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A produção normativa na Câmara Legislativa do Distrito Federal

um estudo sobre o dever-ser e o ser do processo legislativo

A produção normativa na Câmara Legislativa do Distrito Federal: um estudo sobre o dever-ser e o ser do processo legislativo

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Sumário: I. Introdução 1.Dever-Ser 1.1 A Processualidade no campo da produção normativa. 1.2 O Processo como Discurso 1.3 Controle Judicial 1.3.1 O Problema e a Solução 1.3.2 O remédio é o próprio sistema 1.3.3 Controle de constitucionalidade formal versus controle do processo legislativo 1.3.4 Questões Políticas, Matéria Interna Corporis e Mandado de Segurança 1.3.5 Jurisprudência 1.3.6 Uma visão crítica 2. Ser 2.1 Introdução 2.2 Relatório 2.3 Politéia 2.4 A Simulação 2.5 Diferenças e Semelhanças 3. Comentários Finais

            Palavras – Chave: Câmara Legislativa do Distrito Federal, Processo Legislativo, Controle de Constitucionalidade

            Sinopse: Estudo sobre o "Dever-Ser" (teoria) e o "Ser" (prática) do processo legislativo na Câmara Legislativa do Distrito Federal. O objetivo do trabalho foi juntar a abordagem jurídica com a sensibilidade das Ciências Sociais, relacionando, por um lado, as regras formais do processo legislativo e, por outro, a prática política que, efetivamente, faz com que uma proposição siga o curso regimental. Para esse entendimento interdisciplinar do processo legislativo dividiu-se o projeto em três capítulos: O Dever-ser, O Ser e os Comentários Finais. O capítulo do Dever-Ser descreve o aparato teórico do trabalho, dedicando especial atenção à doutrina que defende a necessidade de um rigor no rito legislativo, subsidiada pelas idéias de Marcelo Campos Galuppo (UFMG), a crença na democratização da discussão dos projetos de lei, inspirada, por sua vez, no filósofo alemão Jürgen Habermas, e a tese da necessidade de um controle judicial do processo legislativo mais amplo do que aquele realizado hodiernamente, defendido entre outros, por Cristiano Viveiros de Carvalho (UnB). O capítulo do Ser trata da efetiva prática do processo legislativo, sustentado por dois grupos de dados empíricos: um relatório–diagnóstico produzido pela própria Câmara e uma simulação legislativa promovida pelo Instituto de Ciência Política da UnB. Tais dados ensejaram, nos Comentários Finais, um confronto entre os dados do Dever-Ser e os do Ser. Foi possível aventar algumas conclusões, quais sejam: que a lógica legislativa é de uma particularidade que dificilmente é reduzida, de forma integral, à lógica jurídica; e que existe uma discordância patente entre o que pregam os discursos habermassiano e jurídico sobre o que deveria ser o processo legislativo, de um lado, e o que de fato acontece nas Casas Legislativas, de outro. As implicações desta discrepância, bem como a questão do controle judicial do processo legislativo, demandam estudos mais aprofundados.


I. Introdução

            Este texto é no fundo uma investigação sobre os limites da dogmática jurídica. Não era esse, o nosso objetivo, a princípio. Nosso pensamento inicial era acreditar que a correta aplicação do Direito fosse capaz de mudar a realidade da prática política para melhor. Ou seja, no caso objeto deste estudo, o Direito, por si só, poderia ser uma via para tornar o processo de elaboração das normas mais democrático. A experiência de pesquisa, no entanto, nos convidou a re-avaliar nossos conceitos apriorísticos.

            A nossa questão, portanto, começa com um desconforto: A natureza hermética do Direito. Natureza que se percebe nos programas acadêmicos, nas discussões e palestras, na doutrina e jurisprudência. A partir de nosso aprendizado, podemos sugerir que o culto ao texto (ou fetichismo da lei como diria Bobbio [01]) empregado hoje, prejudica seriamente a compreensão da realidade e a formação da crítica. A contribuição das Ciências Sociais, portanto, seria uma lufada de ar novo para o Direito e teria a capacidade de relativizar o dogmatismo cego de muitos juristas. Entretanto, isso não tem acontecido. O problema talvez seja a falta de reconhecimento, por parte do Direito, da validade dos estudos sociológicos; e, em parte, ele tem razão. Muitas vezes os antropólogos, sociólogos e filósofos não dão a devida atenção à importância e à técnica da dogmática jurídica.

            Subsidiado por textos sobre Antropologia Jurídica, formação do Estado e a questão da Justiça – entre outros assuntos – este projeto nasceu no seio dessas discussões, do grupo de pesquisa "Lei e Sociedade" ligado ao curso de Mestrado em Direito do UniCEUB. A proposta foi justamente abordar um tema que carece de bibliografia que conjugue a abordagem jurídica com a sensibilidade sociológica. Nossa tentativa foi enfrentar a problemática do processo legislativo, no âmbito do Distrito Federal. Esse processo é regulado por uma série de leis que formam o legalmente correto do referido processo. A observação empírica, entretanto, pôde nos levar à constatação de uma realidade diversa do ideal. As conseqüências dessa incongruência e as observações acerca dessa realidade são um farto material para pesquisa, como já nos mostrou Abreu. [02]

            O problema aqui é a correspondência entre como o processo de formação das leis deveria ser, e como ele é na pratica. Como exemplo das dificuldades em questão podemos começar com uma citação; podemos fazer nossas as palavras de Geertz: "A questão a qual quero[mos] [nos] endereçar é do relacionamento entre fato e lei. Como o problema do Ser/Dever-ser, Sein/Sollen, esta questão e todas as outras pequenas questões que dela se ramificam tem sido discutida na filosofia Ocidental desde Hume e Kant". [03] A partir daí, o objetivo desta pesquisa se dividiu em dois: 1. Verificar a aplicabilidade das leis que regem o Processo Legislativo no Distrito Federal. Ou seja, o Sollen. 2. A partir de dados empíricos observar como o Processo Legislativo acontece na prática, ou seja, o Sein; analisando as conseqüências de uma possível incongruência entre Sein e Sollen.

            A nossa angústia (por assim dizer), o sentimento que nos impulsionou adiante com o projeto, se intensificou ao lidarmos com a fundamentação teórica desta pesquisa. Encontramos um considerável número de trabalhos sobre o processo legislativo federal, mas uma quantidade muito reduzida de obras a respeito dos âmbitos municipais, estaduais e do Distrito Federal. E pior: nenhuma obra, dentre todas examinadas, satisfez o escopo desejado por nós.

