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Eutanásia revisitada

Um tema em debate pelo direito penal moderno

Eutanásia revisitada: Um tema em debate pelo direito penal moderno

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Para que a prática de eutanásia não configure crime de homicídio ou de auxílio a suicídio, é preciso que se realize em condições específicas.

 

Eutanásia

A origem do termo eutanásia vem do grego (eu = bem + thanatos = morte) significando “morte boa”, e por extensão, contextualizando, “morte suave, doce ou tranquila”, “morte digna”, morte indolor, rápida e libertadora, isto é, sem dor nem sofrimentos.

No século XVII, o filósofo e chanceler inglês Francis Bacon cunhou o termo eutanásia na obra The Advancement of Learning (1605), dando a forma definitiva em Augmentis Scientiarum (1623), onde afirmou que: “A profissão do médico não consiste unicamente em restabelecer a saúde, mas também aliviar as dores e sofrimentos que acompanham as enfermidades, e isso não só quando este alívio da dor... contribui ou conduz ao convalescimento, mas também a fim de dar ao enfermo, quando não haja mais esperança, uma morte doce e nobre”[1]. Como atividade médica destinada a aliviar aos moribundos a dor da morte, Bacon distinguia a eutanásia externa (dar fim à vida por atos exteriores) da eutanásia interna (predisposição espiritual e psicológica do enfermo para aceitar a morte).

Algumas definições de eutanásia são muito amplas ou demasiadamente impregnadas de preconceito, como a proposta por Manzini: “l’uccisione di persone affette da malattia inguaribile o molto penosa, o in stato agonico prolungato e tormentoso, o malate di mente così da essere inutili o dannose a sè e agli altri” (“a morte de pessoas que sofrem de doenças incuráveis ou dolorosas ou num estado agonizante e tormentoso, ou mentalmente doentes, de modo a serem inúteis ou prejudiciais para si mesmas e para os outros”)[2].

De um modo geral, tornou-se célebre, dada a larga aceitação, a definição formulada pelo médico italiano Enrico Morselli em 1923: “L’Eutanasia, propriamente detta, e che io chiamerei "uccisione misericordiosa" o "pietosa", è quella che altri procura ad una persona sofferente di infermità ormai incurabile o molto penosa; ed è quella che fu proposta per troncare le agonie troppo prolungate o dolorose”[3] (“A eutanásia, propriamente dita, e que eu a chamarei ocisão misericordiosa ou piedosa, é a que alguém dá a outra pessoa que sofre de enfermidade incurável ou muito dolorosa, para livrá-la das agonias muito prolongadas ou dolorosas”).

Lato senso a eutanásia é a morte misericordiosa provocada intencionalmente de uma pessoa, a pedido desta, para livrá-la da agonia e do sofrimento atroz provocados por acidente, enfermidade ou pela degenerescência, de que inexoravelmente a vítima não se pode livrar ou convalescer[4].

Para fins deste trabalho propomos o conceito restritivo de eutanásia, que pode ser definida como morte provocada pelo médico a pedido ou com o consentimento do paciente, que padece de enfermidade incurável de acordo com o conhecimento médico, e que se encontra em situação ‘in extremis’ ou penosa, com fins libertadores da agonia dolorosa ou prolongada. Ou seja, na feliz síntese é a ação ou omissão que, por compaixão, abrevia diretamente a vida do paciente com intenção de eliminar a dor[5].

Desta forma, ficam de fora deste conceito: (1) a eutanásia eugênica ou selecionadora, usada com fins racistas de “procriação hígida” ou como instrumento de “higienização social”, que realiza uma seleção mediante o extermínio dos débeis, malformados, degenerados, cujos descendentes – segundo seus defensores – por inflexível lei da herança serão perigosos, nocivos ou custosos para a sociedade[6]. E (2) a eutanásia econômica, para exterminar “vidas sem importância” como dos idosos, doentes mentais, prole numerosa etc., considerados um “peso morto” para a sociedade[7]. Trata-se de conseguir uma melhora econômica da sociedade fazendo desaparecer quem por invalidez e inutilidade representa uma carga social[8].

A eutanásia eugênica e a eutanásia econômica na essência são idênticas, porque consistem na supressão das “vidas sem valor vital” (lebensunwerten Lebens) conforme diziam alguns autores alemães[9]. Dessas duas modalidades (ingerências estatais criminosas no direito à vida) se tem de distinguir a autêntica eutanásia.

Na atualidade o termo eutanásia tem sido empregado preferencialmente em relação a outras expressões utilizadas em outras épocas, por exemplo, como “auxílio ao suicídio” ou “ajuda a morrer”. Todavia, na Alemanha continua sendo empregado o termo Sterbehilfe (da contração de Sterben + hilfe = ajuda a morrer) em contraposição ao termo Euthanasie pelas conotações semânticas que teve durante o nazismo[10].

Como um braço da política sanitária racista do III Reich, o Programa Aktion-4 desenvolveu-se numa espiral crescente: num primeiro momento os médicos executavam as crianças e os recém-nascidos malformados ou portadores de alguma anomalia física ou mensal; posteriormente o programa estendeu-se também aos adultos inválidos e idosos decrépitos e homossexuais; por fim, juntamente com os dois estágios anteriores, a todos os cidadãos não-arianos, especialmente contra judeus, negros e ciganos.

O partido nacional-socialista não ousou realizar publicamente o seu programa eutanásico. Os doentes mentais eram executados silenciosamente com base no decreto secreto de Hitler de 1.9.1939. Em 1941 o programa pareceu ter sido interrompido diante da preocupação de a opinião pública descobrir as ações criminosas, mas continuou agindo secretamente. Estima-se que após 1941 cerca de 100.000 pessoas tenham sido mortas[11].

O nome Aktion T4 era uma abreviação de Tiegartenstraβe 4, endereço da sede da fundação Gemeinnützige Stiftung für Hell und Anstaltspflege localizada em Berlim, que desenvolveu o programa.

Contra essa experiência nazista reagiu a Lei Fundamental (GG, art. 2.2.) [12] , “in verbis”: “Jeder hat das Recht auf Leben und Körperliche Unversehrtheit. Die Freiheit der Person ist unverletzlich. In diese Rechte darf nur auf Grund eines Gesetzes eingregriffen werden”[13] (“Todos têm o direito à vida e a integridade física. A liberdade individual é inviolável. A intervenção nesses direitos somente se dará por lei”).

Nos Países Baixos onde a eutanásia é permitida, a definição proposta por Henk Ten Have (Eutanasia: la experiência holandesa, in Morir con dignidad, Madrid: Doce Calles, 1996, p. 38-53) é a seguinte: “a finalização intencional da vida realizada por um médico a pedido do próprio paciente”. Segundo Álvarez esse conceito tem a qualidade de destacar três características principais: a intenção, o pedido do paciente e o papel do médico. A intenção é um elemento intrínseco de toda ação e neste caso se refere a uma intenção do médico de terminar ativa ou diretamente com a vida do paciente, porque se busca pôr fim a seu sofrimento. O pedido por parte do paciente é uma justificação moral que sempre tem estado presente nos debates sobre o tema nos Países Baixos. Este pedido deve ser voluntário, explícito e repetido. Se não existe este pedido, não se considera eutanásia o procedimento que põe fim à vida de um enfermo. Ao médico é a quem compete realizar a eutanásia e se descarta qualquer outro profissional sanitário para fazê-lo; se esta condição não se cumpre não se pode falar de eutanásia, mas de homicídio[14].

Junto ao termo eutanásia empregam-se também outros vocábulos relacionados: ortotanásia e distanásia, que fixam dois polos no tratamento médico dos pacientes terminais.

A ortotanásia consiste em deixar o doente terminal morrer, sem empregar meios desproporcionados in extremis, a fim de obter uma morte digna, de acordo com a dignidade do sujeito.

A distanásia (morte dolorosa) é a antítese da eutanásia (morte boa). Refere-se ao tratamento terapêutico que prolonga a agonia do doente, provocando um tratamento desumano, que pospõe artificialmente o leito de morte. Consiste na utilização de terapias que não são capazes de curar o paciente, mas que simplesmente prolongam artificialmente sua vida em condições penosas. É eticamente incorreta e produz uma visão errônea de que a medicina pode trazer para os últimos momentos do paciente[15].  

A eutanásia também se distingue do suicídio assistido, embora na prática a linha de distinção entre ambos seja tênue, pois enquanto que na eutanásia direta a obra do evento morte é executada pelo médico, no suicídio assistido é o próprio doente que executa o ato, fornecendo-lhe o médico os meios necessários (como por exemplo, prescrevendo barbitúricos). O suicídio assistido pressupõe, portanto, capacidade do paciente para decidir, do contrário, figura-se a eutanásia ativa ou o homicídio, conforme o caso.


