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Os animais.

Direitos deles e ética para com eles

Os animais. Direitos deles e ética para com eles

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Este estudo busca, tal qual uma revolução coperniana, deslocar o homem do centro do mundo, a fim de situá-lo lado a lado com os demais seres vivos, todos portadores de direitos fundamentais básicos.

            "Chegará o dia em que o restante da criação vai adquirir aqueles direitos que nunca poderiam ter sido tirados deles senão pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é motivo para que um ser seja abandonado, irreparavelmente, aos caprichos de um torturador. É possível que algum dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do os sacrum são motivos igualmente insuficientes para se abandonar um ser sensível ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha insuperável? A faculdade da razão, ou talvez, a capacidade de falar? Mas, para lá de toda comparação possível, um cavalo ou um cão adultos são muito mais racionais, além de bem mais sociáveis, do que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo um mês. Imaginemos, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria o fato? A questão não é saber se são capazes de raciocinar, ou se conseguem falar, mas sim se são passíveis de sofrimento" (Jeremy Bentham). [01]


SUMÁRIO :INTRODUÇÃO. Capítulo I - O DIREITO DOS ANIMAIS E A LEI. 1.1.- O que são direitos,1.2.- Os direitos dos animais no tempo,1.3.- Primeiras legislações, 1.4.- Constituição da República Federativa do Brasil e os direitos dos animais,1.5.- Legislação infraconstitucional federal, 1.5.1.- Decreto-lei n° 24.645/34, 1.5.2.- Decreto-lei nº 3.888 – Lei das Contravenções Penais, 1.5.3.- Lei º 9.605 – Lei dos Crimes Ambientais, 1.5.4.- Lei nº 6.638/79 – Vivisseção, 1.6.– Os direitos dos animais em algumas legislações estaduais e municipais, Capítulo II - A TUTELA DOS ANIMAIS, 2.1 – Funções jurídicas do Estado: legislação e jurisdição, 2.2 - Competência para legislar sobre os animais, 2.3 - Legitimação ad causam, 2.4 - Competência para julgamento das ações relativas aos direitos dos animais, Capítulo III – O DIREITO DOS ANIMAIS NOS TRIBUNAIS E ALGUMAS QUESTÕES POLÊMICAS, 3.1 - Animais: objetos ou sujeitos de direitos?, 3.2 - A farra do boi, 3.3 - Rodeios, 3.4 – Vivisseção, 3.5 - Caça amadorista, 3.6 – Animais de estimação em apartamentos,3.7 - Outras decisões em defesa dos direitos dos animais, 3.8 – É errado usar animais como alimento?, 3.9 – Animais: nossos colaboradores, 3.10 – Abandono de animais, Capítulo IV - OS DIREITOS DOS ANIMAIS COMO VALOR ÉTICO E MORAL, 4.1 – Origem e fontes dos direitos, 4.1.1 – Contratualismo, 4.1.2 – Jusnaturalismo, 4.1.3 – Oposição à existência de direitos naturais, 4.1.4 – Direitos como exigência de justiça, 4.2 - O direito natural dos animais, 4.3 – Seres racionais versus seres irracionais, 4.4 – Superioridade da espécie humana: responsabilização pelos seus atos, 4.5 – O princípio da igual consideração de interesses de Peter Singer, 4.6 – O imperativo categórico e a lei universal de Kant, CONCLUSÕES, ANEXO I – Declaração Universal dos Direitos dos Animais, ANEXO II – Carta do índio Seatle ao Presidente dos Estados Unidos, ANEXO III – Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público visando coibir a prática da carrocinha em Florianópolis, BIBLIOGRAFIA.


INTRODUÇÃO

            O ser humano, no transcurso de sua recente existência sobre a Terra [02], vem-se julgando superior às demais espécies e, graças a esse pensamento antropocêntrico, supõe governar sobre os demais seres vivos. No mundo ocidental, católico especialmente, o antropocentrismo tem como raízes as escrituras sagradas, que disseminaram a idéia de que o homem foi feito à imagem de Deus, sendo-lhe, assim, outorgado o domínio sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a Terra [03]. Em razão disso, o homem considera a si mesmo amo e senhor da vida, do bem-estar e da felicidade de todos os demais seres vivos do planeta. Mas será verdadeira essa superioridade do homem? Tem ela justificativa?

            Na busca de resposta a essa indagação, deve-se levar em conta que a humanidade efetivamente adquiriu maior habilidade do que os animais para transpor alguns dos obstáculos que a natureza impõe. Desenvolveu técnicas para dominar o fogo, minimizar o frio e o calor intensos; inventou a agricultura para contornar a escassez de alimentos; dominou, em certa escala, o mundo das águas, represando-a e canalizando-a. Mas será que toda essa engenhosidade e maior habilidade para transformar o meio ambiente - se é que podem ser considerados como fatores positivos - por si só, são suficientemente aptos a comprovar, sem nenhuma refutação, que o homem é um ente superior aos demais animais, e assim sendo, é ético, moral, justo e lícito sujeitar as demais espécies vivas como bem lhe aprouver?

            Esse estudo tem como prioridade justamente amalgamar argumentos capazes de, tal qual uma revolução coperniana, deslocar o homem do centro do mundo - para cuja satisfação as demais espécies vivas convergiriam – a fim de situá-lo lado a lado com os demais seres vivos, todos portadores de direitos fundamentais básicos como à vida, à alimentação, à liberdade, à perpetuação da espécie, de ver respeitadas suas características, direito à integridade física e moral, direito a um habitat sadio.

            Os animais, pela simples condição de seres vivos, na sua grande maioria habitantes deste planeta milhões de anos anteriormente ao homem, detêm certos direitos que lhes são inerentes. E tais direitos naturais dos animais são uma verdade insofismável, da mesma forma que o homem, no dizer de Léon Duguit, "em sua natureza de homem, desfruta de certos direitos subjetivos, que constituem os ´direitos individuais naturais´" [04]. Respeito aos direitos naturais do homem, bem como aos dos animais e das demais espécies vivas, é a conduta ética mínima que se impõe à humanidade.

            É, pois, com base na idéia de que os animais, por serem entes vivos, que têm sentimentos e sensações talvez em níveis semelhantes aos dos seres humanos, apenas com características diferenciadas, que se pretende desenvolver este estudo.

            Ao pretender-se discorrer acerca de uma teoria jurídico/filosófica que consagre aos animais certos direitos, deve-se, antes de qualquer digressão, traçar diretrizes a respeito do que sejam direitos, como se os adquire, qual sua fundamentação, quais são suas fontes. Por isso, inicia-se este estudo com uma análise propedêutica do conceito de direito e as suas várias acepções: direito como norma, como faculdade, como ciência, como fato social, e, por fim, naquele âmbito que mais interessa: o direito como o justo, como algo que é devido por justiça.

            Depois, ainda no primeiro capítulo, tratar-se-á dos direitos dos animais no ordenamento jurídico. Colacionar-se-ão algumas das várias legislações que regulam as relações dos humanos com os animais, dando ênfase à Constituição da República Federativa do Brasil e ao Decreto-lei nº 24.645/34, enredando-as com breves comentários.

            Num segundo momento, analisar-se-á a questão da competência em relação aos direitos dos animais. Mas precisamente, investigar-se-á a quem compete a atividade legiferante, quem são os titulares da ação em defesa dos direitos dos animais e, ainda, qual é a justiça competente para julgamento de tais ações.

            No terceiro capítulo, após tecer argumentos que ensejem o reconhecimento dos animais como sujeitos de direito, e não apenas objeto deste, verificar-se-á qual é o entendimento do Poder Judiciário, em suas várias instâncias, acerca dos direitos dos animais. Abordar-se-ão, aí, alguns temas polêmicos como a farra do boi, os rodeios, a vivisseção, a caça amadorista e o uso de animais como alimento, a superpopulação de animais de rua e o abandono. Colacionar-se-ão, igualmente, decisões judiciais que resguardam e garantem tais direitos.

            No quarto e último capítulo, realizar-se-á uma reflexão filosófica em relação aos direitos dos animais, iniciando por delinear a origem, a fundamentação, primeiramente, dos direitos do homem. Por isso, inicia-se com uma breve digressão acerca das teorias contratualista e jusnaturalista, para, ao depois, fixar as bases éticas dos direitos dos animais. Posteriormente, tendo como suporte as idéias do filósofo australiano Peter Singer, que propugna que os seres humanos devem observar o princípio da igual consideração dos interesses em suas relações com as demais espécies, procurar-se-á sedimentar de forma definitiva que os animais têm direitos que lhes são inerentes por sua simples condição de seres vivos.

            Por derradeiro com suporte na teoria ministrada de Immanuel Kant de que é a razão que comanda a boa ação moral, propor o redimensionamento do imperativo categórico desenvolvido pelo filósofo alemão, a fim de que se transforme em lei universal que contemple não apenas os seres humanos, mas todas as criaturas vivas.


Capítulo I - O DIREITO DOS ANIMAIS E A LEI

            1.1 O que são direitos? - 1.2 Os direitos dos animais no tempo - 1.3 Primeiras legislações - 1.4 Constituição da República Federativa do Brasil e os direitos dos animais - 1.5 Legislação infraconstitucional federal - 1.5.1 Decreto-lei nº 24.645/34 - 1.5.2 Decreto-lei nº 3.888 - Lei das Contravenções Penais - 1.5.3 Lei n° 9.605 – Lei dos Crimes Ambientais - 1.5.4 Lei 6.638/79 – Vivisseção - 1.6 Os direitos dos animais em algumas legislações estaduais e municipais

            1.1 O que são direitos?

            Antes de se adentrar ao estudo propriamente dos direitos dos animais, convém que se estabeleça o que são direitos. André Franco Montoro afirma que conceituar o direito é defini-lo. Pode-se definir direito simplesmente estabelecendo o que a palavra direito significa. Essa seria uma definição nominal. Também se pode fazê-lo descrevendo o que direito na realidade é, e aí teríamos a definição real de direito. [05]

            Estabelecer a definição nominal, determinando o significado da palavra direito, não é tão simples como à primeira vista se apresenta. Isso porque o vocábulo direito comporta várias acepções. O vocábulo direito pode significar norma, lei, regra de conduta social obrigatória. O direito estabelece que é dever dos pais a educação dos filhos; o direito exige dos motoristas o uso de cinto de segurança; o direito proíbe a prática da usura. Esses são contextos em que a palavra direito aparece em seu significado de lei, de norma, regra. Mas a palavra direito pode aparecer também na acepção de uma faculdade, de uma prerrogativa, de um poder. Tais acepções são encontradas nos seguintes exemplos: o credor tem o direito de buscar a satisfação de seu crédito; o Estado tem o direito de legislar sobre o transporte de cargas perigosas.

            Em outra acepção, a palavra direito vem associada à ciência, mais especificamente à ciência do direito: o aluno foi aprovado no vestibular para cursar Direito. Além dessas, há outras conotações.

            Especialmente os sociólogos costumam dar conotação diversa ainda à palavra direito, a fim de designá-lo como um fenômeno social, tal como a religião, a economia, a cultura e a política. Nesse sentido, direito diz respeito ao conjunto de condições de existência e de desenvolvimento de uma sociedade. Já para os filósofos, a palavra direito comumente é associada a algo que é devido por justiça.

            E esta é a acepção que mais nos interessa neste estudo. Pode referir-se ao bem devido, materialmente – as crianças têm direito à educação, com isso significando que é dever do Estado e da família buscar os meios necessários para que a criança receba educação - ou afinar-se com o sentido de estar em conformidade com a justiça – todos os homens têm direito de buscar a felicidade.

            No primeiro caso, o bem devido requer a atuação positiva de alguém em relação a outrem. No segundo, requer uma atuação negativa, uma abstenção, pois que todos estão impedidos de obstaculizar, uns nos outros, a busca da própria felicidade.

            Há ainda uma noção de que o direito é a conseqüência de um imperativo moral, ou seja, de algo que é devido por justiça. Léon Duguit, por exemplo, ao elaborar a distinção entre o direito objetivo e o direito subjetivo, sustentou que o primeiro "´o direito objetivo´ ou a ´regra de direito´ designa os valores éticos que se exige dos indivíduos que vivem em sociedade". [06]

            Ainda de acordo com André Franco Montoro, "a norma ou lei é chamado direito, porque ela estabelece ou deve estabelecer o que é justo". [07] Na mesma linha, Santo Tomás afirmou que há uma lei eterna (lex eterna), que é o plano de Deus a respeito da criação e da ordem universal, ‘é a razão da sabedoria divina como diretora de todos os movimentos e ações no universo’". [08]

            1.2 Os direitos dos animais no tempo

            Apesar de sua natureza egoísta e predatória, sempre existiram no mundo seres humanos que demonstraram preocupação com a fauna e flora. Segundo afirma Diomar Ackel Filho, "no papiro de Kahoun, documento do antigo Egito, encontrado em 1890, e que data de 4000 anos atrás, foram anotadas observações interessantes sobre cuidados com os animais". [09] Também no Código de Hamurabi – prossegue o autor – são encontradas normas que prevêem obrigações dos humanos em relação à saúde dos animais. [10]

            Também Buda já pregava que uma relação harmoniosa e virtuosa com o mundo traz bem-estar e leveza ao coração, bem como clareza imperturbável à mente. Por isso, delimitou cinco preceitos básicos de moralidade que conduzem à consciência plena. O primeiro preceito prega que o ser humano deve abster-se de destruir os seres vivos. Esse preceito significa honrar toda a vida, não agir por conta do ódio ou da aversão, de modo a causar mal a qualquer criatura viva. Deve-se desenvolver a reverência e o amor pela vida em todas as suas formas.

            Laerte Fernando Levai, a seu turno, lembra que "um dos registros mais remotos da preservação da fauna terrestre remonta ao Velho Testamento". [11] De acordo com relato da Bíblia Sagrada, Deus, porque a terra estava cheia da violência do homem, decidiu eliminar toda a vida terrestre. Estabeleceu porém uma aliança com Noé, fazendo-o construir a Arca, para salvar-se a si própria e sua família. E ordenou-lhe Deus:

            19. De tudo o que vive, de toda carne, dois de cada espécie, macho e fêmea, farás entrar na arca para os conservares vivos contigo.

            20. Das aves segundo as suas espécies, do gado segundo as suas espécies, de todo réptil da terra segundo as suas espécies, dois de cada espécie virão a ti, para os conservares em vida. [12]

            Diomar Ackel Filho, abordando o assunto, preconiza que foi o grande filósofo Aristóteles o autor da primeira obra que se tem conhecimento sobre o direito dos animais, compreendendo um conjunto de dez livros, dentre os quais se destacava o Livro dos Animais, que abordava as partes dos animais, a sua marcha e geração. [13]

            De outra parte, Edna Cardozo Dias, autora da obra Tutela Jurídica dos Animais, comenta que já os pré-socráticos "viam a natureza abarcar tudo, inclusive os deuses, relativizando a importância do ser humano". [14] Dentre os filósofos pré-socráticos destaca Demócrito de Abddera, que sobre a superioridade humana ensinou:

            [...] A boa natureza dos animais é a força do corpo; a dos homens, a excelência do caráter. [...] Talvez sejamos ridículos quando nos vangloriamos de ensinar os animais. Deles somos discípulos nas coisas mais importantes – da aranha no tecer e remendar; da andorinha no construir casas, das aves canoras, cisne e rouxinol no cantar, por meio da imitação. [15]

            Também José Roberto Goldin e Márcia Mocellin Raymundo [16], autores de artigo sitiado na internet, relatam que Pitágoras (582-500 a. C.) já pensava que a amabilidade para com todas as criaturas não-humanas era um dever. A utilização de animais em pesquisas médicas remonta a Hipócrates (450 a. C.); depois no séc. XVII, com o racionalismo de René Descartes, houve um retrocesso quanto ao comportamento ético dos homens em relação aos animais. O filósofo francês, criador do racionalismo, "acreditava que os processos de pensamento e sensibilidade faziam parte da alma. Como na sua concepção os animais não tinham alma, não havia sequer a possibilidade de sentirem dor". [17]

            Foi só com Jeremy Bentham, em obra publicada em 1789, que se retoma o pensamento ético da antiga Grécia em relação aos animais. Importante revolução no pensamento ocidental do séc. XVIII foi a imprimida por Charles Darwin, com a publicação de sua obra A Origem das Espécies, em 1859, ao estabelecer que o homem não era o filho de Deus, mas uma evolução dos primatas. [18]

            1.3 Primeiras legislações

            Embora os direitos dos animais, em muitas regiões do planeta, tenham permanecido por longo tempo vinculados exclusivamente ao comportamento ético e moral da humanidade, alguns países, gradativamente, iniciaram a positivação de leis e regras, objetivando garantir de forma mais efetiva esses direitos.

            Registre-se que o avanço no sentido de resguardar em normas escritas, em leis positivas o que até então constituía apenas um axioma - direitos dos animais - deve-se primordialmente ao trabalho incansável de associações de proteção aos animais e organizações não-governamentais. A primeira sociedade protetora dos animais que se tem notícia surgiu na Inglaterra, em 1824, com o nome de Society for de Preservation of Cruelty to Animals. [19]. Atualmente, dentre as organizações não-governamentais mais atuantes destacam-se o Fundo Mundial para a Preservação da Vida Selvagem (ou World Wildlife Found – WWF), o Greenpeace, a União Vegetariana Internacional e o Movimento pelos Direitos dos Animais. No Brasil, hoje em dia, em quase todas as cidades há associações que se interessam pelo bem-estar e pela proteção dos animais, buscando primordialmente minimizar o problema das superpopulações de cães e gatos nos centros urbanos.

            Quanto à legislação propriamente dita, talvez a primeira lei visando à proteção dos animais tenha sido a instituída na Colônia de Massachussets Bay, em 1641, que previa que ninguém poderia exercer tirania ou crueldade para com qualquer criatura animal que habitualmente fosse utilizada para auxiliar nas tarefas do homem. [20]

            Outra legislação pioneira destinada a proteger os animais contra a crueldade humana, segundo relato de Alessandra Nahra, foi instituída em França, em julho de 1850, por obra do deputado bonapartista Jacques Delmas. Assim, daquela feita, "pela primeira vez na história, os maus-tratos infligidos aos animais domésticos são passíveis de multa e até de pena de prisão". [21]

            Mais contemporaneamente o tema dos maus-tratos contra os animais mereceu a atenção mundial, a ponto de a UNESCO, em 27 de janeiro de 1978, promulgar, em Bruxelas, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais [22], em cujo preâmbulo destacam-se lapidares ensinamentos:

            Considerando que todo o animal possui direitos;

            Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza;

            Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo;

            Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros;

            Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante;

            Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais [....]

            Efetivamente, o respeito e a compaixão dos homens pelos animais prejuízo algum trará à humanidade; pelo contrário, somente contribuirá para a evolução da espécie humana. Transformará as pessoas em seres com maior sensibilidade ao sofrimento alheio, tornando-as assim bem mais solidárias. Da inclusão dos animais no âmbito das considerações morais dos homens nenhuma má conseqüência advém, mas, em contrapartida, pelo menos uma boa conseqüência acarretará: ampliar o espectro da moralidade humana.

            Observou-se, pois, que sempre existiram humanos que reconhecem nos animais algo que transcende a sua natureza jurídica de simples coisas, de objetos de valor econômico. Pessoas de moral elevada vislumbram nos animais seres moldados de carne e osso e dotados de sentimentos e sensações exatamente como os humanos. Há entre animais e a espécie humana pontos de contato,que os unem e os tornam iguais em certos aspectos.

            Concluída essa breve incursão acerca da conduta moral dos homens em relação aos animais, tratar-se-á, a seguir, dos direitos dos animais no sistema normativo brasileiro, analisando-se, de forma mais amiúde, o que prescrevem as legislações nas esferas constitucional, federal, estadual e municipal, em relação à proteção dos animais.

            1.4 Constituição da República Federativa do Brasil e os direitos dos animais

            O legislador constitucional, consciente da posição privilegiada que ocupa o Brasil em termos de ecossistema, biodiversidade, fauna e flora mundiais, dedicou um capítulo inteiro da Constituição Federal de 1988 à preservação do meio ambiente, inserindo nele a proteção dos animais. Especificamente o inciso VII do § 1º do art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil trata do tema, estabelecendo:

            Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as futuras gerações.

            § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

            [...]

            VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (grifou-se).

            É bem verdade que é um preceito constitucional tímido e ainda pouco articulável, em razão, principalmente, de que, como bem observou Peter Singer, a cultura grego-hebraica, de que é herdeiro o mundo ocidental, fez com que apenas questões ligadas ao homem fossem tidas como moralmente significativas. Por conseguinte, no âmbito jurídico, também foram apenas as questões ligadas à espécie humana que mereceram maior espaço, ficando a natureza em um segundo plano. [23] Quantas espécies perdidas e destruídas pela sanha do capital econômico?

            Não era sem tempo, pois, que os legisladores constitucionais pátrios se preocupassem em preservar o pouco que resta da nossa fauna e flora. Importa agora que as pessoas passem a respeitá-las, a exemplo de como procediam os povos nativos: os índios e os aborígines. Eles sabiam que respeitar a natureza era importante, não só para preservá-la para as futuras gerações, mas porque tinham consciência de que somente uma vida harmônica com tudo na natureza conduzia à felicidade verdadeira e paz de espírito.

            Na realidade, os povos nativos e os animais tinham uma convivência muito próxima, não só em função das necessidades de sobrevivência, mas também por questões de misticismo. A mitologia nativa, bem como as artes rupestres dão testemunhos dessa relação mística entre seres nativos e animais.