            Podemos citar alguns exemplos. Do Processo Legislativo de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, perpassa historicamente as participações e conflitos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, na busca pelo fortalecimento da Democracia no Ocidente. Tudo isso para depois expor consistentemente o aparelho dogmático que compõe o processo legislativo contemporâneo brasileiro [04]. Victor Fernandes Gonçalves trata do Controle de Constitucionalidade das Leis do Distrito Federal. Obra que nos interessa pelo enfoque que dá à evolução histórica do que era o chamado "município neutro", hoje Distrito Federal. [05] Já Márcia Maria Corrêa de Azevedo se aventura na difícil tarefa de desvendar o que ela chama de "Jogo Parlamentar", ou seja, a prática do processo legislativo. Com conceitos extremamente didáticos ela explica ao cidadão leigo a gênese do poder legislativo, o conceito de processo legislativo e apresenta idéias próprias para explicar os meandros de como as leis são feitas. [06] Os dois primeiros trabalhos abordam o tema de tal maneira que não satisfazem o propósito da presente pesquisa. Isso porque, ora se restringem apenas ao exame do aparelho dogmático, ora abordam de maneira parcial o âmbito local. Já a terceira autora se aproxima bastante da nossa proposta justapondo o dogmático (deveria ser) e a prática (o ser), ou seja, Sollen e o Sein. Essa comparação, contudo se faz, na nossa opinião, com pouco rigor científico.

            Em resumo, temos de lado o dogmatismo restrito e de outro, uma sociologia intuitiva. Isso faz parecer que a teoria e a práxis são distintas. Entretanto, a comparação entre o dever-ser e a o ser, como aspectos distintos da realidade social, não constituem um princípio da boa sociologia. Durkheim já argumentava com razão que "... Uma sociedade não pode criar-se nem recriar-se sem criar, ao mesmo tempo, alguma coisa de ideal. Essa criação não é para ela uma espécie de ato suplementar com o qual ela se completaria a si mesma uma vez constituída; é o ato pelo qual ela se faz e se refaz periodicamente. Assim, quando opomos a sociedade ideal à real, como duas antagonistas que nos arrastariam em dois sentidos contrários, realizamos e opomos abstrações. A sociedade ideal não está fora da sociedade real; faz parte dela." [07] Desta maneira entendemos a relação entre o ideal e o real, o Sollen e o Sein, e de como tratar esse binômio; não de maneira que ponha os dois em direções opostas, mas em uma mesma realidade. Esse foi o objetivo desta pesquisa.

            Nesse contexto, a fim de um entendimento interdisciplinar do processo legislativo (uma das nossas metas) dividimos o trabalho em três (3) tópicos: O Dever-ser, O Ser e os Comentários Finais. O tópico do Dever-ser descreve o aparato teórico do trabalho, dedicando especial atenção à doutrina que defende a necessidade de um rigor do rito legislativo, a democratização na discussão dos projetos de lei e um controle judicial do processo legislativo maior do é que feito hoje. O tópico do Ser trata da efetiva prática do processo legislativo, subsidiado por dados empíricos. Por fim, os Comentários Finais se dão a partir, justamente, da confrontação do Dever-Ser com o Ser.


1. O Dever - ser

            1.1 A processualidade no campo da produção normativa

            Em artigo [08], Marcelo Campos Galuppo expõe o que ele chamou, apropriadamente, de "elementos para uma compreensão metajurídica do processo legislativo". Citando Elio Fazzalari e Aroldo Plínio Gonçalves, Galuppo explica ao leitor sua posição sobre a processualidade no campo de produção das normas. Para tanto, o autor reconstrói alguns conceitos tradicionais do Direito Processual.

            O que nos interessa aqui é a defesa que o artigo faz da idéia de que o processo legislativo pode ser equiparado tecnicamente a um processo jurisdicional. Segundo Galuppo, a atividade de elaboração normativa cumpre, comparativamente, todos os pressupostos e condições necessárias. Vejamos: um processo é caracterizado por "uma seqüência de normas em que o validade de um ato ou norma depende do anterior e que visa a produção de um provimento" [09] (ou seja, uma sentença ou decisão. No nosso caso uma lei). Há mais um componente intrínseco ao processo, que é muito importante para sua composição: o contraditório, que pode ser caracterizado por "a) participação dos destinatários do ato final na fase preparatória do mesmo; b) simétrica paridade destes interessados; c) mútua implicação de seus atos; d) relevância de tais atos para o ato final." [10] A semelhança da atividade jurídica, com a atividade legiferante cumpriria, portanto todos esses papéis. O suposto básico seria o de que "...estejamos diante de um Estado Democrático de Direito, em que seja permitida a todos a participação, diretamente ou não nesta estrutura de produção de normas. No sistema representativo em especial, é essencial que todos os membros competentes (ou seja politicamente capacitados) possam potencialmente participar da discussão de uma lei para que, ao final, possa se falar em processo legislativo" (grifo nosso). [11]

            Resta dizer que vista desta forma, assim como as etapas de um processo jurisdicional, as normas regimentais que ordenam a atividade legislativa não podem ser desobedecidas ad nutum (a qualquer tempo). Pelo contrario, um vigoroso rigor no rito é necessário, a fim de preservar a legitimidade das Casas Legislativas.

            1.2 O Processo como Discurso

            Iremos agora, tecer alguns comentários sobre as idéias de Jürgen Habermas, um filósofo alemão dando continuidade ao tópico anterior, que defende a processualidade da produção normativa. Habermas permite uma releitura do contraditório, um elemento imprescindível para a caracterização de um processo. Além do mais, sua obra permite um diálogo entre a dogmática jurídica e as ciências sociais, um objetivo do nosso trabalho. Nesse contexto, Habermas se propõe a responder perguntas interessantes, como por exemplo: podem as normas regular a vida em uma sociedade plural e heterogênea e fazer isso de maneira justa e legítima?