Classificação

A eutanásia pode ser voluntária (quando realizada a pedido do paciente ou com o consentimento expresso e consciente dele) ou involuntária (que se dá quando o paciente não consegue manifestar a sua vontade – pessoas inconscientes, ou com desenvolvimento mental incompleto em razão da idade ou da saúde – , ou ainda, a realizada contra a própria vontade do paciente).

De acordo com a classificação exposta por Polaino-Orts, a eutanásia divide-se ainda em duas classes: direta e indireta.

Assim:

1) a eutanásia direta consiste na eleição de uma terapia que provocará a morte do enfermo terminal. Por meio dela o autor procura propositalmente abreviar a vida do paciente[16].

A eutanásia direta (1) subdivide-se em: (a) ativa e (b) passiva.

a) a eutanásia direta ativa consiste num “fazer”, isto é, ministrar uma substância que provocará a morte imediata e indolor do moribundo.

b) a eutanásia direta passiva consiste em um “não-fazer”, isto é, objetiva produzir a morte querida mediante a “recusa” de um tratamento prolongador da vida ou mediante a “interrupção” desse tratamento. Trata-se de não iniciar (abstenção terapêutica) ou não prosseguir (suspensão terapêutica) um tratamento médico ante complicações sobrevindas ou ante a irreversibilidade da situação, isto é, uma vez que não tenha solução médica que freie o curso da enfermidade. Um exemplo de eutanásia direta passiva é a omissão de tratar a pneumonia de enfermo com câncer de pulmão; deixar de alimentar por sonda um paciente na UTI, etc. [17], seja retirando o respirador do politraumatizado que nunca mais poderá recuperar a consciência[18].

A interrupção dos auxílios é lícita quando a sua continuação possa ocasionar um meio extraordinário ao enfermo e, portanto, não obrigatório; neste caso o enfermo morre pela insuficiência da sua função e não pela ausência da máquina[19]. Alguns médicos não encontram dificuldade particular em não aplicar um tratamento inútil, porém resistem em interrompê-lo uma vez iniciado[20].

A doutrina tem entendido que a eutanásia direta passiva a conduta sempre é omissiva, porque o que ocorre na realidade é que o médico suspende o tratamento, constituindo os aparatos simplesmente uma longa manus, uma prolongamento da atividade médica[21]. Alguns autores, especialmente na Alemanha, preferem o uso do termo “deixar morrer” em vez do conceito “eutanásia direta passiva”.

2) a eutanásia indireta consiste na eleição de um tratamento terapêutico lenitivo, que tem por objetivo exclusivo aliviar a dor do paciente, e como efeito indireto, secundário ou colateral, porém certo, produz a morte do paciente. Nesses casos é administrado um analgésico para aliviar a dor excessiva, pondo o paciente num estado de inconsciência, e que no final, de maneira adicional ou indireta, abrevia o processo vital, antecipando a morte[22].

Essa modalidade eutanásica (indireta) corresponde à ortotanásia, que é também chamada por alguns autores de eutanásia lenitiva em contraposição à eutanásia ocisiva ou ativa[23].


Análise jurídica da eutanásia a partir do Código Penal de 1940

No Direito comparado o tratamento penal dado à eutanásia tem dividido as legislações: (1) crime de homicídio; (2) crime de suicídio assistido; (3) crime de homicídio com pena reduzida por motivo da culpabilidade diminuída[24] (maioria dos países, como Portugal arts. 133 e 134, Espanha art. 143.4, Alemanha § 216; e inclusive o Brasil art. 121, § 1.º); (4) crime de homicídio com despenalização pela via judicial – perdão judicial – (Uruguai art. 310 c.c. o art. 37), e (5) fato atípico, quando preenchidos requisitos legais estritos para a sua realização (Holanda, Luxemburgo e Bélgica).

O Código Penal italiano (art. 579) altamente repressivo pune a eutanásia ou “homicídio do consenciente” (“omicidio del consenziente”) com pena de reclusão de seis a quinze anos, “grati al nostro legislatore di avere riconosciuto la punibilità dell’omicidio del consenziente, conforme ai principi della religione e dell’etica”[25]. Mas se o sujeito ativo age por motivo de compaixão aplica-se a atenuante do art. 62, n. 1[26].  Atualmente, a Itália não pune mais a eutanásia quando realizada de acordo com a lei.

O legislador brasileiro não optou por criar um tipo penal autônomo de crime de eutanásia, mas passou a incriminá-la indiretamente através do § 1.º do art. 121 do Código Penal, chamado de homicídio privilegiado e fundamentado no sentimento de piedade do sujeito ativo em relação ao sujeito passivo através do tipo normativo “relevante valor moral”, isto é, quando o autor mata alguém impedido pela compaixão ou pelo sentimento de piedade.

O § 1.º adere ao tipo fundamental do art. 121 do Código Penal.

Eis a redação do § 1.º do art. 121 do Código Penal, “in verbis”:

         Parte Especial

Título I – DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

Capítulo I – Dos Crimes contra a Vida

Homicídio simples

Art. 121 – Matar alguém. Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1.º - Se o agente comete o crime impelido de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

O artigo 121 do Código Penal tutela a vida humana extrauterina. “Homicidium est hominis caedes ab homine iniuste patrata”. Esta clássica definição de homicídio de Carmignani (Elementi, § 898) está plasmada no artigo 121 do Código Penal, quando nela se destaca que o homicídio consiste na morte de um homem causada por outro homem (diz o verbo típico: “Matar alguém”); todavia no atual desenvolvimento da técnica jurídica penal é desnecessária a expressa alusão ao injusto da conduta (hoje, pleonástica), porque a ilicitude da conduta é um elemento essencial do tipo[27].

O sujeito passivo do crime de homicídio é o outro homem vivo, porque é pressuposto de crime contra a vida é que a vítima esteja viva. “Não há crime onde exista uma vida já extinta, por falta de objeto do crime. É caso de crime impossível. Não se mata um homem morto: mas se pode matar o moribundo mesmo que ele tenha apenas o último suspiro de vida, e inclusive o condenado à morte, ainda que seja certo que morrerá a pouco.  Para ter o homicídio basta uma existência humana, qualquer que seja a sua condição fisiológica, psicológica, social, jurídica do paciente. Portanto, não tem efeito sobre a existência do crime o sexo, a idade, o estado físico ou mental, a posição social, a capacidade jurídica, a raça e a nacionalidade”[28].

No passado, o ser humano referia-se ao “ser nascido de mulher”, todavia, hoje se discute com o avanço das novas técnicas das ciências médicas e biológicas, de geração, se o embrião fora do útero humano é passível de crime contra a vida. De acordo com os conceitos civis de vida e com as noções que surgem de sua proteção penal por meio dos tipos penais de aborto, tem que se tratar de uma vida se desenvolva no útero da mulher, qualquer que seja o meio empregado para lograr a concepção (natural ou artificial). O produto de uma concepção obtida fora do corpo materno, que não tenha sido implantado, e que se mantém artificialmente fora do seio materno (vida in vitro), ainda que biologicamente possa catalogar-se como vida humana não é o que a lei penal protege debaixo desse título (crime contra a vida), ainda quando sua destruição possa afetar outros interesses e constituir outros crimes; porém se esse produto foi implantado no seio materno, a proteção legal se dá por meio do crime de aborto até que ocorra o nascimento, qualquer que sejam as possibilidades de sua viabilidade: basta que funcione como complexo vital[29]. Para efeitos do art. 121 a proteção penal do crime de homicídio se inicia com o trabalho de parto, com o despregamento do feto do colo do útero associado ao rompimento do saco amniótico; na cesariana, com o início da cirurgia até a superveniência da sua morte, que se dá com a parada encefálica geral e irreversível (art. 3.º da Lei 9.434 e Lei 10.211/2001)[30].

No homicídio privilegiado (§ 1.º do art. 121 do CP) trata-se de caso de diminuição de pena em relação ao homicídio simples quando reunidas as circunstâncias descritas no § 1.º. Não se trata de um crime autônomo, mas propriamente de um caso de diminuição de pena diante de uma circunstância legal que se une ao tipo fundamental do crime de homicídio simples (art. 121, caput). Como no rol do § 1.º do art. 121 as circunstâncias legais são subjetivas elas não se comunicam aos eventuais coautores ou partícipes do crime. É o que está consagrado no artigo 30 do Código Penal.

