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Homeschooling: análise ao voto do Ministro Barroso

Homeschooling: análise ao voto do Ministro Barroso

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O princípio da legalidade nos permite fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, logo, como a Constituição não a veda expressamente, haveria permissão para o ensino domiciliar? A questão envolve muita reflexão, tanto que o voto do relator restou vencido no recurso extraordinário.

Resumo: A análise foi feita com base nos argumentos apontados pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luís Roberto Barroso. O objetivo é entender se os pais e responsáveis tem, com apoio da Constituição, o direito de ensinar seus filhos em casa.

Palavras chave: homeschooling, ensino domiciliar, Direito Constitucional

Abstract: The analysis was made based on the arguments pointed out by the Minister of the Superior Court of Justice, Luís Roberto Barroso. The goal is to understand whether parents and guardians have, with the support of the Constitution, the right to teach their children at home.


1 Considerações iniciais

Em setembro de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu início ao julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 888815, o qual tratava do homeschooling, ou ensino domiciliar, com objetivo de apontar se o mesmo é constitucional.

O homeschooling é uma modalidade de ensino aplicada pela família da criança e tal prática é apoiada pelo relator do processo, o ministro Luís Roberto Barroso. Segundo este, essa modalidade de ensino é constitucional, devendo-se permitir que os familiares façam a escolarização dos entes queridos.

Apesar disso, após o voto favorável do ministro relator, o Tribunal, por maioria de votos, negou o provimento ao RE, restando vencido o ministro Barroso, sendo, desse modo, julgado inconstitucional o homeschooling.[1]

Por mais que o resultado final tenha sido o descrito, interessa-nos, aqui, promover uma análise daqueles pontos mais relevantes, para nós, do voto de Luís Roberto Barroso.


2 O voto de Barroso

Logo de início, Barroso afirma que apesar de a questão não ser nada singela, a sua demonstração pode ser feita de maneira muito simples, por meio da apresentação de algumas perguntas.

A primeira: podem os pais ou responsáveis por uma criança optarem pelo ensino  domiciliar para a educação dos filhos, ou a Constituição exige a matrícula em  instituição de ensino oficial? Há um direito de escolha pelos pais ou responsáveis ou há uma imposição estatal?

A segunda: no caso de se admitir a educação domiciliar, quais são os requisitos e obrigações a serem observados, considerando que não há lei especifica que regulamenta o ensino domiciliar?

Procurando respostas aos questionamentos postos, segundo o relator, podem ser feitas duas leituras do texto constitucional. Na primeira, pelo fato de a Constituição nada mencionar sobre o ensino domiciliar, a mesma o veda. Já na segunda, por não haver vedação expressa sobre a matéria, haveria liberdade de escolha aos pais.

Em seguida, o ministro apresenta três premissas sobre o tema. Segundo o mesmo, o Estado brasileiro é grande demais e ineficiente, e com frequência pratica políticas públicas inadequadas e sem qualquer tipo de monitoramento. Para sustentar essa ideia, aponta que os resultados da Prova Brasil, de 2017, foram desoladores. Ademais, por questão filosófica, seria mais favorável à autonomia e à emancipação das pessoas, salvo casos indispensáveis.

Adiante, o ministro, apresenta alguns motivos pelos quais os pais ou responsáveis podem optar ou optam pelo ensino domiciliar: o objetivo de conduzir diretamente o desenvolvimento dos filhos; o fornecimento de instrução moral, científica e religiosa; a proteção à integridade física e mental dos educandos; o descontentamento com a eficácia da educação pública ou privada; o desenvolvimento de um plano de ensino adaptado às peculiaridades das crianças e dos adolescentes; a crença na superioridade do método de ensino doméstico; e, por fim, a dificuldade financeira ou geográfica de acesso às instituições de ensino tradicionais.

O ministro alude, igualmente, que diante dessas motivações está a preocupação genuína com o desenvolvimento educacional pleno e adequado dos filhos. A título de exemplo, ressalta que nenhum pai opta por esse método, que é muito mais trabalhoso, por preguiça ou capricho. Visto isso, há razões relevantes e legítimas para que seja respeitada essa opção pelo Direito Constitucional.

Difunde, também, que em todo o mundo, e em especial nos países desenvolvidos, a educação doméstica tem aumentado de maneira significante. Dentre esses países cita o Reino Unido, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, a França, o Taiwan e os Estados Unidos da América.

Segundo Barroso, o número de aderentes varia entre 6.000 e 1.800.000 crianças e adolescentes, sendo este último, dos Estados Unidos da América.

No Brasil, embora não existam estatísticas oficiais, de acordo com a Associação Brasileira de Educação Domiciliar, há cerca de 3.200 famílias adotando o ensino domiciliar.

Luís Roberto Barroso aduz, também, que nos Estados Unidos da América, a regulamentação do ensino doméstico varia desde a desnecessidade de notificação ao órgão de educação, até o acompanhamento regular do desempenho acadêmico por meio de avaliações periódicas.

Voltando aos aspectos constitucionais referentes à matéria, Barroso oferece resposta à sua indagação inicial, afirmando que o art. 208, § 3º da Constituição Federal se aplica aos pais e responsáveis que adotam o ensino formal. Entretanto, a lei não exclui a educação domiciliar. Sendo assim, não haveria impedimento legal para a prática dessa modalidade educacional.

Adiante, salienta que o item três do art. 26 da Declaração Universal de Direitos Humanos prevê que os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de educação que será ministrada aos seus filhos, não proibindo, portanto, a educação domiciliar. Segundo Barroso, essa opção também não é vedada pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Por fim, o ministro assevera que é constitucional a prática de ensino domiciliar (homeschooling) a crianças e adolescentes, em virtude da sua compatibilidade com as finalidades e os valores da educação infantojuvenil expressos na Constituição Federal de 1988 e que sua regulamentação é possível.

