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O neoprocessualismo e suas consequências na fase recursal do novo Código de Processo Civil

O neoprocessualismo e suas consequências na fase recursal do novo Código de Processo Civil

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O CPC/2015 teve o objetivo não apenas de reestruturar e sistematizar o código anterior. Ele foi além, buscou adequar as normas processuais aos valores constitucionais, efetivando os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana.

Resumo: O presente artigo trata da influência do neoprocessualismo na elaboração do Novo Código de Processo Civil brasileiro, em que se valorizam os direitos fundamentais, as garantias e os princípios processuais constitucionais, ao tratar o Processo Civil como instrumento para realização do interesse público, um verdadeiro Direito Constitucional aplicado, abolindo o formalismo excessivo. Ademais, adota-se a diretriz metodológica de que o processo deve ser justo, célere, efetivo e equânime, em especial quando se trata da fase recursal, a qual é, atualmente, alvo de ferrenhas críticas. Enfatiza-se a necessidade de reformulação e de simplificação do procedimento recursal, por meio da análise das modificações que foram introduzidas no ordenamento jurídico pátrio.

Palavras-chave: Processo Civil. Neoprocessualismo. Novo Código de Processo Civil. Recursos.  

SUMÁRIO: 1 Introdução: A Crise do judiciário. 2 A Evolução do Processo Civil: O Neoprocessualismo. 3 As Influências no Neoprocessualismo no Novo Código de Processo Civil: A (Des) Necessidade de um NCPC. 4 O Sistema Recursal no Novo CPC 5 Considerações Finais. 6 Referências Bibliográficas. 


1 Introdução: A crise do Judiciário 

A busca de um sistema processual mais célere, acessível e efetivo não é atual. Isso porque, a propagada crise do Judiciário não fica adstrita ao paradigma jurídico moderno, prolonga-se ao longo de toda a história dessa Instituição estatal e se consubstancia no desequilíbrio existente entre o elevado número de postulações formuladas em Juízo e a irrisória quantidade de julgados proferidos, o que prejudica o adequado trâmite processual, bem como a efetiva prestação jurisdicional.

Tal conjuntura deve ser analisada a partir de um viés histórico e social, em que a evolução das medidas técnico-jurídicas para combater a crise que permeia o Poder Judiciário ao longo dos anos, é um reflexo das forças sociais movidas durante a história do Sistema Processual brasileiro.

A definição de crise não se restringe ao âmbito jurídico, ela é objeto de estudo de diversas áreas do conhecimento, cite-se: as ciências sociais, que entendem que ela surge quando a própria estrutura sistêmica não permite possibilidades idôneas para que se contorne problemas internos ou externos existentes e; as ciências biológicas, como a medicina que concebe a crise de uma maneira sistêmica e mecânica, em que ela é um reflexo de uma “patologia”, traduzindo uma ideia de perecimento.[2]

Doutrinadores, ínclitos juristas, operadores do Direito apontam enfaticamente a crise enfrentada pela prestação jurisdicional estatal, suas obras retratam a crise e a rechaçam de forma enérgica, ao criticar a atual conjuntura brasileira. São raros, entretanto, os estudiosos que apontam solução para os problemas enfrentados.

Não se pode contentar com o atual panorama jurídico, a crise desempenha, sem dúvida, um papel fundamental para a Modernidade, afinal são com os erros que levaram a ela que se aprende, mas não se deve persistir nos mesmos.

Afinal, a crise enfrentada não atinge somente os litigantes que recorrem aos órgãos judiciais, a eficácia de suas decisões e a aplicabilidade de seus julgamentos, afeta, outrossim, a própria carga valorativa do Judiciário, enquanto Instituição estatal, gerando descrença na sua prestação, e perda da confiança depositada nesse Poder, enquanto mantenedor da Justiça.

Com vistas a reverter tal conjuntura, foi nomeada pelo Senado Federal, em setembro de 2009, uma comissão de juristas com a incumbência de elaborar o anteprojeto do novo Código do Processo Civil, presidida pelo Ministro Luiz Fux, à época integrante do Superior Tribunal de Justiça[3], o qual foi publicado em 16 de março de 2015 (Lei nº 13.105), com a entrada em vigor em 18 de março de 2016.

O novo CPC almejou a adequação do modelo processual civil com os objetivos do Estado Democrático de Direito, a partir das diretrizes traçadas na Constituição da República Federativa do Brasil e da efetivação prática dos primados legais e constitucionais. Diante de tal quadro metodológico utilizado pela Comissão, é necessário analisar o contexto em que está imersa a elaboração do novo Código de Processo Civil brasileiro, bem como a carga axiológica e procedimental que guiou a feitura do digesto processual civilista.


2 A Evolução do Processo Civil: O Neoprocessualismo

O Sistema processual civil ao longo da História vivenciou fases metodológicas distintas, em que em uma linha evolutiva, novas ideias surgiam e eram consideradas um avanço, mas que com as alterações sociais frequentes se tornavam rapidamente anacrônicas e descontextualizadas dos anseios dos jurisdicionados, o que fazia com que tais modelos fossem, na verdade, “apenas um movimento circular, uma [...] guinada de 360 graus”[4].

Nesse sentido, as principais fases são: o praxismo (sincretismo), o autonomismo (processualismo), o instrumentalismo e, atualmente, o neoprocessualismo.

Em um primeiro momento, no praxismo, a ação era um direito material em movimento, em que a relação processual se confundia com a própria relação material. Já no autonomismo, em uma concepção diametralmente oposta a do sincretismo, o direito processual passou a ser analisado cientificamente de forma autônoma, em que o processo era um fim em si mesmo. Por sua vez, na fase do instrumentalismo, o processo era entendido como um instrumento de realização do direito material, a serviço da paz social, uma verdadeira relação circular de interdependência, em que o direito processual concretiza e efetiva o direito material, o qual, por seu turno, confere ao primeiro o seu sentido.

Diante de tal contexto evolutivo e a partir da influência do neoconstitucionalismo, começaram as primeiras vozes no mundo jurídico a defender um processo voltado à realização dos direitos fundamentais consubstanciados na Lei Maior brasileira.

