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Guarda compartilhada de animais domésticos no ordenamento jurídico brasileiro frente à ausência normativa

Guarda compartilhada de animais domésticos no ordenamento jurídico brasileiro frente à ausência normativa

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O ordenamento jurídico permite o reconhecimento dos animais como seres sensíveis. Disso decorre a possibilidade de aplicação da guarda compartilhada e de sua regulamentação.

 

RESUMO: A presente pesquisa tem por objetivo demonstrar, à luz do ordenamento jurídico brasileiro, que, apesar da falta de regulamentação expressa acerca da guarda de animais domésticos, há a necessidade de sua regulamentação, posto que este fato está cada vez mais presente nas famílias brasileiras, gerando efeitos não só no âmbito pessoal como também na esfera civil, no que diz respeito à forma com que a legislação conceitua os animais e a possibilidade da regulamentação de guarda. Desta forma, analisando-se a norma constitucional, normas infraconstitucionais e alguns posicionamentos jurisprudenciais, visa-se dar respaldo aos questionamentos e proporcionar a reflexão acerca da possibilidade do reconhecimento dos animais como seres sensíveis, bem como a possibilidade de se utilizar o instituto da guarda para animais domésticos.

Palavras – chave: Animais. Família. Guarda.

Sumário: Introdução. 1. Os animais frente aos ordenamentos jurídicos. 2. A extinção das relações familiares. 3. Guarda compartilhada no Brasil. 4. Guarda compartilhada de animais domésticos. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

Como pode ser notado, cada vez mais os animais fazem parte das relações afetivas do ser humano, passando a conviver e proteger as pessoas, sendo considerados pelos seus proprietários como integrantes do núcleo familiar. Em razão destes fatos, o assunto vem gerando grande repercussão com relação à guarda de animais domésticos durante o processo de divórcio, uma vez que tem sido objeto de inúmeras discussões nas lides propostas, com a finalidade de se definir com quem ficará o animal. Porém, a jurisdição não está pacificando as partes ao relacionar os animais enquanto bens, dividindo-os como coisa móvel.

 Alguns juristas têm discutido o tema no sentido de debater as possíveis consequências que podem ocorrer na sociedade diante regulamentação ou não da guarda de animais. Apesar da nossa lei maior não definir que os animais tenham direitos fundamentais, o art. 225 da Constituição Federal de 1988 garante que os mesmos, sejam protegidos, tendo assim, a tutela jurídica,demonstrando que cada vez mais busca preservá-los. Não se trata de uma proteção do meio ambiente, como denota uma primeira leitura do referido dispositivo, mas sim de aproximar os animais enquanto entes que merecem proteção e regulamentação.

É importante observar que a sociedade caminha sempre mais rápido que o direito. Ou seja, o direito muda na medida em que a sociedade muda. Deste modo, os animais de estimação vêm ocupando importante posição no contexto familiar e os motivos de tal relação ganham cada vez mais espaço e importância nos lares. Em razão disso, o presente artigo busca de forma breve tratar da guarda compartilhada dos animais de estimação após a dissolução da sociedade conjugal.

A pesquisa é bibliográfica, pois, o material utilizado provém de pesquisas anteriores, em documentos, como livros, legislação, artigos científicos, retirados de sites confiáveis, e os seus respectivos dados ou categorias teóricas já foram trabalhados e registrados anteriormente. Neste contexto, também se apresentam atuais julgados com posições diversas, a fim de demonstrar a lacuna de normas que abordam sobre o assunto e destacar que os animais não são mais vistos como coisa/objeto, bem como, a demonstração da necessidade de proteção, se assim é possível fazer referência, à sua dignidade.

Destarte, este artigo científico foi dividido em quatro capítulos. Sendo que o primeiro capítulo trata sobre o conceito de animais, como ele é visto no ordenamento jurídico. O segundo apresenta as formas de extinção das relações familiares, razão pela qual nos traz a problemática da regulamentação da guarda dos animais domésticos. Além disso, terceiro capítulo explica como funciona a guarda compartilhada no Brasil. O quarto e ultimo capítulo esclarece a guarda compartilhada de animais, quais são as possibilidades, requisitos, apresentação de alguns projetos de leie atuais julgados.


