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Separados, mas iguais: o mito da igualdade formal

Separados, mas iguais: o mito da igualdade formal

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Embora o direito surja como ferramenta de opressão e legitimação dos poderes dominantes, com a elevação da Constituição ao cume do ordenamento jurídico, tem ocorrido paulatina mudança de foco, do patrimônio para o ser humano.

1. INTRODUÇÃO

Durante séculos, o Direito foi utilizado para perpetuar situações postas, legitimar poderes e subjugar o povo. Sob o manto do Estado de Direito, verdadeiras atrocidades foram consideradas legalmente válidas.

Com a Revolução Francesa e a ascensão da burguesia ao poder, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade não foram suficientes para transformar a vida da maioria da população, uma vez que, embora tenham mitigado o poder do Estado, não trouxeram uma melhoria na qualidade de vida do povo.

Com a Revolução Francesa, afirmava-se a igualdade perante a lei, em uma perspectiva puramente negativa, na medida em que submetia todos os indivíduos ao império da lei geral e abstrata, desconsiderando assim as desigualdades existentes no plano fático. A igualdade em sua face formal, contudo, é insuficiente, na medida em que desconsidera as peculiaridades dos indivíduos e grupos sociais menos favorecidos, não garantindo a estes as mesmas oportunidades em relação aos demais. (SILVA, 2017, pág. 4)

Aos poucos, a irrestrita autonomia da vontade mostrou-se desproporcional. A igualdade formal não era suficiente para atender aos ideais de justiça e o Direito, apenas como instrumento de proteção do patrimônio, já não correspondia aos anseios da sociedade, sendo necessária a busca da igualdade material.

Nessa esteira, com o advento do Estado Social, houve a reconstrução do sentido de igualdade. O Estado adquire uma feição intervencionista com o fito de proteger os grupos menos favorecidos, efetivando os seus direitos fundamentais. Nesse momento, surge a concepção de igualdade em sua acepção substancial, que não se limita apenas ao plano jurídico-formal, mas busca uma atuação estatal positiva. (SILVA, 2017, pág. 5)

Com a transição de um modelo de Estado Liberal para o Estado Social, o Direito foi, paulatinamente, se transformando. Enquanto naquele se defendia a autonomia da vontade como gestora das relações humanas, neste, tem-se a intervenção do governo na economia, a garantia de direitos mínimos e a proteção do hipossuficiente.

A migração das constituições ao cume dos ordenamentos jurídicos, fenômeno conhecido como constitucionalização do Direito, inicia uma mudança de foco e fim desta ciência. Se antes era mera ferramenta de dominação, tendo por prioridade a manutenção das classes sociais e a defesa do patrimônio, hoje, pode ser considerada uma ferramenta de emancipação, através da busca da efetivação da dignidade da pessoa humana.

Segundo Prado (2012, p.1), a Constituição deve ser considerada o “centro gravitacional” em um Estado Democrático de Direito. Desta forma, após a promulgação de uma Constituição, todo o ordenamento deve ser analisado através dela, não havendo mais como aplicar as demais normas sem que antes estas passem pelo filtro dos princípios constitucionais.

Sobre o tema, Casaril (2008, p. 2) aduz que “a pessoa humana é o fundamento primeiro do direito. Com efeito, o homem é o ser que, dentro do tempo e do espaço, se apresenta e deve ser considerado como ‘centro e fim’ de tudo o que existe, pois ele é pessoa [...]”. Diante disso, a dignidade da pessoa humana deve ser considerada o primeiro fim do Direito.

No Brasil, por força do artigo 1º da Constituição (BRASIL, 1988), pode ser considerada mais que um princípio, um fundamento da República Federativa do Brasil. Embora muito debatidos e estudados, seu conceito, natureza jurídica e alcance ainda não foram delimitados pela legislação, doutrina ou jurisprudência. Trata-se de um tema aberto, porém aplicável e aplicado diariamente nas decisões de primeiro e segundo grau por todo o Brasil.

Na medida em que a ordem constitucional elevou a dignidade da pessoa humana a fundamento da ordem jurídica, houve uma opção expressa pela pessoa, ligando todos os institutos a realização de sua personalidade. Tal fenômeno provocou a despatrimonialização e a personalização dos institutos, de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor do direito. (DIAS, 2009, p. 61):

Nesse diapasão, um ensino acrítico que fabrica alunos repetidores reforça a aplicabilidade do direito como instrumento de manutenção das relações sociais, focado no poder, no status e no patrimônio. Enquanto isso, um ensino crítico, disposto a despertar o conhecimento e formar um profissional questionador da ordem na qual está inserido, é uma forte ferramenta de libertação e emancipação da sociedade. Nas palavras de Freire (2001, p. 89):

É que toda manifestação oratória, quase sempre também sem profundidade, revela, antes de tudo, uma atitude mental. Revela ausência de permeabilidade, características de consciência crítica. E é precisamente a criticidade a nota fundamental da mentalidade democrática. Quanto mais crítico um grupo humano, tanto mais democrático, quanto mais organicamente ligado às condições de sua circunstância.