Nesse sentido, são as sábias palavras de Álvaro de Oliveira[5]:

[...]Se o processo, na sua condição de autêntica ferramenta de natureza pública indispensável para a realização da justiça e da pacificação social, não pode ser compreendido como mera técnica mas, sim, como instrumento de realização de valores e especialmente de valores constitucionais, impõe -se considerá-lo como direito constitucional aplicado. 

Nesse novo paradigma procedimental que vem sendo traçado no sistema processual civil brasileiro, a lei puramente interpretada deixa de ser o que prepondera nas decisões dos órgãos do Poder Judiciário, em um contexto em que o Direito e o ornamento jurídico ao serem analisados em sentido global ganham relevo, a partir de algumas mudanças fundamentais, como: princípios ao invés de regras, ponderação ao invés de subsunção, Constituição ao invés de lei[6].

A lei não mais vale por si só, deve ser interpretada de acordo com a Constituição e, precipuamente, em conformidade com os direitos fundamentais. Para que se tenha uma escorreita compreensão do que representa a ordem jurídica justa faz-se imprescindível ponderar as garantias constitucionais e os princípios fundamentais aplicáveis ao processo. Dessa forma, a designação de acesso à Justiça não pode ficar adstrito ao significado de mera possibilidade de apresentação de um processo ou de ingresso de um pleito em Juízo, deve ser, sim, interpretado de uma maneira extensiva, com o escopo de não retirar toda a magnitude de sentido que lhe é própria:

[...]compreendendo a noção ampla do acesso à ordem jurídica justa, que abrange: i) o ingresso em juízo; ii) a observância das garantias compreendidas na cláusula do devido processo legal; iii) a participação dialética na formação do convencimento do juiz, que irá julgar a causa (efetividade do contraditório); iv) a adequada e tempestiva análise, pelo juiz, natural e imparcial, das questões discutidas no processo (decisão justa e motivada); v) a construção de técnicas processuais adequadas à tutela dos direitos materiais (instrumentalidade do processo e efetividade dos direitos).

Por isso, para a noção de acesso à ordem jurídica justa converge o conjunto das garantias e dos princípios constitucionais fundamentais ao direito processual, o qual se insere no denominado direito fundamental ao processo justo.[7]

A adequada prestação jurisdicional, portanto, pressupõe a universalização de acesso à Justiça, no plano normativo processual, bem como sua tutela no plano material da administração da justiça, com o adequado comportamento do magistrado que com discrição, firmeza e o indispensável conhecimento da lei e do processo deve julgar as lides. Virtudes essas raras em um terreno contaminado por intrigas em que vicejam nulidades, egos inflados e o descaso com os jurisdicionados.

Isso porque, nas palavras do processualista Luiz Guilherme Marinoni[8]: “[...] é preciso pensar na relação entre o direito fundamental à tutela jurisdicional e o ‘modo de ser’ da jurisdição, ou melhor, entre o direito fundamental processual do particular e a capacidade de o Estado efetivamente prestar a tutela jurisdicional.”

Esse “modo de ser” da jurisdição é o que permite que esse instituto processual influencie na própria atividade prestacional, e na mudança de paradigma do Processo Civil. Não é suficiente que a jurisdição esteja conforme a Constituição, é necessário também que o juiz disponha de meios executivos para efetivação da prestação da tutela jurisdicional, afinal sem essa possibilidade, o Poder Judiciário não poderia disponibilizar a escorreita proteção dos direitos fundamentais.

A tutela jurisdicional um direito fundamental (art. 5°, XXXV da CF/88), que deve ser prestado de modo efetivo, célere e adequado (art. 5°, LXXVIII da CF/88), há uma vinculação do legislador, do administrador e do juiz, pois os direitos fundamentais possuem uma dimensão objetiva, constituindo um conjunto de valores básicos e diretivos da ação positiva do Estado.[9]

Nesse diapasão, as normas constitucionais, bem como todas as demais normas possuem como atributo a imperatividade, e por isso não traduzem sugestões, recomendações ou conselhos, e sim pressupõem comandos a serem seguidos por todos, e uma vez violados “abrem-se as portas do Judiciário” para a reparação. Sendo assim, o ordenamento jurídico deve prover meios tanto no sistema constitucional, quanto infraconstitucional para que o direito ou o bem jurídico tutelado seja reparado e disponibilizado ao seu titular de direito.

Consubstanciadas nessa realidade inúmeras ações são ajuizadas. Na maioria delas, ao contrário do que usualmente se acredita, ocorre um desvirtuamento da utilização dos instrumentos processuais previstos em lei e que se encontram à disposição da sociedade. Muitas vezes, por falta de informação, ou melhor dizendo, de comprometimento do operador do direito com a função que deve ser exercida: a proteção de direitos.

O direito processual moderno rompe com o tradicional sistema do processo. Este, por imposição de seu próprio modo de ser tende ao isolamento, alienado dos anseios da sociedade, da realidade do homem, o que contribui para a descrença na justiça e dos resultados práticos por ele proporcionados. Aquele, pelo contrário, encontra-se imerso em um universo axiológico da sociedade por ele representada, o que abandona o caráter puramente técnico e objetivo do processo. Eis que surge a um processo orientado, sim, pelo formalismo, mas não o excessivo, ele agora é voltado à boa-fé e à lealdade processual, é o que Álvaro de Oliveira denomina de formalismo ético ou valorativo[10]. Os direitos fundamentais, como cediço, influenciam todo o ordenamento jurídico pátrio, ao servir de orientação para as atividades desenvolvidas por todos os Poderes constituídos.

E é nessa conjuntura que o Código de Processo Civil de 1973 se encontra configurado, afinal:

Tornou-se inevitável a revisão do sistema jurídico-processual, com a mudança da perspectiva de seus escopos e a criação de novas técnicas para tanto eficientes, dando vida às denominadas ondas renovatórias, movimentos direcionados ao acesso efetivo à justiça e caracterizados, cronologicamente, pela assistência judiciária aos necessitados, pela representação dos interesses supra-individuais, pela necessidade de reformas estruturais, orgânicas e funcionais no conjunto geral de instituições judiciárias, nos mecanismos idôneos à obtenção de provimentos jurisdicionais e no direito material, culminando, agora, com os esforços de implementação de técnicas e instrumentos adequados à obtenção de tutela jurisdicional efetiva[11].