1. OS ANIMAIS FRENTE AOS ORDENAMENTOS JURÍDICOS

Os animais, sejam domésticos ou não, tem o seu regulamento no Código Civil, dispondo que se tratam de bens móveis semoventes, ou seja, não há qualquer consideração sobre personalidade, afeto ou mesmo como parte integrante da família. Assim, são tratados como um bem ou uma coisa a qual pertence a seu proprietário.

Segundo a Agência de Notícias de Direitos Animais – ANDA - (2015) esclarece: “Coisa’ é tudo aquilo que tem existência corpórea e pode ser captada pelos sentidos. Os animais integram a categoria das ‘coisas móveis semoventes’, ou seja, os animais são ‘coisas’ que se movem por si mesmas em virtude de uma força anímica própria”.

A nossa legislação brasileira qualifica os animais como semoventes, ou seja, são considerados juridicamente como coisas. Conforme o art. 82 do Código Civil Brasileiro, conceitua sobre os bens móveis:                                                         

“Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.” 

É de suma importância destacar, que alguns países já reconhecem os animais como seres sensíveis. Segundo o jornalista João Alexandre do Jornal Rádio Notícia TSF,o país Portugal, no ano de 2016, alterou o Código Civil, criando um estatuto dos animais, reconhecendo-os como seres vivos adotados de sensibilidade.

David Ariochi, jornalista do Jornal Vegazeta também comenta que a Alemanha reconhece os animais como seres sensíveis: “A nova lei, que começa a valer a partir de outubro deste ano, qualifica os animais não humanos como seres sencientes com um sistema nervoso cientificamente capaz de sentir dor e experimentar outras emoções, incluindo sofrimento e angústia.”

Outrossim, aduz também a rádio RFI, ao comentar que a França, no ano de 2014, também reconheceu os animais como seres sensíveis, aprovando alteração do Código Civil Francês, prevendo a proteção dos animais e seu valor afetivo, retirando a qualificação de bens móveis.

Mas, afinal de contas, o que são seres sensíveis? Jeremy Bentham esclarece:

“Chegará o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que nunca poderiam ter sido negados aos animais, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que a cor negra da pele não é razão para que um ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos do torturador. Haverá o dia que se reconheça que o número de pernas, a vilosidade [villosity] da pele ou a terminação do osso sacro são razões igualmente insuficientes para abandonar um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha intransponível? A faculdade da razão, ou, talvez, a capacidade do discurso? Mas um cavalo ou um cão adultos são incomparavelmente mais racionais e comunicativos de que um bebê de um dia, uma semana, ou até mesmo de um mês. Supondo, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão não é: eles podem raciocinar?, nem, eles podem falar?, mas, sim: eles podem sofrer?” 

Bentham entende que uma das características vitais é o sentimento de sofrimento. Esse entendimento corrobora com o pensamento utilitarista, o qual o autor se baseia em que o direito regulamenta as relações de dores e prazeres.

Logo, se o ser humano tem uma atitude quando está diante de uma situação em que pode gerar dor ou prazer, escolhendo o caminho no qual sentirá uma menor quantidade de dor ou maximizar o seu prazer, os animais podem possuir direitos, posto que também sentem dores e prazeres.

No mesmo sentido, Peter Singer, compreende que:

 

“(…) Se um ser sofre, não pode haver nenhuma justificativa de ordem moral para nos recusarmos a levar esse sofrimento em consideração. Seja qual for a natureza do ser, o princípio de igualdade exige que o sofrimento seja levado em conta em termos de igualdade com o sofrimento semelhante – até onde possamos fazer comparações aproximadas – de qualquer outro ser. Quando um ser não for capaz de sofrer, nem de sentir alegria ou felicidade, não haverá nada a ser levado em consideração. É por esse motivo que o limite de sensibilidade é o único limite defensável da preocupação com os interesses alheios. Demarcar esse limite através de uma característica, como a inteligência ou a racionalidade, equivaleria a demarcá-la de modo arbitrário. Por que não escolher alguma outra característica, como, por exemplo, a cor da pele?” 

 Assim, de acordo com estes dois pensamentos, os seres sencientes são aqueles que sentem dor e prazer, independente de serem humano ou não, como é o caso dos animais, devendo ser regulamentado o seu comportamento por uma legislação específica, proibindo condutas que possam gerar dor e possibilitando a maximização do prazer.