Para a redução da pena, de um terço a um sexto em relação ao crime de homicídio (art. 121, caput do CP), devem estar preenchidas qualquer uma das três hipóteses descritas no § 1.º do artigo 121 do Código Penal:

 

              Art. 121

 

                  +

 

                   § 1.º

 

          Verbo Típico

     

                 +

 

  Circunstâncias Pessoais

 

        A -Matar alguém

 

                 +

 

  por motivo de relevante valor

                social

 

       B- Matar alguém

 

                +

 

    por motivo de relevante

             valor moral

 

 

     C - Matar alguém

 

                 +

 

    sob o domínio de violenta

   emoção, logo em seguida à

   injusta provocação da vítima

 

   

Em todo os casos:

               Pena:

 

 

           Reclusão

 

   de um sexto a um terço em

   relação ao tipo fundamental

      (do homicídio simples).

Tratando-se de crime contra a vida a competência para o seu processamento e julgamento é do Tribunal do Júri, competindo ao corpo de jurados (como juízes naturais) decidir na votação dos quesitos pela existência ou não do privilégio. Reconhecido privilégio pelos jurados é obrigatória a redução da pena pelo juiz (CPP, art. 483, § 3.º, I; RT 448/356).

Pois bem, veja que na descrição do tipo penal em nenhum dos casos do § 1.º do art. 121 se refere expressamente à eutanásia. Portanto não existe em nosso ordenamento jurídico um tipo penal de eutanásia. Não obstante, o Ministro da Justiça Francisco Campos, sob a pena de Nelson Hungria (autor do anteprojeto), no item 39 da Exposição de Motivos do Código Penal indicava a eutanásia como caso de homicídio privilegiado, designando-a de “homicídio eutanásico”.

Convertido o anteprojeto no Código Penal por meio do D.L. 2.848/1940, Nelson Hungria traçou neste ponto os mais louváveis encômios à sua obra:

“O legislador brasileiro que não se deixou convencer pelos argumentos que defendem, no tocante ao homicídio piedoso, a radical impunibilidade ou a faculdade do perdão judicial. Rejeitou, assim, o exemplo dos Códigos Penais soviético e uruguaio”[31].

Defendendo posição manifestamente contrária a qualquer forma de eutanásia (especialmente a ortotanásia tendente à descriminalização) Nelson Hungria profligava em outra passagem:  

“Nenhum médico tem a faculdade de ficar impassível como simples espectador em face do moribundo, desde que haja possibilidade de mantê-lo com vida. E aquele que assim proceder, não será apenas um criminoso, senão também um profissional indigno, a quem se deve rasgar do diploma.

Mercê de Deus, que no Brasil, à parte uma irrequieta e ínfima minoria de camelots a pregoar o subido mérito de ideias extravagantes, só porque trazem o cachet de novidade e da procedência europeia, não há clima para o ceticismo que avassala a mentalidade do Velho Mundo. Ainda não nos despedimos, nem nos despediremos, por honra nossa, da convicção de que um dos traços frisantes da superioridade do homem sobre a besta é o consciente sentimento de solidariedade para com o seu semelhante”[32].

Ou ainda,

“É sabido que a nossa vigente lei penal desacolhe a tese de impunidade do homicídio eutanásico, isto é, do homicídio praticado para abreviar piedosamente os sofrimentos de um doente incurável. Apenas transige em considerá-lo um homicidium privilegiatum, um delictum exceptum, facultando ao juiz a imposição de pena minorada, em atenção a que o agente é impelido ‘por motivo de relevante valor social ou moral’. O nosso legislador de 1940 manteve-se fiel ao princípio de que o homem é coisa sagrada para o homem. Homo res homini sacra. A supressão dos momentos de vida que restam ao moribundo é crime de homicídio, pois a vida não deixa de ser respeitável mesmo quando convertida num drama pungente e esteja próxima de seu fim”[33].

E, assim, diante do disposto no § 1.º do artigo 121 do Código Penal segundo a ótica da doutrina tradicional estava lançada a pá de cal sobre qualquer discussão da eutanásia no Brasil, como, nesse sentir, dizia o grande penalista e médico Aníbal Bruno:

“Por consenso geral, admite-se como determinado por motivo de relevante valor moral o chamado homicídio piedoso.

Desse modo se procuraria decidir, por via indireta, no domínio do nosso Código Penal, o controvertido problema da eutanásia, problema complexo e de infindável discussão, não só quanto à conceituação do fato, mas ainda no que se refere às soluções com que a literatura e as legislações penais procuram resolvê-lo”[34].

Acerca do § 1.º do artigo 121 do Código Penal, a doutrina assevera, que perante “a nossa lei, não é propriamente o consentimento da vítima, mas sim o motivo de relevante valor moral, a piedade, o impulso altruístico, que justifica a atenuação especial da pena”[35]. “O motivo portador de destacado valor social é o consentâneo aos interesses coletivos. Já o motivo de relevante valor moral é aquele cujo conteúdo releva-se em conformidade com os princípios éticos dominantes em uma determinada sociedade  [aferidos objetivamente]”[36]. No caso da eutanásia, o “relevante valor moral” entende-se como sendo um sentimento altruísta e humanitário para com a vítima, por piedade, misericórdia ou compaixão[37], e que a moral média reputa nobre e merecedora de indulgência e que deve ser acolhido pelo juiz, ainda que a moral superior possa ensinar diversamente; prevalecem aqui os critérios da chamada moral prática[38]. Deve, ainda, estar provada a ausência de egoísmo do autor (trabalhos com o enfermo, gastos excessivos, antecipação da herança etc.) e sim o móvel piedoso ou compassivo[39].

Com raras exceções de entendimento, para a doutrina tradicional a ortotanásia configura crime de homicídio. Nesse sentir dizia Nelson Hungria:

“A supressão fatal da distanásia, do mesmo modo que a eutanásia, constitui, repita-se, o crime que o Código Penal define como ‘homicídio’. Nenhuma diferença existe entre o aplicar-se uma forte injeção de protóxido de azoto para abreviar a morte do enfermo e do deixar, para o mesmo fim, de lhe ministrar um cardiotônico ou um antibiótico. Não há dizer-se que, no último caso, haveria quando muito, o crime de omissão de socorro. Nesta, ao contrário do que ocorre na eutanásia por omissão, inexiste o animus necandi, a voluntas ad necem. O omitente de socorro é um egoísta que cuida de se forrar a incômodos, mas sem que o aspire, sequer, o mais longínquo desejo de morte do periclitante; enquanto o médico que deixa de empregar os recursos distanásicos falta ao seu dever profissional e jurídico de prolongar a vida tanto quanto possível e contribui, voluntária e intencionalmente, para a morte do seu cliente”[40].

Dependendo do caso concreto a eutanásia no Brasil pode até mesmo configurar homicídio qualificado (art. 121, §§ 2.º, I a IV), crime hediondo (art. 1.º, I da Lei 8.072/1990), com pena de reclusão de doze a trinta anos, quando se der, por exemplo, por motivo torpe (como na retirada de órgãos para o comércio clandestino, ou como forma de antecipar a herança, ou ainda, para o recebimento do prêmio de seguro de vida deixado pelo moribundo etc.) ou por impossibilitar a defesa do ofendido (desligar aparelhos de uma vítima inconsciente); ou homicídio qualificado-privilegiado, quando as qualificadoras forem de natureza objetivas, para não haver incompatibilidade com a privilegiadora subjetiva (CP, art. 67 e STF, HC 76.196/GO, Rel. Min. Maurício Corrêa, Informativo 113); não é crime hediondo diante do princípio nullum crimen, nulla poena sine lege, porque a Lei 8.072/90 prevê apenas, como hediondo, homicídio simples em ação de grupo de extermínio e homicídio qualificado; não prevê homicídio qualificado-privilegiado (STJ, 5. T, HC 144.196/MG, Rel. Min. Félix Fischer, DJe 1.2.2010).

A tendência atual da doutrina é pela atipicidade da eutanásia passiva (ortotanásia), cuja terapêutica paliativa é dirigida a aliviar a dor sem interromper o curso do processo natural da morte inevitável. A ortotanásia é um irrelevante penal, porque o médico não está obrigado a prolongar artificialmente a vida de um paciente terminal, a menos que o paciente ou seus familiares solicitem[41].

O sentido médico de, por outro lado, instrumentos de reanimação caros e escassos – e para isso foram criados – é o de poder manter artificialmente com vida de quem, em definitivo, tem possibilidades de sobreviver e não o de criar cadáveres viventes; é o de devolver a vida para as pessoas e não em prolongar sua agonia: daí que em tal caso pode haver o interesse contraposto de outros pacientes potenciais com melhor prognóstico (estado de necessidade de terceiro) e o exercício legítimo da profissão médica (exercício regular de um direito) exijam interromper – ou não aplicar – a assistência com instrumentos criados para curar – e não para fazer sofrer a quem não se pode curar[42].