Hoje, é necessária uma tutela constitucional do processo, com o escopo de que os institutos e instrumentos processuais sejam correlatos à promoção da ordem constitucional, de seus princípios, garantias e direitos fundamentais materiais e processuais. Prega-se a Jurisdição Constitucional. Qual seria a valia dos direitos fundamentais, se não dispusessem de aplicabilidade imediata? Sem dúvida, não passariam de vagas promessas[12].

Trata-se desigualmente os desiguais, conforme suas desigualdades, com vistas a assegurar um dos princípios constitucionais do processo: a paridade das armas dos litigantes. O Direito deve ser entendido como um instrumento de transformação social.

Isso porque, “os direitos foram assegurados, ou seja, formalmente existiam, porém, isso não é o suficiente. Devem ser materialmente concretizados. Busca-se a melhor forma de interpretá-lo ou digeri-lo”[13].

Sendo assim, não se pode conceber uma simples criação de medidas jurídicas para que se mitigue os efeitos da crise do Judiciário. Faz-se imprescindível uma mudança de pensamento dos próprios operadores do Direito. Ressalte-se que tanto o excesso de demanda se comparado com a quantidade de julgamento proferidos, tanto a qualidade das decisões prolatadas não são a causa da crise, e sim consequências dela.

É notória a preocupação do novo Código de Processo Civil em adequá-lo à nova ótica do sistema processual, mais voltada para a concretização dos direitos fundamentais consubstanciados na Lei Maior, ao sistematizá-lo a partir dos paradigmas doutrinários e jurisprudenciais atuais.


3 As Influências no Neoprocessualismo no Novo Código de Processo Civil: A (Des) Necessidade de um NCPC 

 O mundo jurídico não acompanha na mesma velocidade os avanços das relações interpessoais, que são cada vez mais complexas. A crise permeia a modernidade, e o Direito não deve ser interpretado de uma forma descontextualizada da sociedade, afinal seu objeto de estudo está em constante modificação.

Diante de tal conjuntura, o atual Código de Processo Civil de 1973, para adequar o ordenamento jurídico aos anseios sociais e aos novos litígios apresentados ao Poder Judiciário, sofreu várias reformas pontuais ao longo dos anos, o que fez com que o digesto processual civilista perdesse sua sistematicidade, e, até mesmo, gerou conflitos entre alguns dispositivos legais, passando a ser considerado por muitos doutrinadores como uma verdadeira “colcha de retalhos”.

O processo deve ser guiado a partir de pensamentos contemporâneos, com vistas a construir uma sociedade livre, justa e igualitária, o que, aliás, é um dos objetivos fundamentais da República Federativa brasileira, previsto constitucionalmente, deixando para trás resquícios do modelo individualista[14] perpetuado durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973, com fortes influências do pensamento iluminista que o inspirou.

Apesar das numerosas críticas dirigidas ao novo Código, em especial, a de que ele não traz grandes modificações ao ordenamento jurídico, sendo sua única função na realidade sistematizar o atual CPC, ele é, sem dúvida, a materialização do avanço de pensamento voltado aos direitos fundamentais aplicados ao Sistema Processual Civil.

 Não obstante o objetivo precípuo do presente artigo ser o de analisar, a partir de um viés teórico-prático a influência do neoprocessualismo no novel Código Processual Civil, não se pode deixar de registrar a crítica de que o NCPC, na realidade, não traz nenhuma visão inovadora, que rompe com paradigmas, e sim apenas “passa para o papel” o que já se encontrava consubstanciado na Lei Maior brasileira. Os princípios constitucionais e as garantias fundamentais aplicáveis ao processo já se encontram previstos na Constituição, contudo ainda eram pouco utilizados pelos Poderes Constituídos estatais, isso se deve à cultura positivista arraigada que ainda permeia o pensamento no mundo jurídico que necessita que um princípio esteja necessariamente expresso em lei para ser aplicado.

E não só isso. Além de o Estado não aplicar os direitos fundamentais como norte de suas atividades é ele quem ocupa, na grande maioria das demandas, o polo passivo, sendo a tão difundida ausência de vontade política um verdadeiro empecilho, em virtude de que o Poder Público, além de não colaborar para a eliminação dos obstáculos que atrasam a justiça, cria novos. Cite-se como exemplo a Previdência Social, que é uma “cliente contínua” dos tribunais que se utiliza de recursos protelatórios, enfrentando decisões de questões já consolidadas em vários litígios e em diversos tribunais. Não bastando isso, mesmo tendo certeza da derrota, leva o litígio até o Supremo, para obter a mesma resposta que lhe foi fornecida na Primeira Instância.

Ressalte-se, ainda, que o aumento populacional, a conscientização por parte dos cidadãos de seus direitos, além da evolução tecnológica, tudo isto concorreu para a procura da justiça em uma escala, sem precedentes.

Essas causas, contudo, não são determinantes, em virtude de que o Judiciário encontra-se imerso no mundo social, e já deveria ter se adequado aos aspectos problemáticos que atingem a população. Mesmo percebendo o número crescente de demandas o Judiciário não se aparelhou de uma forma eficiente e satisfatória.

Sendo assim a crise é produto de um Judiciário que tem uma estrutura orgânico-administrativa anacrônica e regulamentada por procedimentos de elevado grau burocrático que não acompanham as mudanças que ocorrem constantemente na sociedade.

Atribuir a Crise do Judiciário a fatores unicamente externos é querer retirar um problema que ocorre internamente para fatores alheios a ele. As leis, sem dúvida, não acompanham a dinâmica social, mas não é unicamente por isso que o Judiciário não consegue responder de maneira satisfatória as demandas que lhe são apresentadas.

A adequação do modelo processual ao previsto do texto constitucional não deve ficar adstrita ao plano teórico, impondo ao operador do Direito a adoção de novas posturas na prática do processo, ao valorizar direitos e garantias processuais, para que não se permita nenhuma forma de retrocesso jurídico, nem mesmo que se recaia nos mesmos erros que ferem os valores democráticos e maculam os interesses da sociedade.

