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A análise da (i)legalidade de constituição de associações de proteção de veículos no sistema jurídico brasileiro

A análise da (i)legalidade de constituição de associações de proteção de veículos no sistema jurídico brasileiro

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Existe uma carência de legislação complementar específica que trate do assunto, e que o legislador necessita agir em pouco tempo, sob pena de perpetuar a discussão e manter a insegurança jurídica atual.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo discutir o questionamento à legalidade das associações de proteção veicular e seu respaldo para oferecer benefícios de proteção veicular para seus associados, a partir do regramento jurídico pátrio. A celeuma, estabelecida devido ao questionamento da legalidade da ação das associações, vem ganhando amplitude em sede de julgamentos nos tribunais brasileiros, produzindo diversas posições sobre a temática, sem que se chegue a um resultado que garanta a segurança jurídica.

Palavras-Chave: Seguro. Proteção Veicular. Legislação civil. Contrato de seguro. Associações.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 AS ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR. 2 O CONTRATO DE SEGURO. 3 A (I)LICITUDE DOS CONTRATOS DE PROTEÇÃO VEICULAR. CONCLUSÃO.


1 INTRODUÇÃO

As associações de proteção veicular surgiram há cerca de dez anos, como uma espécie de clube de benefícios, ação entre associados que partilhavam serviços e coberturas para automóveis em emergências, como guinchos, reboques, assistência em casos de panes elétricas e panes mecânicas. As seguradoras, por sua vez, tendo em vista o permanente crescimento do segmento de seguros para automóveis, além das coberturas, chamadas tecnicamente de compreensivas (colisão, incêndio, roubo), passaram a oferecer também uma série de serviços/benefícios agregados, que iam bem além dos serviços de guincho e suporte em caso de panes, e, em paralelo a essa abrangência de coberturas, estenderam suas malhas de comercialização para bancos, supermercados, agências de fomento, farmácias, etc.

Ao tempo em que se experimentou um crescimento de comercialização do seguro de automóveis acima de 10% (dez por cento) ao ano, passou-se a estabelecer mecanismos de seleção de riscos mais rígidos. Neste ponto, foram desenvolvidos critérios de aceitação, inicialmente, tendo em vista o cadastro de crédito do público alvo, negando aceitação para clientes com restrições cadastrais, ou aceitando-os com agravo no prêmio cobrado.

Diante deste contexto, o mercado, dinâmico como é, passou a buscar alternativas de proteção veicular para o público recusado pelas seguradoras, quer seja por critérios de seleção de riscos via o perfil do segurado, quer seja pela não aceitação do veículo pela idade (mais de dez anos).

Estava aberto aí um campo fértil para o crescimento e surgimento das novas associações de proteção veicular, com objetivo de salvaguardar o patrimônio do público desassistido pelas seguradoras. O movimento inicia-se pelo sul do país, mais precisamente no interior dos estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, região que com forte cultura de associativismo e cooperativismo, muito em prática no ambiente dos imigrantes europeus que colonizaram aquela região do Brasil.

Com o crescimento da atuação das associações de proteção veicular, as seguradoras começaram a sentir-se ameaçadas em seu mercado de atuação, dando início a uma verdadeira batalha, inicialmente nos órgãos de imprensa sobre o pretexto de falta de expertise das associações para atuar no segmento de proteção veicular, derivando logo em seguida para à acusação de ilegalidade das mesmas, tendo em vista os critérios adotados para funcionamento de seguradoras.

As seguradoras passaram a questionar a validade e o direito de funcionamento das associações, nominando a proteção oferecida por elas como seguro-pirata, ilegal, irregular e inseguro.

O presente artigo tem como objetivo discutir esse imbróglio, sob o ponto de vista do regramento jurídico pátrio, no que diz respeito à legalidade das associações de proteção veicular e seu respaldo para oferecer benefícios de proteção veicular para seus associados. O problema, estabelecido por conta do questionamento da legalidade da ação das associações, já chegou aos tribunais, produzindo entendimentos diversos sobre a temática. A discussão tem gerado lances de uma verdadeira batalha judicial, com as partes garantindo a certeza de suas posições, provocado um quadro de insegurança jurídica, que exige breve enfrentamento e solução.

A situação também já chegou ao Legislativo, onde hoje tramita o Projeto de Lei - PL nº 3139/2015, visando à proibição da comercialização de proteção veicular pelas cooperativas/associações. Fruto da influência das seguradoras e corretores, o PL está em pauta nesse momento e poderá provocar uma reorientação legal para essa disputa.

Por sua vez, as associações têm em seu favor o parecer exarado pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal – STF, Carlos Ayres Brito, que compreende como legal e certa a atuação das associações de proteção veicular, tendo por fundamento o princípio da livre associação, consagrado na CF de 1988, a entrega do parecer ocorreu no mezanino do hotel Bonaparte em Brasília, oportunidade em que os filiados presentes realizaram uma assembleia a fim de deliberarem sobre pauta inerente as expectativas da classe associativa.

Pelo exposto, apresenta-se a seguinte questão, se é legal a constituição de associações de proteção veicular no sistema jurídico brasileiro.

O primeiro capítulo do presente artigo tratará das associações de proteção veicular, sua origem, seus propósitos e as expectativas que trazem consigo na busca por firmarem-se como alternativa protetiva no mercado de automóveis.

O segundo capítulo trará a exposição do contrato de seguro sua previsão legal, seus objetivos e suas características.