Este artigo visa, através da análise do filme “separados mas iguais”, alertar a sociedade para a necessidade de um direito atual, apto a concretizar a igualdade substancial, consoante com a realidade fática, sensível aos anseios sociais, devendo ter por meta respeitar e proteger a dignidade da pessoa humana.


2. O DIREITO COMO INSTRUMENTO DE DOMINAÇÃO

Em diversos momentos históricos, o Direito funcionou como instrumento que assegurava os pilares da injustiça de uma sociedade desigual. “Por muito tempo, o Direito e o Estado estiveram a serviço daqueles que detêm o poder estatal, funcionando como ferramenta de opressão e de manutenção das estruturas sociais.” (LIMA, 2007, p. 2).

O Direito torna-se, então, um instrumento de controle e de manipulação e, pois, forma pervertida de comunicação, pois ilude o endereçado, ao dar-lhe a impressão de que o discurso obedece às regras situacionais de fundamentação, quando, na verdade, isto é um engodo, que esconde as regras reais, introduzidas de fora pelo editor e por ele dissimuladas, caso em que o sistema normativo se legitima na medida em que esta ilusão é garantida. (FERRAZ JUNIOR, 1997, p. 174).

Nos dizeres de Bourdieu (2010, p. 12), o Direito pode ser considerado um sistema ideológico que os especialistas produzem para a luta pelo monopólio da produção ideológica legítima, e por meio dessa luta, sendo instrumento de dominação estruturante, posto que está estruturado.

A função propriamente ideológica do campo de produção ideológica realiza-se de maneira quase automática na base da homologia de estrutura entre o campo de produção ideológica e o campo de luta de classes. A homologia entre os dois campos faz com que as lutas por aquilo que está especificamente em jogo no campo autônomo produzam automaticamente formas eufemizadas das lutas econômicas e políticas entre as classes: é na correspondência de estrutura a estrutura que se realiza a função propriamente ideológica do discurso dominante, intermediário estruturado e estruturante que tende a impor a apreensão da ordem estabelecida como natural (ortodoxia) por meio da imposição mascarada (logo, ignorada como tal) de sistemas de classificação e de estruturas mentais objetivamente ajustadas às estruturas sociais. (BOURDIEU, 2010, p. 13-14).

Santos (2009, p. 7) observa que aquilo que os juristas apenas reproduzem como sendo a norma em essência, na verdade é uma construção anteriormente elaborada, a qual está impregnada de toda matriz ideológica de seu construtor/intérprete, transformando-se em paradigma imobilizador do próprio direito.

“O meio para originar a reversão desse sistema acrítico de conhecimento/interpretação/aplicação do direito tem necessariamente que passar pela revelação do caráter inovador, construtor, da atividade dos juristas.” (SANTOS, 2009, p. 7).


3. O DIREITO COMO INSTRUMENTO DE EMANCIPAÇÃO

Gradualmente, a configuração inicial de Estado mínimo, baseado “na liberdade individual, na igualdade formal entre as pessoas e na garantia absoluta do direito de propriedade”, torna-se insuficiente. Visando a solidariedade social e a função social das instituições, o Estado passa a interferir nas relações entre particulares através das normas de ordem pública. (BARROSO, 2009, p. 367).

Inobstante, enrodilhada em seus predicados, a codificação liberal míope, padecia de uma visão econômica constitucional, chancelando a exploração dos mais fracos pelos mais fortes economicamente, de modo a culminar em uma polarização de reações e situações conflituosas que acabaram fazer nascer, no plano jurídico, o Estado Social. (SIMÕES, A., 2013, p. 4).

Com a passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, esta passa a atuar como filtro axiológico pelo qual se deve ler todo o ordenamento. (BARROSO, 2009, p. 368). Desta forma, os diversos ramos do Direito passam a ser reinterpretados à luz dos princípios da Constituição, a qual possui força normativa e influencia, através dos seus valores e princípios, a feitura e interpretação das demais normas do ordenamento.

Eis o que sustentamos: opera-se, pois, em relação ao Direito dogmático tradicional, uma inversão do alvo de preocupações do ordenamento jurídico, fazendo com que o Direito tenha como fim último a proteção da pessoa humana, como instrumento para seu pleno desenvolvimento. (FACHIN, 2003, p. XVII).

Nesse sentido, George Marmelstein Lima (2007, p. 3) assevera que “a partir do momento em que a Constituição passa a incorporar em seu texto os valores éticos mais relevantes, ou seja, os direitos fundamentais, o direito positivo ganha uma nova dimensão axiológica, muito mais humanista e mais preocupada em fazer justiça ao caso concreto.”