            A respeito do amor dos índios pela natureza, circula na internet relato sobre um fato curioso: conta-se que em 1854, o Governo dos Estados Unidos tentava convencer um chefe indígena a vender suas terras. Como resposta, o chefe enviou uma carta [24] ao presidente, cujas lições sensibilizam ainda hoje os corações humanos menos empedernidos. Dentre elas, destacam-se:

            [...] vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem deve tratar os animais desta terra como seus irmãos.

            O que é o homem sem os animais? Se os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. Há uma ligação em tudo (grifou-se).

            O planeta, em seu todo, deve ser visto e considerado como um ser vivo, que sofre e sente. A exploração desmedida e irresponsável que o homem vem impondo aos recursos naturais, transformou nossa nave-mãe – o planeta Terra - num ente que agoniza e que pede socorro. Se não se reverter rapidamente a imolação que a biodiversidade vem sofrendo, daqui a poucas décadas o planeta azul [25] transformar-se-á em planeta cinza, sem vida, pois, como sabiamente afirmou o chefe indígena, há uma ligação em tudo.

            1.5 Legislação infraconstitucional federal

            A primeira legislação brasileira, em âmbito federal, a coibir a crueldade contra os animais que se tem notícias foi o Decreto 16.590, de 1924. O referido Decreto, ao regulamentar as atividades das Casas de Diversões Públicas, proibiu as corridas de touros, garraios e novilhos, brigas de galos e canários, dentre outras diversões que causassem sofrimento aos animais.

            1.5.1 Decreto-lei nº 24.645/34

            Mas o reconhecimento, no Brasil, de que os animais de qualquer espécie não podem ser submetidos a maus-tratos remonta a 1934, mais precisamente ao Decreto-lei n° 24.645/34, editado pelo então Presidente Getúlio Vargas. No decreto são relacionadas as práticas caracterizadoras de maus-tratos contra os animais, quais sejam: I – Praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; II - Manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz; III - Obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir senão com castigo; IV - Golpear, ferir ou mutilar voluntariamente qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em beneficio exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem, ou no interesse da ciência; V - Abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária; VI – não dar morte rápida, livre de sofrimento prolongado, a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo ou não; VII - Abater para o consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de gestação; VIII - Atrelar num mesmo veículo, instrumento agrícola ou industrial, bovinos com suínos, com muares ou com asinos, sendo somente permitido o trabalho em conjunto a animais da mesma espécie; IX - Atrelar animais a veículos sem os apetrechos indispensáveis, como sejam balancins, ganchos e lanças ou com arreios incompletos; X - Utilizar em serviço animal cego, ferido, enfermo, extenuado ou desferrado, sendo que este último caso somente se aplica a localidades com ruas calçadas; XI - Açoitar, golpear ou castigar por qualquer forma a um animal caído sob o veículo ou com ele, devendo o condutor desprendê-lo para levantar-se; XII - Descer ladeiras com veículos de tração animal sem a utilização das respectivas travas, cujo uso é obrigatório; XIII - Deixar de revestir com couro ou material com idêntica qualidade de proteção as correntes atreladas aos animais de arreio; XIV - Conduzir veículo de tração animal, dirigido por condutor sentado, sem que o mesmo tenha boléia fixa e arreios apropriados, como tesouras, pontas de guia e retranca; XV- Prender animais atrás dos veículos ou atados a caudas de outros; XVI - Fazer viajar um animal a pé mais de dez quilômetros sem lhe dar descanso, ou trabalhar mais de seis horas continuas, sem água e alimento; XVII - Conservar animais embarcados por mais de doze horas sem água e alimento, devendo as empresas de transporte providenciar sobre as necessárias modificações no seu material, dentro de doze meses a partir desta lei; XVIII - Conduzir animais, por qualquer meio de locomoção, colocados de cabeça para baixo, de mãos ou pés atados, ou de qualquer outro modo que lhes produza sofrimento; XIX - Transportar animais em cestos, gaiolas, ou veículos sem as proporções necessárias ao seu tamanho e número de cabeças, e sem que o meio de condução em que estão encerrados esteja protegido por uma rede metálica ou idêntica que impeça a saída de qualquer membro do animal; XX - Encerrar em curral ou outros lugares animais em número tal que não lhes seja possível moverem-se livremente, ou deixá-los sem água ou alimento por mais de doze horas; XXI - Deixar sem ordenhar as vacas por mais de vinte e quatro horas, quando utilizadas na exploração de leite; XXII - Ter animal encerrado juntamente com outros que os aterrorizem ou molestem; XXIII - Ter animais destinados à venda em locais que não reúnam as condições de higiene e comodidade relativas; XXIV- Expor nos mercados e outros locais de venda, por mais de doze horas, aves em gaiolas, sem que se faça nestas a devida limpeza e renovação de água e alimento; XXV - Engordar aves mecanicamente; XXVI - Despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos à alimentação de outros; XXVII - Ministrar ensino a animais com maus-tratos físicos; XXVIII - Exercitar tiro ao alvo sobre pombos, nas sociedades, clubes de caça, inscritos no Serviço de Caça e Pesca; XXIX - Realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado; XXX - Arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculos e exibi-los para tirar sortes ou realizar acrobacias; XXXI – Transportar, negociar ou caçar em qualquer época do ano, aves insetívoras, pássaros canoros, beija-flores e outras aves de pequeno porte, exceção feita das autorizações, para fins científicos, consignadas em lei anterior.

            O Decreto em comento também prevê:

            Art. 4º - Só é permitida a tração animal de veículo ou instrumentos agrícolas e industriais, por animais das espécies eqüina, bovina, muar e asina;

            Art. 5º - Nos veículos de duas rodas de tração animal, é obrigatório o uso de escora ou suporte fixado por dobradiça, tanto na parte dianteira como na parte traseira, por forma a evitar que, quando o veículo esteja parado, o peso da carga recaia sobre o animal e também para os efeitos em sentido contrário, quando o peso da carga for na parte traseira do veículo.

            Art 6º - Nas cidades e povoados, os veículos a tração animal terão tímpano ou outros sinais de alarme e, acionáveis pelo condutor, sendo proibido o uso de guizos, chocalhos ou campainhas ligados aos arreios ou aos veículos para produzirem ruído constante.

            Art. 7º - A carga, por veículo, para um determinado número de animais, deverá ser fixada pelas Municipalidades, obedecendo ao estado das vias públicas e declives das mesmas, peso e espécie de veículo, fazendo constar nas respectivas licenças a tara e a carga útil.

            Art. 8º - Consideram-se castigos violentos, sujeitos ao dobro das penas cominadas na presente lei, castigar o animal na cabeça, baixo ventre ou pernas.

            Despiciendo qualquer comentário acerca da afinação do texto legal do Decreto-lei nº 24.645/34 com os mais nobres anseios da humanidade em relação ao bem -estar e à proteção dos animais. Infelizmente, porém, as práticas cotidianas em nada condizem com o conteúdo normativo. Se a norma fosse seguida à risca, este seria o melhor dos mundos para os animais, mas ao que parece, dada a sua ineficácia, bem poucos operadores do direito estão aptos a manejá-la. As disposições do Decreto de Getúlio, talvez por terem sido editadas há quase setenta (70) anos, caíram no esquecimento, ficando numa espécie de limbo. Somente agora, no final da última década, com a tomada de consciência do homem de que se ele não se voltar para as questões ecológicas, preocupando-se com a preservação do meio ambiente, o planeta estará fadado à destruição, surge o debate acerca da conservação da flora e da fauna. E é assim, nesse contexto, que os direitos dos animais ganham novo vigor, reacendendo o debate em torno do Decreto-lei nº 24.645/34, sua vigência e aplicabilidade, além de impulsionar o surgimento de um sem-número de outras leis, de conteúdo similar, tanto em âmbito estadual, como municipal. Serão feitas, mais adiante, referências a algumas das legislações recentes que se inspiraram no Decreto de 1934.

            1.5.2 Decreto-lei nº 3.888 – Lei das Contravenções Penais

            Sete anos após a edição do Decreto nº 24.645/34, mais precisamente em 3 de outubro de 1941, foi editado o Decreto-lei nº 3.888 - a Lei das Contravenções Penais. Nele fez-se inserir o art. 64 visando à proteção dos animais, com a seguinte redação:

            Art. 64 - Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo.

            Pena- prisão simples, de 10 (dez) dias a 1 (um) mês ou multa;

            1º - Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza, em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.

            2º - Aplica-se a pena com aumento de metade se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.

            De acordo com relato de Edna Cardoso Dias, houve, na época, certa polêmica quanto à Lei de Contravenções Penais ter ou não revogado o Decreto-lei de Getúlio, pois a jurisprudência firmou-se no sentido de que, em síntese, os preceitos contidos no art. 64 compreendiam, na sua quase totalidade, todas aquelas modalidades de crueldade contra animais contidas no art. 3º do Decreto-lei 24.645. [26]

            A autora, porém, sustenta não ter sido revogado o Decreto-lei de Getúlio Vargas, eis que:

            Em 18 de janeiro de 1991, o então chefe do Executivo, editou o Decreto n. 11 revogando inúmeros decretos em vigor, inclusive o Decreto 24.645/34. Em 6 de setembro do mesmo ano, verificada a necessidade de ressuscitar muitos dos decretos revogados, nova lista dos decretos revogados foi publicada no Diário Oficial, quando se excluiu da lista a norma de proteção aos animais. Corroborando tal medida, em 19 de fevereiro de 1993, o Decreto n. 761 revogou textualmente o Decreto n. 11. Mas o argumento mais incisivo é que o Decreto n. 24.645/34 surgiu com força de lei, e uma lei não pode ser revogada por um decreto. O que ocorre, assim nos afigura, é que, à época de seu aparecimento, ainda era incomum a utilização do nomem juris decreto-lei, cuja figura surgiu com a Constituição de 1936. Aliás, a ter-se em conta o conteúdo do Decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930, vê-se plenamente confirmado o entendimento que acima esposamos. A teor do art. 17 do texto legal em foco, os atos do Governo Provisório constarão de decretos expedidos pelo Chefe do mesmo governo e subscritos pelo Ministro respectivo. [27]

            Em que pese constar com o status de revogado no Serviço de Legislação Brasileira do Senado Federal [28], o Decreto-lei nº 24.645 continua em vigor, haja vista ter tido sua expressa revogação estabelecida por instrumento (Decreto do Chefe do Executivo) que não era apto para tanto.

            À guisa de informação, o Decreto-lei nº 24.645/34, juntamente com centenas de outros dispositivos legais, foi expressamente revogado pelo Decreto nº 11, de 1991, do então Presidente Fernando Collor de Mello, que tratava da Estrutura Regimental do Ministério da Justiça e dava outras providências.

            1.5.3 – Lei nº 9.605 – Lei dos Crimes Ambientais

            Mais recentemente, em 1998, foi editada a Lei nº 9.605, que, em seu art. 29, § 3º, conceituou como espécimes da fauna silvestre "todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras."

            O Capítulo V da mencionada lei trata dos Crimes contra o Meio Ambiente. Na Seção I, que compreende os arts. 29 a 40, estão especificados os crimes contra a fauna e as respectivas penas.

            Dentre os crimes contra a fauna destacam-se: matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida; impedir a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida; modificar, danificar ou destruir ninho, abrigo ou criadouro natural; vender, expor, exportar ou adquirir, guardar, ter em cativeiro ou depósito, utilizar ou transportar ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente; exportar peles e couros de anfíbios e répteis em bruto, sem a autorização da autoridade ambiental competente; introduzir espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por autoridade competente; Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos; provocar, pela emissão de efluentes ou carregamento de materiais, o perecimento de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas jurisdicionais brasileiras; degradar viveiros, açudes ou estações de aqüicultura de domínio público; explorar campos naturais de invertebrados aquáticos e algas, sem licença, permissão ou autorização da autoridade competente; fundear embarcações ou lançar detritos de qualquer natureza sobre bancos de moluscos ou corais, devidamente demarcados em carta náutica; pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente; pescar espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos; pescar quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos; transportar, comercializar, beneficiar ou industrializar espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas; pescar mediante a utilização de explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante, substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade competente.

            Apesar de a Lei dos Crimes Ambientais referir-se essencialmente aos atos praticados contra os animais silvestres, em seu art. 32 prevê sanções para a prática de abuso contra qualquer animal.

            Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

            § 1º. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

            O dispositivo em comento demonstra a preocupação do legislador ordinário com a adoção de posturas éticas mínimas na realização de experiências com animais. Veda assim o uso dos animais vivos, mesmo que para fins científicos ou didáticos, se outros métodos se mostraram igualmente adequados para a obtenção dos resultados desejados.

            1.5.4 Lei nº 6.638/79 – Vivisseção

            Posturas éticas em relação às experiências com animais já faziam parte do sistema normativo brasileiro bem antes da edição da Lei dos Crimes Ambientais. Desde 1979, com a introdução no ordenamento brasileiro da Lei Federal nº 6.638, que regulamenta a vivisseção, as questões relacionadas aos experimentos com animais passaram a ter relevância para cientistas e legisladores, a tal ponto de estabelecer-se uma espécie de código de ética para a atividade. A Lei nº 6.638/79, dentre outras proibições, aponta ser vedada a prática da vivisseção sem que se ministre anestesia ao animal.

            A experimentação em animais, não obstante ser permitida, exige dos pesquisadores um comportamento ético mínimo. Por isso, o COBEA - Colégio Brasileiro de Experimentação Animal, com sede no Distrito Federal, preconiza aos pesquisadores, dentre outras posturas: a) o respeito ao animal, como ser vivo, e pela contribuição científica que ele proporciona; b) a consciência de que a sensibilidade do animal é similar à humana no que se refere a dor, memória, angústia, instinto de sobrevivência; c) a responsabilização moral pela escolha de métodos e ações na experimentação animal; d) a avaliação da importância dos estudos realizados por meio da experimentação animal, sua contribuição para a saúde humana e animal, o desenvolvimento do conhecimento e o bem da sociedade; e) a utilização apenas de animais em bom estado de saúde; f) a consideração da possibilidade de desenvolvimento de métodos alternativos, como modelos matemáticos, simulações computadorizadas, sistemas biológicos in vitro, utilizando-se o menor número possível de espécimes animais, se caracterizada como única alternativa plausível; g) a utilização de métodos que previnam o desconforto, a angústia e a dor dos animais, considerando, para tanto, os mesmos métodos aplicáveis a seres humanos; h) o desenvolvimento de procedimentos com animais, assegurando-lhes sedação, analgesia ou anestesia, quando se configurar o desencadeamento de dor ou angústia, rejeitando, sob qualquer argumento ou justificativa, o uso de agentes químicos e/ou físicos paralisantes e não anestésicos; i) a aplicação de método indolor de sacrifício após a experimentação, caso os procedimentos utilizados deflagrem dor ou angústia nos animais. [29]

            Efetivamente, a prática de pesquisas em animais sem qualquer critério ético não pode ser mais tolerada. É preciso sopesar muito bem o sofrimento do animal e os benefícios que a experiência pode trazer, pois "não há lugar para a ciência sem consciência, devido à complexidade de toda a realidade que nos rodeia". [30]

            Com base nessa consciência, Russel e Burch, em 1959, estabeleceram os princípios dos três Rs (erres) na experimentação animal: replace, reduce e refine. De forma sintética, pode-se dizer que replace é o princípio que busca a substituição dos animais por outros métodos alternativos, tais como testes in vitro, modelos matemáticos, simulações em computador. Reduce é o princípio que busca a redução das pesquisas tendo como justificativa a compaixão e a conservação ambiental. O refine prega o refinamento das técnicas utilizadas, a fim de minimizar a dor e o sofrimento dos animais nas experimentações. [31]

            1.6 Os direitos dos animais em algumas legislações estaduais e municipais

            Os Estados federados, na senda do Texto Constitucional, fizeram inserir em suas Constituições dispositivos que tutelam a vida e o bem-estar dos animais. A Constituição do Rio Grande do Sul, verbi gratia, traz, em seu art. 13, a seguinte disposição, similar aliás à contida no art. 182, III, da Constituição Estadual de Santa Catarina e em tantas outras constituições estaduais:

            Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

            [...]

            V - promover a proteção ambiental, preservando os mananciais e coibindo práticas que ponham em risco a função ecológica da fauna e da flora, provoquem a extinção da espécie ou submetam os animais a crueldade.

            Não obstante a existência de legislação concernente à matéria, mais especificamente o Decreto-lei nº 24.645/34, o município de Porto Alegre promulgou, em 27 de novembro de 1991, a Lei nº 6.946, que dispõe sobre o funcionamento de estabelecimentos destinados à venda de animais, cuja comercialização seja permitida por legislação federal ou estadual. Da simples leitura do texto da lei percebe-se a efetiva preocupação dos legisladores porto-alegrenses com o resguardo das condições mínimas de existência dos animais, mesmo quando destinados ao comércio:.. .

            .Art. 1° - É proibido manter no estabelecimento comercial animais, senão aqueles expostos ao público.

            .Art. 2° - Os animais não poderão permanecer, no mesmo ambiente, com produtos tóxicos de qualquer natureza.

            .Art. 3° - É condição obrigatória a existência de um técnico habilitado, responsável pelo acompanhamento diário dos animais mantidos no estabelecimento comercial.

            .Art. 4° - Todo o estabelecimento deverá possuir um responsável pelo tratamento dos animais, em regime de tempo integral.

            .§ 1° - Os animais devem ser mantidos em locais arejados, ao resguardo do frio ou calor excessivos e terem acesso à luz do dia.

            § 2° - A alimentação e o fornecimento de água limpa devem ser feitos conforme as necessidades de cada espécie e, em horários regulares, diariamente, inclusive domingos e feriados.

            § 3° - É obrigatória a higiene e desinfecção diária dos recintos, nos quais os animais se encontram, inclusive domingos e feriados, assim como (uma) desinfecção semanal de todo o estabelecimento comercial.

            .Art. 5° - É proibida a comercialização de animais doentes, assim como sua manutenção no interior do estabelecimento.

            .Art. 6° - É obrigatório o cadastro relativo à procedência dos animais comercializados ou em exposição no estabelecimento.

            .Art. 7° - Cada espécie de animal deverá ter seu próprio compartimento.

            .§ 1° - O número de animais de uma mesma espécie deverá ser distribuído nos compartimentos de exposição de maneira tal que o conforto e sua livre locomoção sejam garantidos.

            § 2° - O material utilizado para piso, parede ou teto dos compartimentos de que trata o caput deste artigo não poderá colocar em risco a saúde e a vida dos animais.

            § 3° - Cada compartimento deverá ser mantido afastado das calçadas ou locais de grande movimento, como entrada de lojas, de maneira que evite o stress dos animais, garantidas as exigências de arejamento e insolação adequados às peculiaridades de cada espécie.

            § 4° - Cada compartimento deverá conter placa informativa, em local bem visível, onde conste o nome popular e o nome científico da espécie confinada.

            .Art. 8° - Fica proibida a venda de animais em feiras-livres, de artesanato e de antiguidades.

            .Art. 9° - O infrator desta Lei sofrerá a aplicação das seguintes penalidades:

            I – na primeira infração o estabelecimento será notificado, tendo o prazo mínimo de 24 horas e o máximo de 7 dias para sanar a irregularidade;

            II – não ocorrendo a regularização dentro do prazo, o estabelecimento será multado no valor de 5 a 200 URMs;

            III – em caso de repetição da infração, suspensão automática do alvará de funcionamento do estabelecimento, pelo prazo de 10 (dez) dias, contados a partir da data de infração, inclusive;

            IV – em caso de reincidência, cassação definitiva do alvará de funcionamento do estabelecimento.

            Um pouco mais tarde, em 1996, foi editada a Lei nº 7.769, que regulamenta a condução de indivíduos da espécie canina no Município de Porto Alegre. Um ano após, foi regulada a circulação de veículos de tração animal nas vias daquele município, por meio da Lei nº 7.976/97. Dentre os dispositivos da referida lei, dá-se ênfase àqueles que cuidam da proteção dos animais, certamente inspirados nas disposições do Decreto-lei nº 24.645/34. Prescreve a Lei nº 7.976/97, de Porto Alegre, que, nos veículos de tração animal com duas rodas, é obrigatório o uso de escoras ou suporte fixado por dobradiças, tanto na parte dianteira como na traseira, evitando que, quando o veículo estiver parado, o peso da carga, encontrando-se na parte traseira, recaia sobre o animal ou levante os varais (art. 7º). A lei também expressamente proíbe: I - transportar, nos veículos de tração animal, carga ou passageiros de peso superior às suas forças; II - carregar animais ou carga superior a 150 (cento e cinqüenta) quilos; III - montar animais e respectivo veículo que já tenham a carga permitida; IV - abandonar, em qualquer ponto, animais doentes, extenuados, enfraquecidos ou feridos; V - utilizar guizos, chocalhos ou campainhas, ligadas aos arreios ou ao veículo, para produzir ruídos constantes; VI - utilizar relhos ou similares nos veículos de tração animal; VII - infligir maus-tratos, nas mais diversas formas, aos animais (art. 11).

            Para efeitos da Lei 7.976/97, consideram-se maus-tratos: I - praticar atos de abuso ou crueldade com qualquer animal; II - obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte em sofrimento; III - golpear, ferir ou mutilar violentamente qualquer órgão ou tecido do animal, exceto a castração; IV - abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo que, humanitariamente, se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária; V - não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo extermínio seja necessário; VI - fazer trabalhar animais em período de gestação; VII - atrelar animais a veículos carentes de apetrechos indispensáveis, tais como balancins, ganchos e lanças; VIII - arrear ou atrelar animais de forma a molestá-los; IX - manter animais atrelados e sedentos (art. 16).