O terceiro capítulo versará sobre a (i)licitude dos contratos de proteção veicular, opiniões favoráveis, contrárias e o imbróglio que se desenvolve por falta de uma legislação que pacifique definitivamente o tema

A metodologia utilizada no desenvolvimento do trabalho é revisão bibliográfica uma vez que a base de nossa pesquisa está fundamentada em textos e fontes de periódicos, livros, dissertações, monografias e outros artigos que tangenciam o tema.


1 AS ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEÍCULAR

As associações de proteção veicular são constituídas por integrantes da sociedade civil que, diante de dificuldades encontradas para exercerem a proteção de seus veículos, reúnem-se em torno de ente associativo, a fim de ratear eventuais prejuízos decorrentes de eventos sinistros, utilizando, para tanto, recursos captados entre os membros da instituição, tendo como base o mutualismo e o princípio da livre associação.

Tal fenômeno, relativamente recente, origina-se do conjunto de peculiaridades do complexo ambiente econômico e das demandas emergentes dos novos atores que buscam atuar neste cenário. Especificamente, o modelo pioneiro surge através das associações de caminhoneiros, que diante da não aceitação de seus veículos por seguradoras, passaram a se organizar através de associações, procurando soluções efetivas e buscando o ressarcimento de perdas e danos patrimoniais que atingiram seus caminhões.

A Federação Nacional dos Caminhoneiros e Transportadores foi a primeira entidade a discutir de forma estruturada a legalidade ou não das associações de auxilio mútuo.

Buscando responder às questões suscitadas durante a polêmica, além de tentar reduzir as indefinições e inseguranças, o Senador Paulo Paim (PT-SP), em 2012, elaborou um projeto de Lei que versa sobre o tema, o PLS 356/2012. A proposta, ainda em tramitação, visa alterar o Código Civil em seu artigo 53, permitindo que transportadores de pessoas e cargas possam se organizar em associações de direitos e obrigações recíprocas, a fim de criar um fundo próprio, desde que seus recursos sejam destinados exclusivamente a prevenção e reparação de danos ocasionados aos seus veículos por furto, roubo, acidentes, incêndio entre outros.

Com esse mesmo objetivo, tramita também o PL 4844/2012, de autoria do Deputado Diogo Andrade (PSD-MG), que propõe a alteração do Código Civil em seu artigo 53, que dispõe sobre o tema.

Os referidos projetos de Lei refletem as iniciativas das associações, evidenciando a juridicidade de suas práticas, amparadas na tutela dos direitos fundamentais e em princípios constitucionais regentes da atividade econômica.

Como pode ser verificado, as associações, nos moldes atuais, há mais 6 anos tentam definitivamente evitar que interpretações pró-seguradoras limitem o pleno e legítimo exercício de proteger os veículos de seus associados.

O modelo adotado pelas entidades associativas tem dado resultados para aqueles que se propõem a não abrir mão de mecanismos de proteção de seus bens, uma vez que o modelo tradicional, que era praticado até então, passou a não mais atendê-los em suas necessidades básicas, quanto ao ressarcimento de bens, por perdas diversas e também pelas coberturas acessórias assistenciais, como: guinchos, reparação de para-brisas, retrovisores etc.

O espaço demandado por proprietários de veículos não cobertos, ou não aceitos pelas tradicionais seguradoras, é tão grande que em pouquíssimo tempo a proliferação das entidades associativas ocorreu quase que de forma viral, passando de algumas associações no sul do país para expansão em todo território nacional, inclusive se organizando em federações e confederação, a exemplo da Agência Autorreguladora das Associações de Proteção Veicular - AAAPV, que pretende regulamentar o setor enquanto agência autorreguladora em um fórum permanente de discussão e apoio a existência legal das referidas associações.

Até alcançarem o atual modelo de organização e estrutura, é importante lembrar que as associações de proteção veicular se desenvolveram a partir da ideia de mutualismo e compartilhamento quanto ao rateio das despesas oriundas do perdimento parcial ou total de bens (veículos) dentro de um grupo de associados com objetivo comum.

A recusa das seguradoras para esse público, que se agregou com objetivo de somar esforços pelo interesse comum, somados a crescente crise de segurança pública nacional, sobretudo no quesito roubo/furto de veículos, motivou de maneira direta o surgimento das entidades, ainda no modelo mais primitivo, vez que funcionavam apenas como um caixa comum, onde, diante da necessidade de algum participante do grupo, o dinheiro ali reservado era destinado ao socorro eventual de algum membro do grupo. Contudo, a própria assertividade e a demonstração que o modelo de caixa único (fundo de reserva) funcionava, fez com que surgissem as primeiras entidades organizadas via estatuto, registros em cartórios e condições explícitas de compensação entre outras formalidades que possibilitassem a expansão orgânica e estruturada do que hoje se tornou um segmento do mercado.

A medida que se organizavam, sob o ponto de vista da existência formal, estruturaram e desenvolveram a forma de captação de associados, o modelo de pagamento de benefícios e, como não existia ainda órgão regulador, criaram autorregulamentação, a exemplo do que se faz em outros segmentos da economia, como na área de publicidade que se autorregulamenta pelo Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária - CONAR.

No caso das associações, este processo teve início em 19/12/2016, quando foi exarado parecer do ex-ministro do STF e jurista, Carlos Ayres Britto, que reconhece a licitude da regulamentação das associações. Assim, o parecer acima citado passa a ser o marco jurídico para a formação da primeira assembleia na sede da AAAAPV, que teve como objetivo debater o estatuto da agência, seu código de ética e preencher cargos diretivos da entidade.

O principal serviço exercido pelas associações funciona na modalidade rateio, na qual os prejuízos causados por colisão, furto ou perda total, são recuperados por meio de um sistema de mutualismo pelos associados. Os principais interessados são, em sua absoluta maioria, clientes proprietários de veículos não aceitos pelas seguradoras.