Reforça esse entendimento, a Resolução 1805/2006, de 9 de novembro, do Conselho Federal de Medicina, com a seguinte ementa: “Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, é permitido ao médico suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou seu representante legal”.

Para a suspensão dos procedimentos e tratamentos médicos a Resolução 1.805/2006 traça os critérios definidos nos artigos 1.º e 2.º e respectivos §§, “in verbis”:

Art. 1.º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

 § 1.º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.

§ 2.º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.

§ 3.º É assegurando ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.

Art. 2.º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar”.

Contudo, quanto às demais formas de eutanásia direta (ativa e passiva) ainda predomina o entendimento de que são criminosas com base na legislação penal (CP, art. 121, § 1.º).

A matéria foi reafirmada pelo Conselho Federal de Medicina no parágrafo único do art. 41 do Código de Ética Médica (Res. 1.931/2009), “in verbis”:

Capítulo V

Relação com pacientes e familiares

É vedado ao médico:

(...)

Art. 41 – Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.

Parágrafo único – Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapias inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente, ou na sua impossibilidade, a de seu representante legal.


Tratamento da eutanásia nos projetos do Código Penal ("de lege ferenda")

Alheio à realidade, o nosso legislador manteve a tendência de incriminar a eutanásia.

O Código Penal de 1969, que não chegou a vigorar, manteve a incriminação da eutanásia nos mesmos moldes do art. 121, § 1.º do Código Penal, atualmente vigente, “in verbis”:

Art. 120 – Matar alguém (Homicídio simples). Pena: reclusão, de 6 a 20 anos. § 1.º - Se o agente comete o crime por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um terço (redação dada pela Lei 6.016 de 1973).

No PLS 236/2012 o artigo 122 tipifica a eutanásia ativa como crime autônomo, sob a rubrica “eutanásia”:

Art. 122 – Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave. Pena: prisão, de dois a quatro anos. § 1.º - O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreito laços de afeição do agente com a vítima. § 2.º - Não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.

Pequeno avanço houve em relação ao Código Penal vigente, porque no PLS 236/2012 consagrou-se a impunidade da ortotanásia, conforme já recomenda atualmente o Conselho Federal de Medicina.


Posicionamento CONSTITUCIONAL

A experiência nazista levou os países a condenarem a eutanásia dado o perigo que ela representava para as pessoas, que poderiam ficar facilmente vulneráveis em face de uma política estatal eliminadora de “vidas inúteis”. Sob esse ponto de vista histórico e social não há como censurar a incriminação da eutanásia no pós-guerra (ubi societas, ibi jus). Esse dogma, contudo, se estendeu por várias décadas impregnado de preconceito e tabu sobre o tema (a esse respeito veja a definição de eutanásia de Manzini) o que impediu sua discussão serena perante as legislações e as ciências jurídicas.

Nas últimas décadas, porém, com o avanço da medicina, da bioética e do biodireito, a discussão sobre a eutanásia ganhou novos contornos e projeção internacional, suscitando o interesse da doutrina e do legislador enquanto desafio ético-jurídico, mormente quando pela informação e pela cultura o verdadeiro conceito de eutanásia conectado com a dignidade humana, de matiz constitucional, desprendeu-se definitivamente da pseudo-eutanásia (eutanásia seletiva para fins de eugenia ou de eliminação de vidas carentes de “valor vital”).

O Direito como um fenômeno social não pode ficar encastelado num reino aparte, alheio à realidade (ubi societas, ibi jus).

Melhor que proibir a prática da eutanásia é regulamentá-la. “Eutanásias” de doentes terminais ocorrem a cada minuto nos grandes centros médicos das metrópoles populosas, sem nenhum tipo de controle estatal. Por falta de leitos ou de recursos cabe ao médico a difícil e triste tarefa de escolher qual paciente deve salvar e qual deve morrer, dentro de um juízo de ponderação que interfere uma gama variável de fatores desde científicos, etário, de sexo, possibilidade de convalescimento e até afetivos ou sentimentais com o paciente ou com os seus familiares.

Na clandestinidade as eutanásias caem na cifra negra ou no campo obscuro da criminalidade. E sem nenhum critério legal e sistema de controle estatal elas geram enorme insegurança jurídica tanto para médicos, que podem envolver-se em processos criminais de crime contra a vida, como para pacientes, que podem ter a vida ceifada dentro de uma infinita variável, muitas vezes de natureza puramente subjetiva.

Os argumentos contrários à autêntica eutanásia (morte que se dá àquele que sofre com doença terminal e incurável com sofrimento atrozes) não se sustentam racionalmente à luz do ordenamento constitucional.

A teoria da argumentação jurídica tem demonstrado que os tribunais é que dizem se tal conduta se subsume no tipo penal ou não. Critérios históricos e sociais em determinados momentos consideram crime determinada conduta e em outros não.

Os casos de atipicidade surgem por critérios de “não-atribuição” através de argumentos técnicos-jurídicos que permitem sustentar que um fato concreto não se enquadra num tipo penal por ausência de relevância jurídico-penal[43]. E não é só. No caso da eutanásia a doutrina nacional posicionou-se em sentido inverso para afirmá-la como modalidade de crime de homicídio (privilegiado), contudo, tratando-se de uma eleição consciente ou inconsciente da sociedade a incriminação da eutanásia autêntica pode ser revista a qualquer tempo por meio de argumentos médicos e técnicos-jurídicos que permitam sustentar que a verdadeira eutanásia não se enquadra no § 1.º do artigo 121 do Código Penal, porque não existe entre nós propriamente o “crime de eutanásia”.

Por outro lado, diante do constitucionalismo, entende-se hoje que a realidade jurídica é um fenômeno complexo, e que o Direito Penal está sujeito a princípios e valorações, que reconhecidos pela Constituição, constituem os pressupostos materiais para a caracterização do crime. Sob o aspecto meramente formal, o crime considerado como fato típico e ilícito ao não considerar as valorações e princípios não diz nada como estão caracterizados os pressupostos materiais para a configuração delitiva, isto é, “quando”, “como” e “debaixo de quais condições prévias” alguém deve responder penalmente e sofrer uma imposição de uma pena.

O princípio nullum crimen, nulla poena sine lege tem uma importância fundamental no Direito Penal moderno. Todavia, desde o seu nascimento parece ter presidido uma influência adversa que o persegue. A doutrina tradicional entendia que o princípio da legalidade funcionava como um potencial redutor de outros princípios não-positivados no ordenamento jurídico. A esse respeito, dizia que as normas dirimentes e as causas de exclusão da culpabilidade são fragmentárias e excepcionais, cujo rol era taxativo na lei, não podendo o intérprete criar novas exceções decorrentes dos princípios não positivados [44].

Pois bem, sob a égide do positivismo jurídico dava-se uma interpretação historicamente inversa ao princípio da legalidade, como potencial redutor (e não como potencial expansivo) para o ingresso dos princípios supralegais (intrassistemáticos) limitadores do poder punitivo estatal, decorrentes do sistema constitucional penal.

Esse entendimento doutrinário reducionista do princípio da legalidade está completamente superado diante do pós-positivismo, isto porque conforme provou Olga Sánchez Martínez, historicamente o princípio da legalidade foi criado para cumprir uma função de garantia, limitadora do jus puniendi, e que atualmente cumpre uma função idêntica. O princípio da legalidade não proíbe uma função expansiva para que ingresse no Direito Penal outros princípios não positivados, mas que derivem do sistema constitucional, porque eles estão dentro do ordenamento jurídico, a não ser que se atribua uma função inversa ao princípio da legalidade[45].

Sob o influxo da sacralidade da vida humana o Direito Penal clássico proclamava que a vida humana é um bem jurídico indisponível ou absoluto.

Todavia, desde Kant com a consagração do princípio da alteridade, que rege todas as relações jurídicas intersubjetivas, foram separadas as instâncias do Direito e da Moral como categorias independentes, que durante muitos séculos misturadas foram fontes de confusões legislativas e jurídicas.

No Direito Penal moderno está provado que a ordem moral não se presta a fundamentar o direito punitivo, porque o Estado não pode impor coativamente a moral aos indivíduos. O Direito Penal não é o instrumento para moralizar os cidadãos, presta-se apenas para tutelar os bens jurídicos fundamentais indispensáveis ao funcionamento social. Quando o Direito Penal contempla a moral é apenas mera coincidência e não fundamentação da norma penal[46].