            De igual sorte, merecem registro as iniciativas legislativas em defesa dos animais do município do Rio de Janeiro: a Lei nº 2.284/95, que proíbe a realização de eventos ou espetáculos que promovam o sofrimento ou sacrifício de animais; a Lei n° 3.166, de 27 de dezembro de 2000, que proíbe favores oficiais a entidades que promovam ou ajudem no sofrimento ou sacrifício físico de animais; e a Lei n° 3.174, de 02 de janeiro de 2001, que proíbe a vivisseção e as práticas cirúrgicas experimentais nos estabelecimentos municipais.

            A exemplo da capital gaúcha, o prefeito do município do Rio de Janeiro sancionou, recentemente, lei de autoria do vereador Cláudio Cavalcanti, que regula o tráfego de veículos de tração animal, determinando jornada de oito horas diárias e dia de folga para os animais. O texto legal mostra-se de vanguarda na defesa dos direitos dos animais utilizados para transporte: proíbe que éguas prenhas sejam utilizadas pelos carroceiros e determina que os animais só podem trabalhar oito horas por dia, das 8h às 12h e das 13h às 17h, com direito a uma hora de almoço, devendo repousar as domingos. Em sua justificativa, disse o autor da proposta que os cavalos levam uma vida sacrificada e depois são mortos brutalmente. Eles não são máquinas. São seres vivos como nós. Sofrem e sentem dor.

            O Estado de São Paulo, por sua vez, editou, ainda em 19 de fevereiro de 1992, a Lei nº 7.705, que estabelece normas para o abate humanitário (de animais destinados ao consumo), bem como providências correlatas. Já o município de São Paulo, na tentativa de solucionar o crescente problema do abandono animal, aprovou a Lei nº 13.131, de 18 de maio de 2001, que disciplina a criação, a propriedade, a posse, a guarda, o uso e o transporte de cães e gatos. Prevê a legislação a expedição de documento de identificação – uma espécie de carteira de identidade – para os animais.

            Em Curitiba tramita o Projeto de Lei nº 05.00072.2000, que institui campanha permanente de prevenção de doenças provocadas por cães e gatos e a castração dos mesmos, visando evitar sua desordenada proliferação. O projeto estabelece que ficará ao encargo do poder público o custeio da castração de animais abandonados ou pertencentes a pessoas carentes.

            Na Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul tramita Projeto de Lei nº 118/2002, de autoria do Deputado Manoel Maria dos Santos, que proíbe a apresentação, no âmbito do Estado, de espetáculos circenses ou similares que tenham como atrativo a exibição de animais de qualquer espécie.

            É ainda da autoria do mesmo Deputado o Projeto de Lei 32/95, que cria o Código Estadual de Proteção dos Animais [32], cuja apreciação pela Assembléia Legislativa Gaúcha está prevista ainda para este primeiro semestre de 2002.

            Pelo projeto do Deputado Manoel Maria, fica proibido: I - maltratar ou agredir fisicamente aos animais, submetendo-os a qualquer tipo de prática capaz de causar sofrimentos ou danos, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência; II - manter animais em locais completamente desprovidos de higiene ou que lhes impeçam a respiração, o movimento, o descanso, ou os privem de ar e luz; III - obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças; IV - não dar morte rápida ou indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo; V- encerrar animais com outros que o molestem ou aterrorizem; VI - exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados dos responsáveis legais; VII - realizar espetáculos, esportes, ato público ou privado, que envolvam lutas, maus-tratos ou a morte de animais; VIII - utilizar animais vivos em rifas, jogos, sorteios, quermesses, propagandas, comerciais, programas de televisão, teatro e outros espetáculos, quando tais atos impliquem na agressão física e psicológica do animal; IX - sacrificar animais com venenos e outros métodos não preconizados pela Organização Mundial de Saúde nos programas de profilaxia da raiva.

            Como se observa, o projeto inova ao proibir a utilização de animais até em comerciais, propagandas, programas de televisão e teatro, quando tais atos implicarem agressão física e psicológica aos animais.

            No capítulo que trata da fauna nativa, o projeto fulmina a caça profissional ou amadora no Rio Grande do Sul, tornando sua prática ilegal, somente sendo permitida quando realizada, com instrumentos artesanais, pelas populações indígenas, com a finalidade exclusiva de alimentação de suas próprias reservas.

            Outro ponto importante do projeto é o que estabelece que, nos sistemas intensivos de economia agropecuária, os animais devem ter liberdade de movimento, de acordo com as características morfológicas e biológicas de sua espécie. Acaba-se, assim, com a criação de animais em confinamento, amontoados em espaços reduzidos, sem as mínimas condições. O projeto também veda a engorda de aves, suínos e outros animais por processos mecânicos, químicos e outros métodos que sejam considerados cruéis.

            No que se refere ao abate de animais – nos chamados matadouros e abatedouros - pelo projeto passa a ser obrigatório no Estado do Rio Grande do Sul o emprego métodos científicos e modernos de insensibilização, aplicados antes da sangria, por instrumentos de percussão mecânica, processamento químico, elétrico ou decorrentes do desenvolvimento tecnológico. Proíbe-se, assim, o uso da marreta, a picada no bulbo (choupa), a facada no coração, bem como a mutilação ou qualquer método considerado cruel para o abate de animais, além do abate de fêmeas durante a gestação e de nascituros até a idade de três meses de vida, salvo em caso de doença, para evitar o sofrimento do animal.

            Quanto aos animais de carga, é proibido atrelar, no mesmo veiculo, animais de espécies diferentes; a utilização em serviço de animais cegos, enfermos, extenuados ou desferrados, bem como o castigo; fazer andar um animal, por mais de 10 (dez) quilômetros, sem lhe dar descanso; fazer trabalhar um animal por mais de 6 (seis) horas consecutivas, sem fornecer-lhe água e alimento.

            Aspecto de suma importância tratado no projeto é ainda o estabelecimento de regras para o transporte de animais. Fica vedado transportar animal por via terrestre por mais de 12 (doze) horas consecutivas sem descarregá-lo para que tenha o devido descanso, transportar animal fraco, doente, ferido ou em adiantado estado de gestação, exceto quando se tratar de atendimento de urgência.

            As experiências em laboratório foram igualmente tratadas no projeto em comento, ficando proibidas aquelas cujos resultados já sejam conhecidos e as destinadas à demonstração didática já filmadas ou ilustradas; proíbe experimentos que visem demonstrar o efeito de drogas venenosas ou tóxicas, e também os que conduzem o animal ao estresse, à inanição ou à perda da vontade de viver; veda experiências com fins comerciais, de propaganda armamentista e outros que não sejam científicos; a utilização de animal já submetido a outro experimento ou a realização de experiência prolongada com o mesmo animal.

            Como se pôde constatar, a legislação brasileira visando à proteção dos animais contra a crueldade humana, os maus-tratos e o abandono, é extremamente farta e diversificada. É com profundo lamento, pois, que se observa, na realidade do dia-a-dia dos nossos animais, o enorme menosprezo tanto em relação ao texto legal, quanto ao sofrimento dos nossos bichinhos. Nunca é demais enfatizar, em razão do colossal escárnio com que os seres humanos tratam os animais, que tão-só leis não são suficientes para garantir o respeito aos direitos dos animais, porque os textos legais, em realidade, não obrigam, mas apenas prescrevem comportamentos comissivos ou omissivos, que podem ou não ser observados.

            Convém lembrar ainda que favorece sobremaneira o desrespeito dos homens em relação aos animais o fato de estes não poderem, de per si, como é óbvio, postular em juízo o cumprimento das leis; ficam sempre na dependência da boa vontade humana para fazê-lo. É por isso que se pretende, mais adiante, propor que os direitos dos animais, a par de deverem estar consagrados de forma positiva, em textos legais, devem, antes de tudo, serem alçados à condição de valores morais e éticos insertos nos corações e nas mentes humanas.

            Contudo, antecedentemente à análise dos direitos dos animais sob o prisma filosófico, abordar-se-á a questão da tutela dos animais, verificando-se a quem compete a tarefa legiferante sobre os direitos dos animais, quem pode ingressar com ação em defesa desses direitos e qual é a justiça encarregada de proceder ao julgamento de tais ações.


CAPÍTULO II

A TUTELA DOS ANIMAIS

            2.1 Funções jurídicas do Estado: legislação e jurisdição - 2.2 Competência para legislar sobre os direitos dos animais - 2.3 Legitimação ad causam - 2.4 Competência para julgamento de ações relativas aos direitos dos animais.

            2.1 Funções jurídicas do Estado: legislação e jurisdição

            O Estado, na sua função jurídica, desempenha duas atividades: a legislação e a jurisdição. A atividade legislativa é aquela na qual o Estado vai estabelecer normas para regular as relações entre indivíduos, ou seja, fixar "as normas que, segundo a consciência dominante, devem reger as mais variadas relações, dizendo o que é lícito e o que é ilícito". [33] O estabelecimento das normas, para que seja válido, pressupõe a observância de uma outra regra: a da competência. Somente aqueles a quem o ordenamento jurídico confere a competência para legislar sobre determinada matéria é que estão aptos a fazê-lo.

            De outra parte, quando ocorre a violação da norma legitimamente posta, surge, no dizer de Diomar Ackel, "a permissão jurídica para exigir seu cumprimento". [34] Trata-se da segunda função jurídica do Estado - a jurisdição -, por meio da qual "cuida o Estado de buscar a realização prática daquelas normas em caso de conflito..." [35]. Em outras palavras, a jurisdição consiste na atividade em que o Estado se substitui aos titulares dos interesses em conflito para buscar a pacificação.

            Uma das características da jurisdição é a inércia. Melhor dizendo, o Estado somente exerce sua atividade jurídica quando e se provocado pelos titulares dos interesses em conflito. O princípio da inércia está intimamente ligado a uma outra característica do sistema processual brasileiro: a da legitimidade ad causam. O art. 6º do Código de Processo Civil que dispõe que "ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei". De tal sorte que, "em princípio, é titular de ação apenas a própria pessoa que se diz titular do direito subjetivo material cuja tutela pede (legitimidade ativa), podendo ser demandado apenas aquele que seja titular da obrigação correspondente (legitimidade passiva)". [36]

            Observou-se, no capítulo anterior, que há uma relativa abundância legislativa em termos de direitos dos animais. Diversas normas se repetem e se sobrepõem nos três níveis do poder constituído: municipal, estadual e federal. Por isso, verificar-se, a seguir, quem detém a competência legiferante em relação aos direitos dos animais.

            De outra parte, como os animais, por razões óbvias, não estão capacitados, de per si, a pleitear em juízo, analisar-se-á a quem compete representá-los em juízo na persecução de seus direitos. Igualmente a questão da competência jurisdicional será abordada a seguir.

            2.2 Competência para legislar sobre os direitos dos animais

            No Brasil, nos termos do disposto no art. 24, VI, da Constituição Federal, compete à União, aos Estados e ao distrito Federal, legislar, concorrentemente, sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.

            De sua parte, as Constituições estaduais, invariavelmente, outorgaram também aos municípios a competência para legislar sobre o tema. A Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, por exemplo, em seu art. 13, V, estabelece:

            Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

            [...]

            V - promover a proteção ambiental, preservando os mananciais e coibindo práticas que ponham em risco a função ecológica da fauna [37] e da flora, provoquem a extinção da espécie ou submetam os animais a crueldade;

            Assim é que, em relação aos direitos dos animais, a competência legislativa é concorrente. Tanto a União, como os Estados e os municípios podem e devem legislar sobre o tema.

            2.3 Legitimação ad causam

            Como observa Diomar Ackel Filho, ao abordar tema relativo à natureza jurídica dos animais, "perante o Código Civil, os animais têm sido, invariavelmente, definidos como coisas". [38] Orlando Gomes, ao definir bens móveis, afirma que "os bens móveis que se podem deslocar por força própria denominam-se semoventes (animais). Os outros são coisas inanimadas, que só se movem por força alheia". [39]

            Em realidade, no geral, os animais sempre foram considerados propriedade de algum humano, ou pelo fato de ao longo da história da humanidade terem sido domesticados – cavalos, bovinos, cães, gatos, coelhos, galinhas, pássaros, etc – ou por terem sido capturados, vivos ou mortos, pelo homem, para consumo – e assim eram considerados caça, alimento, mercadoria. [40]

            Antes do advento da Lei 9.605/98, a doutrina nacional tendia a considerar como sujeito passivo da contravenção crueldade contra animais o Estado ou a coletividade, não o animal, vítima da perversidade humana. Em termos gerais, o animal figurava como mero objeto material na infração, recebendo, por vezes, o mesmo tratamento dispensado às coisas. Ora, na condição de mera coisa, propriedade de alguém, a legitimação ad causam, obviamente pertencia ao dono do animal, que pleitearia em juízo a reparação de possíveis prejuízos.

            É o que ocorria, por exemplo, quando um malfeitor matava ou mutilava um animal. Tal conduta podia ser comissiva (atirar em animal) ou comissiva (deixar animal sob sua guarda morrer de inanição). [41] Assim, se um animal de carga (burro, cavalo, etc.) era morto ou mutilado, segundo corrente doutrinária, o proprietário do animal podia processar o infrator por crime de dano previsto no art. 163 do Código Penal, conduta que - para eles – absorvia a contravenção de crueldade contra animais inserta no art. 64 da Lei das Contravenções Penais ou postular, na área cível, a reparação do dano material.

            Embora o Decreto-lei nº 24.645/34, em seu art. 2º, § 3º, estabeleça que "os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das Sociedades Protetoras dos Animais", é de se ressaltar que havendo, como efetivamente ocorreu, por força da Lei nº 9.605/98, a criminalização dos maus-tratos praticados contra os animais, a ação penal tornou-se pública incondicionada, portanto da competência exclusiva do Ministério Público. O que era simples contravenção transformou-se em crime.

            Além disso, em nível constitucional, a vedação a práticas cruéis contra os animais está prevista no art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal, inserto no capítulo que trata do meio ambiente. Dentre as questões relativas ao meio ambiente, aquelas que visam à proteção dos direitos dos animais num espectro mais abrangente, como o são os direitos difusos de proteção à fauna, por força do contido no art. 129, III, da Constituição Federal, são igualmente da alçada do Ministério Público.

            Dessa forma, qualquer pessoa que presenciar ou tomar conhecimento da prática de maus-tratos contra os animais deverá procurar a delegacia de polícia solicitando a lavratura de Boletim de Ocorrência - B.O. A autoridade policial instaurará o competente inquérito que será remetido ao Ministério Público, a fim de que promova a competente denúncia, caso seja esse o entendimento do titular da ação.

            Idêntica é a lição de Laerte Fernando Levai, eis que, "na condição de titular da ação penal pública, cabe ao promotor denunciar criminalmente todo aquele que, mediante crueldade ou maus-tratos, atentar contra animais". [42] Entende ele que se a conduta delituosa, seja ela comissiva ou omissiva, for cometida em prejuízo da fauna silvestre, compete aos membros do Ministério Público Federal, quais sejam, os Procuradores da República, representar os animais em juízo. Se as vítimas forem animais domésticos, esse mister deverá ser exercido pelos Promotores de Justiça, representantes do Ministério Público no âmbito estadual. [43]

            2.3 Competência para julgamento das ações relativas aos direitos dos animais

            Questão controversa também tem sido a da competência para julgar ações relativas aos direitos dos animais: a Justiça federal ou a Justiça estadual.

            A Constituição Federal, em seu art. 109, I, estabelece que é da competência da Justiça federal processar e julgar "as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência ou de acidente do trabalho".

            Por isso, Diomar Ackel Filho entende que a competência é da Justiça federal, "quando o fato envolver a fauna silvestre, já que esta constitui domínio da União Federal" [44], sendo de seu interesse, portanto. Tratando-se de animal doméstico, a competência passaria para a Justiça estadual, em razão de a União não deter nenhum interesse nesse caso.

            Realmente, pela decisão em Conflito de Competência nº 1074/SP, o STJ, em 19 de abril de 1990, manifestou-se pela competência da Justiça federal para julgamento dos crimes cometidos contra a fauna silvestre. A ementa daquela decisão é:

            CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A CAÇA. JUSTIÇA FEDERAL.

            1. INFRAÇÃO PENAL OCORRIDA NA VIGÊNCIA DA LEI N. 7.653, DE 12.02.88 E CONSIDERADA CRIME E NÃO MAIS CONTRAVENÇÃO.

            2. REMESSA DOS AUTOS A JUSTIÇA FEDERAL APÓS A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO.

            3. OS CRIMES PRATICADOS CONTRA BENS, SERVIÇOS E INTERESSES DA UNIÃO, SUAS AUTARQUIAS OU EMPRESAS PÚBLICAS CONTINUAM A SER DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL (ART. 109, IV). O FATO DE CABER, CONCORRENTEMENTE A UNIÃO, AOS ESTADOS E AO DISTRITO FEDERAL LEGISLAR SOBRE FLORESTAS, CAÇA, PESCA, FAUNA, CONSERVAÇÃO DA NATUREZA, DEFESA DO SOLO E DOS RECURSOS DO SOLO, PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E CONTROLE DA POLUIÇÃO (ART. 24, VI), NÃO INTERFERE COM A EXCLUSIVA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE MATERIA PENAL (ART. 22, I).

            4. A LEGISLAÇÃO ESPECIAL CONSIDERA ´´OS ANIMAIS DE QUAISQUER ESPÉCIES, EM QUALQUER FASE DE DESENVOLVIMENTO E QUE VIVEM NATURALMENTE FORA DO CATIVEIRO, CONSTITUINDO A FAUNA SILVESTRE, BEM COMO SEUS NINHOS, ABRIGOS E CRIADOUROS NATURAIS, SÃO PROPRIEDADES DO ESTADO, SENDO PROIBIDA A SUA UTILIZAÇÃO, PERSEGUIÇÃO, DESTRUIÇÃO, CAÇA OU APANHA´´´´(ART. 1., DA LEI N. 5197/67). LOGO, A PROIBIÇÃO NÃO SE RESTRINGE A AÇÃO OCORRIDA DENTRO DE PARQUES OU RESERVAS NACIONAIS.

            5. CONFLITO CONHECIDO, DECLARANDO-SE COMPETENTE O JUIZO FEDERAL.

            Mesmo entendimento é adotado por Paulo Affonso Leme Machado, porquanto a fauna silvestre, por força do art. 1º da Lei nº 5.197, passou a ser um bem público. O autor justifica sua posição, argumentando que o art. 593, I, do Código Civil [45] foi revogado pelo art. 1º da Lei nº 5.197, que estabeleceu serem do Estado os animais de quaisquer espécies em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivam naturalmente fora do cativeiro.

            Com isso, "a União reservou para si o domínio eminente da fauna silvestre. Desta forma, alterou-se em profundidade a característica de que a fauna silvestre era coisa sem dono. A fauna silvestre é inconfundivelmente, como também seus ninhos, abrigos e criadouros naturais, bem público". [46]

            Em síntese sustenta o autor que "não foi pela vontade de aumentar o seu patrimônio que a União procurou tornar-se proprietária da fauna silvestre; razões de proteção do equilíbrio ecológico ditaram essa transformação".

            Efetivamente, se todos têm direito ao meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (art. 225 da CF), a elevação da fauna silvestre à condição de bem público insere-se necessariamente nos fins visados pelo Estado.

            Do escólio de João Marques Brandão Neto [47], Procurador da República em Santa Catarina, em seu minucioso estudo destinado a deslindar qual justiça - federal ou estadual – é competente para julgar a ação penal relativa aos direitos dos animais, com fulcro na Lei nº 9.605/98, sobressai a perspectiva de que tal controvérsia tenha tido como origem a errônea interpretação da palavra Estado, contida no art. 1º da referida lei, verbis:

             Art. 1º Os animais de quaisquer espécies em qualquer fase de seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedade do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha (grifou-se).

            Em artigo publicado em maio de 1999, o autor, com acerto, enfatiza que a palavra Estado contida no art. 1º transcrito não significa União. Argumenta ele que somente na época das Ordenações é que os animais sem dono – os chamados achados ao vento - eram propriedade do Rei e, portanto, do Estado Unitário. Acrescenta que, quando da edição da Lei nº 5.197, o Brasil já se constituía nos Estados Unidos do Brasil, sendo denominados Estado os Estados-membros.

            Ressalta, ademais, que com a promulgação da Constituição de 1988, tanto a proteção da fauna, integrante do meio-ambiente, como a propriedade dos animais silvestres passou ao domínio dos Estados, o que implica ser da competência das Justiças comuns estaduais o julgamento dos crimes cometidos contra os animais. Enfatiza, de outra banda, que a Súmula 91 do STJ não pode ser aceita como vigente, aliás como o próprio Superior Tribunal de Justiça veio posteriormente reconhecer. [48]

            Assevera, entretanto, que é da competência da Justiça federal o julgamento dos crimes cometidos contra animais silvestres, nativos e em rota migratória; anfíbios e répteis; a fauna aquática e os peixes, quando estes tivessem seu habitat em terras ou águas pertencentes à União. Também deduz serem da competência da Justiça federal as ações que envolvam crimes praticados contra animais oriundos do exterior e animais domésticos e domesticados, quando sejam bens de propriedade da União, em decorrência de ato jurídico específico.

            Sobrepondo-se a toda essa discussão, o Superior Tribunal de Justiça, em novembro de 2000, julgando o Conflito de Competência nº 27848/SP, assim se manifestou:

            Relator: Min. HAMILTON CARVALHIDO

            Data da Decisão 08/11/2000

            Órgão Julgador - TERCEIRA SEÇÃO

            Ementa CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIMES CONTRA A FAUNA. SÚMULA 91/STJ. INAPLICABILIDADE APÓS O ADVENTO DA LEI 9.605/98. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.