No que tange ao ordenamento jurídico pátrio, a Constituição Federal de 1988, noart. 225, §1º, inciso VII, prevê a proteção dos animais, mas de forma defasada, como proteção ao meio ambiente, nos seguintes termos:

 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

Contudo, a Carta Magna é a “mãe” de todas as leis e se uma lei está em contrário a seus dispositivos, prevalecerá a Constituição. Logo, a proteção dos animais é um direito constitucional.

Ainda que o texto constitucional não tenha exposto expressamente a dignidade dos animais, por meio de afeto, é exequível afastar a natureza jurídica de animais como objeto e atribuir um tratamento mais digno e humanizado, integrando-os no conceito de família multiespécie.

Apesar de alguns países recentemente vêm alterando suas legislações, desconsiderando a natureza jurídica de animais como bens móveis, ou seja, como coisas. Em 1978, o Brasil passou a ser signatário da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que declara tratamento humanitário aos animais, vedando qualquer sofrimento físico e psicológico. Vejamos:

“ARTIGO 1: Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência. ARTIGO 2: a) Cada animal tem direito ao respeito. b)  homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais, ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais. c) Cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem. ARTIGO 3: a) Nenhum animal será submetido a maus tratos e a atos cruéis. b) Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia. ARTIGO 4: a) Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-se. b) A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito. ARTIGO 5: a) Cada animal pertencente a uma espécie, que vive habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade que são próprias de sua espécie. b) Toda a modificação imposta pelo homem para fins mercantis é contrária a esse direito. ARTIGO 6: a) Cada animal que o homem escolher para companheiro tem o direito a uma duração de vida conforme sua longevidade natural b) O abandono de um animal é um ato cruel e degradante. ARTIGO 7: Cada animal que trabalha tem o direito a uma razoável limitação do tempo e intensidade do trabalho, e a uma alimentação adequada e ao repouso. ARTIGO 8: a) A experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra. b) As técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas ARTIGO 9: Nenhum animal deve ser criado para servir de alimentação, deve ser nutrido, alojado, transportado e abatido, sem que para ele tenha ansiedade ou dor. ARTIGO 10: Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem. A exibição dos animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal. ARTIGO 11: O ato que leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um crime contra a vida. ARTIGO 12: a) Cada ato que leve à morte um grande número de animais selvagens é um genocídio, ou seja, um delito contra a espécie. b) O aniquilamento e a destruição do meio ambiente natural levam ao genocídio. ARTIGO 13: a) O animal morto deve ser tratado com respeito. b) As cenas de violência de que os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, a menos que tenham como fim mostrar um atentado aos direitos dos animais. ARTIGO 14: a) As associações de proteção e de salvaguarda dos animais devem ser representadas a nível de governo. b) Os direitos dos animais devem ser defendidos por leis, como os direitos dos homens. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS – Unesco – ONU Bruxelas, 1978).”

Nesse sentido, o nosso país aceitou o pacto que prevê a proteção e direitos dos animais, porém, o art. 82 do Código Civil diferente do que estabelece o art. 225 da Constituição Federal, dispõe sobre o tratamento dos animais como coisa, sendo que a Constituição regulamenta a sua proteção.Já a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, prevê a proteção dos animais, objetivando o reconhecimento por meio dos seres humanos ao direito a existência, a dignidade, bem-estar, bem como repudia crueldade,maus-tratos, sofrimentos físicos ou psicológicos.

Deste modo, atualmente os animais cada vez mais vem ocupando espaço neste mundo, fazendo parte das relações afetivas do ser humano, sendo considerados como verdadeiros integrantes do núcleo familiar.

Assim, quando se fala em separação e divórcio, a busca pelo Poder Judiciário para regulamentar a custódia dos animais de estimação vem crescendo cada vez mais. Porém, não existe ainda previsão legal e os tribunais têm enfrentado este tema diariamente.