            A literatura jurídica que se apropria das idéias habermassianas propõe que somente através da teoria da ação comunicativa e sob o prisma do discurso é que se torna possível resolver esse problema. Por discurso, pode se entender um ato de comunicação destinado a fundamentar [a legitimidade] das opiniões e normas, organizado argumentativamente a fim de superar uma polêmica [12]. A teoria da ação comunicativa é efetivada na medida em que se delibere através do dialogo num modo que permita a todos exporem suas opiniões prevalecendo a que melhor se sustentar racionalmente. Essa idéia é um passo muito importante para a filosofia do Direito, pois contemporaneamente, cresceu a necessidade da elaboração normativa ser mais legitima e não apenas positivada. Assim Habermas tenta afastar o conceito de Weber para quem "direito é aquilo que o legislador, democraticamente legitimado ou não, estabelece como direito, seguindo um processo institucionalizado juridicamente". [13] Para Weber lei é "toda emanação que parte do Poder Legislativo, desde que sejam satisfeitas as condições processuais inerentes ao procedimento legislativo [14]". Habermas tenta demonstrar que a legitimidade não se encontra somente na formalidade do processo legislativo. A gênese democrática e legítima das leis se dá a partir de elementos como um espaço comunicativo aonde, através de ações recíprocas dos agentes, ocorram debates críticos e racionais com vistas a um consenso. [15]

            Promovido o respeito ao regimento interno da Casa Legislativa e um amplo debate das proposições, ambos incentivados e fiscalizados pela participação popular, pode-se falar – dizem os autores - até em co-autoria das leis pelos cidadãos. Essa é a exatamente a idéia. Cristiano Viveiros de Carvalho comenta: "O cumprimento das regras do discurso racional não garante a correção do resultado – ou seja, não se tem, como nas evidências das ciências naturais, a comprovação empírica objetivamente mensurável da ‘verdade’ -, mas o caracteriza (ao resultado) como racional, racionalmente fundamentável e, portanto apto a reivindicar validamente [uma maior legitimação]." [16]

            Portanto, segundo ensino dos autores comentaristas de Habermas, podemos concluir que, é assim, procedimentalmente, com cumprimento das regras do jogo, a desobstrução dos canais de comunicação e junto a um meio de aprimoramento argumentativo das proposições, é que se atingirá com maior facilidade um provimento (lei) bem mais legítimo e propício a ser mais respeitado e eficaz. Mas toda essa conjuntura funcionaria só naquele plano ideal de condições que Habermas estabelece (honestidade, clareza e mutuo entendimento entre os falantes) para que aconteça a ação comunicativa. O que aconteceria no plano prático de um legislativo que é composto por atores antagônicos e muitas vezes com agendas próprias, não interessados, portanto, em atingir um consenso?

            1.3 Controle Judicial

            1.3.1 O Problema e a Solução

            O problema que se põe então é o seguinte: "É que a teoria do discurso, ao trabalhar no plano ideal, embora não ignore a possibilidade de alguém manipular o processo, não trata de como evitá-lo. E nem deveria, porque não é este o seu escopo. [O próximo passo], logicamente necessário, se se pretende que essas regras do discurso vigorem, é estabelecer mecanismos que garantam a sua efetividade nos contextos práticos do processo legislativo". [17] Daí, na visão de alguns juristas, a necessidade de um controle jurisdicional do processo legislativo. Como veremos adiante não estamos falando de controle judicial lato senso, mas de um tipo especifico de controle: o controle incidental do processo legislativo.

            1.3.2 O remédio é o próprio sistema

            Um defensor do controle jurídico da elaboração normativa, Cristiano Viveiros de Carvalho expõe o porquê da crença nesse instituto. A observação aqui é que se trata de um instrumento que age sem rupturas institucionais. Interessante qualidade, já que quando o processo sofre distorções providas por interesse de grupos dominantes nas Casas Legislativas é natural a tendência de um sentimento de frustração. No caso do Distrito Federal há até grupo vindicando a extinção da Câmara [18]. Há aqui, um problema de cultura institucional. Carvalho aponta, assim como outros pensadores que defendem o controle jurisdicional do processo legislativo, que "...é possível corrigir essas distorções com instrumentos do próprio regime, por meio de um aperfeiçoamento gradual e perseverante das instituições. (...) Se essas correções, ademais, se têm de basear nos instrumentos do regime, devem-se realizar ou por alterações na lei, com o emprego do próprio processo legislativo, ou pela atuação de outro sujeito estatal – no caso específico, o Judiciário – ao fazer evoluir a jurisprudência". [19]

            1.3.3 Controle de constitucionalidade formal versus controle do processo legislativo.

            Na seara de um controle do processo legislativo, é mister a compreensão de um conceito do princípio do devido processo legislativo [20]. Este princípio prega um processo substantivo em oposição a um processo pro forma [21]. Isto significa a defesa das idéias de Fazzalari (rigor do rito legislativo) e Habermas, (amplo debate racional) consubstanciadas na prática dos trabalhos legislativos, a fim de se produzirem leis que seriam, adequadas regimentalmente e legitima junto a todos os possíveis concernidos. Nesse contexto, cabe esclarecer que tipo de controle – dentre os existentes no sistema jurídico brasileiro – satisfaria as exigências do devido processo legislativo.

            O controle de constitucionalidade formal ou a posteriori já não encontra oposições. É pacífico o seu uso tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Já o controle incidental não goza deste mesmo privilégio. Como veremos mais adiante, a sua implementação encontra forte resistência. A questão é: o controle formal satisfaz "não apenas o que se refere à harmonização do ordenamento jurídico, mas também problemas relacionados com o descumprimento das regras do processo legislativo, no contexto de legitimação do Estado democrático de direito"? [22]

            Cristiano Viveiros de Carvalho aponta no sentido da resposta ser negativa. Duas razões se destacam para tanto: a)insuficiência ou limitação crônica do controle de constitucionalidade formal b)insuficiência de uma verificação a posteriori para a garantia do cumprimento do devido processo legislativo. A primeira razão configura-se na limitação encontrada pelo controle formal de se restringir na maioria das vezes, em vícios de iniciativa, invasão de competências ou inadequação de instrumentos legislativos. Por inadequação de instrumento legislativo pode se entender, por exemplo, lei ordinária que versa sobre matéria constitucionalmente atribuída a lei complementar. A segunda razão segue o raciocínio de que o controle de constitucionalidade a posteriori geralmente se limita a casos que envolvem sujeitos estatais diferentes. Um caso de uma controvérsia entre um determinado parlamentar ou grupo de parlamentares e a Mesa Diretora da Casa, por exemplo, foge do campo de um controle formal.