Diante de um Estado laico (e não ateu) como é o Estado brasileiro todas as opiniões devem ser respeitadas, independentemente da crença religiosa ou filosófica que a pessoa professe, porque a República é uma sociedade inclusiva (de todos, e não apenas da maioria). Como sociedade coletiva a República deve assumir um papel de comunidade constitucional pautada pelo multiculturalismo e pela diversidade política e ideológica, porque o republicanismo não pressupõe nenhuma doutrina, verdade, filosofia ou religião absolutas[47].  Nesse contexto, a eutanásia dentro de certos requisitos deve ficar de fora do Direito Penal, porque se a maioria das pessoas compartilha a ideia de que terminar uma vida é essencialmente mau, não existe um consenso quando se discute qual vida deve ser defendida, considerada sob o prisma intrínseco. Em função dessas diferenças as pessoas definem a sua posição frente à eutanásia[48]. E nesse sentir, no conceito de dignidade da pessoa humana inclui-se o direito de morrer com dignidade[49].

O Estado Democrático de Direito é aquele capaz de tratar os seus súditos com ferramentas dialógicas que possibilitem o confronto aberto por meio da expansão da cultura, da educação e da informação completa, e que não utilize o Direito Penal como um instrumento de opressão ideológica ou como política de censura.

A ótica de assinalar à intervenção penal tarefas de moralização, de programação pedagógica ou de doutrinamento dos cidadãos pode ser analisada como uma forma de paternalismo; e nesta perspectiva, as pessoas em vez de serem sujeitos de direitos passam a ser sujeitos controlados, como um filho a educar e adestrar, assumindo o Estado para si a prerrogativa de dizer o que é “certo” e o que é “errado”.

O paternalismo estatal se manifesta, portanto, como uma tendência autoritária do Direito, porque em vez de tutelar o cidadão na sua esfera de liberdade, o controla como um filho e fazendo as escolhas em seu lugar[50].

Sob o prisma jurídico, a proteção penal da vida humana no Brasil se inicia desde a concepção (união dos gametas), e se estende até a morte do indivíduo (vida extrauterina). Adotou o nosso legislador a modalidade de proteção mais ampla da vida humana. Todavia, ao contrário do que afirmava o Direito Penal clássico essa proteção da vida humana não é exaustiva (ou absoluta), mas fragmentária[51], isto porque o nosso ordenamento jurídico prevê várias hipóteses de eliminação da vida humana intrauterina, como no caso do aborto terapêutico, como único meio de salvar a vida da gestante (art. 128, I); no aborto sentimental, de estupro que resultou gravidez (art. 128, II); aborto do anencéfalo (STF, ADPF 54); e o Supremo Tribunal Federal discute hoje o aborto do feto com microcefalia contaminado com o zika vírus (STF, ADIn 5581, ainda em discussão); e da vida humana extrauterina, como no caso de pena de morte em caso de guerra (CF, art. 84, XIX c.c. o art. 355 do CPM), na legítima defesa com evento morte (CP, art. 23, II), no estado de necessidade com evento morte (CP, art. 23, I), e na Lei do Abate (aeronaves invasoras do nosso espaço aéreo) inserido recentemente no Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986, art. 303, § 2.º). Portanto, no universo dos crimes contra a vida perante o nosso ordenamento jurídico nem todo “matar” é ilícito ou típico, conforme o caso.

O Estado e o Direito também não proíbem atividades perigosas que põem em perigo a vida humana (práticas esportivas perigosas, pesquisas nucleares e radioativas, desenvolvimento de alimentos transgênicos, exploração de minas etc.).

Em crítica a decisão do Tribunal Constitucional espanhol (STC 53/1985) que proclamava que a vida humana é um “valor superior do ordenamento jurídico constitucional”, em seu voto, Tomás y Valiente, partindo do conceito de pessoa como suporte e “prius” lógico de todo direito, considerou que tal ponto de partida não autoriza perigosas hierarquizações axiológicas, alheias ao texto constitucional, que no seu art. 1.º afirma que são valores superiores do ordenamento jurídico, a liberdade, a justiça e a igualdade e o pluralismo político. Rubbio Llorente em seu voto também contestou o argumento central da sentença que é a consideração da vida humana como um valor superior do ordenamento jurídico, porque “o intérprete da Constituição não pode abstrair dos preceitos constitucionais o valor ou os valores que tais preceitos encarnam para deduzir depois, considerados já como puras abstrações, obrigações do legislador que não tem apoio em nenhum texto constitucional concreto. Isto não é nem sequer fazer jurisprudência de valores, mas simplesmente, suplantar o legislador ou quiçá, mais ainda, o próprio poder constituinte”[52].

Pugna também em favor da legitimação da eutanásia no Brasil os tratados internacionais sobre direitos humanos que ingressaram em nosso ordenamento jurídico de acordo com o § 3.º do artigo 5.º da Constituição Federal, com status de direito fundamental. Nesse campo tem especial destaque o art. 7 do Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos, incorporado por nós através do Decr. 592/1992, de 6 de julho, ao proclamar no art. 7 que: “Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre convencimento, a experiência médicas ou científicas”. A Declaração Universal dos Direitos Humanos editada em 10 de dezembro de 1948, consagra no art. 3.º que: “Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. A Convenção Americana de Direitos Humanos, incorporada pelo Decr. 678/1992, de 6 de novembro, no seu art. 5.1. consagra que: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral”. Tais convenções reforçam ou legitimam a eutanásia quando conectada com a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, III).

A Constituição garante aos cidadãos o livre desenvolvimento da sua personalidade, que se manifesta não somente em vida, mas também na morte que se elege. Salvador Allende recusou a oportunidade de fugir de Santiago e morreu com a metralhadora em mão no Palacio de la Moneda; Sigmund Freud após dezesseis anos de dura luta contra o câncer, durante os quais se submeteu a mais de trinta cirurgias e pode seguir produzindo uma obra científica capital para a história da humanidade, elegeu lúcida e voluntariamente a morte, que lhe foi dada por seu médico de cabeceira, porque a vida se havia convertido só numa “tortura física” e já não tinha “nenhum sentido”, constituem dois exemplos claros de que a personalidade se manifesta não somente no como se vive, mas também em como se morre. A par disso, quando o paciente assim o solicita, mediante a eutanásia se protege também a dignidade da pessoa humana, pois ninguém pode estar mais legitimado do que o próprio afetado para decidir numa situação limite onde está a sua dignidade: em seguir lutando pela sobrevivência ou em renunciar os cabos, as sondas e os instrumentos das unidades de cuidados intensivos, para poder morrer em paz. O respeito dos desejos do paciente que quer morrer está amparado também na liberdade ideológica dos indivíduos, pois o único argumento para justificar porque nestes casos há que prescindir do que quer o enfermo e mantê-lo vivo contra sua vontade é a tese católica de que Deus, e não o homem, é quem pode dispor da vida humana, porém este argumento carece de qualquer fundamento ético fora do marco estritamente religioso e, por isso, não pode ser compartilhado pelos ateus, que são tão cidadãos como os demais. A Constituição também proíbe os tratos desumanos: que as unidades de cuidados intensivos as vezes podem converter-se em câmara de tortura, que algumas enfermidades podem provocar padecimentos superiores aos que têm origem numa polícia sádica, parece fora de discussão; daí que na eutanásia consentida a morte do paciente suponha, ao mesmo tempo, o fim de um trato desumano. Da argumentação utilizada até agora de que a vontade do paciente justifica penalmente a eutanásia, em qualquer de suas formas, deriva também, a inversa, que se o afetado quer lutar por sua vida e tratar de se salvar mediante, por exemplo, uma intervenção cirúrgica ou mediante seu ingresso – ou permanência – numa unidade de cuidados intensivos, em princípio, existe a obrigação jurídico-penal do médico de tratar de tirar o enfermo ou o traumatizado das garras da morte[53].

A par disso, a Constituição existe um princípio geral de liberdade que se manifesta em duas direções. A primeira, a consagração de uma reserva geral da lei para poder estabelecer limitações à liberdade (art. 5.º, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei). A segunda, a garantia de um direito geral de liberdade que impede que o legislador estabeleça limitações à autonomia dos indivíduos não suficientemente justificadas (art. 5.º, caput)[54].

Todavia, de lege ferenda, a regulamentação legal sobre eutanásia deve evitar qualquer valoração “qualitativa” da vida humana, pois que ainda que se trate de um “direito” para o indivíduo, não se pode ocultar que tal “valoração” carrega ao mesmo tempo um grave perigo: pode voltar-se contra o sujeito, justificando – de uma forma absolutamente inadmissível – a eliminação daqueles que não reúnem os caracteres que o ordenamento jurídico determinou como constituinte da “dignidade” humana[55].


A experiência holandesa (Politoff L.)

A Holanda passou a admitir a eutanásia após 30 anos de discussão no parlamento por meio da edição da WTL (Wet Toetsing Levensbeenindiging, “agir sobre a avaliação de término da vida”), de 12 de abril de 2001, entrando em vigor em abril de 2002, que acolheu no seu texto o entendimento jurisprudencial e trazendo inúmeras inovações.