            1. Conflito de competência entre as Justiças Estadual e Federal que se declaram incompetentes relativamente a inquérito policial instaurado para a apuração do crime de comércio irregular de animais silvestres.

            2. Em sendo a proteção ao meio ambiente matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e inexistindo, quanto aos crimes ambientais, dispositivo constitucional ou legal expresso sobre qual a Justiça competente para o seu julgamento, tem-se que, em regra, o processo e o julgamento dos crimes ambientais é de competência da Justiça Comum Estadual.

            3. Inexistindo, em princípio, qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União (artigo 109 da CF), afasta-se a competência da Justiça Federal para o processo e o julgamento de crimes cometidos contra o meio ambiente, aí compreendidos os delitos praticados contra a fauna e a flora.

            4. Inaplicabilidade da Súmula nº 91/STJ, editada com base na Lei 5.197/67, após o advento da Lei nº 9.605, de fevereiro de 1998.

            5. Conflito conhecido para que seja declarada a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal do Foro Regional V - São Miguel Paulista - São Paulo/SP, o suscitado (grifou-se).

            No entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a competência para julgar os crimes contra os animais, sejam eles silvestres, exóticos ou domesticados, a partir dessa decisão e com fulcro na Lei º 9.605/98, passou a ser da Justiça estadual.

            Não obstante, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em decisão prolatada em data posterior à do Superior Tribunal de Justiça, manifestou-se em direção diametralmente oposta:

            DIREITO PENAL. AMBIENTAL. CRIMES CONTRA A FAUNA. FAUNA SILVESTRE. UNIÃO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. LEIS 9.605/98 E 5.197/67. SÚMULA 91 DO STJ.

            1. A Justiça Federal tem competência para processar e julgar os crimes contra a fauna e flora silvestres.

            2. A Lei nº 9.605/98 não dispôs sobre a propriedade da fauna silvestre, tampouco sobre a competência para julgamento de crimes a ela referentes, permanecendo em vigor o art. 1º da Lei 5.197/67.

            3. A revogação da Súmula 91 pelo STJ não tem o condão de alterar a competência para o julgamento dos crimes contra a fauna, matéria constitucional.

            4. Indeferida a correição parcial.". (Correição Parcial nº 2001.04.01.019867-6-SC, Rel. Juiz José Luiz Germano da Silva, 1ª Turma, julgado em 11/06/2001, DJU. 11/07/2001, pág. 206) (grifou-se).

            Embora não esteja totalmente pacificada a controvérsia relativa à competência para julgamento dos crimes perpetrados contra os animais, vislumbra-se certo consenso normativo e jurisprudencial no que concerne ao direito material dos animais.

            Remanesce, contudo, a deslindar se os direitos dos animais pertencem efetivamente aos animais, como sujeitos de direitos, ou se revestem tão-só em direitos reconhecidos ao homem de não ver os animais serem maltratados. Ou seja, os direitos dos animais, nos termos propugnados pela Constituição Federal, constituem direitos dos humanos de os verem preservados – agora como troféus vivos, e não mais as cabeças de alces e tigres ou patas de ursos empalhados, embalsamados, que ainda ornamentam, com muito mau gosto, as salas dos caçadores dos antigos safáris na África - ou os animais detêm, como sujeitos, direitos que lhes são próprios. Enfim, são os animais sujeitos de direito ou objeto deste?

            No capítulo que se segue, ao se verificar a quantas andam os direitos dos animais nos tribunais e algumas questões polêmicas, pretende-se demonstrar que os direitos dos animais não constituem direitos dos homens de os verem preservados para futuras gerações, como dita o art. 225 da Constituição Federal, mas sim direitos subjetivos dos animais, que lhes devidos simplesmente por sua condição de seres vivos.


CAPÍTULO III

O DIREITO DOS ANIMAIS NOS TRIBUNAIS E ALGUMAS QUESTÕES POLÊMICAS

            3.1 Animais: objetos ou sujeitos de direitos? - 3.2 A farra do boi - 3.3 Rodeios - 3.4 Vivisseção - 3.5 Caça amadorista - 3.6 Animais em apartamento - 3.7 Outras decisões em defesa dos animais - 3.8 É errado o uso de animais como alimento - 3.9 Animais: nossos colaboradores - 3.10 Abandono de animais

            3.1 Animais: objetos ou sujeitos de direitos?

            Os seres humanos, enquanto tais, gozam de uma série de direitos. Pessoas de maior sensibilidade têm direito, por isso, de não verem serem praticadas violências, crueldades ou maldades contra semelhantes seus e outros seres vivos, por puro divertimento ou distração, sem nenhuma justificativa racional. A legítima defesa encontra amparo na razão, assim como a necessidade de alimentação; contudo, o sofrimento alheio por puro sadismo é injustificável e irracional. Será então que a não-violência contra os animais insere-se no rol dos direitos dos homens, ou os animais são titulares de alguma espécie de direito?

            Os animais - especialmente aqueles que podem ser vistos pelo homem sem auxílio de aparelhos - devem ser considerados titulares de certos direitos, não em razão de se reconhecer aos humanos a prerrogativa, a faculdade de não os verem sendo tratados com crueldade, maus-tratos ou violência, mas porque os animais são efetivamente sujeitos de direito. Mas com que fundamento se lhes outorgam direitos? Pela pura e simples condição de seres vivos, dotados de sistema nervoso central, colocados neste planeta não pela mão do homem, mas por uma força superior. Eles sentem dor, fome, frio, calor, sede, sofrem enfim. Por isso, os animais não-humanos, nos aspectos sensoriais, encontram-se em posição de igualdade com relação aos humanos. E tal é essa igualdade, que se se reconhece aos homens direitos fundamentais, decorrentes de sua própria natureza, também se os deve reconhecer às demais espécies, pois cada qual possui uma natureza que lhe é própria.

            Detalhando esse raciocínio, dir-se-ia que é atribuído ao golfinho, por sua própria natureza, o direito de nadar livremente pelos mares. Tal direito não foi concedido ao golfinho pela vontade humana, nem por acordos, contratos ou pactos feitos com o homem ou pelos homens. Decorre da própria natureza do golfinho, que o dotou de nadadeiras ágeis, de anatomia adequada, de agilidade e dos demais atributos necessários para nadar grandes distâncias, geração após geração, alimentando-se, cuidando de sua prole, brincando, divertindo-se e extasiando os humanos com sua beleza. Sendo assim, não serem enjaulados em tanques minúsculos, após terem sido adestrados, não constitui propriamente direito dos humanos que se importam com a qualidade de vida dos golfinhos e que, por isso os querem ver livres, mas sim um direito natural dos próprios golfinhos, direito esse ditado pela natureza dos golfinhos, e que o homem, seguindo os ditames da razão e da ética, é impelido a respeitar.

            Nesse contexto, cada espécie possui direitos que são inerentes à sua própria natureza. Alerte-se, porém, que não fazem parte do rol de direitos dos animais, por exemplo, a permissão do ingresso de cães em bares, em cinemas, em restaurantes, como postulam algumas entidades ligadas à causa canina na Alemanha. Tais postulações não passam de interesses dos donos dos animais, que, diga-se de passagem, vão contra a natureza dos cães. Os ambientes dos bares, cinemas e restaurantes, no mais das vezes, impregnados de nicotina e de sons estridentes de música, com certeza só trazem malefícios à saúde dos animais, causando-lhes estresse. Freqüentar cinemas, bares e restaurantes não se coaduna com a natureza dos animais.

            3.2 A farra do boi

            Questão de repercussão nacional tem sido a famigerada farra do boi, promovida pela comunidade de descendência açoriana de Santa Catarina. Os maus-tratos infligidos aos animais, algumas vezes, são de uma crueldade que repugna até a mais tosca das almas. Em 1997, após muito debate e pressão por parte das entidades de proteção e defesa dos animais, veio a proibição, por meio da decisão prolatada no Recurso Extraordinário nº 153.531-8/SC (RT 753/101). A farra do boi foi proibida por força de acórdão do Supremo Tribunal Federal, na Ação Civil Pública nº 023.89.030082-0, promovida pela APANDE, entidade de proteção dos direitos dos animais com sede em Petrópolis, no Rio de Janeiro.

            Nos termos da decisão do STF, a farra do boi é intrinsecamente cruel e constitui crime, punível com até um ano de prisão, para quem pratica, colabora, ou, no caso das autoridades, omite-se de impedi-la. A partir daí verificaram-se intensas campanhas de conscientização contra os maus-tratos aos animais por parte de organizações como a WSPA – Brasil - World Society for Protection of Animais, a ACAPRA - Associação Catarinense de Proteção aos Animais - e a APA - Associação de Proteção aos Animais.

            Os membros da Assembléia Legislativa de Santa Catarina, ao que tudo indica não concordando com a decisão do Supremo Tribunal Federal, ou talvez receosos de perderem os votos de alguns farristas radicais, aprovaram, em 27 de dezembro de 1999, a Lei nº 11.365, autorizando e regulamentando a dita farra, desta feita - alegaram eles - sem tratamento cruel para o animal e sem perturbação da ordem pública. Vetada pelo Governador do Estado, a lei teve o seu veto derrubado pela Assembléia Legislativa. Mais uma vez o Poder Judiciário foi chamado a se manifestar: em 16 de novembro de 2000, foi concedida liminar pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, proibindo a realização da referida atividade cultural, ao argumento de que soltar um boi, em local previamente escolhido, que pode ser aberto ou cercado, perseguindo-o, em grupo, até levá-lo à exaustão, não raro, utilizando-se de objetos contundentes para instigar-lhe a carreira, prática que por mais amena e suave que possa ser, já constitui, por si só, uma violência contra o animal, provocando-lhe cansaço, a angústia e a aflição, formas, também, de tortura.

            Cabe aqui uma breve reflexão acerca da farra do boi, que tem como justificativa por parte de seus adeptos e simpatizantes o argumento de tratar-se de uma tradição, uma manifestação cultural da comunidade açoriana. Em refutação a essa justificativa, é de se recordar que as tradições não são e não podem ser perenes, nem assim os costumes. Eles existem até que se os mude. Não fosse assim, os romanos continuariam a jogar os cristãos aos leões, como era costume nas arenas da antiga Roma. Defensores dos direitos humanos igualmente relatam ser um costume, uma tradição em vários países da África a extirpação de clitóris de meninas ainda em tenra idade. Mas quem, em sã consciência, encontra argumentos favoráveis à perpetuação dessa mutilação feminina? Não é porque uma ação vem sendo praticada há muito tempo que ela dever ser tida como moralmente justa, correta e aceitável para todo o sempre. Não é o transcurso do tempo que transforma uma prática imoral em moral e aceitável. Como enfatiza Sônia T. Felipe:

            [...] costumes são ações comuns à maior parte das pessoas de um determinado grupo ou comunidade. Costumes são, geralmente, ações tradicionais, isto é, passadas de uma geração à outra. Mas somente por serem tudo isso não quer dizer que sejam portadoras da verdade [...] É um engano afirmar que precisamos conservar todos os nossos costumes para que possamos seguir sendo o que somos. [49]

            Escravizar negros era um hábito e um costume, até que a consciência e a moral humanas deram-se conta de que se tratava de uma atitude discriminatória e antiética. A partir daí, o que era costume transformou-se em crime.

            Como afirmou Leonardo da Vinci, pintor italiano (1452-1519): Chegará o dia em que o homem conhecerá o íntimo dos animais. Nesse dia um crime contra um animal será considerado um crime contra a própria humanidade.

            Destarte, há que se ter em mente que maltratar, de forma gratuita, sem justificativa, um animal que prejuízo algum causa ao ser humano – ao contrário, fornece o leite, a carne e o couro - certamente só contribuiu para que a violência se instale cada vez mais na psique dos homens como uma prática normal e corriqueira. As pessoas tendem assim a se tornarem cada vez mais insensíveis ao sofrimento alheio. Ademais, se se agride um animal sem que contra ele se tenha motivo algum que justifique qualquer ato de violência, o que se fará a um ser humano, contra o qual se tenha algum ressentimento? De qualquer sorte, a farra do boi está proibida, e cabe ao Poder Executivo, por meio de suas polícias, coibi-la de maneira eficaz.

            3.3 Rodeios

            Os rodeios são praticas costumeiras no Brasil, especialmente nas regiões de pecuária extensiva. Os mais famosos rodeios são os de Barretos, em São Paulo. Há quem alegue que são promovidos como exercícios de coragem e valentia dos peões, mas na realidade não passam de uma forma disfarçada de o homem subjugar o animal, maltratando-o.

            Os animais utilizados em rodeios, normalmente dóceis, devem parecer bravios, a fim de justificarem a coragem e a valentia dos peões em domá-los. Para alcançar tal intento, são utilizadas ferramentas de tortura: agulhadas elétricas, um pedaço de madeira afiado, ungüentos cáusticos; sedém ou sedenho (artefato de couro ou crina que é amarrado ao redor dos órgãos genitais do animal e que é puxado com força no momento em que ele sai à arena), esporas, choques elétricos e mecânicos. Também são introduzidas no corpo do animal substâncias abrasivas como a terebintina e a pimenta, a fim de causar-lhe dor e, conseqüentemente, enfurecê-lo. [50]

            As pessoas leigas que assistem a um rodeio não imaginam o sofrimento que há por detrás daquele espetáculo, e os organizadores dos rodeios, ofuscados pelos recursos financeiros que esses eventos canalizam, não percebem a dor e o sofrimento dos animais. E se percebem, não dão a menor importância: o tilintar do dinheiro quase sempre soa mais alto que as suas consciências.

            A proibição dos rodeios é uma das labutas na qual os defensores dos animais ainda deverão empreender muito esforço, apesar de já haver jurisprudências vedando essa verdadeira barbárie:

            CONTRAVENÇÃO PENAL - CRUELDADE CONTRA ANIMAIS -CIRCO DE RODEIOS – ESPETÁCULOS QUE MASCARAM, EM SUBSTÂNCIA, UM SIMULACRO DE TOURADAS - CASSAÇÃO DE ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO - PRETENDIDA VIOLAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO - PRETENSÃO REPELIDA - SEGURANÇA DENEGADA – ILÍCITO PENAL - ATIVIDADE QUE INCIDE EM NORMA PUNITIVA DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS - INVOCAÇÃO INADMISSÍVEL DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - Uma vez que a autoridade pública informa que a atividade exercitada pelo Impetrante, em seu chamado circo de "rodeios" incide na norma punitiva do art. 64 da Lei das Contravenções Penais, a segurança deve ser denegada. Ninguém pode pretender direito líquido e certo à prática de um ilícito penal. Saber se os animais utilizados pelo Impetrante, na realização de seus espetáculos, eram realmente tratados com crueldade, qual o afirma, com presunção de verdade, a autoridade pública, constitui matéria de fato, cuja apuração transcende o âmbito do mandado de segurança. O que, todavia, é fora de dúvida, é que ninguém pode pretender direito, muito menos direito líquido e certo, a perpetrar, sob a égide da Justiça, um ilícito penal (RT 247/105).

            3.4 Vivisseção: há apenas uma justificativa

            Trata-se, sem dúvida, de um tema dos mais polêmicos e que vem permeando sobremaneira a atuação das entidades de proteção dos animais. A legislação brasileira não veda a vivisseção; exige, contudo, certos cuidados no manejo dos animais, tais como a obrigatoriedade do uso de anestesia.

            As primeiras experiências em animais se deram na Europa, nos séc. XVII e XVIII, e se baseavam na idéia articulada por René Descartes de que os animais não tinham a capacidade de sentir dor. A filosofia cartesiana é extremamente determinista: supõe que tanto a matéria inerte como os organismos vivos obedecem às leis da física. Descartes considerava os animais máquinas complexas, insuscetíveis à dor: o lamento deles era comparado ao tique-taque de um relógio [51].

            Também Charles Darwin, ao defender a existência de vínculos entre todas as espécies num único processo evolutivo, forneceu aos cientistas o respaldo necessário para que vislumbrassem a possibilidade de extrapolar os dados obtidos por meio de pesquisas animais para os seres humanos. Com isso a utilização dos animais para experimentações tornou-se mais e mais freqüente. [52]

            Há quem defenda a utilização dos animais em experiências afirmando que os benefícios que tais práticas trazem para a humanidade são muito mais relevantes do que o sacrifício e a dor das cobaias. Uma dessas opiniões é a de Claude Bernard, cujo pensamento foi exposto no livro An introduciton to the study of experimental medicine, publicado ainda em 1865:

            Nós temos direito de fazer experimentações animais e vivissecção? Eu penso que temos este direito, total e absolutamente. Seria estranho se reconhecêssemos o direito de usar os animais para serviços caseiros, para comida e proibir o seu uso para a instrução em uma das ciências mais úteis para a humanidade. Nenhuma hesitação é possível; a ciência da vida pode ser estabelecida somente através de experimentos, e nós podemos salvar seres vivos da morte somente após sacrificar outros. Penso que os médicos já fizeram muitos experimentos perigosos no homem, antes de estudá-los cuidadosamente nos animais. Eu não admito que seja moral testar remédios mais ou menos perigosos ou ativos em pacientes em hospitais, sem primeiro experimentá-los em cães. [53]

            A primeira regulamentação acerca do uso de animais foi proposta pela British Cruelty to Animal Act, em 1876, no Reino Unido, mas já existia na Inglaterra, desde 1822, a Lei Inglesa Anticrueldade, aplicável somente aos animais domésticos de grande porte. [54]

            Mais contemporaneamente, uma das obras que, sem sombra de dúvida, causou grande impacto na opinião científica e no público em geral, e com isso ensejou uma reflexão mais profunda em relação aos experimentos com os animais foi o livro Animal Liberation, de Peter Singer, publicado em 1975.

            Por maiores que sejam as elucubrações para tentar justificá-la, é ética e moralmente repudiável a utilização de animais em experiências, cujos resultados visem ao benefício única e exclusivamente dos seres humanos. A medicina e a ciência, obviamente, não podem estagnar, mas o moralmente aceitável, nesse caso, seria fazer experiências em humanos para auxiliar os humanos.

            A utilização dos animais em experimentos só se justificaria, do ponto de vista deste estudo, e assim mesmo desde que minimizada a dor ao máximo, quando essas práticas tivessem por objetivo promover a saúde e o bem-estar de outros animais. Lamentavelmente, não fosse o sacrifício de alguns indivíduos, não existiria a medicina veterinária, que tantas outras vidas tem conseguido salvar.

            3.5 Caça amadorista

            A caça amadorista, por incrível que pareça, é uma atividade prevista na Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, o chamado Código de Caça, cuja permissão depende de ato regulamentador do Poder Público Federal.

            A referida lei, em seus artigos. 5º e 6º, estabelece:

            Art. 5º. O poder Público criará:

            ....

            b) Parques de Caça Federais, Estaduais e Municipais, onde o exercício da caça é permitido, abertos total ou parcialmente ao público, em caráter permanente ou temporário, com fins recreativos, educativos e turísticos.

            Art. 6º. O Poder Público estimulará:

            a) a formação e o funcionamento de clubes e sociedades amadoristas de caça e de tiro ao vôo, objetivando alcançar o espírito associativista para a prática desse esporte (grifou-se).

            Como já se viu anteriormente, a Constituição, em seu art. 225, § 1º, VII, proíbe as práticas que submetam os animais a maus-tratos. À luz do texto constitucional, impõe-se reconhecer que a Lei nº 5.197/67, especificamente naquelas disposições que contrariam o texto constitucional, não foi recepcionada pela Constituição Federal, estando, dessa forma, tacitamente revogada. Senão vejamos: conforme definido no art. 7º da Lei nº 5.197/67, constituem atos de caça a utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de espécimes da fauna silvestre, quando consentidas na forma da referida lei.

            Normalmente, a apanha e a destruição na caça amadorista são realizadas por meio do uso de arma de fogo – espingardas ou assemelhados – e/ou de armadilhas.

            A morte ou mutilação de um animal em virtude de um tiro de espingarda constitui, evidentemente, prática cruel, como já reconheceu a jurisprudência nacional:

            Crueldade Contra Animais – Abate de Cachorro a Tiros – Pratica ato contrário aos sentimentos de humanidade aquele que provoca sofrimento desnecessários e injustificáveis a um cão, fisgando por intermédio de um anzol para, em seguida, abatê-lo a tiros (RT 176/94)

            As armadilhas são, igualmente, formas cruéis de apanha, caça ou destruição de animais. E se tais práticas caracterizam atos cruéis contra animais, conseqüentemente contrariam o disposto na Constituição Federal.

            Paradoxalmente, o IBAMA - uma das instituições responsáveis pela defesa dos animais no âmbito administrativo - edita anualmente portaria fixando os critérios para a caça amadorista, dentre eles a relação das espécies que podem ser capturadas, as áreas em que a caça é permitida, a temporada de caça e o número de exemplares que podem ser capturados por espécie.

            Os interessados na prática desse esporte, por sua vez, devem obter licença, mediante recolhimento de taxas, cujos recursos são destinados, em grande parte, para a manutenção do sistema de fiscalização da própria caça amadorista..

            Embora a excelência gaúcha em termos de legislação protetora dos animais, infelizmente o Estado do Rio Grande do Sul ocupa outra posição de destaque no cenário nacional, só que em sentido negativo: até 1992, era o único Estado em que o IBAMA permitia a caça por esporte, notadamente de perdizes, marrecos e lebres, com a justificativa de proteger a lavoura, em especial arrozeira.

            Atualmente, outros Estados da Federação também reivindicam o direito à caça. De acordo com notícias veiculadas na imprensa, o Governador Jaime Lerner recentemente legalizou a caça no Estado do Paraná, sancionando o projeto de lei no 12.603, de autoria do deputado estadual Aníbal Koury. O Estado do Mato Grosso também se mobiliza para legalizar esse esporte.