            1.3.4 Questões Políticas, Matéria Interna Corporis e Mandado de Segurança

            Existe tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, uma discussão sobre o controle judicial incidental do processo legislativo. Neste tópico vamos explorar as repercussões desta discussão. Um ponto importante para o entendimento do controle judicial incidental é a questão das matérias interna corporis e questões políticas. Esses institutos são produtos do princípio da autolimitação judicial, que por sua vez repousa na idéia de que há determinadas controvérsias que são incompatíveis com o controle jurisdicional. Viveiro lembra que "No quadro institucional do Estado democrático de direito, entre cujos pilares, situa-se a separação de poderes, existem decisões submetidas à discricionariedade exclusiva de cada órgão, imunes, portanto, a qualquer forma de julgamento por órgão externo". [23] O perigo, segundo alguns juristas, é que o legislativo (ou grupos dominantes em seu âmago) pode praticar arbitrariedades se valendo dessa autonomia inviolável.

            A doutrina distingue sem maiores dificuldades conceitualmente, as questões políticas e matéria interna corporis. É o caso do administrativista José dos Santos Carvalho Filho: "Atos Políticos: trata-se daqueles atos produzidos por certos agentes da cúpula diretiva do país, no uso de sua competência constitucional; Atos Legislativos Típicos: Àqueles que dispõe de conteúdo normativo, abstrato e geral; Atos Interna Corporis: São aqueles praticados dentro da competência interna e exclusiva dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário. (...) como não pode existir ato sem controle, poderá o Judiciário controlar esses atos internos e exclusivos quando contiverem vícios de ilegalidade ou constitucionalidade ou vulnerarem direitos individuais." (grifo nosso) [24]

            Isto nos leva a outra questão. As controvérsias que envolvem esses atos internos e exclusivos têm sido levadas ao tribunal por meio do mandado de segurança. Aí reside uma polêmica. É que uma das condições para o uso deste instrumento é a existência de direito próprio, líquido e certo violado ou ameaçado por ato ou omissão de autoridade pública. Aqui cabe breve aclaramento de que esse direito é tido "como direito comprovado de plano, ou seja o direito comprovado juntamente com a petição inicial, de modo que havendo dúvidas quanto às provas produzidas na inicial, o juiz extinguirá o processo sem julgamento de mérito". [25]

            A doutrina e a jurisprudência mais conservadora não aceitam o emprego do mandado de segurança contra ato dos dirigentes das Casas Legislativas por acreditarem inexistir o direito próprio, líquido e certo dos parlamentares ao cumprimento do regimento interno de sua Casa. A doutrina moderna (Carvalho 2002, Cattoni 2000, Del Negri 2003) defende que tal posição não procede. É pacífico, contudo que a Constituição é hábil para dar ensejo ao writ, ou seja, ao direito subjetivo. Ora, o que gera tal direito é a incidência da norma jurídica no suporte fático conforme lição de Pontes de Miranda [26]. Os regimentos internos das Casas Legislativas são normas jurídicas; o seu desrespeito é o suporte fático necessário. Os autores defendem portanto que, a negativa ao direito subjetivo dos parlamentares de ver respeitado o regimento interno de sua Casa carece de substância lógica e jurídica.

            1.3.5 Jurisprudência

            A jurisprudência brasileira vem se posicionando pelo self-restraint (autolimitação) com as escusas vistas anteriormente. Veremos contudo, numa gradação de julgados, que já existe no Supremo Tribunal Federal preocupação com o princípio do devido processo legislativo. Destacam-se os Mandados de Segurança nº 20.471, 20.247 e 22.503. O primeiro é representativo do restraint, o segundo reconhece um certo grau de sindicabilidade judicial dos atos legislativos e o terceiro demonstra - embora por meio de votos vencidos - a defesa de um maior controle jurisdicional na elaboração das leis.

            O Mandado de Segurança nº 20.471, tratava "que fosse o presidente do Congresso Nacional instado a colocar em votação emenda constitucional de sua autoria instituindo eleições diretas para Presidente da República". [27] O recurso não foi conhecido por se tratar de teor revestido de matéria interna corporis segundo o tribunal. O relator do mandado se eximiu sequer de examinar informações prestadas pelo dirigente do Congresso.

            O mandado nº 20.247 "visava questionar o indeferimento pelo Presidente do Senado, quando no exercício da presidência de sessão do Congresso Nacional, de requerimento de anexação de determinada proposta de emenda constitucional à outra já em tramitação que convocava Assembléia Constituinte em 1984". [28] O recurso embora também não reconhecido, teve nas razões de sua decisão desfecho diferente, graças aos argumentos do relator, Ministro Moreira Alves, voto que foi decisivo para o posicionamento da Corte: "No caso, o Presidente do Senado (...) usando da competência de deferir, ou não, requerimento de parlamentar que alega existir projeto com matéria análoga ou conexa à de outro, para efeito de anexação, o indeferiu, por entender, fundamentadamente, que inexistia a pretendida analogia ou conexidade. Não pode o Judiciário (...) examinar o mérito de ato dessa natureza, para aquilatar seu acerto ou desacerto, sua justiça ou injustiça. Trata-se de decisão interna corporis...". [29] O relator então deixa claro que se isso tivesse sido feito sem nenhum fundamento, ai sim, seria suscetível de ser examinado pelo Judiciário. O que não pode ser discutido, é o mérito da fundamentação, e ainda sim só no que toca à discricionariedade legal do dirigente legislativo.

            Já o Mandado de Segurança nº 22.503 tinha como cenário a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional nº 33-A/95 na Câmara dos Deputados. Os autores foram um grupo de deputados da oposição inconformados com o trâmite do processo, que segundo eles tinha violado o Regimento Interno. A decisão final foi pelo não reconhecimento do Mandado. Contudo os votos vencidos dos Ministros Marco Aurélio (relator) e Celso de Mello simbolizam a defesa do já frisado devido processo legislativo. O relator terminou seu voto com trecho de um parecer do professor Fábio Konder Comparato e Cármem Lúcia Antunes Rocha: "Direito é feito para ser seguido e por isso tem que ser controlado. E Constituição não é sugestão, ou aviso, ou convite. É norma jurídica de cumprimento obrigatório, necessário e insuperável, e nada há nela que diga respeito exclusivamente a alguns agentes públicos. Tudo o que se fizer contra a Constituição atinge todos os cidadãos, todas as pessoas, mais diretamente ainda, em alguns casos, como nesse que se dá a saber aqui, a quem tem o direito líquido e certo de ter um processo legislativo previamente definido pela norma magna. Nada há de interno a qualquer corporação. Os sinos tocam para todos. A constituição também..." [30]

            O caso do Distrito Federal não é diferente. O Tribunal de Justiça vem se posicionando de forma contundente pela autolimitação como demonstra, entre vários outros julgados, o Mandado de Segurança 132547 e o Agravo Regimental no Mandado de Segurança 178870.

