capítulos de sentença. São Paulo : Malheiros, 2002, p. 46.

            29 Logo, necessário ratificar que a técnica de cumprimento do art. 461 do CPC é mais eficaz, inclusive pela expressa previsão das medidas de apoio e da fixação de multa variável de acordo com cada realidade, do que a prevista pelo projeto para as sentenças condenatórias de quantia.

            30 Sobre o assunto, ver meu Anotações sobre a ‘nova’ disciplina da execução provisória e seus aspectos controvertidos. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo : Editora Dialética nº 14, maio/2004 e FIGUEIRA JR, Joel Dias. As Novíssimas Alterações no Código de Processo Civil:Comentários à Lei nº 10.444, de 07.05.2002. Rio de Janeiro : Forense, 2003.

            31 Como já se teve oportunidade de citar em outra oportunidade, "Ora, se a apelação, em regra, possui efeito suspensivo, a efetividade buscada pela reforma da execução provisória apenas poderá ser discutida após a apreciação do recurso pelo tribunal competente, o que, em certos casos, pode demorar alguns anos". Anotações sobre a ‘nova’ disciplina da execução provisória e seus aspectos controvertidos. Op. cit. p. 55.

            32 A Professora Ada Pellegrini Grinover, em seu A marcha do processo (Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2000, p. 128/129), transcreve uma das versões da proposta de alteração: "Art. 520. Ressalvadas as causas relativas ao estado e capacidade das pessoas e as sujeitas ao duplo grau de jurisdição (art. 475), a apelação terá somente efeito devolutivo, observado o disposto no parágrafo único do art. 558. Parágrafo único. Sendo relevante a fundamentação e podendo resultar à parte lesão grave e de difícil reparação, poderá o juiz, em decisão irrecorrível, atribuir à apelação efeito suspensivo".

            33 A rigor não se está diante de efeito suspensivo, e sim de continuidade de ineficácia da sentença. Aliás, como bem observa José Miguel Garcia Medina que: "Na verdade, no caso não se está diante de efeito ‘suspensivo’, propriamente, porquanto a sentença suscetível de ser impugnada por meio de recurso de apelação, no sistema brasileiro, não produz efeitos, de modo que a apelação interposta apenas prolonga o estado de ineficácia em que se encontrava a sentença. Por isso, fala a doutrina em efeito obstativo, no caso. Segundo, efeito propriamente suspensivo somente ocorreria naqueles casos em que a apelação em regra não tem efeito ‘suspensivo’, mas se atribui efeito suspensivo à apelação por força do art. 558, parágrafo único, do CPC" (Execução Civil – Princípios Fundamentais. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002, p. 262 – nota de rodapé nº 193).

            34 Necessário registrar que pelo Projeto de Lei n. 3.254/04 há previsão para hipótese de retirada do efeito suspensivo da apelação, em decorrência do redimensionamento da liquidação de sentença, já que passará a ser decidida mediante decisão interlocutória sujeita ao agravo de instrumento. Destarte, em seu art. 4º o projeto prevê a revogação do inciso III do art. 520 do CPC.

            35 Vale registrar que no CPC italiano a execução provisória é regra, sendo emprestado efeito suspensivo ao recurso apenas em hipótese excepcional, como se observa pela redação dos arts. 282 e 283 daquele diploma legal. Acerca da necessidade de execução imediata da sentença, ver MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. 4ª edição. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2000, p. 182-187.

            36 Anotações sobre a ‘nova’disciplina da execução provisória e seus aspectos controvertidos. Op. cit. p. 55.

            37 Com isso, o projeto prevê alterações aos arts. 162, 269 e 463.

            38 A sentença, portanto, não é o ato final do processo nas demandas específicas e também não será nas demandas condenatórias de quantia. É caso de conceituar esse pronunciamento judicial como sentença interlocutória? Apenas à título de registro, necessário citar que o Codigo de Procedimento Civil Chileno prevê sentenças interlocutórias e definitivas, consoante previsão do art. 158, que possui a seguinte redação: "Art. 158. Las resoluciones judiciales se denominarán sentencias definitivas, sentencias interlocutorias autos y decretos". Codigo de Procedimento civil. Decimosexta edición oficial. Santiago : Editorial Jurídica de Chile, 2004, p. 41.

            39 Acerca da decisão interlocutória de mérito, dentre outros, ver meu Tutela antecipada do pedido incontroverso: estamos preparados para a nova sistemática processual? Revista de Processo n. 116. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 207-230.

            40 O que, aliás, já ocorre nos dias de hoje, v.g, nos casos de indeferimento da inicial da reconvenção, na exclusão de um litisconsorte passivo ainda no saneamento do processo ou mesmo nos casos envolvendo a tutela antecipada do pedido incontroverso.

            41 Aliás, os Professores Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Ney já ensinavam, antes mesmo do o projeto em questão, que: "Toda e qualquer decisão do juiz proferida no curso do processo, sem extinguí-lo, seja ou não sobre o mérito da causa, é interlocutória. Como, para classificar o pronunciamento judicial, o CPC não levou em conta seu conteúdo, mas sim sua finalidade, se o ato não extinguiu o processo, que continua, não pode ser sentenças mas sim decisão interlocutória. Pode haver, por exemplo, decisão interlocutória de mérito, se o juiz indefere parcialmente a inicial, pronunciando a decadência de um dos pedidos cumulados, e determina a citação quando ao outro pedido: o processo não se extinguiu, pois continua quanto ao pedido deferido, nada obstante tenha sido proferida decisão de mérito quando se reconheceu a decadência (CPC 269, IV)". Código de Processo Civil Comentado e Legislação processual Civil Extravagante em Vigor. 6ª edição, São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002, p. 515 e 516.

            42 Trata-se, como restou claro no presente trabalho, de execução sem título, onde a defesa do devedor defesa será apresentada mediante impugnação, cuja natureza de incidente processual desafia interposição de agravo de instrumento e em regra sem o efeito suspensivo dos atuais embargos do devedor, ex vi arts. 475-L e 475-M. Na verdade, trata-se de mais um exemplo de mitigação do princípio da nulla executio sine titulo. Sobre execução sem titulo permitida, ver MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil. Op. cit. p. 60-93.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, José Henrique Mouta. O cumprimento da sentença e a terceira etapa da reforma processual. Primeiras impressões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 766, 9 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7136. Acesso em: 19 abr. 2024.