Virginia Laira (2017), ao tratar do assunto, apontou a similaridade com outras formas associativas, bem como a novas formas de empreendimento econômico, destacando a natureza lícita de tais iniciativas.

Outro fator que muito contribuiu para a captação de novos associados, além dos motivos já mencionados, foi a condição econômica da emergente classe C, que, com o crescimento econômico experimentado até 2014, tiveram acesso à aquisição de veículos (motocicletas e Automóveis), mas somente conseguiram proteger os bens adquiridos através das associações, tendo em vista os preços e condições de aceitação oferecido por elas. 


2 O CONTRATO DE SEGURO

O Contrato de seguro veicular se insere, em toda sua plenitude, no marco legal do artigo 757, do Código Civil brasileiro (CC), que trata do tema geral “contrato de seguro”. No referido artigo, em seguida transcrito, a legislação civil busca definir o contrato de seguro, possibilitando ver os pontos mais importantes na composição do mesmo.

Art. 757 - Pelo contrato de seguro se obriga, mediante o pagamento de prêmio, a garantir interesse legitimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados.

Parágrafo Único - Somente pode ser parte no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

Pode-se observar no marco legal do art. 757 do CC, que o legislador é claro e detalhista quanto a quem pode exercer em nosso país o papel de segurador, não deixando dúvidas quanto a isso. O CC dá sequência em outros dispositivos, ao que se chama de elementos do contrato de seguro. Quatro elementos são dispostos na legislação, que se elenca a seguir.

2.1 ELEMENTOS DO CONTRATO DE SEGURO

O primeiro elemento é o risco. O risco é o motivo do contrato de seguro, considerando que o proponente busca que o proteja, através de compromisso contratual, e por isso chega à seguradora. Essa, por sua vez, trabalha com o propósito de minorar ou afastar definitivamente as possibilidades de eventos fortuitos que possam trazer experiências negativas em razão da ocorrência do risco.

O risco, portanto, encara-se como possibilidade passível de acontecer, no futuro incerto, fortuito, independente da vontade do contratado e do contratante. Enfim, o risco remete--se a futuro, tendo em vista que o seguro, normalmente, não trabalha com a perspectiva de eventos decorridos, ou seja, eventos ocorridos, antes da existência pactual do contrato de seguros.

A legislação pátria, através da legislação civil, prevê que a instituição provedora das coberturas garantistas e protetivas do contrato de seguro, portanto, a seguradora deverá estar ciente do risco enfrentado e que o segurado a contrata com o intuito claro de garantir a cobertura de eventos futuros, ocorridos após a aceitação do risco e ao consequente início de vigência do mesmo.

O art. 773 do CC discorre sobre a aceitação de riscos, quando estabelece que não se inclua nas garantias do sinistro aqueles provocados por vício intrínseco da coisa segurada, quando não declarado pelo segurado (artigo 784, do CC).

Assim, como exclusão estabelecida em lei, não se pode considerar a aceitação e consequente cobertura de eventos já pré-existentes, quanto à celebração do contrato de seguro. Some-se a isso, que a percepção do risco está claramente ligada a interesses segurados ou seguráveis, uma vez que a motivação legítima em contratar as coberturas do seguro advém da necessidade de eliminar ou reduzir perdas em função do risco.

Os riscos cobertos, por sua vez, devem ser objeto de claro detalhamento no contrato de seguro, assim como as exclusões de coberturas, ou coberturas não contratadas, que também devem ocupar espaço em destaque.

Observa-se que a obrigação da seguradora é composta dos riscos descritos no contrato de seguro, que deverão ser expressamente evidenciados em seus limites e particularidades, nas condições gerais (contrato) não se obrigando por eventuais coberturas fora do acordado contratualmente.

O segundo elemento é o “interesse segurável”. O Interesse segurável é também componente importante do contrato de seguro, uma vez que é por ele que se contratam garantias. Aquele que se interessa por contratar um seguro tem interesse de fato legítimo, e em alguns casos também econômico, em minorar perdas decorrentes de danos que eventualmente recaiam sobre bens em risco.

Observa-se, assim, que o interesse não é uma coisa em si, ele na verdade é relação que se estabelece entre o contratante e seu bem. Expor a risco é considerar que o bem, em tese, possa perder-se, extinguir-se, deteriorar-se ou sofrer limitações, como ocorre com a vida.

O terceiro elemento é a garantia. A garantia é o que obriga a seguradora com relação ao legítimo interesse do contratante. É ela, a garantia, quem de fato assegura que o bem em risco está protegido. Em suma, ela ratifica a proteção do legítimo interesse, do interesse genuíno.

Naturalmente, as garantias devem estar previstas em contrato, conforme o estabelecido no art. 760 do CC

Art. 760. As apólices e bilhetes de seguro serão nominativos a ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia, e o prêmio devido, e, quando for o caso o nome do segurado e do beneficiário

Lembrando que é importante ressaltar que nos contratos de seguro as coberturas protetivas, fruto da garantia, somente serão devidas nos casos que o segurado não esteja em atraso do pagamento dos prêmios estabelecidos quando na ocasião de sinistros.

O quarto elemento é o “prêmio do seguro”. A palavra “prêmio”, normalmente remete a algo que se conquista ou que se ganha como fruto do reconhecimento por algo feito, por uma conquista. Prêmio, na linguagem técnica de seguros, trata-se da obrigação que o segurado adquirente do contrato de seguro se compromete pecuniariamente para fazer jus à garantia que pretende ter da contratada, seguradora.