O Brasil é exemplo desse fenômeno. Desde a promulgação da constituição de 88, está havendo uma profunda mudança de paradigma na forma de encarar o Direito. O Direito brasileiro, tradicionalmente, sempre foi conservador e formalista. Sua finalidade consistia basicamente em assegurar o status quo, garantindo aos “donos do poder” uma cômoda preservação da ordem estabelecida e de seus privilégios. Contudo, sob a égide da Constituição cidadã, o ordenamento jurídico brasileiro tornou-se nitidamente comprometido com os direitos fundamentais e com a mudança social, conforme se observa na simples leitura do art. 3º, que traça os objetivos da República federativa do Brasil. Lá está escrito claramente que o papel do Estado brasileiro é acabar com a miséria e reduzir as desigualdades sociais, demonstrando um inegável compromisso com a transformação da sociedade. É a própria Constituição, como norma suprema do ordenamento jurídico, que está dizendo isso. (LIMA, 2007, p. 3)

Desta forma, embora o Direito costumeiramente tenha sido utilizado como um instrumento de poder, ele, por si só, não é bom nem é mau, podendo ser um instrumento de dominação ou de emancipação, dependendo do ponto de vista e do uso que é feito dele. (LIMA, 2007, p. 2). Nesse sentido, muitos doutrinadores têm defendido a importância dos princípios para a mudança de foco do Direito do patrimônio para o ser humano.

Assim é que a coerência normativa exigida pela integridade do/no direito é de princípios (exigências do hoje), e não meramente de regras (convenções do passado). Disso se pode dizer que, se o Direito não nascer na(s) rua(s), se a legalidade não nascer também das reivindicações populares, a partir de demandas sociais diversas, e não se sustentar com base em razões que sejam capazes de mobilizar os debates públicos, pela atuação da sociedade civil e dos setores organizados da sociedade, e assim, sem uma perspectiva generalizada, universalizada, instaurada pelas lutas por reconhecimento e por inclusão social e econômica, não ganhar os fóruns oficiais do Estado, não ganhar o centro do sistema político, e não se traduzir em decisões participadas, como falar em legitimidade democrática? (STRECK, 2013, p. 2).

Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 45) reforça a ideia de que com a constitucionalização do Direito é necessária uma releitura das normas através da nova tábua axiológica, fundada na dignidade da pessoa humana, na solidariedade social e na igualdade substancial.

A expressão direito civil-constitucional apenas realça a necessária releitura do Código Civil das leis especiais à luz da Constituição, redefinindo as categorias jurídicas civilistas a partir dos fundamentos principiológicos constitucionais, na nova tábua axiológica fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) na solidariedade social (art. 3º, III) e na igualdade substancial (arts. 3º e 5º). (GONÇALVES, 2010, p. 45).

Segundo Luís Roberto Barroso (2010, p. 4), a ideia contemporânea de dignidade da pessoa humana tem origem no Cristianismo com a concepção de que o homem é imagem e semelhança de Deus. Toma contornos filosóficos, no Iluminismo com fundamento no antropocentrismo, na razão e na moral. Torna-se política no século XX, devendo ser buscada pelo Estado e finalmente jurídica, após a Segunda Guerra Mundial com a sua inserção em diversos documentos internacionais como a Declaração Universal das Nações Unidas em 1948.

Em sua trajetória rumo ao Direito, a dignidade beneficiou-se do advento de uma cultura jurídica pós-positivista. A locução identifica a reaproximação entre o Direito e a ética, tornando o ordenamento jurídico permeável aos valores morais. Ao longo do tempo, consolidou-se a convicção de que nos casos difíceis, para os quais não há solução pré-pronta no direito posto, a construção da solução constitucionalmente adequada precisa recorrer a elementos extrajurídicos, como a filosofia moral e a filosofia política. E, dentre eles, avulta em importância a dignidade humana. Portanto, antes mesmo de ingressar no universo jurídico, positivada em textos normativos ou consagrada pela jurisprudência, a dignidade já desempenhava papel relevante, vista como valor pré e extrajurídico capaz de influenciar o processo interpretativo (BARROSO, 2010, p. 11).

No Brasil, após a Constituição de 1988, ganhou status de norteadora e delimitadora do ordenamento jurídico, mitigando direitos postos, tendo a finalidade de proteger o ser humano e possibilitar o desenvolvimento de sua personalidade. Embora não exista um conceito fechado, pode-se destacar o pensamento do civilista gaúcho Ingo Wolfgang Sarlet (2007, p. 62) que entende

[...] por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável [sic] nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Cabe ressaltar na definição de Sarlet, pontos muito importantes, como as ações negativas e positivas do Estado, ou seja, assegurar que a dignidade não seja violada e ao mesmo tempo propiciar, promover, que esta seja exercida. É essa mudança de paradigma que faz George Marmelstein Lima (2007, p.3) acreditar num avanço da mentalidade jurídica no Brasil.