            Em realidade, a caça de animais para fins de preservação das lavouras encontra escopo no art. 37, caput e inciso II, da Lei nº 9.605/98, que estabelece:

            Art. 37. Não é crime o abate de animal, quando realizado:

            ....

            II – para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente.

            No ano de 2001, o IBAMA editou a Portaria nº 90, permitindo que no Estado do Rio Grande do Sul se realizasse a caça amadorista, com o abate das seguintes espécies: marreca-caneleira, marreca-piadeira, lebre européia, pombão, pomba-de-bando, caturrita e garibaldi. Estabelecia a portaria que cada caçador teria direito a uma caçada semanal por modalidade (campo e banhado), dentro da temporada e nos limites dos municípios relacionados.

            Felizmente, graças à atuação do Ministério Público, os direitos dos animais prevaleceram ante a sanha predatória dos caçadores. Os Procuradores da República João Carlos de Carvalho Rocha e Fábio Bento Alves, após receberem representação do Núcleo Amigos da Terra-Brasil, propuseram Ação Civil Pública com pedido liminar, contra o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, requerendo, em medida liminar, a suspensão imediata da temporada de caça amadorista no Estado do Rio Grande do Sul naquele ano. Em decisão liminar, a Juíza Vivian Josete Pantaleão Caminha, da 7ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre, acolheu a ação civil pública, determinando a pronta suspensão da liberação da caça e, ainda, que o IBAMA, autarquia ré, procedesse ao controle e à fiscalização da proibição, comunicando ao Estado Maior da Brigada Militar no Estado, para os ajustes da atuação administrativa dos órgãos de fiscalização.

            Em verdade, como muito bem enfatiza Edna Cardozo Dias [55], por detrás da prática da caça no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, há todo um interesse econômico envolvido. As principais indústrias de armas encontram-se no solo gaúcho: a Taurus, a Rossi e a Boito. O esporte caça amadorista envolve espingardas, munições e equipamentos que rendem somas vultosas.

            A morte de um animal até poderia ser justificável, diante de um estado de necessidade, para servir de alimento ou em legítima defesa humana ou de outro animal, mas no caso da caça amadorista, a matança é por puro prazer ou divertimento. Seus adeptos não poupam recursos: dirigem-se para as regiões onde existe a caça, em camionetas modernas, muito bem equipadas e, no mais das vezes, acampam por dias a fio, à espreita de suas vítimas. Despendem razoáveis somas em dinheiro na compra de espingardas, de munição e no adestramento de cães de caça, além de pagarem taxa de licenciamento anual (R$ 300,00 de acordo com a Portaria nº 90 do IBAMA). Não é para fins de alimentação que é praticada a caça amadorista, mas por prazer, por esporte.

            Pode até ser verdade que a caça amadorista, ao obedecer a critérios rígidos na seleção das espécies e na determinação das quantidades sujeitas ao abate, associados a uma fiscalização rigorosa por parte das autoridades competentes, não causa maiores danos a ponto de pôr em risco as faunas brasileira e gaúcha. Contudo, para o animal que foi sacrificado o dano é irreparável: a perda da vida, por simples capricho, hobby de uma elite com razoável poderio econômico.

            Em que pesem as alegações dos adeptos desse esporte de mau gosto e de muitos especialistas de que a caça amadorista não causa danos ecológicos, a sua liberação, na verdade, só faz contribuir para a banalização da vida e do sofrimento alheio, incentivando assim outras práticas cruéis.

            Como arremata Paulo Affonso Leme Machado, "houve época em que o homem fez da caça uma necessidade. Atualmente, procura-se dar foros de legitimidade a uma prática que fere não só o equilíbrio ecológico, como afronta um estilo pacífico de vida". [56]

            3.6 Animais de estimação em apartamento

            Uma das questões que mais têm batido às portas dos tribunais é a possibilidade de permanência ou não de animais em apartamentos. Inúmeras decisões judiciais conferem o direito aos condôminos, mesmo contra a convenção do edifício, de manterem seus animais de estimação, conquanto sejam animais dóceis, de pequeno porte, saudáveis e não perturbem o sossego dos vizinhos. Eis algumas decisões:

            Cominatória - Animal doméstico em apartamento - Ação do condomínio - Decisão proibitiva aprovada em assembléia - Inexistência de prova quanto à perturbação, ao sossego, e à segurança. Decisão acertada. Apelo improvido. A decisão condominial aprovada em assembléia geral e regulamentar haverá de ser acatada pelos condôminos. Porém, não subsiste a mandamento judicial quando questionada. Provado nos autos que o animal doméstico de pequeno porte é dócil, não perturba o sossego e a segurança dos demais condôminos, a proibição decidida em assembléia não pode prevalecer, pois viola o direito de propriedade e de liberdade do cidadão. Apelo conhecido e improvido. Legislação: CPC ~ art. 20, § 4º (Ap. Civ. 67796700; Londrina; j. 06.06.1994; unânime; publ. 17.06.1994).

            Condomínio. Manutenção de cão em apartamento. Mesmo que a convenção ou o regimento interno a proíbam, a vedação só se legitima se demonstrado o uso de forma nociva ou perigosa ao sossego, à salubridade ou à segurança dos demais condôminos (Ap. 183023944; 3ª Câm.. Civ.; TARS - Porto Alegre; j. TARS 48/364).

            A genérica proibição de manter animais no apartamento, constante da convenção, tem sua finalidade explicitada no regulamento interno: impedir a permanência daqueles. que causem incômodos, perturbem o sossego e se constituam em ameaça à saúde e à segurança dos demais moradores. Se o animal mantido pelo morador não provoca nenhuma dessas situações, sua permanência deve ser tolerada. O simples fato do morador, a despeito da vedação contida na convenção ou regulamento, manter cachorrinho em seu apartamento, não autoriza a aplicação da multa e não é suficiente para sustentá-la (Ap. Civ. 189111313; Porto Alegre; 6ª Câm. Civ.).

            Efetivamente, não há por que impedir que os moradores em condomínio permaneçam com seus animais. O fato de as convenções proibirem a presença de animais nos prédios, sem dúvida alguma, tem contribuído sobremaneira para o abandono de cães e gatos nas grandes cidades.

            A expansão demográfica, aliada à escassez de recursos públicos para investimentos em saneamento e outras obras de infra-estrutura, tem provocado a verticalização das cidades, com a construção de prédios cada vez mais altos e em áreas antes destinadas exclusivamente a residências. Assim, a especulação imobiliária faz com as áreas mais centrais das cidades acabem supervalorizadas, conspirando contra a manutenção de residências unifamiliares.

            Esse fato associado ao crescimento da violência urbana impõe mudanças na qualidade de vida das famílias. As pessoas que antes viviam em casas, em residências unifamiliares e que possuíam animais de estimação, vêm-se obrigadas a morar em prédios de apartamentos. Como as convenções de condomínio não permitem animais, elas não têm outra alternativa a não ser abandonar seus animaizinhos nas ruas.

            3.7 Outras decisões em defesa dos direitos dos animais

            O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, atento às normas protetoras dos animais, em decisão prolatada em 14 de setembro de 1998, declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 1.810, de 1998, instituída pelo município de Encruzilhada do Sul, autorizando realização de exposição e competição de aves de raça, briga de galo de rinha. Eis a ementa da decisão:

            CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. COMPETE AO TRIBUNAL DE JUSTICA A TEOR DO ART. 125, PAR-2 DA CF/88, JULGAR AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CUJO OBJETO É LEI MUNICIPAL, EM FACE DE DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, AINDA QUE O ÚLTIMO REPRODUZA O TEXTO DA CARTA FEDERAL. PRECEDENTE DO STF. PRELIMINAR REJEITADA. 2. O ART. 13. V. DA CE/89 VEDA QUE A LEI MUNICIPAL AUTORIZE A PROMOÇÃO, PELO HOMEM, DA RINHA DE GALOS, OU SEJA, PROMOVA BRUTALIDADE ANIMAL FORA DE SEU HABITAT E NORMALIDADE, QUE É UMA DAS TANTAS FORMAS ASSUMIDAS PELA CRUELDADE HUMANA CONTRA OUTRAS ESPÉCIES. 3. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE.

            Acerca da rinha de galos, recentemente, o Procurador-Geral da República Geraldo Brindeiro ajuizou no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.514, com pedido de liminar, contra a Lei Estadual nº 11.366, de abril de 2000, promulgada pela Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, com o objetivo de normatizar a criação, exposição e competições entre aves da espécie galus-galus.

            Consta que a ação foi ajuizada a pedido do Procurador da República no município de Joinville, Cláudio Valentim Cristian, ao argumento de que a lei estadual catarinense afronta o artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição Federal, que determina ser dever jurídico do poder público e da coletividade defender e preservar o meio ambiente das práticas que submetem os animais a crueldades.

            Segundo manifestação do próprio Procurador-Geral, é inegável que a lei catarinense possibilita a prática de competição que submete os animais a crueldades, em flagrante violação ao mandamento constitucional.

            Outra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul favorável aos direitos dos animais ocorreu no julgamento da Apelação Cível nº 592049746, em 30 de junho de 1992, relator o Des. Milton dos Santos Martins, cuja ementa se transcreve, em razão de seus lapidares ensinamentos:

            EMENTA: TIRO AO POMBO. CRUELDADE AOS ANIMAIS. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PROTEGE A FAUNA E VEDA CRUELDADE AOS ANIMAIS. DEFENDEM-SE NAO SÓ OS ANIMAIS DE EXTINÇÃO, MAS O PRÓPRIO HOMEM DE SUA AGRESSIVIDADE EM SE COMPRAZER COM TAIS ESPETÁCULOS DE ABATE DESNECESSÁRIO, COMO SE FOSSEM ESPORTE. O TIRO AO POMBO PODE ATENUAR-SE EM TIRO AO PRATO, SEM DANOS MAIORES E EM FAVOR DE UM CRESCIMENTO DA SENSIBILIDADE HUMANA, RESPEITO ENTRE AS ESPÉCIES. (APC Nº 592049746, PRIMEIRA CIVEL, TJRS,) (Grifou-se).

            Inusitada e digna de louvor foi igualmente a decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em 18 de novembro de 1991, que, apreciando o Hábeas Corpus nº 10.166, com origem na comarca de Lages, negou o trancamento da ação penal requerido em favor de cidadão que desferiu tiro de espingarda em um cão.

            Também o Poder Judiciário de São Paulo concedeu liminar na Ação Civil Pública no. 2059/053. 00. 031768-6, determinando que a municipalidade de São Paulo, através do Centro de Controle de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde, se abstivesse de sacrificar animais utilizando câmara de descompressão - método altamente cruel de sacrifício - de capturá-los mediante o uso do instrumento denominado cambão ou qualquer outro meio semelhante.

            Por derradeiro, merece especial destaque a decisão prolatada pelo Juiz Federal José Sabino da Silveira, no Estado do Paraná, no Mandado de Segurança 2000.70.09.002750-6, impetrado em favor da Sociedade Esportiva Rinhedeiro Pontagrossense, que, segundo consta na inicial, há mais de 72 anos praticava a rinha de galos e repentinamente teve seu estabelecimento fechado pelo IBAMA.

            Todos os argumentos expendidos na decisão constituem uma verdadeira fonte de inspiração àqueles que defendem os direitos dos animais. Transcreve-se, contudo, apenas a parte conclusiva da decisão, em razão da extrema sensibilidade do eminente magistrado:

            Em conclusão, se eu julgasse procedente o pedido formulado nestes autos estaria fechando os olhos para uma realidade cruel e, quiçá, contribuindo para que amanhã nossos filhos só pudessem ouvir o cantar de um galo em gravações, ou seja, estaria fazendo vistas grossas ao sábio conselho de MANOEL PEDRO PIMENTEL: "Levantem os olhos sobre o mundo e vejam o que está acontecendo à nossa volta, para que amanhã não sejamos acusados de omissão, se o homem, num futuro próximo, solitário e nostálgico de poesia, encontrar-se sentado no meio de um parque forrado com grama plástica, ouvindo cantar um sabiá eletrônico, pousado no galho de uma árvore de cimento armado" (Revista de Direito Penal, 24:91, também sem o negrito no original).

            III - DISPOSITIVO

            Pelo exposto, denego a segurança e condeno a impetrante nas custas processuais. Sem honorários advocatícios.

            Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

            Ponta Grossa, 18 de dezembro de 2000.

            3.8 É errado usar animais como alimento?

            Os vegetarianistas pregam o não-consumo de carne, porque para obtê-la faz-se necessário o sacrifício dos animais, o que consideram moralmente errado. Já os adeptos do consumo da carne contra-argumentam afirmando que se os animais comem uns aos outros, não existiria razão para que os homens também não o fizessem. Aduzem, ainda, que se se buscasse eliminar os produtos de origem animal, a humanidade estaria retrocedendo.

            A questão parece não ser bem assim. Na realidade a dependência de produtos de origem animal sempre foi em maior escala quanto mais atrasada a civilização. Convém lembrar que a antropofagia era praticada nos primórdios da humanidade. Os homens das cavernas, além da carne, utilizavam as peles dos animais para se abrigarem do frio. Hoje não é mais necessário o uso de peles, pois a humanidade encontrou outras fontes de aquecimento, até mais eficazes. O uso de peles atualmente prende-se exclusivamente ao modismo e à luxúria.

            Quanto à alimentação, as técnicas de produção de vegetais e de cereais, e mesmo a engenharia genética para o desenvolvimento de novos produtos de origem vegetal, possibilitam ao homem obter todos os nutrientes necessários a uma vida saudável, sem necessidade de recorrer ao consumo de carne.

            O mais grave, porém, no costume de consumir-se carne como alimento, não é tanto a morte do animal, pois, cedo ou tarde todos os seres vivos morrem – a morte é inexorável -, mas a maneira como os animais são criados e abatidos.

            Além de serem mortos de forma cruel para servirem de alimento, os animais criados para consumo vivem vidas miseráveis. As aves que se consomem hoje em dia são criadas em espaços minúsculos, com pouca ventilação, tratadas com rações enriquecidas por hormônios, que atrofiam seus corpos, criando peitos muito maiores do que naturalmente teriam, porque a demanda por essa parte das aves é maior do que a de outras. Depois, são transportadas para os abatedouros, empilhadas às dezenas em pequenos caixotes, pisoteando-se umas às outras, muitas delas chegando já mortas ao destino.

            Os adeptos da carne, para justificar a criação intensiva de animais para o abate, argumentam que sem o seu consumo a humanidade passaria fome. Porém, esse também é um argumento pouco convincente, já que as grandes áreas de terras utilizadas na criação de animais – gado especialmente - poderiam perfeitamente ser destinadas ao plantio e cultivo de cereais, por exemplo, e aí a produção destes compensaria com sobra o não-consumo da carne. Além disso, convém lembrar que os animais criados em cativeiro consomem grandes quantidades de alimentos que poderiam facilmente ser destinados à alimentação humana.

            Na cadeia alimentar, os seres herbívoros são considerados consumidores primários, ou seja, do primeiro nível hierárquico. Já os que se alimentam de carne, os carnívoros, são consumidores secundários. De acordo com estudos, há uma perda de energia a cada nível hierárquico. Apenas 10% da energia de um nível são produzidos a partir do próximo nível. [57]

            Em verdade, em vez de os seres humanos se alimentarem diretamente dos vegetais, usam as plantas e os cereais para engordar o gado, as aves e outros animais, cuja carne depois consomem, num desperdício de alimento e energia.

            Igualmente não se pode aceitar o argumento de que se os animais não fossem criados para o abate eles não existiriam. Evidentemente que um boi, considerado como um indivíduo em particular, poderia efetivamente não existir, não tivesse ele sido gerado e criado para o abate, mas a espécie bovina, com certeza, existiria na face da Terra, apenas que de maneira livre, sem ser tratada como produto de consumo, como ocorre na Índia, onde o gado é sagrado.

            Não resta dúvida de que muito contribuem para a manutenção do consumo de carne as técnicas modernas de apresentação de produtos, com pratos pré-prontos, congelados, que tornam invisível ao homem o sacrifício alheio. Os consumidores não precisam mais, pessoalmente, ‘matar` o animal, limpá-lo e cortar-lhe a carne. As suas mãos estão limpas, não há sangue nelas, por isso nem percebem que para satisfazer seu paladar precisam eliminar uma vida.

            Pergunta-se, porém: o direito à vida é, afinal, um direito absoluto? Todos hão de concordar que tirar uma vida de forma intencional, por ação ou omissão, ou por negligência, imperícia e imprudência, é errado. A morte só se justifica em duas circunstâncias: defesa própria ou de outrem e estado de necessidade.

            As pessoas que vivem nos grandes centros urbanos não têm necessidade de consumir carne, podem perfeitamente substituí-la, com muito mais vantagens, por produtos de origem vegetal. Em compensação, um esquimó, que vive no Alasca, não pode ser moralmente condenado por abater um animal para se alimentar. Lá não há outra alternativa. Nesse caso, o sacrifício animal é plenamente justificável.

            Com certeza, a evolução da espécie humana transformará o homem em um ser puramente vegetariano. Essa é uma questão intrínseca à evolução não só humana, mas de todos os seres vivos. Os cientistas afirmam que os pandas (ursos da China) há milhões de anos eram, como todos os de sua espécie, carnívoros. Com o crescimento da população chinesa e o conseqüente incremento na demanda de terras para o cultivo de lavouras, esses bichinhos viram seu habitat natural reduzir-se gradativamente, a ponto de serem obrigados a viver em regiões cada vez mais altas nas grandes montanhas da China. Com a escassez de presas nos invernos rigorosos nas montanhas chinesas, os pandas sofreram um processo de adaptação: passaram a consumir as folhas tenras do bambu, hoje sua única fonte de alimento. Como as folhas de bambu são fontes pobres em proteína, os pandas passaram a não mais hibernar, como fazem seus parentes polares e americanos, ante a necessidade de se alimentarem constantemente. [58]

            Também os cães e os gatos, quando selvagens, são exclusivamente carnívoros. Quantos deles em nossos lares não passaram a consumir frutas, verduras e cereais? O consumo de carne constitui apenas uma questão de hábito, de costume, de gosto e cultura, sendo assim plenamente dispensável, pelo menos nas regiões menos inóspitas do planeta, nas quais a agricultura é perfeitamente praticável.

            3.9 Animais: nossos colaboradores

            A história da humanidade certamente não seria a mesma, não fosse a presença na Terra dos animais. Desde os tempos mais remotos, os animais têm contribuído, de alguma forma, para o desenvolvimento do homem. O homem pré-histórico sobreviveu graças aos animais: sua carne era usada como alimento e sua pele como abrigo no frio. Sem os animais, a espécie humana teria perecido.

            Depois, pouco a pouco, os seres humanos descobriram outras formas de utilização dos animais. Os eqüídeos, a exemplo do que ainda hoje ocorre nas áreas rurais, passaram a ser utilizados como meio de transporte e força motriz. Também do sofrimento dos cavalos obtém-se a vacina antiofídica, que salva vidas humanas da morte por envenenamento decorrente de picada de cobras e outros animais peçonhentos. O processo de fabricação do veneno, como relata Edna Cardozo Dias, é tormentoso:

            [....] consiste em se injetar veneno de cobra, escorpião ou aranha em cavalos, para a produção de anticorpos. O impacto do veneno é tão forte que ele precisa ser recebido em três dosagens. Os cavalos são amarados em um tronco, sem chances de defesa, e recebem em dias alternados as doses do veneno. Cheios de dor, arrastam-se até o cercadão, onde descansam alguns dias e voltam ao tronco para serem sangrados. Alguns dias de descanso e recomeça o martírio, que só termina com a morte do animal. [59]

            As vacas e cabras, por sua vez, fornecem o leite, fonte de vida que alimenta tanto os recém-nascidos, quando as mães não os podem amamentar, como crianças, adolescentes, adultos e idosos. Dessa riquíssima fonte de alimento derivam todos os produtos do gênero laticínio: queijo, manteiga, nata, iogurte, requeijão, etc. Até os seus dejetos são largamente utilizados, quer como adubo natural, quer como componente de argamassa, para a construção de casas de barro, ou mesmo como combustível, para serem queimados depois de secos. Em muitas regiões, o gado também é utilizado como força motriz para arar a terra, mover moinhos, pilões, etc.

            As galinhas, a seu turno, oferecem-nos seus ovos, outra importante fonte de alimento, e também suas penas, para a confecção de travesseiros e acolchoados, que abrigam os humanos nos invernos rigorosos. Até os seus excrementos são adubos naturais bastante eficazes.

            Das ovelhas retira-se a lã utilizada na indústria do vestuário. As abelhas nos presenteiam com o seu néctar - o mel – além do própolis, poderosíssimo antibiótico natural, e a cera. Do bicho da seda obtém-se os fios para a confecção desse finíssimo tecido. Na Tailândia, os elefantes transportam toras de madeira há anos.

            Os cães, além de guardarem a propriedade contra intrusos, sejam eles humanos ou animais, são, sem dúvida os melhores amigos do homem: auxiliam na locomoção de pessoas deficientes físicas e visuais; na busca e salvamento de pessoas perdidas ou soterradas em avalanches e terremotos. São, ainda, reconhecidamente grandes pastores. Devido à sua grande capacidade olfativa, os cães atualmente têm sido utilizados até mesmo para detectar o transporte de drogas e de material explosivo.

            Os gatos, a par da companhia que proporcionam aos humanos, afastam das casas os roedores, grandes transmissores de doenças. A eliminação da população felina provoca um desequilíbrio, infestando as cidades de doenças transmitidas pelos ratos, como a leptospirose..

            Os pássaros deleitam-nos com sua beleza e seu cantar, mas também, a exemplo de alguns insetos, são semeadores e polinizadores, contribuindo para a preservação do meio ambiente, que o homem insiste em depredar.