            Há, contudo, um julgado que contraria a tendência: o mandado de segurança 291/95-DF. A controvérsia era sobre o desempate por "voto de Minerva" do então presidente da Casa, após ele próprio ter participado da votação inicial. O mandado foi reconhecido e o ocorreu nulidade do ato de aprovação dos projetos por desobediência a norma do devido processo legislativo como consta na ementa do mandado [31]. Apesar de contrariar posição majoritária, esse julgado, no entanto, não representa a evolução jurisprudencial que almejam os defensores do fiel cumprimento do regimento interno, pois se trata de decisão isolada.

            1.3.6 Uma visão crítica

            Tentamos mostrar ao leitor as informações teóricas deste trabalho com um certo distanciamento, embora sedutores sejam os argumentos de alguns juristas-autores, especialmente para um aluno iniciante e que almeja também, produzir doutrina no futuro. Esse distanciamento é importante para a composição de uma visão crítica sobre o objeto deste trabalho, especialmente na sua face teórica.

            A questão do controle jurisdicional do processo legislativo não se mostrou viável para nós. Os argumentos que defendem esse tipo de controle são contra-factuais. Isto é, embora exponham pontos válidos eles, requerem uma verificação de dados muito difícil de se fazer: de que o controle jurisdicional garante uma lei livre de defeitos jurídicos e mais legítima. Ora, quem garante a isenção dos operadores judicantes, que a doutrina aponta necessária para fazer esse tipo de controle? Será que, exercendo esse controle não seria o Judiciário, politizado ainda mais do que já é, e conseqüentemente transformado em uma outra arena política? [32] Concluímos que dificilmente, neste caso, a lógica parlamentar se reduziria integralmente à lógica judicial. A via possível aqui, seria algum controle. Mas qual seria sua medida, seu exato funcionamento e abrangência, são questões que merecem estudos mais aprofundados.


2. Ser

            2.1 Introdução

            Este tópico dedica-se a ponderar o aspecto do processo legislativo tal como ele ocorre, ou seja seu Sein (ser). A tarefa não é fácil. Como e por onde começar a incursão ao campo? Se lançar a todo um mundo – como é o caso do Poder Legislativo – e tentar entender o que por lá realmente acontece, é intimidador, especialmente para um aluno de iniciação científica.

            Tivemos sorte. Conseguimos acesso a dois grupos de dados que nos permitiram estabelecer um diálogo entre nosso aparato teórico e prático (objetivo inicial da pesquisa). Os dois grupos de dados possuem características próprias. O primeiro serviu como um "choque" que nos pôs face-a-face com elementos empíricos do processo legislativo. O segundo teve a função equivalente a um laboratório; que nos permitiu tanto entender melhor o que já tínhamos em mão, como também, perceber novas direções. Trata-se, respectivamente de um relatório–diagnóstico e de uma simulação legislativa.

            2.2 Relatório

            No dia 26 de setembro de 2003, participamos de um "seminário interno sobre processo legislativo da Câmara Legislativa do DF" promovido pela própria Câmara. O evento tratou, entre outros assuntos, de diagnosticar a qualidade do processo legislativo e de propor metas para a Câmara Legislativa do Distrito Federal atingir um modelo ideal de processo. A base do seminário foi um relatório produzido por auditoria com vistas a produzir uma "radiografia" não só do processo legislativo stricto sensu mas de seus suportes, como os recursos humanos técnicos e sistemas informatizados. Por meio de requerimento endereçado à presidência da Casa, tivemos acesso ao relatório. A parte que nos chamou mais atenção foi a que tratou da análise dos autos, ou seja um exame documental do tramite das proposições. Vale dizer que a análise se limitou às proposições de 2002 e início de 2003. Em 2002 foram analisados 188 projetos de lei ordinária (PL) e 88 projetos de lei complementar (PLC). Em 2003 foram analisados 4 projetos de lei ordinária e 1 projeto de lei complementar. Escolhemos alguns casos meramente exemplificativos dos exames feitos: Proposição relatada pelo próprio autor (PL 2869/02, PLC 1603/02); Ausência de registro de leitura em plenário (PL 2761/02); Prazos não cumpridos pelas comissões – parecer do relator fora do prazo (PL 2743/02, PL 2817/02, PL 3141/02); Ausência de demonstrativos legalmente exigidos na instrução dos processos (PL 3132/02, PL 3234/02, PL 1634/02); Ausência de folhas dos autos (PL 2944/02); Rasuras em folhas de votação (PL 2963, PL 3217/02 PLC 1547/02); Apreciação de veto fora do prazo legal (PL 2978/02, PL 3088/02, PLC 1911); Apreciação "em bloco de vetos" (PL 3011/02, PLC 1626/02, PLC 1737/02); Situação em que a redação final desconsiderou o substitutivo aprovado (PL 3000/02); Inclusão de documentos após o 1º turno de votação (PL 144/03, PL 148/03); Aprovação de projetos de desafetação de área sem prévia audiência pública (PLC 1601/02, PLC 1648/02, PLC 1737/02). [33]

            A importância destes casos para o nosso propósito, é que alguns deles incidem justamente nos pontos que tentamos frisar. São casos que exemplificam desprestígio com o rigor legislativo, defendido por Fazzalari e a busca pela celeridade incompatível com a qualidade discursiva do processo legislativo defendida por Habermas.

            A auditoria constatou ainda falhas como a falta de uma política de recursos humanos e "deficiências de treinamento, atualização e reciclagem, principalmente no que respeita ao conhecimento e aplicações do atual regimento interno". [34] Carece a Câmara também – segundo a auditoria - de um aprimoramento e otimização do sistema informatizado de apoio aos trabalhos legislativos: o "Sistema Legis".