2. A EXTINÇÃO DAS RELAÇÕES FAMILIARES

O fim das relações afetivas e familiares se dá através do divórcio, separação, anulação ou nulidade de casamento e morte, conforme dispõe o Art. 1571 do Código Civil Brasileiro:

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:

I - pela morte de um dos cônjuges;

II - pela nulidade ou anulação do casamento;

III - pela separação judicial;

IV - pelo divórcio.

Porém, irá ser tratado apenas da separação e divórcio, que são os causadores do litígio nas quais há discussão sobre a guarda de animais.

Spagnol (2016) esclarece que a palavra divórcio vem do latim divortium, que significa separação. Ou seja, é a dissolução do vínculo conjugal. De maneira conceitual, “divórcio é a dissolução de um casamento válido, ou seja, extinção do vínculo matrimonial, que se opera mediante sentença judicial, habilitando as pessoas a convolar novas núpcias” (DIVÓRCIO, 2018).

No ordenamento jurídico pátrio, existem três espécies de divórcio, quais sejam: consensual, litigioso e extrajudicial consensual. Importante ressaltar que os litígios sobre direito de família cada vez mais vêm sofrendo a desjudicialização, tendo em vista que o Poder Judiciário, dificilmente conseguirá pacificar as partes, cumprindo com o postulado da jurisdição.

Por este motivo, há um grande incentivo para a utilização da mediação como forma de autocomposição de litígios na esfera familiar. Deve ser afirmado ainda que, conforme o Código Civil, no art. 1565, §2º e art. 226, §7º da Constituição Federal, não poderá o Estado intervir na família.

Nos divórcio consensual, ambas as partes firmam um comum acordo sobre os temas de guarda, partilha e alimentos, podendo ou não ter filhos menores ou incapazes. Observando os requisitos legais, poderá ser realizado por escritura pública, sem a participação do judiciário, porém, a presença do advogado é indispensável, bem como não poderá regulamentar se houver filhos menores e incapazes. O divórcio litigioso, ocorre quando não há acordo entre as partes, devendo ser realizado mediante de decisão do Poder Judiciário.

A emenda nº 66/10 alterou o texto constitucional, estabelecendo que o casamento pode ser dissolvido mediante divórcio, não sendo mais necessário esperar prazo previsto na redação anterior. Maria Helena Diniz explica:

“A Emenda Constitucional n. 66/2010, ao alterar o art. 226, §6º, da Constituição Federal, veio facilitar a dissolução do casamento pelo divórcio, ao deixar de contemplar a exigência do prazo de um ano de separação (judicial ou extrajudicial) e ao eliminar o de 2 anos de separação de fato para o divórcio e discussão sobre a culpabilidade dos cônjuges pelo término do casamento.” (DINIZ, 2014, pg. 365). 

Esta Emenda Constitucional acarretou em uma importante discussão sobre a permanência ou não do instituto da separação. Em que pese ter suprimido a separação do texto legal, esta continua no ordenamento jurídico, no art. 1.572 do Código Civil, porém, passa a ser opcional.

Deve ser ressaltado que os dois institutos se diferem, uma vez que o divórcio é uma forma de extinção do vínculo conjugal, a separação apenas acarreta na suspensão deste vínculo, gerando apenas o afastamento da obrigação de coabitação.

Corroborou o entendimento acima exposto, a promulgação do novo Código de Processo Civil, o qual estabeleceu a possibilidade de separação, de forma expressa em seu art. 731, nos seguintes termos:

Art. 731.  A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão:

I - as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns;

II - as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges;

III - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e

IV - o valor da contribuição para criar e educar os filhos.

Parágrafo único.  Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos art. 647 a 658. (Grifei)

Dessa forma, o CPC/2015 não prevê expressamente a separação de corpos, porém, unificou os procedimentos, podendo em um único processo discutir a medida cautelar e ação principal. Tal medida se mostra relevante, até para comprovar ou não a possibilidade de usucapião familiar, prevista no art. 1.240-A do Código Civil.

Conforme já dito e para o desenvolvimento do processo, nas situações de separação e de divórcio, lides são propostas para, além de partilharem os bens, determinar a guarda sobre animais.


3. GUARDA COMPARTILHADA NO BRASIL

O instituto da guarda foi criado para regulamentar situações em que o casal o qual está sofrendo com uma ruptura possa regulamentar a forma pela qual irão criar seus filhos, mantendo-se os deveres inerentes aos pais. No Brasil, o direito de guarda possui duas espécies: unilateral e compartilhada, conforme dispõe o art. 1.583 do Código Civil:

“Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada.                 