O formalismo é fundamental para que o processo se organize, é um elemento que fundamenta a segurança do processo, evitando arbitrariedades, contudo foi se desvirtuando ao longo de décadas, desgastou-se e passou a simbolizar um formalismo excessivo. Somente deveria ser considerado, porém, como um elemento disciplinador, uma diretriz a ser seguida, voltada a um bem maior: o da realização da Justiça material da decisão. Não se pode, em hipótese alguma, admitir que o rito processual se aloque em um patamar superior, afastando-se de sua substância.

No direito processual, mais ainda do que em outros ramos do direito, seu caráter finalístico é evidente; finalismo esse que não pode ser voltado para si, pois inexiste finalismo em si, senão direcionado para os fins últimos da jurisdição. Visa-se atingir a um processo equânime, peculiar do Estado democrático de direito, que sirva à ideia de um equilíbrio ideal entre as partes e ao fim material do processo: a realização da justiça material[15].

O novo Código buscando combater o formalismo excessivo que permeia o atual sistema processual, já em seus primeiros artigos demonstra a diretriz principiológica, bem como um novo paradigma metodológico a ser observado pelos juristas, devendo-se utilizar um viés interpretativo baseado na equidade, em que o processo é um meio garantidor dos direitos fundamentais.

 É previsto, ainda, no novo CPC que ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Com uma clara influência neoprocessual o novo Código de Processo Civil é orientado, assegurando princípios, como o da isonomia material e da cooperação entre os litigantes, trazendo à tona a preocupação do legislador contemporâneo: um ordenamento jurídico justo, em conformidade com os valores constitucionais.

O processo, afinal, não busca apenas atender ao interesse das partes, e sim a um interesse mais abrangente: o interesse público. Em sua substância demonstra que é voltado para a justa solução dos conflitos que venham a surgir a partir das relações sociais, chegando ao conhecimento do Poder Judiciário.

Não pode conceber a garantia ao acesso a Justiça e ao justo processo apenas como um único ato processual, e sim como vários atos processuais concatenados, os quais se iniciam a partir da propositura da ação.

Isso porque, é ela “o mais fundamental de todos os direitos, já que é imprescindível à efetiva concreção de todos eles”[16]. É uma das formas de expressão dos valores do Estado Democrático, na medida em que retira do particular a faculdade de exercer arbitrariamente as próprias razões, e transfere ao Judiciário, enquanto Poder Público, a decisão de litígios entre os indivíduos. E não só isso. Tem como escopo também o adequado desenvolvimento do processo, admitindo o contraditório, a ampla defesa, a prolação de uma sentença condizente com o que está presente nos autos, dentre outros, garantindo-se, assim, a efetiva participação do jurisdicionado.

Para se garantir a mais ampla participação dos cidadãos no processo e, por conseguinte, na sociedade, ressaltando a cidadania ativa, advoga-se, aqui, pela retirada dos empecilhos que obstaculizam o exercício da ação. “Até porque ter direitos e não poder tutelá-los certamente é o mesmo do que não os ter”[17],

Ocorre que, ao longo dos tempos, eclodiram obstáculos que levaram à discussão do acesso à justiça, dentre eles: a demora do processo. Tal empecilho é colocado no centro das preocupações quando se trata, em especial, da fase recursal.


4 O Sistema Recursal no Novo CPC

“O tempo é, antes de tudo, um problema da jurisdição, que por esse motivo deve zelar para que o réu não abuse do seu direito de defesa ou pratique atos objetivando a protelação dos feitos.”[18]

Afinal, segundo Marcus Vinicius Rios Gonçalves[19]:

É inegável que muitas pessoas deixem de recorrer a ele [Poder Judiciário], preferindo deixar insatisfeitas as suas pretensões e contida sua litigiosidade, diante do temor de demandas judiciais intermináveis, que podem consumir o tempo, as economias e a boa vontade dos demandantes.

A distribuição do ônus e prejuízos advindos do decurso do tempo não é, em regra, igualitária no processo. É o autor normalmente quem fica prejudicado com a demora do processo, é ele que não pode ter sua pretensão apreciada e satisfeita em curto decurso temporal.

É notório, outrossim, que muitos réus se utilizam da morosidade da justiça, com o intuito de minorar a resistência do demandante, fazendo-os ceder à tentação de ter sua pretensão alcançada rapidamente ainda que sem ser de maneira satisfatória, são exemplos: a aceitação de acordos desfavoráveis e a renúncia à busca à tutela jurisdicional.

Inclusive o próprio Estado, enquanto réu, utiliza-se da morosidade da justiça, para propósitos arbitrários e protelatórios. Embora a tempestividade constitua dever do poder Público, ela nem sempre é a vontade do governante, e pode até mesmo tornar-se uma estratégia política.

Um dos principais “vilões” apontados pela doutrina processualista, como fonte do trâmite vagaroso é o manejo de inúmeros recursos por parte de advogados, bem como a particular complexidade dessa fase.

Em resposta a esse quadro, e para combater a difundida crise do Sistema Judiciário, várias medidas foram adotadas ao longo das últimas décadas, concedendo-lhe maior celeridade e efetividade.

A crise do Sistema Judiciário brasileiro não é atual e foi percebida primeiramente no Supremo Tribunal Federal (STF), sendo ele o órgão precursor na adoção de medidas para eliminar a crise. Fixou-se ao longo do tempo, por exemplo: um número mínimo de julgamentos por seção, foram criadas as Justiças especializadas (Eleitoral, Militar e os primórdios da Justiça Trabalhista), além de ter sido o recurso extraordinário disciplinado pela Constituição de 1934. Mecanismos para diminuir a quantidade de feitos na Suprema Corte continuarem a ser criados ao longo dos anos, sendo as reformas mais significativas a criação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a inserção do controle concentrado de constitucionalidade.