O prêmio é fixado tendo em vista o risco, o prazo de duração do seguro, o valor do bem segurado ou a importância segurada e dados estatísticos específicos que balizam o seguro em questão. A seguradora deve ser uma empresa constituída e legalmente habilitada para exercer a atividade seguradora nos termos do art. 757, parágrafo único, do Código Civil. O Decreto-Lei nº 73/66, em seu art. 24, prevê que somente pode operar com seguros as sociedades anônimas e as cooperativas, e o mesmo decreto aponta as sociedades seguradoras como integrantes do sistema de seguros privados, disciplinando a forma da autorização para seu funcionamento.

No intuito de evidenciar no presente artigo os detalhes mais pormenorizados do contrato de seguros, é importante citar as partes do contrato de seguro e quais as peculiaridades de cada uma delas.

Assim, chama-se de “estipulante” a pessoa física e/ou jurídica que contrata o seguro objetivando atender a terceiros, que podem ser equiparados a proponentes ou descritos como beneficiários. O estipulante representa oficialmente os anseios do corpo de segurados, junto à sociedade seguradora.

O segurado, por sua vez, é aquele que possui genuíno interesse. Ele é o titular interessado na segurabilidade relativa à pessoa ou coisa. A seguradora tem o papel oposto ao do segurado, à medida que é ela quem concede a garantia, desenvolve a nota técnica do produto do seguro e para tanto deve estar habilitada nos termos da legislação vigente, sendo constituída como sociedade anônima para este fim.

O proponente é o titular do interesse que se refere à pessoa ou coisa, devendo ser plenamente capaz de assumir e exercer os atos da vida civil, podendo assinar propostas de seguro, sob pena, em caso contrário, de tornar nulo ou anulável seu ato. O proponente figura como beneficiário, segurado ou estipulante e, finalmente, beneficiário é aquele a quem se destina a garantia, podendo ser pessoa física ou jurídica.

As partes envolvidas no negócio jurídico de seguros assumem compromissos obrigacionais inerentes ao contrato. Ou seja, aquele que contrata o seguro obriga-se a pagar os prêmios devidos, enquanto a seguradora compromete-se em conceder a garantia contratada, objeto do seguro.

O pagamento do prêmio é de obrigação do proponente ou segurado, entretanto, existem situações em que um terceiro interessado pode vir a ser o responsável pelo pagamento do prêmio, tendo em vista o interesse legítimo recair sobre o risco, que poderá causar danos ao patrimônio pessoal ou material de outro.

Neste caso a obrigação passa a ser de quem contratou o seguro, tendo em vista a sua responsabilidade no caso concreto.

Importante frisar, na forma do art. 763 do CC que “não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes da sua purgação”

O pagamento do prêmio do seguro mostra-se mais uma vez importante, quando através do mesmo, na ausência da apólice ou bilhete, servirá como garantia da existência do contrato de seguro, conforme estabelecido no art. 758 do CC, o qual estabelece que “o Contrato de seguro se prova com exibição da apólice ou bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do referido prêmio”. Ora, o art. 758 do CC evidencia a possibilidade do segurado/proponente, consumidor, fazer prova da existência do contrato de seguro, sem depender exclusivamente da apólice ou bilhete.

O direito civil pátrio classifica os contratos em (i) unilaterais, (ii) bilaterais, (iii) onerosos ou gratuitos, (iv) comutativos ou aleatórios, (v) nominados ou inominados, (vi) consensuais ou reais, (vii) solenes ou não solenes e (viii) de adesão.

Os contratos de seguro classificam-se em bilaterais, na medida em que proporcionam obrigações de parte a parte, onde a companhia de seguros obriga-se com a garantia, enquanto o segurado cumpre o dever de pagar os prêmios contratados, fazendo com que a falta de compromisso de ambas as partes, desobrigue a outra do compromisso que lhe compete.

São onerosos, uma vez que as partes pactuam compromissos tendo em vista a busca das realizações de interesses. O segurado quer a proteção de determinado interesse, ao passo que a seguradora objetiva o recebimento dos prêmios, a fim de lastrear sua reserva técnica e fazer frente a eventuais sinistros decorrentes das garantias oferecidas.

É aleatório, na medida em que existe uma expectativa do recebimento de uma indenização em caso de sinistros. No entanto, essa cobertura só se concretizará caso o sinistro seja de fato coberto. Isso se verifica independente do pagamento regular do prêmio do seguro, ou seja, a materialização da indenização se dá exclusivamente por riscos cobertos.

O aspecto solene do contrato de seguro se configura porque as partes contratam na forma da lei, manifestando-se em geral de maneira escrita, sendo aceitável como a propositura formalizada através de documentos assinados e que obedece a tempestividade do ato legal. Sua consensualidade se dá à medida que ambas as partes se manifestem na mesma direção, fazendo assim surgir o contrato de seguro.

Tem a característica de adesão, em sua maioria absoluta, excluindo-se apenas aqueles que se destinam a grandes e específicos riscos, onde o contrato é elaborado pelas partes em conjunto, mas de modo geral a seguradora desenvolve a proposta e os segurados aderem à mesma, não sendo facultada a contratante alterar, emendar ou contrapor condições.

E, finalmente, nominado, pois sua tipicidade está regulamentada na legislação pátria no artigo 757, do Código Civil brasileiro.

2.2 O CONTRATO DE SEGURO DE AUTOMÓVEL

A era do automóvel no Brasil começou em 1891, data em que chegou ao nosso país o primeiro veículo automotor, trazido da França por Alberto Santos Dumont. Seis anos mais tarde, em 1897, chegava ao Rio de Janeiro o primeiro modelo de veículo com motor a explosão, importado por José do Patrocínio, que também o adquiriu na França.