Para o art. 2 da WTL a prática legal da eutanásia deve reunir uma série de requisitos complexos e rígidos, assim resumidos: a) que o médico esteja convencido de que se trate de um pedido livre e meditado do paciente, que pode ser verbal ou escrito; b) que o médico informe ao paciente a situação em que se encontra e suas perspectivas; c) que o médico e o paciente cheguem à conclusão em conjunto de que a situação em que o paciente se encontra não há razoavelmente outra solução a oferecer; d) que o médico consulte ao menos outro médico independente que tenha examinado o paciente e dado a sua opinião por escrito; e) e por último, que a ação de dar a morte ou o auxílio ao suicídio seja executado conforme a lex ars médica. Se o paciente não optar pela eutanásia, a sua opinião é respeitada, mesmo contra a vontade da família. A WTL não admite que menores de 12 anos se sujeitem à eutanásia; dos 12 aos 16 anos de idade há necessidade de consentimento dos familiares; aos 16 e 17 anos, o adolescente pode optar, mas os pais devem estar envolvidos no processo de decisão.

Ao paciente consciente em estado terminal é dado ainda assistência psicológica durante o processo que antecede ao procedimento eutanásico, podendo o paciente desistir da eutanásia a qualquer momento.

Segundo os anais da discussão parlamentar do projeto de lei, a WTL não se fundamentou simplesmente como aceitação do direito de autodeterminação das pessoas, mas principalmente porque rege a impunidade unicamente para o médico que se submeta às normas e à ética profissional e que se sujeite aos critérios estritos estabelecidos para que seja impossível que se dê fim para a vida do paciente sem uma solicitação voluntária e meditada deste. A WTL não estabelece em nenhum caso o dever profissional de colaborar na morte desejada, de modo que não se pode falar num direito de morrer.

A WTL serviu de modelo legislativo para a Bélgica, e superou um conflito existente entre a opinião pública sobre a eutanásia e as disposições do Código Penal holandês.

Como diz o penalista Sergio Politoff Lifschitz o Direito holandês sobre a eutanásia é igual a qualquer assunto de um sistema legal estrangeiro, é inseparável das ideias e critérios predominantes na respectiva sociedade sobre os limites da responsabilidade do Estado na tutela dos direitos dos cidadãos. Todavia, seus critérios não podem ser considerados no marco de outra cultura social e jurídica, mas como um dos diversos modelos que o Direito de nosso tempo oferece para as opções que as graves perguntas éticas que a morte a pedido apresenta para o sistema penal. Porém, a resposta não pode ser imediata, como demonstrou a intensa discussão no Direito comparado.   

Além da Holanda e Bélgica atualmente admitem a eutanásia ativa no mundo ocidental: Luxemburgo, Suíça, Alemanha, Colômbia, Canadá, Estados Unidos da América (em Washington, Óregon, Vermont, Novo México, Montana e Califórnia). Em geral, a ministração é feita por meio da aplicação de um sedativo no paciente para colocá-lo em estado de inconsciência seguido de uma injeção letal.


Eutanásia: A solução jurídica mais adequada ao problema a luz da Constituição (a posição defendida por Muñoz Conde)

Face a inúmeras leituras à guisa de pesquisa para elaboração desse trabalho, a mais coerente com o sistema constitucional é a posição defendida por Francisco Muñoz Conde.

Diz o grande penalista que:

A eutanásia em qualquer uma das modalidades (ativa ou passiva) pode ser admitida somente em casos extremos[56], e desde que preenchidos os seguintes requisitos: (1) enfermidade grave e risco mortal irreversível, que produza graves sofrimentos e dores no enfermo (geralmente câncer terminal); e (2) consentimento expresso e sério do enfermo que pode ser emitido anteriormente à chegada da situação limite através de um “testamento vital” também chamado de “testamento biológico”.

Se se dão esses dois requisitos é indiferente que a morte se produza por ação (injetando doses letais) ou por omissão do tratamento ou ainda desligando os aparelhos que mantêm a sobrevida.

Naturalmente, nenhuma justificação é necessária quando já tenha ocorrido a morte cerebral, nem quando o tratamento médico se faça só para diminuir as dores sem encurtar sensivelmente a vida do paciente (ortotanásia).

Tampouco é atípica a omissão do tratamento quando este não tem nenhuma eficácia e só serve para prolongar artificial e desnecessariamente a vida (eutanásia passiva).

O fundo da discussão reside em se saber se nos casos de inconsciência ou de pouca lucidez do enfermo se possa acabar com a vida de uma pessoa sem solicitação desta, ou que tenha solicitado solenemente.

O testamento vital não é mais do que um indício de que pode ser interpretado como vontade, porém logicamente nunca pode opor-se à vontade existente no momento em que se aplique a medida eutanásica.

O mais importante é delimitar aquelas situações terminais ou extremas nas quais, seja contando com a vontade expressa, seja prescindindo dela, quando não se pode conhecer-se, porém nunca contra ela, pode aplicar-se uma medida ou deixar de aplicar-se um tratamento, produzindo a morte de quem se encontra nessa situação.

A situação objetiva do paciente é, pois, tão importante como a sua vontade. Se se prescinde daquela estaremos diante de fato criminoso com reflexo na pena (nem sempre pensando como circunstância atenuante, pensando-se que o móvel pode ser simplesmente lucrativo, de comodidade, econômico etc.).

Todavia, ainda neste caso (manifestação da vontade), há situações limites (recém-nascidos com graves lesões, politraumatismo em estado de inconsciência permanente), nas quais, a vista da falta de perspectivas de evolução favorável e de aquisição ou recuperação da consciência, e ante a gravidade objetiva das lesões, poderia apresentar-se na possibilidade tanto de interromper um tratamento, como de aplicar alguma medida eutanásica.

A impossibilidade de coletar o consentimento obriga nestes casos a decidir entre duas opções, qualidade e santidade da vida, qual é a mais importante e respeitável. O conflito só pode resolver-se em Direito Penal no âmbito do estado de necessidade, porém não como causa de exculpação, mas de autêntica justificação (excludente da ilicitude)[57].

Em que pese o § 216 do StGB incriminar a eutanásia, Ernst Benda, 4.º Presidente Tribunal Constitucional Federal alemão, traz alguns entendimentos que reforçam posicionamento de tratamento da eutanásia fora do Direito Penal perante o Direito Constitucional alemão, que encontra paralelo em nosso ordenamento jurídico: “Quando a aplicação da técnica médica intensiva contradiz a verdadeira ou presumida vontade do paciente, se converte em contrária ao Direito” (BGHSt 32, 367 [379 ss.]). Ou ainda, “O enfermo terminal tem uma expectativa de autodeterminação, isto é, o direito à poder morrer com dignidade” (BGH de 8 de maio de 1991, NJW, 1991, 2357 [2358]). Restam os casos de auxílio ativo à morte que se propõe encurtar um sofrimento inútil. “Quando a vontade do moribundo em situações limites resulta claramente apreciável e o médico atua com compaixão, a única resposta possível que cabe a respeito da relação entre médico e o Direito é a discrição e ausência de discussão” (Dürig/Maunz, GG t. 1, art. 2.2., núm. marginal 11, nota 1). A forma em que o indivíduo deva entender sua dignidade e consequências que isso traga para sua auto-apresentação e sua pessoal forma de viver, é algo que deveria permanecer confiado a sua própria responsabilidade. O importante é tal proteção, não a ideia de que alguém há de ser protegido contra si mesmo ou contra uma concepção duvidosa de sua dignidade. “Não é missão do Estado emendar o plano e corrigir os cidadãos” (BVerfGE 22, 180 [219])[58].

A eutanásia como medida excepcional, preenchidos os standards (morte que se dá a um paciente que sofre de enfermidade incurável ou dolorosa para livrá-lo da agonia ou de padecimentos atrozes), deve se encaixar nos casos de atipicidade de contra a vida. A ordem jurídica não pode conferir a eutanásia como um direito a qualquer pessoa, prescindindo-se do sofrimento que produza a enfermidade. Fora do standard haverá crime de homicídio ou de auxílio a suicídio, conforme o caso.                      

A eutanásia deve se inserir no âmbito da liberdade individual autorizada de modo negativo, como com propriedade destaca o grande penalista, e meu colega, Luigi Cornacchia, catedrático de Diritto Penale da Università degli Studi di Bérgamo, na Itália: se existe um direito de morrer inviolável e garantido então este seria exercitável como pretensão contra o Estado. Frente ao pedido de eutanásia, o sujeito mentalmente lúcido, porém impossibilitado pela enfermidade ou mutilação de quitar a própria vida, seria lógico sustentar, que para evitar discriminação, subsista uma obrigação do Estado no cumprimento da vontade. O suicídio não é ilícito, todavia não é garantido como um direito, então, constitui no exercício de uma liberdade, simplesmente autorizada de maneira negativa, e o Estado assume frente a ele uma posição de neutralidade ou agnóstica: tratando-se da esfera mais íntima do homem, o ordenamento jurídico garante só a não intromissão, criando um rechtsfreier Raum (espaço não jurídico)[59].