Por meio de dados quantitativos Flávio Pedron[20] demonstra que em 1988, ano de promulgação da Constituição Federal, a “patologia” não se encontrava restrita ao âmbito do STF, e sim refletia em toda a estrutura do Judiciário, citando como exemplos o excesso de demandas não julgadas pelo STJ e pelo Tribunal Superior do Trabalho. Desta feita, foram necessárias novas técnicas jurídicas, para tanto foi editada a Emenda Constitucional n. 45/2004 que trouxe em seu bojo as súmulas com efeito vinculante e a repercussão geral em sede de recurso extraordinário.

Normalmente, os doutrinadores relacionam a crise ao desequilíbrio alarmante entre a quantidade de demandas propostas e ao número irrisório de pleitos julgados. Não se pode restringir, contudo, a abrangência da crise somente à diferença entre esses números, ela é alarmante, indubitavelmente, porém é só uma face da crise, somente a esfera quantitativa.

Isso porque há, outrossim, uma face qualitativa.  Essa se consubstancia não em números, e sim na qualidade da prestação jurisdicional realizada pelos órgãos que compõem o Poder Judiciário brasileiro, na imprescindibilidade dos julgamentos judiciais, na interferência concreta de suas decisões na vida pública ou privada das pessoas, isto é, em uma necessária e adequada prestação, que se revela fundamental para a materialização dos direitos constitucionalmente previstos.

Os problemas atuais que assolam o mundo jurídico devem ser superados, caso assim não seja o Judiciário viverá um verdadeiro caos do século XXI. É impossível imaginar que a carga recursal de questões relevantes, por exemplo, ainda estivesse totalmente concentrada no Supremo Tribunal Federal, seria um “congestionamento” infindável de demandas lá estagnadas durante anos, décadas, um desrespeito ao adequado e célere trâmite processual.

Pedron ainda aborda a questão dos recursos e em sua visão “a ‘cura’ para [a incapacidade do próprio sistema jurídico de gerar respostas funcionais satisfatórias] não decorreria simplesmente de uma solução pragmática com vistas a reduzir de forma drástica o número de recursos julgados”[21], parecendo ainda para ele equivocado considerar o aumento de volume do trabalho dos Tribunais Superiores como causa para a crise do Judiciário.

Nesse particular concordamos com tal posição, parcialmente. De fato, o aumento de objetos litigiosos que adentram a esfera recursal não são a causa da crise do Sistema Judiciário, mas não é por isso que deve persistir dessa maneira, afinal ela não é o motivo, não é o que leva à crise, mas é um reflexo dela que jamais poderá ser esquecido e deixado sem solução.

 Sem dúvida o problema deve ser resolvido na base do sistema, deve ser realizada uma reforma social para que a demanda nem chegue a ser proposta na Primeira Instância, isto é, para que tantos processos previdenciários chegam ao Judiciário? É imprescindível um maior comprometimento dos poderes Executivo e Legislativo.

Todavia se isso não está sendo realizado, o Judiciário não pode quedar inerte. Como foi dito anteriormente, ele encontra-se imerso em um contexto social, em que várias demandas são perante ele propostas.

Não sendo superada, portanto, a primeira causa externa da crise (como, por exemplo, a falta de prestação das políticas públicas por partes do Poder Executivo, como ocorre com o direito à saúde), é necessária a adoção de uma postura interna mais atuante.

E é isso que vem ocorrendo, porém, timidamente. Apesar de ainda não ser possível uma simplificação nos processos que tramitam em primeiro grau de jurisdição, por ser farta e diversificada a matéria que ali é tratada, podem ser adotadas posturas, como uma melhora na infraestrutura, um aumento na qualidade e na quantidade de recursos humanos, além da prestação de informação ao jurisdicionado, para que se evitem erros na propositura da demanda, por exemplo.

Por outro lado, no segundo grau, é possível que se realize uma reforma de simplificação de procedimentos recursais, não sendo a solução uma drástica supressão de recursos, apenas uma redução do que se demonstra cotidianamente desnecessário e que contribui meramente para o prolongamento do processo. Nesse diapasão:

O exagero de recursos que o Poder Judiciário oferece permite que hoje um litigante na área cível, criminal ou demais, possa percorrer, em tese, cinco instâncias jurisdicionais antes de alcançar o julgamento definitivo da questão, podendo esperar até dez anos para ter concluso seu processo, fator que desestimula quem realmente precisa da justiça[22].

Sendo assim, enquanto na primeira instância as demandas são muito diversificadas, em grau recursal existem muitas que são repetitivas, o que justifica a criação dos Recursos Repetitivos, da Súmula com efeito Vinculante e da Repercussão Geral em sede de Recurso Extraordinário na esfera de atuação do STF, bem como os incidentes de resolução de demanda repetitiva criado pelo novo CPC.

Não se pode cogitar a extinção da fase recursal, mas a sua simplificação e reformulação é possível. Isso porque, uma dupla apreciação é necessária e justa, caso se faça necessária, porém quatro ou cinco estaria se afirmando o desprestigio das primeiras instâncias, gerando insegurança e a quebra da unidade jurisdicional e inutilidade dos procedimentos anteriores[23].

O prolongamento infindável é desnecessário, e por isso deve ser realizada uma reforma no sistema recursal. A razoável duração do processo não deve ser entendida como um processo que deve ser resolvido em um ou dois anos de forma abstrata, e sim, como aquele que se desenvolve, isto é, se um processo passa dois anos parado em um setor da contadoria, depois de ter sido julgado por um juízo de cognição exauriente não é razoável, porém, por outro lado, se o processo encontra-se no Judiciário há quatro anos, porque questões incidentes estão sendo resolvidas ou provas estão sendo colhidas, isso sim, é razoável.

Para evitar o excesso de recursos e assegurar um trâmite processual mais célere, o Novo Código de Processo Civil trouxe significativas modificações, como, por exemplo:

A retirada do efeito suspensivo da apelação[...]. Além dessa, as alterações mais importantes promovidas pelo NCPC foram as relativas ao rol dos recursos (com a saída do agravo retido e dos embargos infringentes e previsão expressa do agravo interno), aos prazos recursais, aos procedimentos de alguns recursos e ao novo regime dos recursos excepcionais.[24]

Atualmente, são cabíveis os seguintes recursos: apelação, agravo retido e de instrumento, embargos infringentes, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário. Enquanto que no novo Código de Processo Civil serão previstos: apelação, agravo de instrumento, agravo interno, embargos de declaração, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário e embargos de divergência.