Mais cedo ou mais tarde, esse compromisso constitucional acaba afetando a mentalidade jurídica. O próprio ensino jurídico torna-se mais progressista e, consequentemente, os profissionais do Direito, na medida em que vão assimilando esse novo espírito transformador, também se tornam menos conservadores. Não é à toa que já é possível encontrar posições doutrinárias e jurisprudenciais avançadas e elogiáveis em termos de proteção judicial dos direitos fundamentais. Uma coisa leva à outra, através de um saudável círculo virtuoso. (LIMA, 2007, p. 3).

Há de se observar que a luta pela transformação do direito não pode ser a luta pela ampliação das cortesias, mas sim pelo bem de estar de todos. (SANTOS, 2009, p. 5). Desta forma, o Direito precisa ser eficaz como instrumento de transformação social, ou seja, que realmente consiga exercer influência e modificar condutas e situações que degradem o próprio gênero humano. (SANTOS, 2009, p. 9).

A humanidade ainda não logrou alcançar o estágio histórico de satisfação das necessidades. A alta cultura, a filosofia e o direito burguês, acostumado às mais avançadas manifestações tecnológicas e ao opulento conforto no isolamento de suas muralhas sociais, não se dão conta, de imediato, da distância que há entre a abundância de recursos das elites mundiais e o resto da humanidade ainda confinado nas carências não satisfeitas. As necessidades fundamentais não efetivadas não permitem outra postura filosófica que não a de propugnar a transformação social nem permitem outra profissão de fé que não a de esperança na transformação humana. (SANTOS, 2009, p. 8).

Importante frisar que este artigo não visa a fomentar a uma luta de classes. Longe disso. “A luta que se defende não é sangrenta. Não é uma luta com armas de fogo. É uma luta com ideias, com argumentos. Para ser mais preciso, é uma luta através do direito e da democracia.” (LIMA, 2007, p. 2).

Desta forma, vê-se o professor como o profissional apto a despertar nos futuros operadores do Direito a consciência da necessidade da busca da justiça social, da igualdade material e o comprometimento com a transformação da realidade que o cerca.


4. A FUNÇÃO SOCIAL DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO

Os valores da educação devem estar intimamente ligados aos da liberdade, da democracia e da cidadania. A fim de preparar um aluno para a democracia, a educação também precisa ser democrática, posto que seria contraditório ensinar democracia em instituições de caráter autoritário. (GALVÃO, 2013, p. 2).

Nesse sentido, Paulo Freire (2000, p. 37) esclarece que “transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador.”. “A função social da escola está vinculada ao seu caráter universalizante e deve estar atrelada às transformações sociais, econômicas, políticas e culturais do seu tempo e espaço.” (ARAÚJO, 2009, p. 2).

Observa-se que o sistema educacional é fruto de um processo histórico, estando configurado no interior das relações sociais e de produção, as quais dividiram e ainda dividem a sociedade em grupos econômicos distintos. Uma vez que as instituições de ensino têm se configurado como um espaço estratégico de convivência social, pautadas pela reprodução da dinâmica da sociedade, o sistema educacional pode assumir um papel fundamental na manutenção ou não da alienação e da divisão social do trabalho. (GUZZO; EUZÉBIOS FILHO, 2005, p. 2).

Cada sociedade é levada a construir o sistema pedagógico mais conveniente às suas necessidades materiais, às suas concepções do homem e à vontade de preservá-las. Ou, talvez, o sistema mais conveniente à reprodução das relações de poder que se manifestam em seu seio. Quando, pois, o sistema pedagógico muda é porque a própria sociedade mudou, ou porque mudaram as relações de poder entre seus membros. (GIL, 2009, p. 23).

Para Gadotti (1998, p. 87), não existe um professor alheio às relações de poder, ou este contribui para a transformação da sociedade ou serve como instrumento de manutenção das desigualdades existentes.

Educar nessa sociedade é tarefa de partido, isto é, não educa para a mudança aquele que ignora o momento em que vive, aquele que pensa estar alheio ao conflito que o cerca. É a tarefa de partido porque não é possível ao educador permanecer neutro. Ou educa a favor dos privilégios ou contra eles, ou a favor das classes dominadas ou contra elas. Aquele que se diz neutro estará apenas servindo aos interesses do mais forte. No centro, portanto, da questão pedagógica situa-se a questão do poder. (GADOTTI, 1998, p. 87).

Como dito anteriormente, este tipo de educação contribui para a manutenção das desigualdades e não cumpre a função social das instituições de ensino que além de gerar conhecimento, aplicá-lo e divulgá-lo, “deve formar cidadãos críticos, que atuarão na transformação da sociedade, na incessante busca de qualidade de vida e justiça social para todos, resgatando a ética e a moralidade”. (COMAR, 2012, p. 1).

A contribuição da Educação Emancipadora, neste sentido, é de trazer um olhar crítico sobre a sociedade capitalista, analisando-a como um sistema de classes, na busca de fomentar uma consciência acerca do papel político e econômico que a maioria da população exerce nesta sociedade. Isso corresponde a uma compreensão em que não se distingue teoria e prática, Educação e sociedade, e que, considera perfeitamente factível estabelecer uma relação entre a situação objetiva dos segmentos oprimidos da população, e a consciência sobre as necessidades e sobre as tarefas futuras da classe trabalhadora. (GUZZO; EUZÉBIOS FILHO, 2005, p. 5).