Com a chegada dos primeiros veículos no país, iniciava-se a história do transporte mecânico movido a motores com tecnologia a gasolina e/ou óleo diesel. Esse momento histórico ocorre por volta de meados do século 19, muito embora o foco até então fosse voltado para seguros vinculados ao comércio marítimo.

O seguro de automóveis surge na década de 1970, e desde seu surgimento, evoluiu bastante. Verificaram-se diversas transformações e evoluções, tanto na sua estrutura legal, quanto técnica e comercial.

O expressivo desenvolvimento do setor tem acirrado uma verdadeira batalha entre as seguradoras, exigindo cada vez mais versatilidade e desenvolvimento de produtos com serviços agregados e diferenciados, além de preços competitivos que possam agradar aos seus possíveis clientes.

O seguro de veículos automotores tem por objetivo, através do contrato de seguro, proporcionar garantias aos proprietários de automóveis ou a seus beneficiários, até o limite das garantias efetivas.

A SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), órgão regulador do setor de seguros no Brasil, através da circular 256/04, em seu art. 12, diz textualmente que “o objetivo do seguro é estabelecer o compromisso assumido pela sociedade seguradora perante o segurado, quanto às coberturas oferecidas, especificando, com clareza quais são os prejuízos indenizáveis”.

Desta forma, o seguro de auto proporciona e disponibiliza coberturas para casco do automóvel e, através desta, suporta danos ou prejuízos referentes ao veículo coberto. Na garantia RCF (Responsabilidade Civil para Danos Facultativos), objetiva reparar prejuízos causados a terceiros vitimados pelo veículo segurado, de caráter materiais ou pessoais.

As assistências compõem, também, importantes serviços disponibilizados pela seguradora, tais como guincho, assistência a panes elétricas, pane seca (falta de combustível), remoção do veículo segurado, retorno antecipado do condutor e passageiros em casos emergenciais, entre outros serviços.

Criado pela Lei nº 6.194/1974, o seguro DPVAT (Seguro de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres) é um seguro obrigatório de danos pessoais causado por veículos automotores de vias terrestres a pessoas transportadas ou vítimas de acidentes de trânsito enquanto pedestres. Seu objetivo é dar cobertura a vítimas fatais, ou não, e sua matéria é regulada pelas Leis 8.441/1992, 11.482/2007 e 11.945/2009. É importante ressaltar que essa cobertura não tem a culpa como referência. Ou seja, a indenização ocorrerá independente de quem seja a culpa do acidente.

A SUSEP, através da Circular nº 269, de 30 de setembro de 2004, define as regras para efetivação de contratos para seguros de automóveis da seguinte maneira:

(a) Valor de mercado: esta modalidade o seguro terá sua indenização balizada tendo em vista um valor de referência, de tabela acordada no contrato de seguro, sendo que a tabela mais frequentemente recorrida é a tabela da FIPE- Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, de livre acesso à população através de seu sítio eletrônico www.fipe.com.br.

(b) Valor determinado: no modal valor determinado irá prevalecer para efeito de indenização o valor que for acordado no contrato de seguro, considerando o ano do veículo, seus acessórios, opcionais, o valor constante na nota fiscal entre outras referências dispostas no contrato. É importante ressaltar que a forma de contratação não poderá sofrer alterações no decorrer da vigência, por essa razão a presença de uma acessória sempre é recomendada, objetivando dar mais equilíbrio e compensar a hipossuficiência do adquirente consumidor.

As coberturas típicas do seguro de automóvel são as seguintes, segundo artigo publicado no sítio eletrônico Bidu (s/a, 2015): Responsabilidade Civil por Danos Facultativos - RCF e Acidentes Pessoais a Passageiros - APP. As coberturas podem ser divididas entre básicas e opcionais. As coberturas básicas são voltadas mais especificamente ao próprio veículo, subdividindo-se em cobertura básica 1 e cobertura básica 2.

A cobertura básica número 1, também chamada de compreensiva, tendo o objetivo de garantir ao segurado eventuais danos causados por colisões ou danos materiais causados ao veículo, ou a sua perda total, ou seja, todos os danos, inclusive abalroamento, tombamento, derrapagem, queda acidental, submersão parcial ou total, entre outros.

Na cobertura básica número 2, o objetivo maior é compensar sinistros de roubo/furto e incêndio. Os prejuízos indenizáveis e sofridos na cobertura básica número 2 incluem ainda: explosão, raios, colisão, abalroamento e derrapagem, quando decorrentes de roubo, além de roubo ou furto total do veículo.

É importante considerar que as eventuais despesas decorrentes e necessárias ao salvamento do veículo segurado serão reembolsáveis tanto na cobertura básica 1, como na cobertura básica 2.

As seguradoras também disponibilizam em seus contratos garantias ou coberturas extras, chamadas aqui de coberturas adicionais. Estas visam aumentar as coberturas básicas ou elementares e devem constar textualmente nas propostas ou apólices de seguro, com suas limitações de amplitude assim como qual custo de cada uma delas e seu impacto junto ao prêmio do seguro. São quatro os grupos referentes a coberturas adicionais, conforme descreveremos a seguir.

O primeiro grupo é voltado para acessórios do veículo segurado, garantindo, quando contratado, cobertura para equipamentos de som e vídeo instalados no veículo de forma definitiva e estarão cobertos contra sinistros parciais e independente do roubo ou furto do veículo. Para efeito de sua validade, basta que o roubo ou furto alcance apenas o acessório em questão, para possibilitar o uso da cobertura contratada.