O novo CPC inova ao prever numerus clausus as hipóteses de cabimento do agravo de instrumento[25], evitando práticas corriqueiras dos Tribunais em que os advogados, partindo do pressuposto de urgência e de que a decisão interlocutória proferida pelo Juízo em Primeira Instância causaria ao seu cliente dano irreparável ou de difícil reparação, manejavam o agravo de instrumento ao invés do agravo retido. Quando o recurso interposto chegava à apreciação do relator no Tribunal, aquele era convertido em agravo na modalidade retida, o que contribuía para a demora da prestação jurisdicional, além do acúmulo de processos no órgão ad quem.

Ademais, o NCPC, atendendo às inúmeras críticas realizadas pelos processualistas, retirou a previsão dos embargos infringentes, haja vista que não fazia sentido manter um recurso sob o único fundamento de o acórdão não ter sido unânime. O Brasil, atualmente, é o único país cuja lei prevê um recurso contra decisão não unânime de tribunal. Com efeito, não há institutos similares aos embargos infringentes no Direito comparado, uma vez que mesmo Portugal, onde o recurso teve origem, há muito já o aboliu.

O foco contemporâneo é o de apaziguar os dissídios jurisprudenciais, principalmente, dentro dos tribunais superiores, o que pode ser facilmente retratado por meio da manutenção do recurso utilizado para uniformização da jurisprudência interna do STF e do STJ. Felippe Borring[26] afirma que da mesma forma ocorre com os mecanismos de julgamento dos recursos excepcionais, a determinação de velar pela jurisprudência do STF e dos tribunais superiores), os critérios para julgamento monocrático do relator, dentre outros, são exemplos da concepção de primazia da jurisprudência superior, em detrimento dos posicionamentos dos órgãos de instância ordinária.

Tal questão contemporânea em que os olhos estão voltados a uniformizar a jurisprudência e de mantê-la estável para que seja proporcionada uma maior segurança jurídica, pode ser observada quando o NCPC trata em uma seção própria somente da problemática do precedente judicial. Tal previsão permite que sejam observados os princípios da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, evitando que milhares de ações fiquem estagnadas no Judiciário. Evidenciando uma Justiça mais célere e equânime.

A inserção do agravo interno no rol de recursos não trouxe modificações procedimentais, servindo apenas como uma forma de padronizar o nome de tal instituto, que antes recebia várias designações[27] dependendo do Tribunal em que era utilizado.

Quanto à uniformização dos prazos em quinze dias úteis (exceto para os embargos de declaração que devem ser interpostos no prazo de cinco dias) para interposição de recurso, apesar de a princípio parecer que atenta contra a celeridade processual, é, na realidade, mais uma forma de simplificar o procedimento, evitando discussões doutrinárias e jurisprudenciais, como no caso da dúvida qual prazo seria aplicado para verificar a tempestividade do recurso interposto incorretamente e que se utilizando o princípio da fungibilidade foi recebido como se correto o fosse. 

Uma das principais modificações foi a correção de uma incoerência histórica e jurídica, que era a previsão de efeito suspensivo ope legis à apelação. Pelo NCPC a apelação, em regra, somente será recebida no efeito devolutivo, conforme previsão do seu art. 908, o qual dispõe que os recursos, salvo disposição legal em sentido diverso, não impedem a eficácia da decisão, além disso, o efeito suspensivo somente será concedido pelo relator se ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.

Além das modificações expressamente previstas, espera-se que com as novas diretrizes traçadas, ocorra uma valorização dos direitos fundamentais, dos princípios constitucionais e das garantias processuais nas decisões prolatadas, que ocorra uma ponderação de valores, que relativizem o formalismo excessivo, ao relativizar algumas posturas esdrúxulas muitas vezes adotadas pelos juízes.

A inadmissão de recurso por estar ilegível um determinado carimbo ou certidão lavrada pela serventia, bem como a informação processual prestada de modo equivocado, por meio do sítio do Tribunal de Justiça, o que ocasiona o não recebimento do seu recurso, não podem ser comportamentos adotados no cotidiano do Judiciário, a partir desse novo paradigma procedimental, em que se deve banir do ordenamento jurídico, e, principalmente, da consciência dos juristas o apego ao formalismo excessivo.

O professor Haroldo Lourenço ao retratar que as decisões proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário devem valorizar o formalismo-valorativo traz à baila decisões do Superior Tribunal de Justiça, que já o utilizaram como fundamento[28]:

Exemplificativamente na hipótese de agravo de instrumento interposto via  fax, perante o tribunal de origem, sem as cópias que formam o instrumento, posteriormente apresentadas juntamente com o original, o STJ,  aplicando  o  formalismo-valorativo,  afirmou  que,  como  a  Lei  n° 9.800/99 não disciplina nem o dever nem a  faculdade do advogado, ao usar o protocolo via fac-símile, este deve transmitir, além da petição de

razões do recurso, cópia dos documentos que o instruem, a interpretação que deve ser orientada pelas diretrizes que levaram o legislador a editá-la, agregando-lhe os princípios gerais do direito. Observado o motivo e a finalidade da referida lei, que devem ser preservados acima de tudo, vários foram os motivos apontados: (i) não houve prejuízo para a defesa do recorrido, porque só será intimado para contrarrazoar após a juntada dos originais aos autos; (ii) o recurso remetido por  fac-símile deverá indicar o rol dos documentos que o acompanham, sendo vedado ao recorrente fazer qualquer alteração ao juntar os originais; (iii) evita-se um congestionamento no trabalho da secretaria dos gabinetes nos fóruns e tribunais, que terão de disponibilizar um funcionário para montar os autos do recurso, especialmente quando o recurso vier acompanhado de muitos documentos; (iv) evita-se discussão de disparidade de documentos enviados com documentos recebidos; (v) evita-se o congestionamento nos próprios aparelhos de fax disponíveis para recepção do protocolo; (vi) é vedado ao intérprete da lei editada para facilitar o acesso ao Judiciário fixar restrições, criar obstáculos, eleger modos que dificultem sua aplicação.