Diante disso, faz-se necessária uma educação voltada para a cidadania, tendo por fim a transformação social, não contribuindo como mecanismo de opressão, buscando a superação e não a manutenção do status quo. (RUIZ, 2003, p. 4).

A educação para a cidadania pretende fazer de cada pessoa um agente de transformação. Isso exige uma reflexão que possibilite compreender as raízes históricas da situação de miséria e exclusão em que vive boa parte da população. A formação política, que tem no universo escolar um espaço privilegiado, deve propor caminhos para mudar as situações de opressão. Muito embora outros segmentos participem dessa formação, como família ou os meios de comunicação, não haverá democracia substancial se inexistir essa responsabilidade propiciada, sobretudo, pelo ambiente escolar. (GALVÃO, 2013, p. 1).

Para tanto, a formação interdisciplinar é essencial. São necessários os valores de outras ciências como a Filosofia, a Antropologia e a Sociologia para compreender a sociedade e suas mazelas. Nesse prisma, Ruiz (2003, p. 4) defende que os professores precisam problematizar a educação, buscando o porquê e o para quê do ato educativo. Ademais, devem evidenciar e trabalhar o conflito a fim de superá-lo dialeticamente.

Sendo assim, o papel dos profissionais da educação necessita ser repensado. Esses não poderiam mais agir de forma neutra nessa sociedade do conflito, não pode ser ausente apoiando-se apenas nos conteúdos, métodos e técnicas; não pode mais ser omisso, pois os alunos pedem uma posição desses profissionais sobre os problemas sociais, não com o intuito de inculcação ideológica de suas crenças, mas como alguém que tem opinião formada sobre os assuntos mais emergentes e que está disposto ao diálogo, ao conflito, à problematização do seu saber. (RUIZ, 2003, p. 4)

Desta forma, os educadores, através do binômio metodologia/conteúdo devem buscar uma educação libertadora que estimule o aluno não somente a aprender conteúdos preestabelecidos, mas também a pensar a sociedade na qual está inserido e as relações de poder desta.

O educador libertador tem que estar atento para o fato de que a transformação não é só uma questão de métodos e técnicas. Se a educação libertadora fosse somente uma questão de métodos, então o problema seria mudar algumas metodologias tradicionais por outras mais modernas. Mas não é esse o problema. A questão é o estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a sociedade. (FREIRE; SHOR, 1986, p. 48).

Sobre o tema, Gadotti (1998, p. 90) assevera que compete ao educador “refazer a educação, reinventá-la, criar as condições objetivas para que uma educação realmente democrática seja possível, criar uma alternativa pedagógica que favoreça o aparecimento de um novo tipo de pessoas, solidárias, preocupadas em superar o individualismo criado pela exploração do trabalho.”.


5. SEPARADOS MAS IGUAIS

Segundo Luís Roberto Barroso (2009, p. 2), o fenômeno da judicialização é uma tendência mundial, na qual as questões de repercussão política e social que antes eram resolvidas pelo Congresso Nacional e pelo Poder Executivo, agora são decididas pelo Judiciário.

A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo mostra-se falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições, ocorre certa aproximação entre Direito e Política e, em vários casos, torna-se mais difícil distinguir entre um ‘direito’ e um ‘interesse político’, sendo possível se caracterizar o desenvolvimento de uma ‘política de direitos’. (CASTRO, 1997, p.27).

Para o constitucionalista, judicialização e ativismo judicial não são sinônimos. Enquanto aquela é um fato, uma consequência do modelo constitucional adotado no Brasil, este é uma atitude, uma opção do Judiciário frente à inércia dos demais Poderes. (BARROSO, 2009, p. 3).

A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao poder público, notadamente em matéria de políticas públicas. (BARROSO, 2009, p. 4).

De acordo com Maria Berenice Dias (2003, p. 11-12), uma vez que é impossível para o legislador contemplar todas as situações dignas de tutela, a atuação do Judiciário torna-se imprescindível, a fim de que o cidadão tenha seus direitos preservados, independentemente de haver ou não legislação específica para o caso.

O fato de não haver previsão legal para específica situação não impede o seu reconhecimento nem significa inexistência de direito à tutela jurídica. A ausência de lei não quer dizer ausência de direito. [...] A falta de previsão específica nos regramentos legislativos não pode servir de justificativa para negar prestação jurisdicional ou ser invocada como motivo para deixar de reconhecer a existência de direito merecedor de tutela. (DIAS, 2003, p. 11-12).

Conforme Hélder Fábio Cabral Barbosa (2011, p. 151), não há acréscimo de poder ou desvio de função do Judiciário no ativismo, posto que este é um instrumento de concretização dos direitos fundamentais, devendo ser respeitado com tal.