O segundo grupo trata de serviços disponibilizados ao segurado, tais como danos aos vidros, lanternas, faróis, e lentes dos retrovisores, assistência 24 horas a veículo e passageiros e, por fim, carro reserva em caso de sinistro coberto pela apólice.

O terceiro grupo das coberturas adicionais, referindo-se à cobertura para despesas extraordinárias, diárias por indisponibilidade do veículo ou perda do faturamento. No caso de lucros cessantes por perda de faturamento e indenização, ocorrerá em moeda nacional e deverá compensar exclusivamente a perda decorrente da paralisação do veículo segurado de utilização profissional. Essa cobertura deve constar na apólice com indicação dos valores e quantidade das diárias contratadas.

O quarto grupo trata da ampliação dos limites de cobertura e refere-se, exclusivamente, à amplitude geográfica do seguro. No caso de seguros contratados na modalidade valor de mercado referenciado, as coberturas poderão ser dadas também em todos os países do MERCOSUL.


3 A (I)LICITUDE DAS ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR NO REGIME JURÍDICO PÁTRIO

A questão da ilicitude da atividade de proteção veicular no Brasil tem provocado uma verdadeira batalha, com todas as nuances que compõem uma disputa por um espaço no mercado-alvo deste segmento da economia, onde se inserem as seguradoras e, mais recentemente, as associações de proteção veicular.

O início das atividades das seguradoras no ramo de seguros de auto verifica-se na década de 1970, momento em que a demanda de consumo de veículos sofreu um pico de produção até então não observado no mercado brasileiro. Naquela década, verificava-se o que foi chamado de milagre econômico e a nossa economia crescia a índices nunca experimentados anteriormente, inobstante o custo social e político que provocava, em pleno regime ditatorial.

O crescimento do setor automotivo e o desenvolvimento social e econômico trouxeram consigo o aumento dos índices de criminalidade, típico de países em desenvolvimento ou de terceiro mundo, sobretudo porque não veio acompanhado de equilíbrio social, investimento em educação e distribuição de renda.

A composição de crescimento econômico não-sustentável, má distribuição de renda, explosão demográfica e êxodo rural, dentre outros problemas estruturais, possibilitou o desenvolvimento do setor de seguros de automóveis, haja vista o bem automóvel se tornar visado e desejado por todos, iniciando assim um até então um novo modal de crime específico: furto e roubo de veículos, tanto para a aquisição de veículos por valores muito abaixo do mercado, pois era fruto de roubo e furto, quer seja para o desmanche e a venda de peças no mercado de reposição de forma irregular através dos ferros-velhos ou sucatas.

Há de se registrar, que o seguro de automóveis também se desenvolveu por todos os outros motivos alavancadores de sinistros, como estradas de rolamento em péssimas condições de conservação, qualidade tecnológica dos veículos aqui produzidos, componentes de baixa qualidade, além das intempéries naturais que provocam catástrofes, que por sua vez alcançam o bem automóvel direta ou indiretamente.

Acredita-se que a indústria de automóvel terminou por abrir um espaço para o desenvolvimento do mercado de seguros e sua consequente regulação, através da legislação pertinente, obrigando o legislador a se voltar para uma realidade cada vez mais evidente, pois existia o mercado aberto e já consagrado em outros países do mundo, e o nosso carecia, àquela época, de regramento legal para existir e se desenvolve, de forma a fazer frente ao fenômeno ora posto.

Como pode ser observado, o contrato de seguro tem uma importante função social, à medida que, no âmbito da sociedade de risco a que nos expomos, supre o papel importante e indispensável aos interesses individuais e da coletividade, quanto à manutenção e perenidade dos bens adquiridos.

Mas, fazendo justiça à história, antes mesmo do relativamente início recente dos seguros de automóveis no Brasil, merece atenção o resgate e reconhecimento de importante iniciativa desenvolvida objetivando promover a proteção de interesses de proprietários de veículos. Foram criados clubes de serviços diversos, através de sociedades, uma espécie de associação, a exemplo do pioneiro Clube Touring, criado ainda na década de 20, no século passado, mais precisamente no ano de 1923.

Já nesta época, instalou-se no Brasil o que poderia ser identificado como precursor de alguns serviços hoje prestados por seguradoras do ramo de automóveis, assim como pelas associações de proteção veicular. Embora o Touring Clube do Brasil fosse um clube voltado para o turismo nacional e, preferencialmente pelas estradas brasileiras, os seus principais serviços eram destinados, essencialmente, ao público que possuía veículo automotor, seu principal meio de locomoção. Por isso, o Touring Clube desenvolveu uma série de serviços e benefícios para os seus associados. Senão, vejamos: reparos de emergência para veículos; remoção para oficinas; redes de oficinas credenciadas; hotel para espera; passagem de retorno; carro reserva; envio de acompanhantes; despachantes; recursos para multas; assistência jurídica, além de outros benefícios. A história ainda guarda outro clube associativo com serviços e benefícios semelhantes, como o Automóvel Clube do Brasil, muito atuante, sobretudo no sul e sudeste do país.

A breve regressão histórica tem o objetivo de, no diálogo com o contexto histórico, verificar que se lida, nesta temática, com um cenário de “um museu de grandes novidades”, quando abordamos o tema seguradoras versus associações de proteção veicular. Ou seja, a atuação direta ou indireta, existe a muito mais tempo que nos leva a crer o debate jurídico recortado pelo legalismo, hoje em pauta, desprezando a historicidade das relações sociais.

Este debate jurídico faz um recorte direto sobre a legalidade, ou não, das associações sem levar em conta o contexto histórico e onde se fundamenta a ação das associações de proteção veicular, o que as mesmas pretendem alcançar e quais os caminhos percorrem e lastreiam sua dinâmica de desenvolvimento e organização estruturada.