Por essa mesma razão como existem médicos a favor e contra à eutanásia, nenhum médico está obrigado a praticá-la, porém a recusa deve ser comunicada ao paciente para que este procure a colaboração de outro médico[60].


Citações do original:

[1] POLITOFF L. Sergio & MATUS A., Jean Pierre & RAMÍREZ G., María Cecilia, Lecciones de Derecho Penal Chileno, Parte Especial, 2 ed. Santiago: Jurídica de Chile, 2005, p. 37.

[2] MANZINI, Vincenzo, Trattato di Diritto Penale Italiano, vol. 8 nuova edizione completamente aggiornata. Torino: UTET, 1951, p. 84.

[3] MORSELLI, Enrico, L’Uccisione Pietosa, l’eutanasía, in rapporto ala Medicina, alla Morale ed all’Eugenica, Torino: Fratelli Bocca, 1923, p. 10.

[4] Nesse conceito amplo abrange sofrimentos causados por acidentes como no relatado pelo grande penalista chileno Cousiño, ocorrido em 7 de julho de 1927, na Província de Mendoza, na Argentina: “Em nosso país, a morte piedosa, ou a eutanásia é punida como qualquer homicídio, pelo art. 391 do Código Penal. Todavia, nenhuma sanção se aplicou ao caso ocorrido na catástrofe de Alpecatal, quando regressava a Escola Militar de uma visita a Buenos Aires. Em virtude da colisão de trem, um cadete ficou aprisionado entre os escombros, vendo alcançar em sua direção as chamas que os consumiam, e sem nenhuma esperança de ser libertado. Quando começava a sofrer as primeiras queimaduras, foi morto com um disparo por um de seus chefes, antes os seus pedidos insistentes” (COUSIÑO MAC IVER, Luis, Breve curso de Medicina Legal, São Bernardo: Chile, 1942, p. 324 – tradução em português de J. B. de O. e Costa Jr. & Almeida Jr.).

[5] MARTIN, Leonard M., Eutanásia e Distanásia, in: Iniciação à Bioética, Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998, p. 182.

[6] CUELLO CALÓN, Eugénio, El problema penal de la eutanasia in: Tres Temas Penales, Barcelona: Bosch, 1955, p. 163.

[7] Cf. MAURACH, Reinhart, SCHROEDER, Friedrich-Christian & MAIWALD, Manfred, Strafrecht, Besonderer Teil, teilband 1, 8 Auflage. Tübingen: F. C. Müller, 1995, números marginais 43-45.

[8] RODRÍGUEZ MOURULLO, Gonzalo, Derecho a la vida y a la integridade personal in: Comentarios a la Legislación Penal, vol. I, Derecho Penal y Constitución, Madrid: EDERSA, 1982, p. 78.

[9] CUELLO CALÓN, Eugénio, El problema penal de la eutanasia in: Tres Temas Penales, Barcelona: Bosch, 1955, p. 164.

[10] Conforme anota Sergio Politoff Lifschtz, “a palavra eutanásia utilizada universalmente com o sentido indicado, continua sendo tabu na Alemanha por causa das atrocidades cometidas no período nazista (a ordem de Hitler de matar incapacitados físicos e mentais considerados ‘vidas sem valor’, que causou a morte de dezenas de milhares de inocentes entre adultos e crianças exterminados em câmaras de gás no marco da assim chamada ‘Operação Eutanásia’), motivo pelo qual se prefere empregar, em seu lugar, a expressão ‘ajuda a morrer’ (Sterbehilfe)” (Lecciones de Derecho Penal Chileno, Parte Especial, 2 ed. Santiago: Juridica de Chile, 2005, nota de rodapé 47, p. 37.

[11] MAURACH, Reinhart, SCHROEDER, Friedrich-Christian & MAIWALD, Manfred, Strafrecht, Besonderer Teil, teilband 1, 8 Auflage. Heidelberg: F. C. Müller, 1995, n.m. 44.

[12] Cf. PIEROTH, Bodo & SCHLINK, Direitos Fundamentais, São Paulo: Saraiva, 2012, n.m. 417.

[13] MANGOLDT, Hermman v., KLEIN, Friedrich & STARCK, Christian, Bonner Grundgesetz Kommentar, Band 1, 4 Auflage. München: Vahlen, 1999, p. 188.

[14] Álvarez Del Río, Asunción, Práctica y Ética de la Eutanasia, Mexico: FCE, 2005, p. 31.

[15] Dicionário Médico da Universidade de Navarra. https://www.cun.es/diccionario-medico/terminos/encarnizamiento-terapeutico.

[16] GIMBERNAT ORDEIG, Enrique, Eutanasia y Derecho Penal, in: Estudios de Derecho Penal, 3 ed. Madrid: Tecnos, 1990, p. 52.

[17] POLAINO-ORTS, Miguel in: POLAINO NAVARRETE, Miguel (director), Lecciones de Derecho Penal, Parte Especial, tomo I, Madrid: Tecnos, 2010, pp. 79-80.

[18] GIMBERNAT ORDEIG, Enrique, Eutanasia y Derecho Penal, in: Estudios de Derecho Penal, 3 ed. Madrid: Tecnos, 1990, p. 52.

[19] UGARTE GODOY, José Joaquín, El Derecho de la Vida, bioética y derecho, Santiago: Juridica de Chile, 2006, pp. 195-196.

[20] VARGA, Andrew C., Bioética, Principales Problemas, 2 ed. espanhola, do original The main issues in bioethics, NY: Paulis Press, tradução de Alfonso Llano Escobar, 2 ed. Bogotá: Paulinas, 1990, p. 282.

[21] ROMEO CASABONA, Carlos María, El Derecho y La Bioética ante los Límites de la Vida Humana, Madrid: Ramón Areces, 1994, p. 422. No mesmo sentido: BAJO FERNÁNDEZ, Miguel Bajo, Manual de Derecho Penal, Parte Especial, 2 ed. Madrid: Ramón Areces, 1991, p. 84 e ss; Zugaldía Espinar, José Miguel, Eutanasia y homicídio a petición: situación legislativa y perspectivas político-criminales, in Revista de la Faculdad de Derecho de la Universidad de Granada, 1987, 286, n. 12.

[22] POLAINO-ORTS, Miguel in: POLAINO NAVARRETE, Miguel (director), Lecciones de Derecho Penal, Parte Especial, tomo I, Madrid: Tecnos, 2010, pp. 79-80. V. também: GIMBERNAT ORDEIG, Enrique, Eutanasia y Derecho Penal, in: Estudios de Derecho Penal, 3 ed. Madrid: Tecnos, 1990, p. 52.

[23] UGARTE GODOY, José Joaquín, El Derecho de la Vida, bioética y derecho, Santiago: Juridica de Chile, 2006, p. 203. CORTS GRAU, José, Curso de Derecho Natural, 5 ed. Madrid: Nacional, 1974, p. 327.

[24] ESER, Albin in: SCHÖNKE, Adolf & SCHÖEDER, Horst, Kommentar zum Strafgesetzbuch, 22 Auflage. München: C. H. Beck, 1985, § 216. Eis a sua redação: StGB, § 216 - Tötung auf Verlangen (1) Ist jemand durch das ausdrüchkiche und ernstliche Verlangen des Getöteten zur Tötung bestimmt worden, so ist auf Freigheitsstrafe von sechs Monatten bis zu fünf Jahren zu erkennen. (2) Der Versuch ist strafbar. [Código Penal alemão, § 216 - Morte a pedido (1) Se alguém foi determinado a matar por pedido expresso e sério do morto, será punido com prisão de seis meses a cinco anos. (2) A tentativa é punível]. Para Khül, no § 216 do StGB, o legislador conferiu um tratamento diferenciado no homicídio a pedido, porque além da culpabilidade diminuída (pelo sentimento de piedade) acrescenta-se o consentimento do ofendido, razão pela qual seria injusta a punição a título de homicídio do § 212, cuja pena é de prisão não inferior a cinco anos (LACKNER, Karl & KHÜL, Khristian, Strafgesetzbuch, 23 Auflage. München: C. H. Beck, 1999, § 216 número marginal 1).  