Pensadores do direito podem se mostrar contrários ao ativismo judicial, sob a alegação de que um acréscimo de poder ao judiciário seria um desvio de finalidade, desvio do fim do judiciário, entretanto inexiste tal afirmação, uma vez que os juízes estariam apenas aplicando o direito, os direitos fundamentais em especial, direitos estes que gozam de autoexecutoriedade. (BARBOSA, 2011, p. 151).

Originário do direito inglês, o stare decisis, decorrente da expressão latina “stare decisis et non quieta movere”, ganhou força no Estados Unidos onde as decisões das cortes precisam respeitar os precedentes.

Há uma íntima correspondência entre o stare decisis e o Estado Democrático de Direito, já que ela assegura que o direito não se altere de forma errática, constante e permite que a sociedade presuma que os princípios fundamentais estão fundados no direito, ao invés das inclinações ou voluntariedades pessoais, dos indivíduos. (WADY, 2008, pág. 1)

A doutrina classifica o stare decisis em horizontal ou vertical a depender de se o precedente vinculante é interno ou externo.

A idéia de que os Tribunais e outros órgãos do Poder Judiciário devem respeitar os seus próprios precedentes, internamente, é chamado de stare decisis horizontal ou em sentido horizontal, sendo vinculante, portanto, para o próprio órgão, que não pode mais rediscutir a matéria, o que também é denominado de binding efectt (efeito vinculante), mas interno. Já o stare decisis vertical significa que as decisões vinculam externamente, também a todos, sendo obrigatória para os demais órgãos do Poder Judiciário, inclusive a Administração Pública Direta e Indireta e demais Poderes. WADY, 2008, pág. 1)

“Com a Independência das Treze Colônias, em 1776, as colônias converteram-se em estados independentes, mas unidos em uma Federação, com representação política republicana e presidencialista”. O Norte voltou-se à indústria com mão de obra livre e assalariada, desenvolvendo uma forma própria de “encarar a atividade política e os direitos civis”. Já o Sul concentrou sua economia na agricultura através de grandes propriedades rurais monocultoras que utilizavam mão de obra escrava negra - sistema de plantation. (FERNANDES, [201-?], pág. 2).

Apesar de os dois modelos seguirem caminhos opostos, eles se complementavam ao menos em um ponto: as indústrias têxteis (que fabricavam tecido) do Norte necessitavam do algodão do Sul, que, por sua vez, voltava para o Sul na forma de produto, como roupas. Apesar de tal complementaridade econômica, incomodava às lideranças do Norte (que possuíam uma perspectiva política voltada para as liberdades individuais, para o direito à pequena propriedade etc.) a existência do regime escravista nos estados do Sul. Não era compreensível que um país, uma República Federativa, fosse unido politicamente por duas perspectivas completamente antagônicas. (FERNANDES, [201-?], pág. 2).

Em 1860, os estados do Sul, que já cogitavam a possibilidade de separação do Norte, elaboraram uma nova Constituição e “oficializaram os Estados Confederados, elegendo como presidente Jefferson Davis, do Mississippi, e como capital a cidade de Montgomery, no Alabama”. (FERNANDES, [201-?], pág. 3).

O conflito armado começou em 12 de abril de 1861 e só teve fim em 22 de junho de 1865. O Norte possuía um exército mais numeroso e organizado, enquanto o Sul contava com militares experientes, o que culminou em uma guerra sangrenta na qual faleceram cerca de 600.000 (seiscentos mil) americanos.

Essa foi a guerra mais letal e mais custosa da história dos Estados Unidos. Para uma comparação breve: morreram mais de 600 mil norte-americanos na Guerra Civil; já na famosa Guerra do Vietnã, o número de baixas oficiais foi de 58 mil mortos. O conflito também serviu para criar o mito de Lincoln como grande estadista defensor da liberdade, forjar certo sentimento de identidade nacional baseada na superioridade do "mundo" do Norte, abrir caminho para o surgimento de determinadas leis comuns e definir a trilha histórica de um país unificado a partir das armas. (KARNAL, 2007, p. 136).

Com o fim da guerra de secessão, iniciou-se o período conhecido como Era da Reconstrução americana (1865-1877), “cujos objetivos principais seriam a reincorporação dos Estados Confederados ao Estados Unidos da América (EUA) e a integração dos ex-escravos afroamericanos à cidadania estadunidense.”. (SERRA, 2016, pág. 1).

O embate também se deu no campo jurídico, sendo promulgadas diversas emendas à constituição americana para garantir os direitos civis dados aos negros. A 13ª aboliu a escravidão, a 14ª garantiu igual proteção a todos os cidadãos sob a lei e a 15ª concedeu a todos o direito de votar independentemente de cor, raça ou situação anterior de escravidão. (SERRA, 2016, pág. 2)

Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência, Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis. (ESTADOS UNIDOS, 1787)

Com a decretação de leis estaduais sulistas, as quais “definiram que as escolas públicas e a maioria dos locais públicos (entre eles, trens e ônibus) apresentassem instalações diferentes para brancos e negros” tem início a denominada Era Jim Crow.