            2.3 Politéia

            Foi com satisfação e curiosidade que, em julho de 2004, tomamos conhecimento de um programa de simulação do processo legislativo federal, (chamado Politéia) promovido pelo Instituto de Ciência Política da UnB. Essa simulação teve o mesmo status da bibliografia que trata do processo legislativo federal pois foi inteiramente aproveitada por motivos de semelhança ontológica com o processo local. Conforme explicações que constavam na página eletrônica do programa, [35] o objetivo do Politéia é proporcionar ao estudante a "oportunidade de se familiarizar com dois processos fundamentais da política: (i) o processo legislativo e (ii) o processo de formação das políticas públicas" Ao invés de fazer uso de aulas expositivas ou seminários, o Programa propicia ao participante uma realidade simulada; que permite a elaboração e apreciação de proposições próprias, contando com espaço físico do plenário da CCJ da Câmara dos Deputados, um regimento interno, assessores, ata e súmula das sessões, as comissões simuladas de assuntos sociais (CAS) e de constituição e justiça (CCJ). Enfim todo um esforço para o aluno entender a dinâmica do legislativo brasileiro. A experiência foi valiosa, e nos permitiu lançar novos olhares sobre nosso trabalho.

            A narrativa a seguir, assemelha-se a um relato etnográfico; e tenta demonstrar que o Politéia, embora seja uma experiência de valor limitado por se tratar de uma simulação, guarda importantes semelhanças com a realidade.

            2.4 A Simulação

            Bruno Furtado (...) Bruno Furtado (...) Bruno Furtado. Os votos eram lidos repetidamente em voz alta, em um dos microfones do plenário da CCJ da Câmara dos Deputados. Naquele momento chegava ao fim a apuração da eleição da Mesa Diretora da Casa. A negociação não tinha sido nada fácil. Tudo aconteceu muito rápido, no ritmo de celulares tocando, cochichos, reuniões. Depois de muitos cafés, telefonemas e stress a situação parecia estabilizada. O PMDB tinha sido isolado, graças a um esforço do bloco da maioria, encabeçado pelo PT que incluía ainda o PPS e o PSDB; e pelo bloco da minoria formado pelo meu partido, o PFL e pelo PL. O esforço garantiu uma eleição tranqüila. A disposição de cargos era regimental. O bloco da maioria ficou com a presidência da Casa e o meu bloco, o bloco da minoria, com a vice-presidência. Eu, vice-presidente e um amigo pessoal na presidência. Parecia que a simulação estava nas nossas mãos. Mas nos dias que se seguiram eu aprendi que no legislativo, nada – ou quase nada – é o que parece.

            Quando os trabalhos recomeçaram na manhã seguinte, havia uma nítida tensão no ar. Estava em andamento a negociação da pauta e a situação dos projetos nas comissões. Isso ocorreu mesmo depois de horas de conversas e barganhas na noite anterior. Acho que foi ali, quando primeiro percebi que o mérito dos projetos de lei às vezes perde muito o sentido diante da oportunidade e conveniência política. Em conseqüência disso, não só bons projetos ficariam fora da pauta, como as discussões acerca dos projetos incluídos perderiam muito, pois já tinham sido objeto de negociações e portanto tinham sua aprovação ou arquivamento aprioristicamente decididos. Essa impressão-hipótese foi confirmada durante o andamento dos trabalhos da Comissão de Constituição e Justiça. Como eu era Vice-presidente da Casa não participei como membro efetivo de nenhuma das duas comissões (CAS e CCJ). Por isso transitava entre as duas conforme a necessidade de atenção delas. A certa altura da manhã, fui chamado por um parlamentar da minha bancada que dizia mais ou menos:

            — Bruno, dá uma ajuda lá na CCJ. Não está tendo discussão nenhuma. A gente não se opõe a nada, tá tudo passando direto. Ajuda o pessoal lá, você que faz Direito.

            A situação melhorou um pouco. Tentamos ao máximo questionar formal e constitucionalmente as proposições, sem comprometer de maneira crônica nossa posição política firmada em acordos pretéritos.

            Dois dias depois, entrávamos na fase final da simulação. A tensão desta vez, não se limitava ao campo da percepção de um "sexto sentido"; ela se fazia sentir no andar frenético dos parlamentares de um lado para o outro, em grupos de 3 ou 4 deputados conversando desconfiados em um canto do plenário, em papeis e mais papeis passando nas mãos de todos com listas, rabiscos, projetos de lei. A pauta a ser votada em plenário justificava toda essa movimentação. Projetos que versavam sobre a proibição da pílula do dia seguinte, lobby, educação. Enfim, hoje era o dia em que seriam votadas em plenário as proposições que carregavam uma grande dose de polêmica. Em termos de laboratório o dia serviu, primordialmente, para duas coisas. Confirmação de uma hipótese levantada nos dias anteriores, e uma suscitada pouco depois. Respectivamente, hipótese que nos inclinava a pensar no desprestígio das discussões diante de acertos políticos e da preferência do legislativo pela celeridade em detrimento à qualidade do processo legislativo.

            Isso tudo foi percebido no tramite do projeto de uma parlamentar do meu bloco. O projeto almejava a proibição da pílula do dia seguinte alegando sua natureza abortiva e de conseqüente atentado a um direito fundamental que é a vida. O projeto sofrera emendas, mas mesmo assim, se revestia o seu destino de uma enorme incerteza, apesar de horas e horas de negociações. O presidente da Casa, um parlamentar do PT, havia se comprometido (com o nosso bloco) em fazer um esforço incomensurável para aprovar o projeto, e em troca esperava que os dois projetos de sua autoria recebessem igual tratamento da parte do nosso bloco. A situação era crítica. Para o nosso partido o conteúdo do projeto não era tão querido assim, mas como sofrêramos derrotas sucessivas antes, a aprovação deste projeto era questão de honra. A despeito de negociações prévias, o projeto não fora incluído na pauta de votação do plenário. Ficou claro, que o bloco da maioria (bloco do presidente da Casa) era contra o projeto.

            — Requerimento sobre a mesa, disse o presidente. Requerimento de inclusão na pauta do PL nº 4, que versa sobre a pílula do dia seguinte. Passaremos agora a votação deste requerimento, continuou o presidente em um tom tenso.

            Vale lembrar do interesse do presidente, para quem a aprovação da proposição da pílula do dia seguinte significaria também a aprovação dos seus próprios projetos.

            — Em votação, o requerimento de inclusão do PL nº 4 na pauta do dia. Os favoráveis permaneçam como estão, os contrários se manifestem, disse o presidente.

            O que aconteceu - como esperado – foi que a bancada do PT, PPS, PSDB (bloco da maioria) se manifestou em maior número contra o projeto. A despeito disso e contando com o enorme poder que a mesa diretora possui, o presidente interpretou a manifestação, deferindo (aprovando) o requerimento que incluiria o projeto na pauta. O bloco da maioria se revoltou. Agitados e inconformados exigiram uma nova votação. A verdade era que não existia essa possibilidade, regimentalmente. Uma vez aprovado, o requerimento está aprovado e ponto final. Mas, como mais tarde me confessou o presidente, aquela era uma hora delicada, principalmente para ele, e por isso houve nova votação. Contudo, o que aconteceu daquele ponto em diante mostrou que a simulação virará um verdadeiro jogo de xadrez.