As seguradoras atuam em um segmento da economia absolutamente regulamentado, tendo inclusive o capítulo 15 do Código Civil, cujo tema é “Do seguro”, voltado exclusivamente para regrar a atuação do seguro no país. Trata-se de uma legislação específica e pormenorizada, que traz todas as nuances até então observadas pelo legislador, a fim de determinar as obrigações das seguradoras, de que forma se comprova a existência de seguro, quem se beneficia, de que forma ocorre o pagamento de prêmios devidos, das possíveis nulidades, dos seguros de pessoas, dos seguros de danos, entre outras particularidades previstas naquele capítulo do Código Civil, do artigo 757 ao artigo 802. Estão descritas do ponto de vista legal, o que caracteriza a atividade das seguradoras, enquanto organizações que atuam na área de seguro.

Bastante relevante, também, o papel da SUSEP, que, através de circulares normativas fiscaliza e legisla suplementarmente o setor de seguros, autorizando notas técnicas de produtos novos, colocando limites e ordenação no setor. É importante ressaltar que a SUSEP foi ciada em 21 de novembro de 1966, cuja função principal é controlar e fiscalizar os mercados de seguros, previdência privada aberta, capitalização e resseguro. É uma autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda e sua criação se deu através do Decreto-Lei 73/66. Além disso, ainda disciplina a corretagem e a profissão de corretor.

As associações de proteção veicular possuem formato legal e amparam-se também no Código Civil para pleitear sua legalidade e direito de atuação no mercado. Não se identificam como seguradoras, nem pretendem ser. As associações se enquadram, sob o ponto de vista da legalidade, haja vista serem registradas em cartório de pessoas jurídicas, no artigo 46 do CC, que prevê:

Art. 46. O registro declarará:

I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;

II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores;

III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;

IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo;

V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;

VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.

Daí fica evidente que as associações são amplamente amparadas e previstas pela legislação pátria.

Durante a III Jornada de Direito Civil, coordenada pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na Comissão de Trabalho Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, presidida por Antônio Junqueira de Azevedo e José Osório de Azevedo Jr, o enunciado 185 definiu que

A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão.

Os legisladores, já há algum tempo, investem tempo e estudo para demonstrar que as Associações de Proteção Veicular não são seguradoras, possuem regramento próprio e, portanto, não devem ser fiscalizadas pela SUSEP. Neste mesmo sentido, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, em 2012, deu parecer acerca da constitucionalidade do Projeto de Lei 356/2012, que propõe incluir no Código Civil, o artigo 777, com a seguinte redação

Art. 777-A. Excetua-se nas disposições relativas a esse capítulo, não se constituindo em seguro, a ajuda mútua, organizada por associação civil criada para fins não-econômicos, caracterizada pela autogestão.

§1º - A adesão ao sistema de ajuda mútua é voluntária.

§2º - Só há direitos e obrigações recíprocas entre os associados aderentes, restritos a cotas de participação em fundo próprio constituído com a finalidade prescrita no §1º, que terá cadastro de pessoa jurídica específico.

§3º - O disposto neste artigo será objeto de regulamento e se aplica aos proprietários de veículos de passageiros e caminhões autorizados para a exploração de transporte de carga e passageiros.

O que motivou a Comissão de Constituição e Justiça a debruçar-se sobre o Projeto de Lei do Senador Paulo Paim (PT-SP), foi, sobretudo, o relato de caminhoneiros, através da FENACAT – Federação Nacional das Associações de Caminhoneiros e Transportadores, quanto ao fato das constantes recusas, por parte das seguradoras, em aceitar os riscos dos caminhões, que se constituem, muitas vezes, no único bem da família e meio de locomoção desta.

Destaca-se a iniciativa do Senador Paulo Paim (PT-SP), apenas para registrar mais um capítulo desse embate, que é atual e contínuo, e que, certamente, exigirá sensibilidade e discernimento diante do forte e estruturado lobby das companhias de seguros, que hoje representam cerca de 6% do PIB – Produto Interno Bruto do país, e que não mede, nem medirá esforços para não prescindir do nicho de que considera mercado exclusivo.

Para além desse debate, as associações não se limitam somente à defesa dos interesses patrimoniais, avançando para o estabelecimento de firmes posições organizacionais, a exemplo da criação da AAAPV, com o objetivo de sanar eventuais desvios do rumo principal, seguindo a experiência já trilhada por outros setores autorregulamentados em nosso país.

Fruto da iniciativa da AAAPV, o jurista e ex-ministro do STF, Carlos Ayres Brito, produziu um parecer jurídico reconhecendo que não há no ordenamento jurídico brasileiro qualquer óbice ao pleno reconhecimento da licitude da criação e desenvolvimento de atividades pelas Associações de Proteção Veicular privadas.

No entendimento do jurista, não compete à Superintendência de Seguros Privados ou a outro órgão ou ente do sistema de seguros privados fiscalizar ou, por qualquer forma, interferir no funcionamento das associações de proteção veicular privadas.

Quando indagado sobre eventual amparo constitucional para a atuação das associações, respondeu Ayres Brito (2016) que o direito ou liberdade de se associar, já citado, é do tipo individual, mas de exercício necessariamente plural ou coletivo. A Constituição Federal reconhece essa liberdade como plena, o que explica o reconhecimento dela, liberdade de expressão, como um plexo de situações jurídicas ativas tão particulares, quanto predispostas a uma titularidade que independe para seu efetivo gozo de autorização estatal.