Tais leis “vigoraram entre os anos de 1876 e 1965 e foram combatidas por diversos grupos, entre eles a NAACP (National Association for Advancing of Colored People), órgão fundamental para findar a segregação.” (ARAÚJO, [201-?], pág. 1).

Os negros não aceitaram isso pacificamente como se pode ver no caso Plessy v. Fergunston em que Homer Plessy fora preso por sentar em um vagão num lugar designado somente para brancos e, mesmo repreendido, não ter se retratado. Mesmo alegando que as políticas segregacionistas feriam o que dizia a 14ª emenda da Constituição uma vez que reduzia o negro uma condição inferior a do branco; a Suprema Corte decidiu em manter a decisão dizendo que este argumento era uma falácia uma vez que, sendo os vagões de mesma qualidade, a divisão deles em vagões só para negros e só para brancos não implicava em uma inferiorização de nenhuma das raças. (SERRA, 2016, pág. 2)

Em 1896 a Suprema corte americana, ao julgar o caso Plessy v. Ferguson, decidiu que a segregação racial em locais públicos, imposta pela legislação de alguns estados, não era inconstitucional, ratificando a ideia de “separados, mas iguais”.

A corte decidiu, por 7 votos a 1, declarar que a segregação nos estados do sul não violava a Constituição dos Estados Unidos (em particular a 14ª Emenda que afirmava que todos os cidadãos eram iguais perante a lei). O juiz Henry Billings Brown, ao falar pela maioria que aprovou a decisão, afirmou que a segregação feita no estado da Luisiana não implicava em inferioridade, aos olhos da lei, dos afro-americanos e que a separação por raça em locais e serviços públicos era uma mera questão política. (SERRA, 2016, pág. 1)

O voto divergente pautou-se no argumento de que os Estados Unidos não possuíam um sistema de castas e que para a constituição todos os cidadãos eram iguais, independentemente da cor da pele.

Com base no stare decisis, a decisão da Suprema Corte no caso Plessy v. Fergunston vinculou também os demais órgãos judiciários norte-americanos, estabelecendo a doutrina “separados, mas iguais”, a qual ratificava “as medidas segregacionistas desde que houvesse a mesma qualidade das condições de negros e brancos”. (SERRA, 2016, pág. 1)

Em 1952 a Suprema Corte possuía casos do Kansas, Delaware, Distrito de Columbia, Carolina do Sul e Virginia que questionavam a constitucionalidade da segregação racial em escolas públicas, os quais foram consolidados sob um mesmo nome: Oliver Brown et al. V. The Board of Education of Topeka.

Robert Carter, advogado da NAACP (National Association for the Advancement of Colored People), utilizou uma inovadora estratégia ao convocar especialistas que constatassem os danos psicológicos que a segregação causava nas crianças afro-americanas. Para Ruiz (2003, p. 6), “não se pode esperar que o estudante que, desde pequeno é levado à submissão, cresça e se torne uma pessoa preparada para promover mudanças substanciais à humanidade.”

Conforme demonstrado no filme, os testes comprovaram que as crianças negras associavam qualidades aos brancos, ao passo que ligavam características ruins aos negros, ou seja, “a segregação criava em suas mentes uma limitação para o desenvolvimento de suas capacidades e, por isto, estas crianças se achavam inferiores às crianças brancas.” (SERRA, 2016, pág. 1).

Pois a segregação de crianças em escolas públicas baseada apenas em critérios de raça priva as crianças do grupo minoritário de oportunidades educacionais iguais, mesmo que as instalações físicas e outros fatores “tangíveis” possam ser iguais. Segundo, a 14ª Emenda permitia ao governo a proibição de qualquer ação estatal discriminatória em razão de raça e isto deveria incluir a segregação nas escolas públicas, apesar de a história desta emenda ser inconclusiva quanto ao seu efeito no ensino público. Contudo a questão apresentada no casos deveria ser determinada, não com base nas condições existentes quando a 14ª Emenda foi adotada, mas à luz do pleno desenvolvimento da educação pública e seu lugar atual na vida americana em toda a nação. E, por último, foram apresentados teste psicológicos que demonstraram os efeitos nocivos da segregação sobre as mentes da crianças afroamericanas. (SERRA, 2016, pág. 1)

Os defensores da doutrina “separados, mas iguais” alegavam que a segregação era cultural, não havendo justificativa para interferência do judiciário; que os estados eram livres para legislar diante do pacto federativo; que a constituição não vetava a segregação e que esta evitaria que os negros fossem vítimas de violência.