            Apesar de toda a contribuição que os animais trazem e já trouxeram ao desenvolvimento da civilização, o ser humano tem sido capaz de atraiçoá-los maltratando-os, mutilando-os, usando-os para testar produtos químicos, biológicos, e atualmente até implantando genes modificados, para testar seus resultados.

            Mister se faz que a humanidade se conscientize de que não é dona do planeta, mas apenas uma das milhares de espécies nele existentes e que, por isso, deve viver em comunhão com os outros seres vivos. As outras espécies vivas já existiam na face da Terra antes de o homem surgir e certamente muitos outros continuarão a existir, depois que a raça humana for extinta.

            3.10 Abandono de animais

            Os seres humanos têm-se tornado, principalmente nas últimas duas décadas, criaturas cada vez mais individualistas e solitárias, por isso muitas vezes só encontram segurança e conforto na companhia de animais. Em razão disso, mesmo sem o uso dos códigos da comunicação verbal humana, os animais, com suas manifestações de afeto e de companheirismo, vêm ganhando cada vez mais espaço na vida dos homens.

            E esses bichinhos exigem cuidados especiais. Por isso, as lojas especializadas em comércio de animais de estimação, as chamadas pet shops, transformaram-se, na última década, num grande negócio. Os especialistas dizem que os lucros não param de crescer. Segundo noticiou o jornal Estadão de São Paulo, do dia 6 de novembro de 2001, o presidente da Associação dos Revendedores e Prestadores de Serviços ao Mercado Pet – ASSOFAUNA- Francisco Venturi Regis, estimava que naquele ano o mercado de animais de estimação movimentaria cerca de US$ 750 milhões ao ano.

            Além dos animais em si, há toda uma série de produtos que são fabricados para a satisfação e o conforto dos bichinhos de estimação. A linha de alimentos para cães e gatos fatura anualmente enormes somas. De acordo com estimativa do presidente de ASSOFAUNA, "só em ração especial para animais de estimação há um movimento de US$ 624 milhões".

            Os produtos de higiene, limpeza, vacinas e medicamentos são outra fonte inesgotável de dinheiro. Além disso, criou-se toda uma rede de serviços em torno dos animais de estimação, especialmente cães e gatos: surgiram clínicas veterinárias, serviços de banho e tosa, de manicure, de hospedagem, de acasalamento, de acompanhamento.

            Até serviço de táxi já está à disposição dos animais. Eduardo Almeida Passeri, em entrevista ao jornal Estadão, disse que precisou transportar seus cães entre Cotia e São Paulo, mas teve dificuldades em encontrar quem fizesse o transporte. Por isso teve a idéia de montar esse serviço, passando a faturar cerca de R$ 700,00 por mês.

            Infelizmente, na mesma proporção em que cresce o número de animais de estimação, aumenta o de animais abandonados. Muitas pessoas, movidas por impulso, adquirem um animal de estimação, no mais das vezes ainda filhote, ou porque estão solitárias, ou porque o bichinho é bonitinho, ou porque as crianças pediram, mas depois, no primeiro problema que surge, não fazem a menor cerimônia em descartar o animal. Jogam-no fora, o abandonam.

            É muito comum ver que cadelas ou gatas com ninhadas inteiras são jogadas nas ruas, descartadas. Segundo estimativa das entidades protetoras dos animais, existe hoje no País cerca de 25 milhões de cães e 11 milhões de gatos, e a tendência é que esse quadro fique cada vez mais caótico, pois enquanto uma mulher é capaz de gerar um único filho por ano, uma cadela gera 15 cães e uma gata, 45 filhotes.

            Preocupadas com o crescimento da população de rua desses animais, muitas entidades protetoras dos animais lançam campanhas de esterilização em massa. No Rio Grande do Sul, por exemplo, atuam no controle populacional de cães e gatos por meio de esterilização entidades como o IMEPA – Instituto Metropolitano de Proteção aos Animais, a ARPA – Associação Riograndense de Proteção aos Animais, a UDEVA – União de Defesa da Vida Animal, SOAMA – Sociedade Amigos dos Animais, SOS Animal – Associação Pelotense de Cidadania, GABEA – Grupo de Apoio e Bem-estar Animal, Clube Amigos dos Animais de Santa Maria. Em Santa Catarina destacam-se ACAPRA – Associação Catarinense de Proteção aos Animais e a Sociedade Animal. Em São Paulo, dentre outras, atuam a ANIMA, a Animais do Quintal de São Francisco, a AILA – Aliança Internacional do Animal, a Associação Protetora de Animais São Francisco de Assis, Associação Vida Animal – Cães e Gatos sem lar e a UIPA – União Internacional de Proteção aos Animais.

            Também os municípios têm legislado sobre o tema da superpopulação de animais de rua, às vezes de forma truculenta, como foi o caso do município de Florianópolis. A Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal da Saúde e Bem Estar Social da Capital do Estado de Santa Catarina, com base na Lei Municipal nº 1.224 – Código de Posturas do Município - pretendeu pôr em prática o sistema de apreensão e sacrifício de cães capturados nas ruas. A referida lei, acerca do tema, dispõe:

            Art. 98 - Todos os proprietários de cães são obrigados a matriculá-los na Prefeitura Municipal, pagando a taxa prevista em Lei.

            Art. 99 – Para cada cão matriculado o proprietário fornecerá uma coleira e/o respectivo açaino, sendo gravado na coleira o número da matrícula.

            § 1º- É proibida a permanência de cães nos logradouros públicos, sem que traga açaino e coleira com o número de matrícula.

            § 2º - Os cães de vigia ou de caça, nem mesmo açainados, poderão permanecer nos logradouros públicos.

            Art. 100 – Os cães encontrados nos logradouros públicos fora das condições do artigo anterior serão apreendidos e levados para o depósito municipal ou para o Biotério da Universidade Federal de Santa Catarina, sendo mortos se não forem reclamados no prazo de 3 (três) dias e os não matriculados se não forem reclamados dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas.

            § 1º- Os cães de raça não reclamados no prazo de 3 (três) dias serão levados a leilão, como o disciplinado neste capítulo.

            § 2º- Os donos de cães retirados do depósito ficam sujeitos ao pagamento de multa 1/10%º de SM, além das despesas de depósito e recolhimento dos tributos devidos.

            § 2º - Os cães portadores de moléstias serão mortos, e, se matriculados notificados os proprietários.

            Conforme amplamente noticiado na época em que a Prefeitura de Florianópolis pretendeu implementar a lei, os cães recolhidos eram sacrificados através de métodos cruéis, o que ensejou a Ação Civil Pública [60] proposta pelo Ministério Público, na pessoa do Procurador Dr. Antonio Carlos Brasil Pinto, litisconsorciado com a ACAPRA – Associação Catarinense de Proteção aos Animais. A liminar foi concedida, impedindo-se, assim, a implementação do sistema de apreensão e sacrifício da população canina, a chamada carrocinha.

            Ao lado da esterilização gratuita ou a preço simbólico dos animais, especialmente daqueles que já se encontram nas ruas e dos que pertencem a pessoas de baixa renda, cuja prole tem grandes probabilidades de tornar-se animal de rua, o poder público, em associação com as entidades de proteção dos animais, deve promover campanhas de conscientização contra o abandono de animais, bem assim como de incentivo à adoção de animais de rua. Essas campanhas devem iniciar-se nas escolas de primeiro grau, pois se as crianças forem educadas a preservar a natureza, a não maltratar os animais e a não abandonar os bichinhos de estimação, cedo ou tarde elas conseguirão reeducar os adultos.

            Como se observou neste capítulo, as decisões judiciais reconhecedoras dos direitos dos animais vêm, mesmo que timidamente, se consolidando. A despeito de se constituir em um avanço importantíssimo, toda a jurisprudência favorável aos animais não é suficiente para garantir a efetiva observância de seus direitos. Aliás, se questões relativas aos direitos dos animais batem às portas dos tribunais, isso significa que os animais não estão tendo seus direitos respeitados.

            É por isso que se defende, neste estudo, que, antes de tudo, o respeito aos direitos dos animais deve ser encarado como uma atitude ética e moral por parte dos humanos. Os seres não–humanos devem ser incluídos nas nossas considerações morais, pois, como muito bem coloca Sônia T. Felipe:

            [...] cada vez que praticamos uma ação que exclui o outro da nossa consideração, acabamos por afirmar interesses egoístas e não racionais. Matar, torturar, destratar, causar danos físicos, psíquicos e morais são atos que confirmam o desejo de exclusão do outro. Eles fazem encolher a moralidade no sujeito que os pratica, ao contrário de afirmar nele a moralidade e de nela fundar os princípios das ações e decisões que afetam os interesses do outro. [61]


CAPÍTULO IV

OS DIREITOS DOS ANIMAIS COMO VALOR ÉTICO E MORAL

            4.1 Origem e fonte dos direitos - 4.1.1 Contratualismo - 4.1.2 Jusnaturalismo - 4.1.3 Oposição à existência de direitos naturais - 4.1.4 Direito como exigência de justiça - 4.2 O direito natural dos animais - 4.3 Seres racionais versus seres irracionais - 4.4 Superioridade da espécie humana: responsabilização pelos seus atos - 4.5 O princípio da igual consideração dos interesses de Peter Singer - 4.6 O imperativo categórico e a lei universal de Kant.

            4.1 Origem e fonte dos direitos

            O direito, segundo os estudiosos, possui diversas fontes. No Estado contemporâneo, o direito tem origem basicamente na lei ou nos costumes. Contudo, se quem dita o direito é a lei, e a lei e o costume são produtos do homem, teríamos que para cada ser humano haveria uma lei, um costume e conseqüentemente um direito específico. Como então é possível que todos os homens se submetam às mesmas leis e ao mesmo direito? Para dar conta de responder por que os homens, no mais das vezes, seguem as mesmas leis, foi necessária a construção de uma ficção: o contrato social.

            Distingue-se, aqui, dois tipos de direitos: o direito do mundo que se chamará de social, por falta de melhor definição, que é o mundo que o homem cria a partir de sua associação com seus semelhantes. As leis que disciplinam regras de trânsito, da propriedade, do comércio, da economia, das finanças, da família – instituições criadas pelo homem - são dessa espécie. Esse direito tem por fundamento o contratualismo, a subscrição de pactos, pelos quais se estabelecem direitos, mas em contrapartida, também obrigações. Por isso, só pode ser firmado por seres capazes, autônomos, dotados de discernimento e livre arbítrio. Não são direitos eternos, perenes, definitivos. Assim, a legislação que certamente em alguma época da história da humanidade disciplinou a iluminação pública pelo meio de lampiões à querosene foi revogada, sem que se tenha com isso violado direito fundamental algum.

            Mas há uma outra espécie de direitos: os direitos do homem no mundo real, enquanto ser vivo, direitos esses que nenhum governo, associação ou poder tirânico podem usurpar, pois que fazem parte da essência do homem. Esses são os denominados direitos fundamentais: direito à vida, à liberdade, à alimentação, à moradia, a ser tratado com dignidade, ou seja, não sofrer violência ou maus-tratos. Tais direitos são intrínsecos ao homem, por sua condição de ser vivo, e independem de pactos, tanto é assim que mesmo seres humanos incapazes – bebês, nascituros, alienados mentalmente, doentes terminais que não têm autonomia e não podem manifestar sua vontade – são sujeitos desse segundo tipo de direitos.

            Há uma lei anterior à leis dos homens, que regula toda vida no universo. Desde Aristóteles procurava-se o princípio primeiro, a causa primeira, geradora de todas as coisas, ou o pensamento divino que dirige todos os atos e movimentos, conforme definido por S. Tomás. Também Sófocles diferenciou as leis emanadas da natureza (direito natural) daquelas provindas do Estado (direito positivo), como atesta sua obra Antígona. [62]

            Os direitos naturais, por serem intrínsecos ao homem, não se opõem ao direito positivo; aliás, este apenas e tão-somente reconhece aqueles e os complementa. Foi assim com os direitos dos negros de não serem escravizados, o direito de igualdade das mulheres em relação ao homem, o direito dos homossexuais, para citar apenas alguns exemplos.

            Mesmo quando positivados, esses direitos tiveram, necessariamente, como base a priori uma aspiração, um desejo, um sentimento de justiça, senão de toda a coletividade, pelo menos de parte dela. Somente depois de séculos de aspirações e mesmo de luta, foi estabelecida, em lei, a abolição da escravatura.

            Enfim, o direito inerente ao ser vivo floresce primeiro na mente e nos corações das pessoas, para só depois, muitas vezes ao cabo de muita luta, virem a ser reconhecidos pela lei positiva. É nessa espécie direitos a priori que se incluem os direitos dos animais, muito embora já existam legislações que os reforcem e contemplem de forma positivada.

            4.1.1 Contratualismo

            Jean-Jacques Rousseau foi um dos expoentes da idealização da teoria do contratualismo. Baseou-se na idéia de que os homens, em estado de natureza, viviam de forma livre, senhores de si e felizes. Entretanto, admitindo que a natureza humana é egoística, os homens acabaram por perceber que, cada qual tendo a liberdade para fazer tudo o que bem entendesse, estavam sujeitos a um único poder: a força do mais forte. Para refrear tais instintos negativos, os homens estabeleceram um pacto, por meio do qual cada indivíduo renunciava a uma parcela de sua liberdade incondicional, conquistando, em contrapartida, maior segurança. Criou-se, assim, o Estado, a quem os homens entregaram parte de sua soberania, cabendo a esse ente ditar as normas e dizer o direito. O conjunto de normas estabelecidas pelo Estado constitui a lei particular, pelo meio da qual os homens, por seus representantes, estabelecem as normas de conduta na sociedade. [63]

            Pela teoria contratualista, os seres humanos estabelecem pactos de respeito recíproco: eu me abstenho de tomar pela força o que te pertence, desde que tu também respeites os meus bens.

            Assim muitos filósofos – dentre eles John Rawls e David Gauthier, como nos revela Peter Singer [64] – sustentam uma teoria ética baseada na reciprocidade e com isso, conseqüentemente, excluem os animais. Segundo a teoria da reciprocidade, se os animais não nos podem oferecer a contrapartida da nossa abstenção de crueldade para com eles, não haveria por que nos abstermos de maltratá-los.

            Essa teoria, contudo, contém uma incongruência: se tal raciocínio fosse levado até as últimas conseqüências, não haveria razão para a humanidade abster-se de praticar violências contra crianças pequenas, recém-nascidos, idosos, incapazes, deficientes físicos, alienados e loucos de todo o gênero, já que eles não podem oferecer a contrapartida da não-agressão. Assim, não só se excluiria do âmbito da conduta ética os animais, mas todos os seres humanos tidos como ‘incapazes’. Depois, gradativamente, cada pessoa alargaria o grupo dos excluídos do âmbito de sua conduta ética na proporção de suas menores inteligência, destreza, agilidade e/ou complexidade física. Exemplificando, por que me abster de praticar atos maus contra meu vizinho, se sou mais inteligente, mais ágil, mais esperto e/ou mais forte que ele?

            Ademais, como enfatiza Peter Singer, nessa concepção, "a principal razão para se celebrar o contrato ético é o interesse pessoal". De tal sorte que se assim for - segue o autor:

            [...] teremos que rever drasticamente os nossos juízos éticos. Por exemplo: os traficantes de escravos que levaram escravos africanos para a América não tinham nenhuma razão pessoal para tratar os africanos melhor do que tratavam. Os africanos não tinham como retaliar. Se fossem contratualistas, os traficantes de escravos poderiam ter contestado os abolicionistas, explicando-lhes que a ética pára nas fronteiras da comunidade e, como os africanos não pertencem à sua comunidade, não têm quaisquer obrigações para com eles. [65]

            Lembra ainda o autor que, tendo por base a teoria da reciprocidade, não haveria razão para preocupação com as gerações futuras, eis que elas não poderão oferecer a contrapartida de uma conduta ética da atual geração. Não haveria motivos de preocupação, igualmente, com lixo nuclear, por exemplo, cuja nocividade dura mais de 250 anos, se cada um dos seres existentes no planeta, atualmente, só viverá, no máximo, entre 80 e 100 anos.

            Com embasamento nas digressões efetuadas, forçoso é admitir que a teoria contratualista da reciprocidade não pode fundamentar nem embasar o agir ético do homem.

            4.1.2 Jusnaturalismo

            O jusnaturalismo propõe a existência de um direito anterior e superior ao direito posto pelo Estado, e que pertence ao homem simplesmente pela condição de sua natureza humana. Muitas foram e têm sido as críticas quanto à existência de um direito natural, que tenha origem na própria natureza das coisas, na ordem cósmica. Roberto Lyra Filho, por exemplo, afirma que "se nos aproximarmos das concepções do que é tomado como natureza das coisas, verificamos que esta é apenas invocada para justificar uma determinada ordem social estabelecida". [66] Por isso, segundo o autor, a natureza das coisas da escravidão poderia ser utilizada como justificativa pelas sociedades em que a escravatura fosse o modo de produção econômico e, portanto, a base da estrutura assente.

            Da mesma forma, enfatiza o autor, o direito natural teológico serviu muito bem à estrutura aristocrático-feudal da Idade Média, fazendo de Deus, como enfatiza Lyra, "uma espécie de político situacionista". [67]

            Foi só com a contestação burguesa da ordem estabelecida que surgiu um novo direito natural, o antropológico, no qual o homem extraía da própria razão os princípios supremos. Entretanto, chegando ao poder, "a burguesia descartou o jusnaturalismo, passando a defender a tese positivista: já que tinha conquistado a máquina de fazer leis e por que, então, apelar para um Direito Superior?". [68]

            Na verdade, enfatiza Lyra, o direito natural não é tanto imobilista, como bastante manhoso: "ele sempre deixa lugar para ‘concretizações’ em que os preceitos atribuídos à natureza, a Deus ou ao próprio esforço racional, tendem a conciliar o padrão absoluto e as leis vigentes". [69], favorecendo a manutenção do status quo. Contudo, quando as tensões sociais aumentam, quando o poder instituído mostra-se prepotente, "costuma reaparecer, com especial atrativo, o velho direito natural. Já se falou, por isso, em ‘eterno retorno’, diante da longevidade jusnaturalista". [70]

            Em razão disso - revela o autor - surge "um novo direito natural", denominado de direito natural de combate, concentrado na luta de classes e na liberação dos grupos oprimidos. Com base nesse novo direito natural de combate é que se deram os conflitos de grupos, permitindo às minorias exigir o direito à diferença.

            Assim, mesmo na concepção jusnaturalista, analisada sob esse novo enfoque, o direito natural não é um direito estanque, fixo e eterno. Ele muda conforme mudam as sociedades; transforma-se de acordo com a evolução moral e intelectual humana.

            Aristóteles, tido como o grande filósofo do direito natural, estabelecia distinção entre lei particular e lei comum. A particular é aquela que cada povo dá a si mesmo. Lei comum é aquela que pertence a todos os homens, "pois que todos sabemos, por natureza, o que é justo ou injusto". [71]

            Universalmente conhecida é a passagem em que Antígona, da peça de Sófocles, evoca leis imutáveis e não-escritas, que não nasceram hoje nem ontem, que não morrem e que ninguém sabe de onde provêm, para enterrar seu irmão Polinices, [72] ainda que pela lei dos homens fosse proibido fazê-lo.

            O direito natural, apesar das diversidades de correntes que surgiram, tem como princípios: a) a imutabilidade de certos direitos pertencentes aos homens; b) a universalidade desses direitos, atingindo todos os seres humanos só por esse fato; c) o acesso a esses direitos por meio da razão, intuição ou revelação.

            Propõe a teoria do direito natural que o direito positivo não faz outra coisa senão qualificar as condutas como justas ou injustas, segundo os padrões naturais, dados pela razão, fazendo com que o Direito Positivo se aproxime da Moral.

            Dessa forma, algumas teorias éticas afirmam que é a natureza humana que confere moralidade às pessoas. Nascemos incompletos, é verdade, mas nossas potencialidades nos capacitam a levar a nossa natureza rumo a mais plena realização. Por isso, "o bem moral para o indivíduo consiste em ações que o levam para mais perto do ideal possível da natureza humana. Somos obrigados por nossa própria natureza, a realizar o que é genuinamente humano em nós e evitar ações que nos desumanizem". [73]

            4.1.3 Oposição à existência de direitos naturais:

            Hans Kelsen, apesar de ter pretendido construir uma teoria pura do direito, baseada unicamente no positivismo jurídico, admite que "ao lado das normas jurídicas, porém, há outras normas que regulam a conduta dos homens". [74] A Moral é uma delas.

            Bobbio, a seu turno, também tece críticas ao jusnaturalismo - que apregoa a existência de certos direitos que decorrem da própria natureza humana, e que portanto não podem ser refutados – afirmando que esse argumento se revelou frágil como fundamento absoluto desses direitos. E o faz, por quatro motivos: 1) afirma que a expressão de direito do homem é muito vaga e sem conteúdo: são direitos que cabem ao homem enquanto homem; 2) são direitos variáveis e relativos, por isso não podem ser fundamentais. Os direitos do homem, historicamente, mudam, seja de acordo com os interesses das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização desses direitos, ou das transformações técnicas; 3) são direitos heterogêneos: a diversidade dos direitos tidos como direitos fundamentais do homem é tamanha, ocasionando, inclusive a existência de direitos incompatíveis, que não se deveria falar em fundamento, mas em fundamentos. Há alguns direitos que valem em qualquer situação e para todos os homens indistintamente: não ser escravizado e não sofrer tortura. Todavia, são bem poucos os direitos que, considerados fundamentais, não se põem em choque com outros, também considerados fundamentais; 4) há direitos antinômicos: quanto mais um avança um direito, mais diminui o outro: por exemplo, quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos, mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduos. [75]

            E conclui seu raciocínio afirmando que, o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político. [76]

            Tais observações, contudo, se referem aos direitos fundamentais dos homens, que, apesar de contratempos e obstáculos, vêm sendo razoavelmente observados. Os direitos fundamentais dos homens se encontram, em maior ou menor escala, assentados nas mentes e nos corações dos homens. Construiu-se já um complexo edifício teórico-jurídico e filosófico em favor dos direitos dos homens. Os direitos dos animais, ao contrário, estão dando os primeiros passos, por isso é de suma importância fundamentá-los.