A mesma tendência metodológica pode, ainda, ser observada, no julgamento proferido pelo Egrégio STJ, o qual admitiu a interposição de Embargos de Declaração antes da publicação do acórdão, sendo que sua transcrição é de fundamental relevância, uma verdadeira síntese desse novo paradigma do Direito Constitucional aplicado ao processo:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO INTERPOSTO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO. CONHECIMENTO. INSTRUMENTALISMO PROCESSUAL. PRECLUSÃO QUE NÃO PODE PREJUDICAR A PARTE QUE CONTRIBUI PARA A CELERIDADE DO PROCESSO. BOA-FÉ EXIGIDA DO ESTADO-JUIZ. DOUTRINA. RECENTE JURISPRUDÊNCIA DO PLENÁRIO. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E REJEITADO.1. A doutrina moderna ressalta o advento da fase instrumentalista do Direito Processual, ante a necessidade de interpretar os seus institutos sempre do modo mais favorável ao acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CRFB) e à efetividade dos direitos materiais (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. In: Revista de Processo, São Paulo: RT, n.º 137, p. 7-31, 2006; DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010).5ºXXXVCRFB

2. "A forma, se imposta rigidamente, sem dúvidas conduz ao perigo do arbítrio das leis, nos moldes do velho brocardo dura lex, sed lex" (BODART, Bruno Vinícius Da Rós. Simplificação e adaptabilidade no anteprojeto do novo CPC brasileiro. In: O Novo Processo Civil Brasileiro -Direito em Expectativa. Org. Luiz Fux. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 76).CPC

3. As preclusões se destinam a permitir o regular e célere desenvolvimento do feito, por isso que não é possível penalizar a parte que age de boa-fé e contribui para o progresso da marcha processual com o não conhecimento do recurso, arriscando conferir o direito à parte que não faz jus em razão de um purismo formal injustificado.

4. O formalismo desmesurado ignora a boa-fé processual que se exige de todos os sujeitos do processo, inclusive, e com maior razão, do Estado-Juiz, bem como se afasta da visão neoconstitucionalista do direito, cuja teoria proscreve o legicentrismo e o formalismo interpretativo na análise do sistema jurídico, desenvolvendo mecanismos para a efetividade dos princípios constitucionais que abarcam os valores mais caros à nossa sociedade (COMANDUCCI, Paolo. Formas de (neo) constitucionalismo: un análisis metateórico. Trad. Miguel Carbonell. In: "Isonomía. Revista de Teoría y Filosofía del Derecho", nº 16, 2002).

5. O Supremo Tribunal Federal, recentemente, sob o influxo do instrumentalismo, modificou a sua jurisprudência para permitir a comprovação posterior de tempestividade do Recurso Extraordinário, quando reconhecida a sua extemporaneidade em virtude de feriados locais ou de suspensão de expediente forense no Tribunal a quo (RE nº 626.358-AgR/MG, rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julg. 22/03/2012). [...] (101132 MA , Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 24/04/2012, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-099, publicado em 22/05/2012)

Ressalte-se que o do novo Código de Processo Civil, apesar de ser louvável não se encontra isento de críticas, haja vista que perdeu a oportunidade de criar mecanismos coercitivos para combater a prática de interposição de recursos que se utilizam de protelações, com o intuito de desencorajar a parte oponente, a qual sente que é um sofrimento e um desgaste desnecessário prosseguir com o seu processo, já que dificilmente terá seu pleito decidido. Tais instrumentos poderiam consistir em uma multa mais rígida para coibir práticas protelatórias e uma postura mais ativa do magistrado para impedir e punir a litigância de má-fé.

Deixando de lado as críticas, o NCPC, é um avanço, ao prever que as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, por isso tal princípio deve ser observado em todo o procedimento, inclusive na fase recursal.

Desta feita, além da mudança procedimental que se operará na fase recursal, deve haver, outrossim, uma ruptura do atual paradigma metodológico adotado pelos Tribunais, em que as decisões devem ser adotadas a partir dessa nova diretriz processual, principalmente, no âmbito dos recursos.

Sem dúvida, tal mentalidade já está sendo difundida, contudo, timidamente, por isso com o novo Código de Processo Civil almeja-se que o número de decisões prolatados com a observância dos princípios e garantias constitucionais processuais seja elevado, já que o Poder Judiciário brasileiro ainda está imerso, inegavelmente, em uma cultura positivista, que atua conforme o que está previsto em leis infraconstitucionais.


5 Considerações Finais                                                                                                  

A preocupação com o problema da celeridade processual não é atual. Ela permeia o mundo jurídico há décadas, contudo, não se deve permitir que atinja um grau insuportável de resistência, a ponto de causar angústia e insatisfação na população que depende do Poder Judiciário e que nele deposita sua confiança.

Com vistas a romper tal conjuntura, foi firmado um paradigma metodológico voltado à concretização dos princípios constitucionais, objetivando assegurar os direitos fundamentais consubstanciados em nossa Lei Maior. Eis que surge no Direito pátrio: o neoconstitucionalismo.

Influenciados por tal quadro jurídico, em que princípios devem ser ponderados com regras, os primeiros processualistas passaram a defender um Direito Processual Civil guiado para atender o interesse social e um rito procedimental voltado a efetivar na prática os direitos que já se encontravam formalmente previstos, é o que se entende por Neoprocessualismo.

Contudo, tal modificação na consciência dos juristas ainda era muito tímida, necessitando de uma alteração mais significativa para que as decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais pudessem ser adotadas em conformidade com o norte processual de valorização de direitos fundamentais e das garantias processuais constitucionalmente garantidas, abolindo o formalismo exacerbado e os comportamentos arbitrários.

E é nesse contexto que se insere a ótica utilizada pelo Novo Código de Processo Civil, cujo objetivo não foi somente o de reestruturar e sistematizar o código anterior. Ele foi além. Buscando adequar as normas processuais aos valores constitucionais, efetivando por meio do processo os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. O processo, nesse sentido, deve ser orientado pela ética, lealdade e boa-fé processual, em que se valoriza a isonomia entre os litigantes e um processo justo.