Como se pôde ver os segregacionistas se utilizaram de argumentos puramente formais seja com respeito à ilegitimidade da União intervir nos estados seja com o apelo a mens legislatoris. O uso de tais argumentos mostra o perigo do formalismo jurídico no direito. Jonh Kelly[1] analisou que ao reduzir o ordenamento jurídico a formas simples de Se A, deve ser B sem se preocupar com o conteúdo da norma, torna o ordenamento jurídico um instrumento de defesa de sistemas, no caso o segregacionista, que traem a própria causa de criação do direito: a justiça. O formalismo foi usado com o intuito de tentar fazer os magistrados fecharam os olhos para os prejuízos e desigualdade produzidos pela leitura errada da 14ª emenda. (SERRA, 2016, pág. 2)

A decisão do caso Brown v. Board of Education ocorreu em 1954, na qual a Corte declarou a ilegitimidade da doutrina “separados, mas iguais” na área da educação, fundamentando-se no fato de que o sistema de segregação “gerava uma inferiorização do negro frente ao branco e, portanto, a impossibilidade de igualdade perante à lei de ambas as raças conforme diz a 14ª emenda”. (SERRA, 2016, pág. 2).


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora o Direito surja como ferramenta de opressão e legitimação dos poderes dominantes, com a elevação da Constituição ao cume do ordenamento jurídico, vislumbra-se uma paulatina mudança de foco do patrimônio para o ser humano, capacitando-o como instrumento de transformação social.

A teoria crítica, portanto, enfatiza o caráter ideológico do Direito, equiparando-o à política, a um discurso de legitimação do poder. O Direito surge, em todas as sociedades organizadas, como a institucionalização dos interesses dominantes, o acessório normativo da hegemonia de classe. Em nome da racionalidade, da ordem, da justiça, encobre-se a dominação, disfarçada por uma linguagem que a faz parecer natural e neutra. A teoria crítica preconiza, ainda, a atuação concreta, a militância do operador jurídico, à vista da concepção de que o papel do conhecimento não é somente a interpretação do mundo, mas também a sua transformação. (BARROSO, 2001, p. 10).

Os cursos jurídicos, excludentes desde a sua origem, podem corroborar com a perpetuação das desigualdades, formando técnicos repetidores de conceitos e aplicadores de normas, ou educar cidadãos críticos, que atuarão na transformação da sociedade. Nesse diapasão, tem-se o professor universitário que através do binômio metodologia/conteúdo pode reforçar um ensino tecnicista ou adotar uma educação emancipatória.

O homem faz a sua história intervindo em dois níveis: sobre a natureza e sobre a sociedade. O homem intervém na natureza e sobre a sociedade, descobrindo e utilizando suas leis, para dominá-la e coloca-la a seu serviço, desejando viver bem com ela. Dessa forma, ele transforma o meio natural em meio cultural, isto é, útil a seu bem-estar. Da mesma forma ele intervém sobre a sociedade de homens, na direção de um horizonte mais humano. Nesse processo ele humaniza a natureza e humaniza a vida dos homens em sociedade. O ato pedagógico insere-se nessa segunda tipologia. É uma ação do homem sobre o homem, para juntos construírem uma sociedade com melhores chances de todos os homens serem felizes. (GADOTTI, 1998, p. 81).

Para Ruiz (2003, p. 4), todas as mudanças estruturais numa sociedade passam pela educação, não havendo possibilidade de avanço social sem a contribuição do ensino.

Não será com simples reformas curriculares, mas com a definição de um novo tipo de ensino em consonância com um novo tipo de ciência jurídica dialeticamente integrada à realidade social, que se poderão propor objetivos para um ensino do Direito engajado na construção de uma sociedade melhor e mais justa. (MARQUES NETO, 1996, p. 168).

Desta forma, não basta incluir disciplinas propedêuticas na grade curricular dos cursos de Direito. É preciso ir mais profundo de modo que a sociologia, a história, a antropologia, a filosofia ou a ciência política não sejam exteriores, tampouco auxiliares, mas se incorporem à investigação dogmática como momentos constitutivos. (NOBRE, 2003, p. 12).

Ante o exposto, a histórica decisão da Suprema Corte americana superou um entendimento solidificado da mesma, em um claro exemplo de um Direito emancipatório, que resguardou as garantias constitucionais dos afro-americanos. Dessa forma, o alcance da igualdade material, através da efetivação do princípio da dignidade humana, não se trata de um fenômeno estanque, mas de um processo que se concretiza diariamente através da colaboração de cada um dos envolvidos.


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Autor

  • Ana Terra Teles

    Advogada, mestre em Direito pela Universidade Federal de Sergipe - UFS, especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Estácio de Sergipe, FaSe, e em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá, recebeu dois Prêmios Serigy de incentivo ao desempenho acadêmico em 2009 e prêmio por melhor coeficiente de rendimento dos formandos 2012.2 da FaSe. Funcionária Pública Federal desde 2006, com ampla experiência em licitações e contratos, atualmente exerce suas atividades na Supervisão de Recursos Materiais. Professora de pós-graduação e de cursos para concursos.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TELES, Ana Terra. Separados, mas iguais: o mito da igualdade formal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5746, 26 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72905. Acesso em: 25 abr. 2024.