No caso das associações aqui tratadas, ajunte-se que se cuida de congregações humanas para a melhor disposição individual desse outro bem jurídico de nome “propriedade”, nos termos do inciso XXII, do art. 5º da CF/88. Propriedade, ou mais exatamente, propriedade privada, já agora conforme o enunciado que se lê no inciso II do art. 170 da CF/88. Saltando a evidência que a propriedade privada é autêntico bem da personalidade, no clássico sentido de que sem a garantia da inviolabilidade, a vida humana se reduziria a subvida e o ser humano a subindivíduo (Brito, 2016).

Pode-se perceber que o imbróglio jurídico envolvendo as associações de proteção veicular e as seguradoras ainda se encontra longe de pacificação e coexistência pacífica e de encontrar termo, no campo da razoabilidade.

A contemporaneidade é marcada por buscas de alternativas que respondam às novas demandas societais e econômicas, em resposta aos modelos tradicionais, muitas vezes, hegemonizados por interesses econômicos e políticos monopolizados. Em vários setores da economia surgem e se fortalecem novas iniciativas e experimentações, a exemplo das cooperativas de crédito, novas tecnologias de comunicação (Skype, Messenger, etc.), novas alternativas de transporte de passageiros (Uber, 99 pop, etc.), grupos de carona compartilhada e vários outros arranjos econômico-sociais que se apresentam como novas possibilidades de suprir necessidades do mesmo público-alvo, tradicionalmente percebido como uma reserva de mercado, cada vez menos justificável e incompatível com os anseios de pluralismo e liberdade de escolha.

O mercado deve ser um ambiente plural e dinâmico, onde a busca de alternativas que façam frente às objeções criadas deve ser reconhecida e fortalecida. Logo, a resposta construída pelas Associações de Proteção Veicular dos desassistidos, ou não aceitos por seguradoras, conta com respaldo moral, político e jurídico, merecendo total reconhecimento.

A disputa jurídica, que se estabeleceu entre as seguradoras e as Associações de Proteção Veicular, no que se refere à legalidade das atividades desenvolvidas pelas últimas, mostram-se atual, justificando a presente pesquisa, ora apresentada parcialmente através do presente artigo científico, como Trabalho de Conclusão de Curso.

Tal relevância se materializa no âmbito jurídico-institucional, através da recente manifestação da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, que trata da matéria, em 22 de maio de 2018, avalizando a aprovação do PL 3.139/2015, que prosseguirá na tramitação naquela casa legislativa, sendo amplamente debatido e submetido à apreciação do colegiado que constituí o plenário, para vir a se constituir em Lei.

A categoria dos corretores de seguro, de relevante papel na economia nacional, cerrou fileiras junto às seguradoras, como terceiros interessados no tema. Movidos pelas expectativas de ganhos econômicos com a possível desautorização das atividades desenvolvidas pelas Associações de Proteção Veicular e sua consequente interveniência como mediadores remunerados pelas comissões sobre os produtos comercializados pelas seguradoras.

A hipótese de desautorização das atividades das associações implicaria um aumento dos custos para a proteção veicular daqueles beneficiários em cerca de 50%, pela inclusão de impostos e da remuneração dos corretores.

Neste embate, verifica-se, portanto, mais que uma questão de preocupação com legalidade ou ilegalidade. Prevalecem as motivações econômicas, remuneratórias e comerciais, daqueles que resistem às inovações que desestruturam seus privilégios e eventuais monopólios.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa não tem a pretensão de esgotar assunto tão complexo, tentando, tão somente, evidenciar a relevância da temática e delinear os contornos da controvérsia e das possíveis respostas jurídicas pertinentes. Por isso, apresentou os dados e argumentos jurídicos esgrimidos pelas seguradoras e pelas Associações de Proteção Veicular, ao tempo em que buscou a interpretação jurídica adequada ao ordenamento constitucional e ao direito privado brasileiro.

Penso que a atual polêmica que envolve a temática aqui discutida é necessária, principalmente no que tange a abertura de novas alternativas que contemplem e protejam os bens das pessoas, até então descartadas da carteira de clientes das seguradoras. Neste sentido, a existência das associações corresponde à alternativa acessível àqueles menos favorecidos economicamente ou não aceitos pelo tradicional mercado segurador.

Entende-se que exista uma carência de legislação complementar específica que trate do assunto, e que o legislador necessita agir em pouco tempo, sob pena de perpetuar a discussão e manter a insegurança jurídica atual.

Este trabalho espera contribuir, modestamente, para ampliar a abordagem investigativa no campo acadêmico-jurídico, em torno de temas relevantes do direito privado, aproximando-o das demandas que emergem da sociedade e de suas múltiplas expressões e interesses, num ambiente estruturado pela ordem jurídico-constitucional democrática e pluralista.


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Autores

  • Ricardo Simões Xavier dos Santos

    Advogado. Fundador do escritório Ricardo Xavier Advogados Associados. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Mestre e Doutorando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Especialista em Direito do Estado pelo Jus Podivm/Unnyahna e em Direito Tributário pelo IBET. Professor da Universidade do Estado da Bahia - UNEB , da Universidade Católica do Salvador - UCSal e da Escola Superior da Advocacia - ESA - Seccional da OAB/BA; Coordenador Curso de Pós-graduação em Direito Empresarial da Universidade Católica do Salvador - UCSal. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Tributação e Finanças Públicas - NEF da Universidade Católica do Salvador - UCSal

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  • Saulo Sérgio Santana Vida

    Saulo Sérgio Santana Vida

    Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

XAVIER, Ricardo Simões Xavier dos Santos; VIDA, Saulo Sérgio Santana. A análise da (i)legalidade de constituição de associações de proteção de veículos no sistema jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5721, 1 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72279. Acesso em: 28 mar. 2024.