§ 1o  Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art.1.584,§5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

§ 2oNa guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos:

§ 3º Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.                  

§ 4o (VETADO).                        

§ 5º A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.”                  

A guarda unilateral é concedida para o genitor que tiver a melhor condição de amparo e proteção ao menor. Porém, é importante esclarecer que este tipo de guarda não extingue o exercício do poder família. É fixado regime de visitas ao genitor “visitante”, que terá o dever de supervisionar os interesses da criança. Carlos Roberto Gonçalves explica:

“Essa tem sido a forma mais comum: um dos cônjuges, ou alguém que o substitua, tem a guarda, enquanto o outro tem, a seu favor a regulamentação de visitas.” (GOLÇALVES, 2009, pg. 266).

Já a guarda compartilhada, os pais dividem direitos e obrigações, ambos têm a posse sob o filho e as decisões são tomadas em comum acordo. Lembrando que sempre prevalecerá o bem-estar e o interesse do menor. Grisard Filho (2018) afirma que:

“Tenho me manifestado, seguidamente, sobre a possibilidade jurídica do compartilhamento da guarda de filhos menores depois da ruptura conjugal ou da união estável, como um modelo de guarda capaz de minorar os efeitos negativos que vivenciam os chamados filhos do divórcio em situação de conflito entre os genitores. Vale lembrar aqui sua noção: é uma modalidade de guarda na qual ambos os genitores têm a responsabilidade legal sobre os filhos menores e compartilham, ao mesmo tempo e na mesma intensidade, todas as decisões importantes relativas a eles, embora vivam em lares separados. Minha convicção está ancorada no texto do art. 229, da Constituição Federal, que impõe aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, independentemente de conviverem ou não no mesmo lar.”

Tanto a guarda compartilhada como a guarda unilateral manterá o exercício do poder familiar exercido pelos genitores, inclusive quanto as obrigações de zelo e alimentar.


4. GUARDA COMPARTILHADA DE ANIMAIS DOMÉSTICOS

Conforme afirmado desde o início deste artigo, o instituto da guarda tem a sua necessidade para regulamentar a relação dos pais para com os filhos nos casos de rupturas conjugais, mantendo-se o poder familiar. Contudo, não há qualquer legislação que disponha sobre a possibilidade ou não da sua utilização para regulamentar o direito de guarda e visita com relação aos animais.

Nos tempos de hoje, nos lares brasileiros há mais animais domésticos do que crianças, conforme pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a jornalista Carol Knoploch do Jornal O Globo:

“O cachorro é o melhor amigo do brasileiro em 44,3% dos domicílios, o que equivale a 28,9 milhões de lares no país, segundo pesquisa inédita divulgada pelo IBGE nesta terça-feira. A população de cachorros foi estimada pelo instituto em 52,2 milhões, indicando média de 1,8 cachorro por domicílio com esse animal. Já a população de gatos foi estimada em cerca de 22 milhões.”

Existem alguns projetos de lei, com o objetivo de resolver a lacuna legislativa, que não positiva a relação afetiva entre humanos e animais, nos casos de dissolução conjugal.O Projeto de Lei nº 3.670/15, de autoria do Senador Antônio Anastasia, objetiva alterar o Código Civil/2002, determinando que os animais não sejam considerados como coisas, mas bens móveis para efeitos legais, salvo disposto em lei especial. Vejamos:

Art. 1º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 83. .................................................................................................. .................................................................................................................

IV – os animais, salvo o disposto em lei especial.

Parágrafo único. Os animais não serão considerados coisas.” (NR)

“Art. 1.313. ............................................................................................. .................................................................................................................

II – apoderar-se de coisas suas, bem como de animais que aí se encontrem casualmente. .................................................................................................................

§ 2º Na hipótese do inciso II, uma vez entregues as coisas ou os animais buscados pelo vizinho, poderá ser impedida a sua entrada no imóvel.

Atualmente este projeto está guardando Deliberação do Recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (mesa).