            — Em votação, novamente, o requerimento do PL nº 4, para inclusão na pauta do dia. Os contrários permaneçam como estão, os favoráveis se manifestem, disse rapidamente o presidente.

            Ele inverteu a frase usada de praxe nas votações. De modo que desatentos, os que tinham a intenção de votar contra – e eram maioria – permaneceram como estavam, desse modo votando a favor.

            — Aprovado, disse em tom exclamativo o presidente!

            Houve tumulto. O bloco da maioria novamente se indignou. Os ânimos ficavam cada vez mais acalorados. A situação era bastante tensa. Houve a exigência de uma votação nominal. Essa votação tinha como característica indagar, deputado por deputado, o seu respectivo voto. E foi assim que se deu por longos minutos a votação. Cada parlamentar deu seu voto. A votação foi igualmente tensa, pois não parecia nada garantido, nem a aprovação nem o arquivamento do requerimento. A votação estava muito apertada. Incrivelmente no resultado final houve empate. Nestes casos o regimento atribui prerrogativa ao presidente da Câmara dos Deputados para usar o chamado "Voto de Minerva" e desempatar a votação. Interessado de forma obstinada com a aprovação dos projetos de lei de sua autoria, o presidente, manteve sua palavra (com o bloco PFL-PL) e contrariando toda a sua bancada declarou:

            — O requerimento está aprovado!

            Dali em diante tudo aconteceu muito rápido. As coisas fugiram do controle. Membros do bloco da maioria gritavam e batiam nas mesas do plenário. Outros andavam em direção a mesa diretora exaltadíssimos. Todo o plenário virara um caos. O presidente rapidamente cortou o funcionamento de todos os microfones a exceção do seu próprio, por onde pedia calma e ordem. Nada acalmava, muito pelo contrário. Orientado por assessores e pelos secretários da mesa, o presidente suspendeu a sessão.

            Os parlamentares assumiram o compromisso, de que se o presidente voltasse a presidir haveria obstrução maciça das votações. Minutos depois, assumi a presidência, aonde permaneci até o final do dia. A situação foi se estabilizando paulatinamente, até que a ordem prevaleceu no restante da sessão plenária. No tempo remanescente da sessão, houve inúmeros pedidos de inclusão urgente, urgentíssimas de projetos na pauta, requerimentos de encerramento de discussões e incontáveis intervenções do tipo "pela ordem", e "questão de ordem", com obvias intenções protelatórias. Isso viria a confirmar nossa impressão, de que havia desprestígio ao andamento democrático do processo legislativo. Mas este não é o ponto central. A grande questão é: poderia ser diferente?

            2.5 Diferenças e Semelhanças

            As diferenças entre o Politéia e a Câmara Legislativa são obvias e descartam tomar algumas situações da simulação como correspondentes ao que realmente acontece. A falta de accountability jurídica e popular, permite que os participantes do Politéia tomem decisões que outrora certamente figurariam suicídio político. A falta da imprensa e de ações estratégicas a longo prazo são pontos importantes [36], porque influem na elaboração e votação das proposições. O fator econômico também é uma diferença gritante. É difícil imaginar um legislativo que não esteja intimamente entrelaçado ao poderio econômico de grupos e corporações. Esse tipo de relacionamento, de caráter financeiro, inexiste no Politéia.

            Contudo, há uma comunhão de semelhanças, e isso não pode ser descartado. Nos dois casos (realidade e simulação) tem mais poder quem conhece mais o regimento. O conhecimento da lei reguladora da casa é um diferencial enorme que se faz sentir especialmente, nas horas mais tensas dos trabalhos. A preferência pela celeridade em detrimento à qualidade do processo, parece prevalecer também nos dois âmbitos. Isso é percebido quando das votações "em bloco", os requerimentos de encerramento de discussões importantes e nas medidas de urgência. Por isso, torna-se claro o desprestigio dos debates acerca dos projetos de lei, especialmente nas comissões [37]. O fato de a simulação ser uma atividade eminentemente acadêmica, não excluiu do programa disputas por poder e diferenças ideológicas.


3. Comentários Finais

            Com base nos nossos dados empíricos, vimos que o que é pregado na teoria é um tanto distante do que acontece na prática. Rigor regimental e discussão do conteúdo dos projetos - dois dos mais importantes pontos do Dever-ser do processo legislativo - às vezes perdem força diante de acordos e de circunstâncias políticas. Independente dos motivos, tanto alguns dos participantes do Politéia, quanto alguns deputados da Câmara Legislativa, não foram fiéis ao devido processo legislativo (cf. itens 2.2, 2.4). Parece que existe uma pragmática inebriante no contexto do Poder Legislativo. Esse "jogo" tem uma lógica muito particular, de difícil compreensão e improvável ou impraticável controle por parte de outro ente conforme vimos anteriormente (cf. item 1.3.6).

            Interessante notar, a aplicabilidade das idéias da antropóloga Sally Falk Moore, no que concerne o processo legislativo. Moore propõe um método ao abordar os "processos sociais em termos da inter–relação de três componentes: os processos de regularização, os processos de ajustamentos situacionais e o fator da indeterminação". [38] A autora justifica seu método. "Há um conflito constante entre a pressão pela regulamentação, pela regularização e enquadramento e as circunstâncias inevitáveis, as descontinuidades, variedades e complexidades que tornam a vida social intrinsecamente inapropriada para uma ordenação total. As estratégias dos indivíduos raramente se calcam nos alicerces das normas e regras. Para cada ocasião que uma pessoa pensa, ‘Isso não pode ser feito, isso é contra as regras ou categorias’ há, uma outra ocasião em que o mesmo individuo pensa, ‘Aquelas regras ou categorias não se aplicam (ou não deveriam se aplicar) a esta situação. Este é um caso especial’". [39] Ora, foi exatamente isso que constatamos acontecer na prática legislativa.