Apesar das críticas de que não revoluciona metodologicamente, e de que apenas positiva as ideias já consagradas na doutrina e na jurisprudência, a elaboração do do novo Código de Processo Civil, é sem dúvida uma atitude louvável, com um valor simbólico, que ao positivar os primados constitucionais espera-se que se estenda a valorização dos direitos fundamentais a todas as decisões prolatadas nos órgãos do poder Judiciário.

Uma das maiores preocupações que aflige, atualmente, o mundo jurídico, estando presente em qualquer debate seja teórico ou prático é a dicotomia existente entre a celeridade processual e o manejo de recursos. Com vistas a romper a tese de que os recursos são incompatíveis com o andamento processual célere, o novo Código extinguiu recursos considerados desnecessários e simplificou o procedimento recursal, ao diminuir em alguns pontos a sua complexidade.

O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo mais célere, mais justo, porque mais próximo às necessidades sociais e menos complexo. É, assim, inovador quando trata do precedente judicial em uma seção própria, valorizando a uniformização e a estabilização da jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Desta feita, a crise do Judiciário é relevante do ponto de vista de colocar em evidência seu papel, enquanto mantenedor da Justiça, tornando-o alvo de fiscalização e de frequentes críticas; mas não é por isso que devemos persistir nos erros passados, e sim superá-los. Novos problemas sempre virão, mas não se pode deixar que os antigos se adicionem a eles.


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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.


Notas

[2] PEDRON, Flávio Quinaud.Um Olhar Reconstrutivo da Modernidade e da “Crise do Judiciário”: A diminuição dos Recursos é mesmo uma Solução? Voz Forensis. v. I. n. I. Minas Gerais, 2008, p. 127.

[3] LOURENÇO, Haroldo. O neoprocessualismo, o Formalismo Valorativo e Suas Influências no Novo CPC. R. EMERJ. v. 14. n. 56. Rio de Janeiro, 2011. p.74.

[4] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/7547>. Acesso em: 25 nov. 2012, p. 1

[5] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O Processo Civil Na Perspectiva Dos Direitos Fundamentais. Disponível em: www.alvarodeoliveira.com.br. Acesso em: 26 nov. 2012, p.2.

[6] LOURENÇO, Haroldo. op. cit., p. 80.

[7] CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo.  Panóptica, Vitória, ano 1, n. 6, fev. 2007. Disponível em: <http//:www.panoptica.org>. Acesso em: 26 nov. 2012,p. 25.

[8] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 8. ed. rev. e atual. 2 v. São Paulo: RT, 2010, p.68.

[9] SARLET, Ingo Wolfgang apud LOURENÇO. op. cit. p. 89.

[10] Haroldo Lourenço, ao retratar o pensamento de Álvaro de Oliveira afirma que: “o formalismo diz respeito à totalidade formal do processo, compreendendo não só a forma, ou as formalidades, mas especialmente a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos processuais, coordenação de sua atividade, ordenação do procedimento e organização do processo, com vistas a que sejam atingidas suas finalidades primordiais.” E, arremata o autor: “o formalismo-valorativo [é] um neoprocessualismo com o reforço da ética e da boa-fé no processo, em original ponderação entre efetividade e segurança jurídica. As premissas desse pensamento são as mesmas do chamado neoprocessualismo, que, aliás, já foi considerado um formalismo ético” (LOURENÇO, Haroldo. op. cit., p.94).

[11] BRANDÃO, Carlos Gomes. Processo e Tutela Específica do Direito à Saúde. Cuiabá: Universidade Cândido Mendes, 2006. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/handle/2011/9700>. Acesso em: 20 mai. 2012, p 42.

[12] LOURENÇO, Haroldo. op. cit., p.82.

[13] LOURENÇO, Haroldo. op. cit., p.81.

[14]  Um exemplo do modelo individualista que influenciou a feitura do Código de Processo Civil é a previsão do seu art. 6º que enuncia que ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei, o que retrata a ausência de solidariedade, em um pleito voltado sempre ao interesse próprio.

[15] LOURENÇO, Haroldo. op. cit., p.97.

[16] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. op. cit., p.209.

[17] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. op. cit., p.189.

[18] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz op. cit., p.192.

[19] GONÇALVES, Marcus Vinicius. Novo Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral e Processo de Conhecimento. v. I. 8. ed. São Paulo, Saraiva, 2011, p. 290.

[20] PEDRON, Flávio Quinaud.Um Olhar Reconstrutivo da Modernidade e da “Crise do Judiciário”: A diminuição dos Recursos é mesmo uma Solução? Voz Forensis. v. I. n. I. Minas Gerais, 2008, p. 128.

[21] PEDRON, Flávio Quinaud. op. cit., p. 130.

[22] OLIVEIRA, Moisés do Socorro de. O Poder Judiciário: morosidade. Causas e soluções. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 96, 7 out. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4306>. Acesso em: 26 maio 2012.

[23] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro. Curso de Direito Processual Civil: Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. 10.ed. v. III. Salvador: Jus Podivm, 2012, p. 23.

[24]ROCHA, Felippe Borring. "Considerações  iniciais sobre  a  teoria geral  dos  recursos  no Novo Código de Processo Civil". Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Ano 5. Volume VII. Janeiro a Junho de 2011. Rio de Janeiro, p. 43.

[25] O agravo de instrumento do Novo Código passa a ser designado apenas como agravo, já que a modalidade retida do agravo não mais se encontra prevista.

[26] ROCHA, Felippe Borring. op.cit, p. 29-30.

[27] Utilizava-se para denominar o agravo interno, os seguintes termos: agravo regimental, agravo de mesa, agravinho e agravo inominado.

[28] STJ, Corte Especial, EREsp 433.687-PR, rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 05.05.2004 e Resp 901556/SP, Corte Especial, Rel. Min. Nancy Andrigui, julgado em 21.05.2008 (LOURENÇO, Haroldo. op. cit., p. 99).


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Nota dos editores: Alguns trechos deste trabalho podem estar desatualizados no momento de sua publicação na Revista Jus Navigandi.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRAZÃO, Gabriela. O neoprocessualismo e suas consequências na fase recursal do novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5722, 2 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72307. Acesso em: 19 abr. 2024.