[25] MAGGIORE, Giuseppe, Diritto Penale, Parte Speciale, II, 3 ed. Bologna: Nicola Zanichelli, 1948, p. 747 – destaquei. Na dicção legal do Código Penal italiano: “Art. 579. Omicidio del consenziente. Chiunque cagiona la morte di un uomo, col consenso di lui, è punito con la reclusione da sei a quindici anni. Non si applicano le aggravanti indicate nell'articolo 61. Si applicano le disposizioni relative all'omicidio se il fatto è commesso: 1) contro una persona minore degli anni diciotto; 2) contro una persona inferma di mente, o che si trova in condizioni di deficienza psichica, per un'altra infermità o per l'abuso di sostanze alcooliche o stupefacenti; 3) contro una persona il cui consenso sia stato dal colpevole estorto con violenza, minaccia o suggestione, ovvero carpito con inganno”.

[26] MANZINI, Vincenzo, Trattato di Diritto Penale Italiano, vol. 8, nuova edizione completamente aggiornata. Torino: UTET, 1951, p. 84.

[27] Cf. RODRÍGUEZ MOURULLO, Gonzalo in: Derecho Penal Español, Delitos contra las personas, Madrid, 1962, p. 129.

[28] MAGGIORE, Giuseppe, Diritto Penale, Parte Speciale, II, 3 ed. Bologna: Nicola Zanichelli, 1948, p. 716.

[29] CREUS, Carlos, Derecho Penal, Parte Especial, I, 6 ed. Buenos Aires: Astrea, pp. 6-7.

[30] FÜHRER, Maximiliano Roberto Ernesto & FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo, Código Penal Comentado, 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 193-194.

[31] HUNGRIA, Nelson, Comentários ao Código Penal, vol. V, 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 127.

[32] HUNGRIA, Nelson, Comentários ao Código Penal, vol. VI, 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 387.

[33] HUNGRIA, Nelson, Comentários ao Código Penal, vol. VI, 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 379.

[34] BRUNO, Aníbal, Direito Penal, tomo 4.º, Parte Especial, I, Crimes contra a Pessoa, Rio de Janeiro: Forense, 1966, p. 120 - destacamos.

[35] SILVEIRA, Euclides Custódio da, Direito Penal, Crimes contra a pessoa, São Paulo: Max Limonad, 1959, p. 64, nota de rodapé 55.

[36] PRADO, Luiz Regis, Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. 2, Parte Especial, 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 63-64.

[37] SANCHES CUNHA, Rogério, Código Penal para concursos, 9 ed. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 347.

[38] FRAGOSO, Heleno Cláudio, Lições de Direito Penal, Parte Especial, 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 47.

[39] MAGALHÃES NORONHA, Edgar, Direito Penal, vol. 2, 27 ed. São Paulo, Saraiva, 1995, pp. 20-21.

[40] HUNGRIA, Nelson, Comentários ao Código Penal, vol. VI, 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 385.

[41] Cf. COSTA JÚNIOR, Paulo José da, Comentários ao Código Penal, vol. 2, 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 8. No mesmo sentido, Eugénio Cuello Calón dizia que “Está é a verdadeira eutanásia, que inspirada na piedade e na compaixão pelo triste doente só se procura fazer a sua passagem sem angústia nem dor, porque não se propõe causar-lhe a morte” (El problema penal de la eutanasia in: Três Temas Penales, Barcelona: Bosch, 1955, p. 129). E Júlio Fabbrini Mirabete: “É punível a eutanásia por omissão (ortotanásia), mas discute-se a possibilidade de não se falar em homicídio quando se interrompe uma vida mantida artificialmente por meio de aparelhos" (Manual de Direito Penal, vol. 2, Parte Especial, 11 ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 67). A resolução 1805 do Conselho Federal de Medicina mudou esse panorama possibilitando a prática da ortotanásia (eutanásia por omissão).

[42] GIMBERNAT ORDEIG, Enrique, Eutanasia y Derecho Penal, in: Estudios de Derecho Penal, 3 ed. Madrid: Tecnos, 1990, p. 54.

[43] BUSTOS RAMÍREZ, Juan & HORMAZÁBAL MALARÉE, Lecciones de Derecho Penal, Parte General. 2. ed. Madrid: Trotta, 2006, pp. 169-170.

[44] BATTAGLINI, Giulio, Diritto Penale, Parte Generale, 3. ed. Padova: CEDAM, 1949, p. 67. Também: SAUER, Guillermo. Derecho Penal, Parte General. Barcelona: Bosch, 1956, p. 107.

[45] Cf. SÁNCHEZ MARTÍNEZ, Olga, Los Principios en el Derecho y la Dogmática Penal. Madrid: Dykinson, 2004, p. 73 e 77.

[46]Cf. BERDUGO GÓMEZ DE LA TORRE, Ignácio, ARROYO ZAPATERO, Luis, GARCÍA RIVAS, Nicolás, FERRÉ OLIVÉ, Juan Carlos & SERRANO PIEDECASAS, José Ramón, Lecciones de Derecho Penal, Parte General, 2 ed. Barcelona: La Ley, 1999, pp. 3-4. Ou ainda como destaca Gonzalo Rodríguez Mourullo (Derecho Penal, Parte General, I, Madrid: Civitas, 1978, p. 18-19): “O Direito se ocupa dos comportamentos humanos na medida em que transcendem a ordem social externa, e não pelo que estes representam em si mesmos do ponto de vista da moral. O Direito Penal, que é uma parte do Direito, não escapa tampouco desta primeira exigência. Ainda que certamente muitas condutas delitivas (matar, roubar, prestar falso testemunho etc.) possuam um evidente significado moral, o Direito Penal não aspira, quando castiga essas condutas, a moralizar os cidadãos. Sua função é bem menos ambiciosa: pretende unicamente evitar as consequências perturbadoras da paz, que tais condutas produzam na ordem social exterior. Quando um cidadão deseja matar outrem, porém se abstém de matar por temor da pena, a Lei penal cumpriu um de seus principais objetivos, ainda que a atitude íntima do sujeito, não seja, do ponto de vista moral louvável”.

[47] CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2 ed. Coimbra: Almedina, 1998, pp. 219-220.

[48] Álvarez Del Río, Asunción, Práctica y Ética del Eutanasia, México: FCE, 2005, p. 68-69.

[49] MARTINS, Flávio, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 823.

[50] Cf. CANESTRARI, Stefano & CORNACCHIA, Luigi & DE SIMONE, Gulio, Manuale di Diritto Penale, Parte Generale, Bologna: Il Mulino, 2007, pp. 233-234.

[51] A fragmentariedade do Direito Penal significa ao mesmo tempo que: (1) o Direito Penal deve proteger somente os bens jurídicos mais relevantes; e (2) desses bens jurídicos tutelados, não os protege de todas as classes de ataques; somente os ataques mais intoleráveis é que devem ser punidos penalmente. Nesse sentido, na doutrina, Gonzalo Rodríguez Mourullo, Derecho Penal, Parte General, I, Civitas, 1978, p. 19.

[52] MUÑAGORRI LAGUÍA, Ignácio, Eutanasia y Derecho Penal, Madrid: Ministério de Justicia e Interior, Centro de Publicaciones, 1994, pp. 45-46.

[53] GIMBERNAT ORDEIG, Enrique, Eutanasia y Derecho Penal, in: Estudios de Derecho Penal, 3 ed. Madrid: Tecnos, 1990, pp. 52-53.

[54] Cf. MUÑAGORRI LAGUÍA, Ignácio, Eutanasia y Derecho Penal, Madrid: Centro de Estudios Judiciales, Ministerio de Justicia e Interior, 1994, p. 50.

[55] ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel, Algunas consideraciones sobre la eutanasia en las legislaciones penales de Colombia y España, Revista Chilena de Derecho, vol. 14, n. 2-3, 1987, pp. 243-244.

[56] A atividade médica deve ser sempre em favor da continuidade da vida.

[57] MUÑOZ CONDE, Francisco, Derecho Penal, Parte Especial, 9 ed. Valencia: Tirant lo blanch, 1991, pp. 75-76.

[58] BENDA, Ernst, Handbuch des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 2 Auflage. Berlin: de Gruyter, 1994, § 4, número marginal 56.

[59] CORNACCHIA, Luigi, Suicidio y Eutanasia in: MONTEALEGRE LYNETT, Eduardo, El Funcionalismo en el Derecho Penal, Colombia: Universidad Externado, 2003, p. 436, traduzido do italiano para o espanhol por Miguel Polaino-Orts.

[60] Álvarez Del Río, Asunción, Práctica y Ética del Eutanasia, México: FCE, 2005, p. 215.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSOS, Marcelo Murillo de Almeida. Eutanásia revisitada: Um tema em debate pelo direito penal moderno. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5781, 30 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72451. Acesso em: 19 abr. 2024.