            Pode-se, doravante, tentar buscar resposta à indagação "o que são direitos", no sentido de normas morais? São regras de ação ou omissão devidas por justiça, com conteúdo ético positivo, que podem ou não estar expressas em leis escritas. E o conceito de justiça está intrinsecamente ligado a um valor moral, a um bem, a algo que é bom, em contraposição ao mau.

            4.1.4 Direitos como exigência de justiça

            O que vem a ser justiça? Norberto Bobbio afirma que "a justiça é um fim social, da mesma forma que a igualdade ou a liberdade ou a democracia ou o bem-estar" [77]. Aponta, entretanto, uma diferença entre o conceito de justiça e os demais citados. Diz que igualdade, liberdade e bem-estar são termos descritivos, que podem ser verificáveis pelo simples confronto com a evidência empírica. Registra, ainda, que "a justiça não é uma coisa e muito menos uma coisa visível, mesmo em sentido platônico". Por isso recomenda que "deveríamos evitar o substantivo e usar o adjetivo". [78]

            Em realidade, a humanidade, desde Cícero e Ulpiano, tem-se debruçado sobre o que seja justiça, ou o direito devido por justiça, axioma anterior e superior à lei dos homens.

            Eis a famosa definição de lei natural de Cícero:

            Há uma lei verdadeira, norma racional, conforme à natureza, inscrita em todos os corações, constante e eterna, a mesma em Roma e em Atenas; tem Deus por autor; não pode, por isso, ser revogada nem pelo senado, nem pelo povo; e o homem não a pode violar sem negar a si mesmo e a sua natureza, e receber o maior castigo. [79]

            Assim, como observa André Franco Montoro, a definição de Cícero envolve cinco características fundamentais do direito natural: 1) na base das leis positivas há uma lei natural de ordem racional; 2) essa lei corresponde às exigências da natureza e à dignidade natural do homem; 3) não está escrita nos códigos, mas na consciência dos homens; 4) tem por autor o próprio Deus, criador da natureza; 5) é universal no tempo e no espaço. [80]

            Famosa igualmente é a definição de justiça de Ulpiano: "a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito". [81] Nesse sentido, o conceito de justiça envolve a consideração do outro e o reconhecimento de um direito natural pertencente a todos, indistintamente.

            Montoro ressalta ainda três sentidos de justiça: o sentido latíssimo, que significa a virtude em geral ou o conjunto de todas as virtudes; o sentido lato, também significando a virtude em geral, mas numa acepção menos ampla, qual seja, o conjunto das virtudes sociais ou em relação à convivência humana; e o terceiro sentido, o estrito, a virtude com o objeto especial [82].

            Os estudos filosóficos realizados ao longo da história acerca da justiça resultaram nos seguintes conceitos de justiça: 1) justiça distributiva: relaciona-se à repartição dos benefícios entre os membros da sociedade fundada no princípio de igualdade geométrica, ou proporcional. Seria a virtude pela qual a comunidade dá a cada um de seus membros uma participação no bem comum, observada uma igualdade proporcional ou relativa; 2) justiça comutativa: regula o escambo, as relações mercantis entre particulares, sendo fundamentada na proporção aritmética. É, assim, a virtude pela qual um particular dá a outro particular aquilo que lhe é rigorosamente devido, observada uma igualdade simples ou real; 3) justiça geral ou social, tem a ver com a virtude pela qual os membros da sociedade dão a esta sua contribuição para o bem comum, observada uma igualdade proporcional. Ou seja, trata-se do dever das partes para com o todo - dos indivíduos para com a comunidade - visando ao bem comum. [83]

            O enfoque filosófico do que seja justiça, contudo, como se observa, sempre teve como premissa norteadora a excelência e a supremacia do homem sobre os demais entes da natureza. Em razão disso, Montoro afirma que "a justiça é uma atitude de respeito às outras pessoas humanas". [84] Preconiza o autor ser "impossível uma justiça na vida animal, porque sua realização supõe conhecimento de princípios e liberdade de decisão. A justiça é uma virtude moral". [85]

            Em refutação a essa afirmação, dir-se-ia que, obviamente, não se pode exigir de um animal um agir moral, mas do fato de não se o poder exigir não se infere, obrigatoriamente, a sua inexistência. Quem pode afirmar o que se passa nos meandros de uma colméia de abelhas, no seio de um bando de macacos ou mesmo de uma manada de elefantes? Pode-se, com certeza absoluta, afirmar que entre os membros de cada um desses grupos não há nenhum agir moral? Quando uma fêmea tenta proteger seu filhote, essa ação decorre unicamente do instinto, ou ela o fez por dever? Se uma cadela dá de mamar a um gatinho que acabou de ficar órfão, esse seu agir é meramente instintivo ou há nele uma virtude?

            Também quanto à existência de relação de justiça dos homens para com os animais, André Franco Montoro mostra-se cético. Afirma que os maus-tratos impostos aos animais podem revelar maus sentimentos dos homens, jamais injustiças, pois:

            [... ] como seres de natureza diferente, o homem e o animal não podem estar sujeitos a uma relação de justiça propriamente dita, porque esta supõe uma igualdade fundamental. A noção de justiça é inaplicável às relações entre o homem e seres que não tenham natureza racional. [86]

            Para Montoro, a racionalidade ou não do sujeito da ação é que determina a qualidade desta. Se o sujeito da ação for um ser racional, a conduta humana para com ele deve ser boa; se não for racional, a conduta pode ser boa ou má, tanto faz.

            A idéia de que o homem não tem dever moral algum para com os demais seres não-humanos, na realidade, funda-se numa deformação da virtude humana: a discriminação. O racismo nega os direitos dos negros, exclusivamente com base na cor da pele. O sexismo ignora os direitos das mulheres, unicamente com base no sexo. O especismo [87] não passa de outra forma de discriminação: somente os interesses da espécie humana é que devem ser levados em conta.

            Como afirma Peter Singer, é a capacidade de sofrer e de desfrutar as coisas que constitui a condição prévia para se ter qualquer interesse. Somente quando um ser não for capaz de sofrer, nem de sentir alegria ou felicidade, não haverá nada a ser levado em consideração. E prossegue:

            É por esse motivo que o limite da sensibilidade é o único limite defensável da preocupação com os interesses alheios. Demarcar esse limite através de uma característica, como a inteligência ou a racionalidade, equivaleria a demarcá-lo de modo arbitrário. Por que não escolher alguma outra característica, como, por exemplo, a cor da pele?. [88]

            É verdade que nunca se pode sentir a dor do outro. Os humanos dizem, falam, relatam a dor que sentem; os animais não. Mas o comportamento deles é parecido com o dos humanos. Se se espeta uma agulha profundamente no braço de uma criança, ela reage, puxa o braço e chora; se se fizer a mesma coisa na pata de um cão, ele reagira de forma parecida: puxará a pata, fará ruídos de dor e poderá até tentar morder o agressor. Quem duvida que ele sente dor? Mesmo naqueles animais em que não se vê nenhuma reação – uma abelha ao ser pisoteada, por exemplo -, a dor certamente se faz presente. Os seres humanos é que ainda são incapazes de percebê-la. Quantos foram condenados pela Santa Inquisição por afirmarem que o planeta Terra não era o centro do universo?

            Todos os entes vivos dotados de sistema nervoso central são, sem exceção, seres sencientes, e assim sendo possuem direitos que lhes são inerentes em razão de sua própria natureza, bastando, para que se os reconheça, que os humanos dispam-se de pré-conceitos e da egolatria.

            4.2 O direito natural dos animais

            Os animais possuem ou não direitos que lhes são inerentes por natureza? Para deslindar a questão, imagine: se tu fosses um pássaro, que voa deslizando no céu azul num gracioso bater de asas, que pousa nas árvores verdes da mata, que encanta os ouvidos alheios com o teu cantar, que permanece dias a fio no ninho chocando, para ver nascer teus filhotes, e os alimenta; se fosses, enfim, um ser que nenhum mal causa às demais espécies, a não ser naquilo que é essencial à tua sobrevivência, acharias justa a conduta que te persegue, te prende e, por dinheiro, te vende para viveres engaiolado em espaços tão pequenos que tuas asas se atrofiam? Onde raramente podes gerar teus filhos, e se o fazes é para servirem de mercadoria também?

            O homem do mundo ocidental, com base especialmente na idéia disseminada há mais de dois mil anos pela religião católica de que foi criado à imagem e semelhança de Deus, vem-se julgando superior aos demais seres vivos do planeta. Outros fatores contribuíram e contribuem, ainda hoje, para a continuidade desse pensamento. Como bem esclarece Alessandra Nahara:

            Mas a definitiva consagração da superioridade humana frente às outras espécies talvez tenha se instalado depois que o filósofo francês René Descartes (1596-1650), um dos pais do racionalismo, cunhou a célebre frase: ‘Penso, logo existo’. Depois disso, quem não pensa, não existe. Ou pelo menos não tem nenhum direito, já que, sem poder verbalizar seu descontentamento, é mero objeto nas mãos do homem. [89]

            Para demonstrar quão errônea é a idéia de superioridade humana, calcada no fato de o homem deter o dom da fala e de modificar o ambiente em que vive, basta recordar que só muito recentemente na história do planeta é que a espécie humana o habita. Antes de o homem se ter feito presente na Terra, os animais viviam livres, seguindo unicamente as regras que a natureza lhes impunha. Por certo, algumas espécies serviam e servem de alimento para outras e, a menos que se observasse a ocorrência de algum fato extraordinário, fora do comum, a cadeia alimentar mantinha-se em equilíbrio.

            Antes de o homem habitar a Terra, à exceção de servir de alimento, uma espécie animal jamais aprisionou, subjugou ou escravizou outra. Num ambiente sem a presença humana, uma vez saciada a fome do animal carnívoro, todos os demais animais estão livres para seguir o curso de seu destino.

            Há que se reconhecer que, infelizmente, a invenção do aprisionamento, da subjugação e da escravidão, seja humana, seja animal, é obra e arte exclusiva dos autodenominados seres racionais, superiores: os humanos.

            Com tais argumentos quer-se enfatizar que, a não ser para servir de alimento à outra espécie ou por questões de sobrevivência quando as condições ambientais forem desfavoráveis, todos os animais não-humanos respeitam-se mutuamente, numa demonstração de que cada espécie reconhece na outra um ser vivo com direito à dignidade.

            Sonia T. Felipe, em seu notável estudo O sacrifício do outro, abordando a imoralidade das experiências com animais, afirma:

            Há um ser vivo, inteligente, e sensível na maioria dos indivíduos sacrificados sobre as mesas dos laboratórios. Cada uma dessas espécies, a seu próprio modo, sabe como viver bem e sabe como passar essa informação aos seus descendentes. Eles nos dispensam absolutamente. [90]

            A egolatria da espécie humana associada à ilusão que é ela que governa o mundo, por muito tempo, levou a humanidade a atribuir aos negros a condição de não-humanos, a fim de justificar a escravidão. Os negros, por isso, eram considerados coisas, bens, mercadorias, da mesma forma que os animais ainda o são. Dia virá, espera-se, que também os animais sejam reconhecidos como sujeitos de direitos.

            4.3 Seres racionais versus seres irracionais

            Os biólogos catalogaram os animais como seres irracionais e aos membros da espécie humana como seres racionais. Isso se deve ao fato de o homem ocidental [91] compreender o animal como um ser inferior. Mas também não é de todo descartável que o animal, em seu íntimo, pense que é o homem o ser inferior. E certamente o fará até com maior razão, pois, afinal, quem destrói a natureza, quem desmata as florestas, quem polui as águas, quem contamina os rios, quem acaba com a camada de ozônio, quem aniquila os próprios semelhantes e outras espécies não são os animais, mas a inteligente e racional espécie humana.

            A refutação que se faz à discriminação baseada na espécie é a de que uma catalogação do tipo: - eu sou racional e superior e você (que aliás não tem o dom da fala para contra-argumentar) é irracional e inferior -, para ser válida, imparcial, isenta e acima de qualquer suspeita, só poderia ser feita por um terceiro ente, jamais por uma das partes envolvidas. A História é testemunha de que os homens da raça branca já desenvolveram esse tipo de estratificação com relação aos negros; os nazistas, com os judeus.

            Dessarte, se o princípio da maior racionalidade e inteligência é suficiente para que uma espécie subjugue a outra, teremos que concluir que apenas as pessoas com maior QI [92] devem, necessariamente, governar sobre as demais, exercendo os cargos de comando da maneira que bem lhes aprouver. Nesse aspecto, Roberto Nozick propõe a inusitada reflexão:

            Supondo que existam seres superiores a nós em questões de racionalidade e de inteligência, admitiríamos que eles nos enjaulassem e nos sugassem, nos introduzissem seus instrumentos investigatórios e suas substâncias químicas para medir reações sequer testadas neles mesmos, a fim de servir aos seus interesses de preservarem-se vivos frente às ameaças do meio ambiente? [93]

            Também é corriqueiro afirmar-se que as demais espécies vivas, não sendo dotadas de razão e nem de capacidade de discernimento, não podem ser subscritoras de uma legislação universal, à qual não têm autonomia para cumprir em sua contrapartida. Aqui, então, vale-se da seguinte proposição: um ser humano, que nasce com deformidades físicas e psíquicas, incapaz de se comunicar, que sobrevive apenas com a ajuda alheia, pode ter seus direitos desrespeitados? Pode ser submetido à tortura, a maus-tratos ou mesmo ser abandonado, unicamente pelo fato de não ter discernimento, de não poder se comunicar, se expressar? Certamente, o consenso é de que esse ser tem direitos, não podendo ser maltratado e nem abandonado – e não é porque, segundo prega a religião católica, ele foi criado à imagem e semelhança de Deus – mas porque é um ser vivo, que sente dor, que sofre. E se assim o é, por coerência, também os animais são portadores desses direitos mínimos.

            Para corroborar a idéia de que não apenas os seres humanos são dignos de tratamento justo e ético, mas também os animais, há um método muito simples e eficaz. Basta perquirir a uma pessoa quais as razões que a levam a agir de forma ética e com compaixão em relação à outra. Certamente sua resposta não será que seu comportamento deriva do fato de os humanos terem a capacidade de se comunicarem por meio da linguagem; ou poderem planejar o futuro, ou mesmo por serem seres racionais. A resposta provavelmente será a de que sua conduta e sua compaixão derivam do fato de que os humanos podem sentir dor, sofrer, se ferir. Dessa maneira, resta evidente que também os animais merecem um tratamento justo e ético por parte dos humanos.

            Como afirmou Jeremy Bentham em seu livro Introduction to the principles of morals and legislation, não são o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do os sacrum motivos suficientes para se abandonar um ser sensível ao abandono e a mercê de um torturador. Tampouco a faculdade da razão, ou a capacidade de falar. A questão não é saber se são capazes de raciocinar, ou se conseguem falar, mas sim se são passíveis de sofrimento [94].

            É, pois, com base na sensibilidade, na maior ou menor capacidade de sentir dor, que o agir humano em relação às demais espécies deve se guiar.

            4.4 Superioridade da espécie humana: responsabilização pelos seus atos

            Ao contrário do que muitas correntes religiosas e até filosóficas pregaram, os humanos não são, em todos os aspectos, seres superiores às demais criaturas vivas do planeta. Viu-se que nos aspectos puramente sensoriais há equiparação entre as espécies, por isso os humanos não podem dispor dos animais a seu bel prazer.

            Ninguém há de negar, contudo, a existência de certas características que diferenciam os humanos das demais espécies: o uso da razão, a consciência de si mesmos, o uso da linguagem, e, acima de tudo, o agir ético, vinculado à autonomia da vontade.

            E exatamente dessa posição de supremacia é que decorre a responsabilidade humana de não violar os direitos fundamentais das demais espécies, constituindo, ainda, dever dos homens abrigar, alimentar, tratar e assistir, quando necessário, os seres incapazes, sejam eles humanos ou não.

            De outra banda, aos animais, por não deterem autonomia – quer dizer, por não possuírem a capacidade de escolher a forma como viver suas vidas, mas seguirem inexoravelmente o curso de sua natureza, de seus instintos - não pode ser atribuída nenhuma responsabilização em face de seus atos para com as demais espécies. Assim é que se um animal, ao buscar alimento, causa sofrimento a outro animal, nenhuma responsabilização, quer jurídica, quer ética, pode ser-lhe imputada.

            Como preconiza o Movimento dos Direitos dos Animais, é irrelevante que os animais não sejam capazes de conceitualizar um sistema moral e seus benefícios:

            A distinção que se faz relevante é entre agentes morais e pacientes morais. Um agente moral é um ser que possui a habilidade de conceitualização para lidar com princípios morais e usá-los para tomar suas decisões, e tendo tomado uma decisão, tem o livre arbítrio para agir de acordo com ela. Por essa habilidade, é justo que os agentes morais sejam responsabilizados pelos seus atos. O agente moral no paradigma humano é o homem ou a mulher adulta normal.

            Pacientes morais, pelo contrario, não possuem as capacidades que os agentes morais têm e assim não podem ser responsabilizados pelos seus atos de maneira justa. Contudo, eles ainda possuem a capacidade de sofrer e portanto ainda são objetos de consideração pelos agentes morais. Os bebês, as crianças pequenas, os deficientes mentais, os loucos e os animais não-humanos são exemplos de pacientes morais.

            Dado que os animais não-humanos são pacientes morais, eles são parte do universo de consideração moral, e portanto faz sentido ter a mesma consideração moral com os animais que temos com os humanos.  [95]

            Peter Singer, filósofo australiano, ao abordar a questão da diferença entre os seres humanos e os animais, lembra que a base da hipótese da superioridade dos humanos em face dos animais, em termos genéticos, foi praticamente destruída por Charles Darwin.

            Pela teoria da evolução de Darwin, todos os animais tiveram uma origem comum. Segundo consta, em 1859, Charles Darwin - naturalista inglês - publicou On the origin of species by means of natural selection, livro que estabeleceu, com clareza e rigor, a teoria da evolução, que consiste na idéia de que todos os seres vivos pertencem à uma mesma família, e que as formas complexas aparecem como evolução de outras mais simples que as precedem. As diferenças entre os membros dessa única família de seres vivos ocorrem devido ao processo que Darwin denominou de seleção natural.

            A seleção natural promove mutações: variações nas células embrionárias que dão origem à geração seguinte. As mutações favoráveis à sobrevivência do grupo são selecionadas e repetidas nas gerações futuras, dando origem às várias espécies, cada uma adaptada a seu ambiente.

            Pesquisas mais recentes relatam que o DNA dos chimpanzés difere apenas 3% do dos humanos. Diante disso, se nos aspectos meramente fisiológicas e genéticos, humanos e animais estão muito próximos, o que diferencia uma espécie da outra é sem dúvida a capacidade humana de agir de acordo com a autonomia de sua vontade.

            O ser humano, pois, tem liberdade de ação, ao passo que os animais são guiados por seus instintos. Mas a supremacia e superioridade da espécie humana, ao contrário de outorgar-lhe a prerrogativa de menoscabar das demais espécies, traz consigo uma única conseqüência: o dever do agir ético em relação a todos os seres vivos, humanos ou não. Kant de há muito já afirmara que "tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional tem a capacidade de agir segundo a representação das leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem uma vontade". [96] O ser humano, ao contrário dos animais, tem escolhas, tem opções no seu agir. Conseqüentemente, deve ser responsabilizado jurídica e eticamente, quando suas ações causarem prejuízo injustificado a outrem, seja ele humano ou não-humano.

            Por isso, há que se concluir que os seres humanos não têm direitos sobre os animais, mas apenas e tão-somente deveres para com eles.

            4.5 O princípio da igual consideração de interesses de Peter Singer

            Peter Singer, em sua obra Ética Prática, que tem um capítulo dedicado aos direitos dos animais, toma como premissa que o comportamento ético é aceitável de um ponto de vista que é, de alguma forma, universal. Afirma ele que o "Preceito Áureo atribuído a Moisés, que se acha no Levítico e foi, subseqüentemente, repetido por Jesus, diz que devemos ir para além dos nossos interesses pessoais e ´amar o nosso semelhante como amamos a nós mesmos´". [97]

            Registra em sua obra que vários filósofos a partir daí procuraram desenvolver suas teorias, afirmando ou refutando a idéia de que a ética decorre de uma lei natural universal, tendo, contudo, falhado a ultrapassagem do obstáculo à dedução de uma teoria ética a partir do aspecto universal da ética. Por isso, propõe que se aceite que os juízos éticos devem ser formulados de um ponto de vista universal. Dessa forma, enfatiza:

            [.. ] estou aceitando que os meus próprios interesses, só porque são os meus interesses, não podem contar mais do que os interesses de qualquer outra pessoa. Assim, a minha preocupação natural de que meus interesses sejam levados em conta deve – quando penso eticamente – ser estendida aos interesses dos outros.

            A partir desse raciocínio, Peter Singer cunhou o princípio da igual consideração dos interesses, pilar sobre o qual se funda a igualdade de todos os seres humanos. E mais, que sendo o princípio da igualdade de interesses uma sólida base moral para as relações inter-humanos, deve ele também ser aceito como regulador moral da relação humana com os seres não pertencentes à nossa espécie.