Referida regulamentação deve ser feita de modo a evitar eventuais ilegalidades, garantir o desenvolvimento acadêmico das crianças e adolescentes, e avaliar a qualidade do ensino até que seja editada legislação especifica sobre o tema, com fundamento no art. 209 da Carta Magna. Para tanto, devem ser seguidos, todavia, alguns parâmetros.

O primeiro, no sentido de que os pais e responsáveis devem notificar às secretarias municipais de educação sobre a sua opção educacional para com seus filhos, de maneira que haja um cadastro e registro das famílias que adotam o ensino domiciliar naquela região.

Em segundo lugar, os educandos domésticos devem ser submetidos às mesmas avaliações periódicas (bimestrais, trimestrais ou semestrais) aplicadas aos demais estudantes de escolas públicas ou privadas. Assim, a criança ficará submetida à avaliação por parte do Estado.

Como terceiro parâmetro, pontua que as secretarias municipais devem indicar a escola pública em que a criança irá prestar suas avaliações periódicas, com preferência aos estabelecimentos de ensino mais próximos à sua residência.

Em quarto lugar, as secretarias municipais podem compartilhar as informações do cadastro com as demais autoridades públicas, como o Ministério Público, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e/ou o Conselho Tutelar. Isto é, admite-se o monitoramento do ensino domiciliar.

Por fim, em quinto lugar, em caso de comprovação de deficiência na formação acadêmica da criança ou adolescente, verificada por meio do desempenho nas avaliações periódicas anuais, cabe aos órgãos competentes promover a notificação dos pais e, caso não haja melhoria do rendimento nos testes periódicos, determinar sua matrícula na rede regular de ensino.

Posto isso, Barroso conclui suas ponderações expondo que a partir dessas regras, ficam conciliados os diferentes interesses dos pais, que podem escolher o método educacional dos seus filhos e do Estado, por verificar se o ensino domiciliar está sendo efetivo, por meio de seus órgãos, dando, por derradeiro, provimento ao Recurso em análise.[2]


3 Considerações finais

Refletindo-se sobre a análise da primeira indagação feita pelo ministro Barroso, vale pensar se a Constituição proíbe a prática do homeschooling.

Como sabemos, o princípio da legalidade nos permite fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, logo, como a Constituição não a veda expressamente, haveria sua permissão? A questão envolve muita reflexão, tanto que o voto do relator restou vencido no Recurso Extraordinário em apreço. De toda maneira, algumas facetas podem ser exploradas.

Primeiramente, pela análise do voto, pode-se considerar que seu autor busca uma forma de resguardar os interesses dos pais que zelam pelos filhos, não se podendo negar que a maioria esmagadora das escolas é repleta de determinados males como, por exemplo, a violência física e/ou a psicológica, a precariedade do ensino e a dificuldade de locomoção em seu acesso.

Posto isso, quem teria a real obrigação e a autoridade para escolher o que é melhor para as crianças e adolescentes? Entendemos que pais zelosos saberão o que pode ser melhor para seus filhos nesse momento de suas vidas.

Em segundo lugar, os alunos “escolares” ou “domiciliares” deveriam ter os mesmos métodos avaliativos e, caso os educandos falhassem nos respectivos exames, os mesmos deveriam ser matriculados no ensino escolar. Isso, da nossa percepção, harmonizaria os interesses envolvidos e motivaria os pais a se dedicarem mais ao ensino dos filhos, causando, talvez, até a desistência por aqueles quanto à aplicação do estudo domiciliar.

Em terceiro lugar, o tamanho do Estado brasileiro e a disfuncionalidade que isso causa pode ser um indício de sua ineficiência, tanto que os resultados da Prova Brasil não apresentaram nada de extraordinário, pois a precariedade da nossa educação é conhecida por todos minimamente ligados à realidade posta.

Em quarto lugar, acreditamos, como Barroso, que o ensino domiciliar pode ou não ser a melhor opção, mas o julgamento não nos cabe.

Concluindo as reflexões, em grande medida, simpatizamos com os argumentos de Barroso, notadamente, nos quadros de que os pais possuam autonomia para gerir a educação de seus filhos e podem fazê-lo de forma eficiente. Todavia, visualizamos algumas problemáticas. Quais seriam os efeitos da privação da criança e/ou adolescente do convívio escolar, no sentido de coabitar num estabelecimento de ensino, de troca de informações, de feitura de amizades, de busca ou implementação pela/da tolerância, entre outros? A criança se sentiria superior às demais, uma vez que seus pais lhe transmitiriam, talvez, a ideia de aprender melhor que as outras? E na fase adulta, a pessoa que passou pelo homeschooling saberia conviver em sociedade, respeitando as opiniões alheias, sendo aberta ao debate, à busca de consensos e às normas mercantis? Certo é, esses problemas já são altamente verificados com a adoção da educação tradicional, o que promove impedimentos à consecução da autonomia e da emancipação das pessoas.


4 Referências

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 888815. Rel. Min.Luís Roberto Barroso. Decisão em: 12/09/2018.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias do STF: STF nega recurso que pediareconhecimento de direito a ensino domiciliar. Disponível em:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=389496.Acesso em: nov. 2018.


Notas

[1] Ver: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Notícias do STF: STF nega recurso que pedia reconhecimento de direito a ensino domiciliar. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=389496. Acesso em: nov. 2018.

[2] Sobre o voto analisado, consultar: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 888815. Rel. Min. Luís Roberto Barroso. Decisão em: 12/09/2018.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, José Onofre de Oliveira. Homeschooling: análise ao voto do Ministro Barroso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5693, 1 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71824. Acesso em: 19 abr. 2024.