            Ao final da nossa pesquisa, não podemos evitar um certo sentimento de desalento. O Direito tem seus limites. Não é fácil admitir isso, pelo menos para um estudante de direito, formado para acreditar justamente no contrário. Os dados levantados durante esse percurso mostram que a atividade legislativa não se reduz integralmente à lógica jurídica, como vimos. Não é a toa que escolhemos o nome "Comentários Finais" e não, "Conclusão" para este último tópico. Não há como concluir ou – melhor dizendo – solucionar os dilemas colocados acima, a tensão, para utilizar o texto habermassiano, entre facticidade e validade [40]. Embora tenhamos predileção pela certeza dos argumentos jurídicos, a fidelidade aos dados não nos permitiu mais aceitar essa "certeza" com tanta facilidade. Isso nos causa um imenso desconforto. Como fica o estudante de Direito diante disso? Restam-lhe — acreditamos — duas opções: Isolar-se em meio a códigos, leis, certezas, ou trilhar o difícil caminho em busca de um diálogo com as outras ciências humanas e sociais, viver a tensão, sempre presente, entre o ideal e o fato. Este trabalho é um pequeno passo rumo a esta segunda opção.


Referências Bibliográficas

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            TEIXEIRA, Ariosto. A Judicialização da Política no Brasil. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília em 1997.


Notas

            01 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução: Maria Celeste C. J Santos. Brasília: Editora UnB, 1999.

            02 ABREU, Luiz Eduardo de Lacerda. Labirintos do Minotauro: Política, troca e linguagem. Brasília: 1999. Tese (Doutorado em Antropologia) Departamento de Antropologia, Faculdade de Antropologia da Universidade de Brasília.

            03 GEERTZ, Clifford. Local Knowledge. Nova York, Basic Books: 1983. (Tradução Livre) p.170

            04 FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

            05 GONÇALVES, Vitor Fernandes. O Controle de Constitucionalidade das Leis do Distrito Federal. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.

            06 AZEVEDO, Márcia Maria Corrêa de. Prática do Processo Legislativo: Jogo parlamentar: fluxos de poder e idéias no congresso: exemplos e momentos comentados. São Paulo: Atlas, 2001.

            07 DURKHEIM, Emile. As formas elementares da vida religiosa. (Tradução: J. Pereira Neto) São Paulo: Edições Paulinas, 1989.

            08 GALUPPO, Marcelo Campos. Elementos para uma compreensão metajurídica do processo legislativo. Disponível em http://marcelogaluppo.sites.uol.com.br/elementos_para_uma.htm Acesso em 03 de Agosto de 2004.

            09 GALUPPO, Marcelo Campos. Ob. Cit. p. 6

            10 GALUPPO, Marcelo Campos. Ob. Cit. p. 5

            11 GALUPPO, Marcelo Campos. Ob. Cit. p. 8

            12 CARVALHO, Cristiano Vivieiros de. Controle Judicial e Processo Legislativo: a observância do regimento Interno das Casas legislativas como garantia do estado de Direito. Porto Alegre: Safe, 2002. p.44

            13 DEL NEGRI, André. Controle de Constitucionalidade no Processo Legislativo – Teoria da legitimidade democrática. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003. p. 43

            14 DEL NEGRI, André. Ob. Cit. p. 43

            15 DEL NEGRI, André. Ob. Cit. p. 43

            16 CARVALHO, Cristiano Vivieiros de.Ob. Cit. p.47

            17 CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p.56

            18 A página do movimento está disponível em http://www.plebiscitoja.hpg.ig.com.br/

            19 CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p.59

            20 cf. Cattoni, Marcelo. Devido Processo Legislativo – uma justificação democrática do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e do processo legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.

            21 (cf. p. 6) Por uma definição por forma de processo legislativo, pode se adotar o conceito Weberiano de direito e lei.

            22 CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p. 128

            23 CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p. 102

            24 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Direito Administrativo. 10ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p.810-812

            25 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª Edição. São Paulo: Atlas, 2003. p.639

            26 Cf. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte Geral, Tomo I. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970.

            27 CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p.109

            28 CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p.110

            29 CARVALHO, Cristiano Viveiros de. Ob. Cit. p.110

            30 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 22503. in ANDRADE, Luís Raul. O poder judiciário em defesa da soberania popular no Estado democrático de direito. PUC/MG. Relatório Final de Iniciação Científica; 2004. p. 13

            31 MS nº 291/95 EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO PRESIDENTE DA CÂMRA LEGISLATIVA. PROCESSO LEGISLATIVO. MATÉRIA NÃO INSERIDA NO DOMÍNIO INTERNA CORPORIS DO LEGISLATIVO. A atuação do Judiciário, ao examinar ato do Legislativo praticado no processo de elaboração das leis com base em norma regimental não ofende o Princípio da Independência dos Poderes, pos que a necessidade do controle jurisdicional da legalidade dos atos estatais quando invocada estão a direito. A votação conduzida pelo Poder Legislativo Distrital na etapa final do processo legislativo concernente ao Projeto de Lei nº 120/95 e do Requerimento nº 409/95 não constitui procedimento circunscrito ao âmbito dos assuntos internos da Corporação porquanto interessa aos cidadãos e aos demais Poderes, devendo submeter-se ao crivo do Judiciário. NULIDADE DO ATO DE APROVAÇÃO DOS PROJETOS POR DESOBEDIÊNCIA A NORMAS DO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. Caracterizada na espécie a infringência aos artigos 15 inciso I e 159 do Regimento Interno da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

            32 Cf. TEIXEIRA, Ariosto. A Judicialização da Política no Brasil. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Ciência Política da Universidade de Brasília em 1997.

            33 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL, Acessória Especial de Fiscalização e Controle. Auditoria Operacional no Processo Legislativo – Relatório. Brasília, 2003. RIBEIRO, Ângela Maria Vilas Bôas; TONIOL, Luis Eduardo Matos; GONÇALVES, Maria das Dores; ZORZO, Maristela. p.16

            34 CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL. Ob. Cit. p. 23

            35 A página eletrônica do Programa estava disponível em http://www.politeia.com.br/programa.htm

            36 Cf. ABREU, Luiz Eduardo de Lacerda. Ob. Cit. p.83

            37 Cf. DEL NEGRI, André. pp. 82,83.

            38 MOORE, Sally Falk. Law as a process: an anthropological approach. Uncertainties in situations, indeterminacies in culture. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1975. (Tradução Livre) p. 39

            39 MOORE, Sally Falk. Ob Cit. p. 39

            40 HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre faticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, t I. e II.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Bruno Furtado. A produção normativa na Câmara Legislativa do Distrito Federal: um estudo sobre o dever-ser e o ser do processo legislativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 803, 14 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7291. Acesso em: 27 abr. 2024.