            Isso porque, conclui o filósofo, o especismo é tão sem propósito e sem razão quanto o racismo, a discriminação de sexo, de classes sociais, de idade, etc. Por isso enfatiza que "[....] o fato de os seres não pertencerem à nossa espécie não nos dá o direito de explorá-los, nem significa que, por serem os outros animais menos inteligentes do que nós, possamos deixar de levar em conta os seus interesses" [98].

            Em seus estudos, Singer observou que os estímulos que causam dor aos seres humanos também causam dor nos animais. Por isso, valendo-se de Bentham, reconhece que a capacidade de sofrimento é que deve conferir a um ser o direito à igual consideração:

            Se um ser sofre, não pode haver nenhuma justificativa de ordem moral para nos recusarmos a levar esse sofrimento em consideração. Seja qual for a natureza do ser, o princípio de igualdade exige que o sofrimento seja levado em conta em termos de igualdade com o sofrimento semelhante – até onde possamos fazer comparações aproximadas – de qualquer outro ser. [99]

            Se realmente o que diferencia a espécie humana dos outros animais é um maior uso da razão e da inteligência do que o deles, mister se faz que se canalize essa condição de superioridade apenas e tão-somente na busca de proteção aos seres menos dotados.

            Ninguém enaltece um homenzarrão que maltrata uma criança franzina e desprotegida. Todos hão de condená-lo moralmente, a par das conseqüências legais que possa sofrer. Da mesma forma, um ser humano, que se diz racional, só pode ser considerado um covarde sem escrúpulos ao infligir sofrimento a um animal indefeso.

            Certamente um homem jamais se atreveria a praticar crueldades contra um leão, se o encontrasse na selva, estando ambos em condições de igualdade, ou seja, utilizando exclusivamente a força física. Nem mesmo a um urso. A maldade e a crueldade humana quase sempre é praticada quando não há possibilidade de revida, constituindo por isso pura covardia.

            4.6 O imperativo categórico e a lei universal de Kant

            Immanuel Kant, filósofo alemão, indagava-se constantemente por que se age por dever (moral) e conforme o dever (jurídica) e não de forma diversa. Tratou de dar resposta a essa inquietação com a obra Fundamentos da Metafísica dos Costumes. Nela, desvenda que a vontade constitui a própria razão pura prática e é, por assim dizer, a mola propulsora da ética.

            Ensina ele que a razão vulgar, para saber o que é bom e o que é mau, segue a orientação do dever. O dever é uma lei que o homem impõe-se a si mesmo. Há no homem uma bússola de mão que orienta sua reta ação, mesmo que essa ação contrarie suas inclinações e desejos mais íntimos, por uma única razão: dever. E esse dever provém de uma lei interna, que Kant denomina máxima. Eis sua postulação:

            Não preciso pois de perspicácia de muito largo alcance para saber o que hei de fazer para que o meu querer seja moralmente bom. Inexperiente a respeito do curso das coisas no mundo, incapaz de prevenção em face dos acontecimentos que nele se venham a dar, basta que eu pergunte a mim mesmo: Podes tu querer também que a tua máxima se converta em lei universal? Se não podes, então deves rejeitá-la, e não por causa de qualquer prejuízo que dela pudesse resultar para ti ou para os outros, mas porque ela não pode caber como princípio de uma possível legislação universal. [100]

            Ao agir de acordo com conceitos derivados da vontade pura ou a priori da razão, o homem cria princípios universais que devem ser seguidos por todos. Por assim dizer, agindo eticamente o homem não age por si próprio, mas por toda a humanidade. Eis a fórmula da lei universal de Kant: "Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal". [101]

            Para Kant, só uma lei que seja universalmente válida pode dar origem a uma boa vontade incondicionada — isto é, a possibilidade de ser seguida por todo o ser racional é a única coisa que essa lei pode fornecer. Deste modo, a universalidade da lei é a fonte da imparcialidade e objetividade que caracteriza o pensamento moral comum.

            Como enfatiza Sônia T. Felipe, "Kant [...] sem se preocupar com as conseqüências das ações morais, e sim mais com a qualidade da vontade do sujeito que age, exige, na sua fórmula ética, que em nenhuma das nossas ações tratemos a pessoa do outro ou a nossa própria pessoa meramente como meio para alcançar quaisquer outros fins menos dignos da nossa natureza moral." [102] A fórmula do imperativo categórico, que Kant designa como a fórmula do fim em si mesmo, é a seguinte:

            Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como um fim e nunca simplesmente como um meio. [103]

            Ele então estabeleceu um reino dos fins, afirmando:

            Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmo, quer dizer como algo que não pode ser empregado como simples meio [...]. [104]

            Kant, contudo, elaborou sua teoria sobre o agir moral do homem partindo de uma premissa equivocada: a superioridade dos seres racionais sobre os irracionais, por isso, para ele somente os seres humanos têm um fim em si mesmo, ou seja, dignidade, enquanto os demais seres vivos têm apenas um preço.

            Os seres humanos são, efetivamente, os únicos chamados a agir moralmente, pois detêm liberdade e autonomia, têm a possibilidade de agir de acordo com a razão, mesmo que contrarie suas inclinações. Os animais – afirmam os cientistas [105] - seguem inexoravelmente o rumo de seus instintos, não podendo ser julgados moralmente pelo seu agir. Se um gato ataca um rato, essa atitude faz parte da natureza do gato e, portanto, não se lhe poderá atribuir nenhuma sanção moral.

            Mas os animais, ao contrário do que pensava Kant, não são meras coisas. São seres sencientes, que têm necessidades básicas como os humanos: fome, sede, frio, calor, etc.

            Com base na capacidade de sentir dor é que deve assentar-se uma releitura do princípio categórico de Kant, de tal forma que não somente aos seres racionais, mas a todos os seres vivos seja devida uma ação de acordo com a máxima de que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal. Por conseguinte, também o imperativo prático kantiano deve ser reescrito: Ages de tal maneira que uses a condição de ser vivo, tanto na tua pessoa como a de qualquer outro ser (independentemente da espécie) sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio. [106]

            A lei universal é, portanto, uma lei em que o homem deve se colocar no lugar do outro. É outra versão do velho ensinamento das Escrituras, que prescreve que só deves fazer ao outro o que desejas a ti mesmo. Deves te colocar no lugar do outro - seja ele um escravo açoitado, um mendigo faminto, um cão abandonado ou um cavalo maltratado - para saberes o que é ético, justo e moral. Se tu não achares justa tal ação ou omissão para contigo, não podes pretendê-la para o outro.

            Assim, basta alargar o alcance do princípio categórico de Kant, de maneira que a regra segundo a qual deves agir apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal, a fim de que a ação ética contemple não só os seres chamados humanos, mas todas as espécies vivas existentes no planeta, para concluir-se que os animais não são meros meios da vontade humana. Têm eles um fim em si mesmos e por isso dignidade. A vida é o bem supremo, independentemente do veículo em que ela se manifeste.


CONCLUSÕES

            Os animais – selvagens, silvestres ou domésticos – a exemplo do homem, são detentores de uma dignidade que lhes é própria. Assim sendo, têm direito à vida e a uma existência dignas, resguardadas as características de cada espécie. Como conseqüência desse direito, aos humanos impõem-se o dever e a obrigação, não apenas moral, mas também jurídica, de se absterem de qualquer prática abusiva, violenta, cruel, degradante para com os animais.

            Diante disso, sustenta-se que: 1) não são todos os direitos dos seres humanos que devem fazer parte do rol dos direitos dos animais. O homem, por ser dotado de razão, tem direito à educação; já para o animal, forçá-lo ao aprendizado pode caracterizar, e muitas vezes assim o é, dependendo dos métodos utilizados, maus-tratos e abuso. Por exemplo, o "adestramento" dos animais para atuarem nos circos quase sempre faz uso de métodos cruéis. 2) há uma base mínima de direitos inerentes a todos os seres vivos: direito de viver, direito à liberdade, direito de se alimentar, de saciar a sede, de proteger-se do frio, de perpetuar a espécie, de não sofrer violência ou crueldades.

            Além disso, a cada espécie, em razão de suas características peculiares, devem ser reconhecidos direitos que lhes são próprios: ao homem, porque dotado de razão e consciência, o direito de instruir-se; aos pássaros, porque dotados de asas, o direito de voarem livremente, constituindo por isso violação a esse direito engaiolá-los; aos peixes, nadar; aos macacos, pular de galho em galho nas florestas; aos animais selvagens, viver livremente na selva, constituindo obrigação da espécie humana, preservar as florestas e as matas, habitat dos animais.

            Constitui, ainda, direito dos animais que foram domesticados pelo homem, além de não sofrerem quaisquer tipos de maus-tratos e violências, serem devidamente alimentados, abrigados em ambiente salubre e adequado, não serem obrigados a trabalhar além de suas forças, receberem assistência em caso de doença ou enfermidade. Com isso, quer-se afirmar ser direito dos animais domesticados não ficarem abandonados à própria sorte, pois não mais dispõem dos instintos naturais que os capacitam a uma vida livre, em que possam prover-se a si mesmos.

            Em relação ao consumo de carne animal, dir-se-ia que há poucos milhares de anos, o ser humano vivia basicamente da caça. Gradativamente, aprendeu a cultivar a terra e passou a se alimentar também de cereais, vegetais e frutas. Embora nas últimas décadas tenha dominado a técnica da reprodução em massa de animais em confinamento, e com isso criado uma linha completa de alimentos congelados e pré-prontos, que alivia a consciência e a repulsa dos consumidores, pois não precisam cortar a carne, nem lidar com o sangue de suas vítimas, crê-se firmemente que dia chegará em que o homem tomará consciência de que não é correto alimentar-se de seus companheiros de jornada neste planeta. Compreenderá, então, que o valor de uma vida não pode ser relativizado, ele é sempre o mesmo, independentemente de quem seja o seu detentor – um porco ou um ser humano.

            Quanto à herança hebraico-judaica que conferiu ao mundo ocidental o direito de explorar aos animais, pois que Deus, ao criar o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o domínio sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a Terra, propõe-se uma interpretação diversa daquela que vem sendo deduzida. A de que o termo bíblico "domínio", ao invés de ser tomado em sua acepção jurídica "o direito de propriedade que se tem sobre bens móveis ou imóveis", seja tido como "a simples tutela ou guarda outorgada por Deus aos homens sobre os animais, com vistas à proteção destes". Nada mais.

            Conclui-se, ainda, ser um argumento bastante frágil aquele que sustenta ser a moral uma construção puramente humana e, assim, os animais, por não terem a compreensão do que significa o agir moral, não fariam jus a um tratamento ético e justo por parte dos humanos. Como contraponto a esse argumento, convém lembrar que os recém-nascidos e crianças até os sete anos de idade, bem como alienados mentalmente e pessoas em estado terminal também não têm consciência de si e não compreendem a moral, mas nem por isso se deixa de evitar o sofrimento desses entes. É irrelevante que os animais possam ou não compreender o sistema moral, o que importa é que eles têm direito a serem tratados com respeito e dignidade, pois são seres que sofrem.

            Finalmente, propõe-se que o direito como justo, como devido por justiça é a máxima que deve orientar a conduta do homem não apenas frente ao seu semelhante, mas também em relação aos demais seres vivos, de forma que se transforme em uma legislação universal. Os interesses de todas as espécies vivas do planeta devem ser erigidos como moralmente significantes para o homem.

            É a solidariedade e a sensibilidade para com todas as criaturas que torna um homem verdadeiramente humano. Já afirmava o pacifista Mahatama Gandhi que "a grandeza de uma nação e seu progresso moral podem ser julgados pela maneira com que seus animais são tratados".


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NOTAS

            01 SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo : Martins Fontes. 1998, p. 66-67

            02 Mesmo sem provas definitivas, os cientistas admitem que a vida, em sua forma mais primitiva, tenha surgido na Terra há 4 bilhões de anos. Os humanos mais rudimentares - os australopithecus africanos (macaco do sul da África) - surgiram na África num período que vai de 5 milhões a 1 milhão de anos atrás, enquanto homo erectus apareceu somente há 1,6 milhões de anos (Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, p. 86 e 460).

            03 BÍBLIA SAGRADA, Livro do Gênesis, 1-26.

            04 DUGUIT, Léon. Fundamentos do direito. Trad. Márcio Pugliese. São Paulo : Ícone, 1996, p. 11.

            05 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. São Paulo : Revista dos Tribunais. 21ª ed. 1995, p. 30.

            06 DUGUIT, Léon. Ob. cit., p. 7.

            07 MONTORO, André Franco. Ob. cit., p. 47.

            08 Idem, ibidem, p. 261

            09 ACKEL F., Diomar. Direito dos animais. São Paulo :Themis, 2001, p 26.

            10 Idem., ibidem, p.26.

            11 LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos animais – o direito deles e o nosso direito sobre eles. Campos do Jordão : Mantiqueira, 1998, p. 13.

            12 BIBILIA SAGRADA, Livro do Gênesis, 6-19 e 20

            13 ACKEL F., Diomar.. Ob. cit., p. 26

            14 DIAS, Edna Cardozo. A tutela jurídica dos animais. Belo Horizonte : Mandamentos, 2000, p. 20.

            15 Idem, ibidem, p. 22;

            16 GOLDIN, José Roberto, RAYMUNDO, Márcia Mocellin. UFRGS. Pesquisa em saúde e direito dos animais In: www.ufrgs.br/hcps, p. 4-5.

            17 Idem, ibidem, p. 5

            18 Idem, ibidem, p. 5

            19 Idem, ibidem.

            20 Idem, ibidem.

            21 NAHRA, Alessandra. A revolução dos bichos. In: www.terra.com/planetaweb/.

            22 Íntegra da Declaração em anexo.

            23 SINGER, Peter. Ética prática. São Paulo : Martins Fontes, 1998, p. 282.

            24 Íntegra da carta do chefe Seatle em anexo.

            25 Vista do espaço, a Terra poderia ser descrita como ‘o planeta azul’ por uma civilização extraterrestre. Seus membros poderiam depreender que as áreas azuis são ocupadas por água, que as calotas polares brancas são cobertas por gelo e que o planeta possui uma atmosfera na qual se deslocam imensas nuvens de vapor d’água (Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, p. 940).

            26 DIAS, Edna Cardozo. A proteção da fauna na legislação brasileira. In: http:/www.aobmg.org.br/escola.

            27 Idem, ibidem

            28 Base de dados que reúne a legislação federal brasileira. In: www.senado.gov.br

            29 Princípios éticos na experimentação com animais. In: www.meusite.com.br/COBEA/ética

            30 GOLDIN, José Roberto. RAYMUNDO, Márcia Mocellin. Ob. cit., p.1

            31 GOLDIN, José Roberto. RAYMUNDO, Márcia Mocellin. Ob. cit., p. 2-3.

            32 Segundo notícia veiculada no jornal Correio do Povo de 27-4-2002, na coluna de Armando Burd, o autor do projeto tem recebido e-mails de entidades de defesa do meio ambiente dos Estados Unidos e Austrália, demonstrando interesse no código.

            33 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo : Malheiros. 16. ed. rev. e atual. 2000, p. 38.

            34 ACKEL F. Diomar. Op. cit., p 113.

            35 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel.

            Op. cit., p. 38

            36 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 258.

            37 Fauna pode ser conceituada como o conjunto de espécies animais de um determinado país ou região (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9a. ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 727).

            38 ACKEL F., Diomar, Ob. cit, p. 61.

            39 GOMES, Orlando. Introdução ao estudo do direito, Rio de Janeiro : Forense, 12ª ed., p. 220.

            40 Quando em poder do homem, o animal se constitui como bem seu, e assim dele pode dispor, vendê-lo, dá-lo ou trocá-lo, desde que tenha qualidade e capacidade para alienar bens que lhe pertençam (SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de janeiro :Forense. 1987, vol. I, p. 153.

            41 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol.2. São Paulo : Atlas, p. 270.

            42 LEVAI, Laerte Fernando. Ob. cit., p. 70

            43 Idem, ibidem, p. 70-71

            44 ACKEL F., Diomar. Ob. cit., p. 133.

            45 O art. 593 do Código Civil dispõe que "são coisas sem dono e sujeitas à apropriação: I – os animais bravios, enquanto entregues à sua natural liberdade".

            46 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9a. ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 731.

            47 BRANDÃO NETO, João Marques. Crimes ambientais da Lei 9.605: competência federal ou estadual? In http://www.anpr.org.br/boletim/boletim13/crimesambientais.htm

            48 Em sessão realizada no dia 08 de novembro de 2000, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça deliberou pelo CANCELAMENTO da Súmula n.º 91 (Diário de Justiça da União, de 23.11.2000), cujo teor asseverava: "Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra a fauna".

            49 FELIPE, Sônia T. O sacrifício do outro. In: www.geocites.com/redeniche

            50 In: www.apasfa.org/futuro/rodeios

            51 STEFFENS, Vânia Antunes. Ética na experimentação animal. In: www.bit.uem.br/ética.htm

            52 "O trabalho de Darwin reforçou a crença na continuidade entre a evolução humana e a animal. Essa crença parecia justificar muitas teorizações a respeito da humanidade, baseadas em experimentos com animais" (Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, p. 252)

            53 GOLDIN, J. R. e RAYMUNDO, M.M. Ob. cit.

            54 Idem, ibidem.

            55 DIAS, Edna Cardozo, A tutela jurídica dos animais. Belo Horizonte : Mandamentos,. 2000, p. 111.

            56 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9ª ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 736.

            57 Nova Enciclopédia Ilustrada Folha, p. 147

            58 Esses dados foram obtidos em programa televisivo da National Geographic.

            59 DIAS, Edna Cardoso. Ob. cit., p. 234.

            60 Íntegra da petição em anexo.

            61 FELIPE, Sônia T. Ob. cit., p. 2.

            62 MONTORO, André Franco. Ob. cit, p. 298-300

            63 ROUSSEAU, J.-.J. O contrato social. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo : Martins Fontes, 1998.

            64 SINGER, Peter. Ob. cit., p. 89.

            65 Idem, ibidem, p. 90.

            66 LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. São Paulo : Brasiliense, 17a. ed., 1995, p. 39.

            67 Idem, ibidem, p. 41.

            68 dem, ibidem, p. 42.

            69 Idem, ibidem, p. 42.

            70 Idem, ibidem, p. 42.

            71 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo : Companhia das Letras, 1998, p. 35.

            72 "O rei Creon proíbe o sepultamento de Polínice, irmão de Antígona. Mas esta desrespeita a ordem recebida e sepulta o irmão, alegando que, acima da ordem positiva do Rei, devia cumprir certas leis não escritas: ‘que não são nem de hoje, nem de ontem; Têm existência eterna (ninguém lhes assinala o nascimento); Nem poderia eu desafiá-las e enfrentar a vingança divina; Por temer a cólera de qualquer homem’." (MONTORO, André Franco. Ob. cit., p. 257).

            73 VARGA, Andrew. Ética da lei natural. In : http:/eumat.vilabol.uol.com.br/leinatural.htm

            74 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo : Martins Fontes, 1996, p. 67;

            75 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro : Campus, 1992, p. 15-24;

            76 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 24;

            77 BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília : UnB, 1998, 11ª ed., p. 660.

            78 Idem, ibidem, p. 661.

            79 MONTORO, André Franco. Ob. cit., p. 258.

            80 Idem,ibidem, p. 259.

            81 Idem, ibidem, p. 259

            82 Idem, ibidem, p. 128-129.

            83 Idem, ibidem, p. 121-140.

            84 Idem, ibidem, p. 127.

            85 Idem, ibidem, p. 130.

            86 Idem, ibidem, p. 131.

            87 O especismo é a discriminação com base na espécie.

            88 SINGER, Peter. Ob. cit., p. 68.

            89 NAHRA, Alessandra. Ob. cit..

            90 FELIPE, Sônia T. Op. cit., p. 4.

            91 No oriente, especialmente na Índia, os animais ocupam posição de destaque. O gado, por exemplo, é considerado sagrado. Até mesmo os ratos são merecedores de proteção.

            92 Em Psicologia, Quociente Intelectual.

            93 FELIPE, Sonia T. Op. cit, p. 2.

            94 SINGER, Peter. Ob. cit., p. 67.

            95 Movimento dos Direitos dos Animais. In: www.vegeratianismo.com.br

            96 KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. Trad. de Paulo Quintela. Lisboa : Edições 70.2000, p. 47.

            97 SINGER, Peter. Ob. cit., p. 19.

            98 Idem, ibidem, p. 66.

            99 Idem, ibidem, p. 67.

            100 KANT, Immanuel. Ob. cit., p. 35.

            101 Idem, ibidem, p. 52.

            102 FELIPE, Sônia T. Ob. cit., p.1.

            103 KANT, Immanuel. Ob. cit., p. 69.

            104 Idem, ibidem, p. 68.

            105 Quanto à inexorabilidade do agir do animal, causou perplexidade, recentemente, no mundo científico, o caso noticiado nas redes de televisão, em que uma leoa "adotou" um filhote de cervo. Afirmava a reportagem que a adoção entre os animais não era incomum. Todos já vimos ou ouvimos falar em cadelas que adotam gatinhos, patas que aninham pintinhos, leitoas que dão de mamar para cachorrinhos, etc. Mas no caso narrado, a perplexidade era devida ao fato de a "adoção" ter ocorrido entre um predador e sua presa. Isso prova que os homens ainda não sabem o suficiente sobre a inteligência e a sensibilidade dos animais.

            106 O imperativo prático de Kant é: "Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio".


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASCHIO, Jane Justina. Os animais. Direitos deles e ética para com eles. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 771, 13 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7142. Acesso em: 28 mar. 2024.