Já o Projeto Lei nº 1.058/11, de autoria do Deputado Federal Dr. Ubiali, objetiva regulamentar a guarda de animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências. Em seu art. 2º, 4º e 5º ele explica como será a questão da guarda:

“Art. 2º Decretada a separação judicial ou o divórcio pelo juiz, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos animais de estimação, será ela atribuída a quem revelar ser o seu legítimo proprietário, ou, na falta deste, a quem demonstrar maior capacidade para o exercício da posse responsável.

Parágrafo único Entende-se como posse responsável os deveres e obrigações atinentes ao direito de possuir um animal de estimação.”

 

“Art. 4º A guarda dos animais de estimação classifica-se em:

I – Unilateral: quando concedida a uma só das partes, a qual deverá provar ser seu legítimo proprietário, por meio de documento de registro idôneo onde conste o seu nome;

II - Compartilhada, quando o exercício da posse responsável for concedido a ambas as partes.” 

“Art. 5º Para o deferimento da guarda do animal de estimação, o juiz observará as seguintes condições, incumbindo à parte oferecer:

a) ambiente adequado para a morada do animal;

b) disponibilidade de tempo, condições de trato, de zelo e de sustento;

c) o grau de afinidade e afetividade entre o animal e a parte;

d) demais condições que o juiz considerar imprescindíveis para a manutenção da sobrevivência do animal, de acordo com suas características.”

Em seu art. 7º prevê também hipótese de reparação de danos:

“Art. 7º Nenhuma das partes poderá, sem a anuência da outra, realizar cruzamento, alienar o animal de estimação ou seus filhotes advindos do cruzamento, para fins comerciais, sob pena de reparação de danos.

Parágrafo único Os filhotes advindos do cruzamento dos animais de estimação a que fazem juz as partes, deverão ser divididos em igual número, quando possível, ou em igual montante em dinheiro, calculado com base na média do preço praticado no mercado, para a satisfação da dívida.”

Ainda prevê a fiscalização e controle do disposto desta lei, aos órgãos de proteção dos animais:

“Art. 10 Incumbe às Secretarias e Delegacias vinculados ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, às Gerências de Zoonoses vinculadas ao Ministério ou às Secretarias Estaduais de Saúde, ao IBAMA e à Sociedade Protetora de Animais, a fiscalização e o controle do que disposto nesta Lei.”

Apesar deste projeto ser o que mais prevê direitos e obrigações, no momento presente, ele está arquivado.

O Projeto de Lei nº 1.365/15, autoria de Ricardo Tripoli, é bem semelhante ao projeto de lei supra aludido, inclusive, também está arquivado. A diferença é que este prevê a guarda dos animais não só nos casos de dissolução de união heterosexual, mas sim, também das uniões homoafetivas.

“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da união estável hetero ou homoafetiva e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências.”

Existe também o Projeto de Lei nº 542/2018, autoria da Senadora Rose Freitas, é interessante, pois determina alteração no Código de Processo Civil 2015:

“Art. 2º O art. 693 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 693. As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação, filiação e custódia de animais de estimação. ................................................................................... (NR)”.

A Senadora Rose afirma que:

“Os animais de estimação ocupam um espaço afetivo privilegiado dentro das famílias brasileiras, sendo por muitas pessoas considerados membros da entidade familiar. Segundo o IBGE, há mais cães de estimação do que crianças nos lares brasileiros. Apesar disso, o ordenamento jurídico ainda não possui uma previsão normativa para regular o direito à convivência com os bichos após o fim do casamento.”

Assim, estes projetos, visam regulamentar o direito à convivência dos animais após o fim da união estável ou casamento. Garantindo o bem-estar da sociedade e a dignidade da pessoa humana, além de tutelar os direitos dos animais.

Há casos já decididos no judiciário brasileiro. Alguns magistrados entendem que o animal é objeto de direito, logo não é cabível integrar nas relações familiares, sob pena de inversão de valores, conforme foi decidido em um caso no Estado de São Paulo, o qual tratava de ação de regulamentação de visitas e foi julgada improcedente pelo seguinte fundamento:

“Conforme já delineado pela sentença que indeferiu a petição inicial, respeitados os argumentos do autor, o entendimento deste juízo é o de que malgrado a inegável relação afetiva, o animal de estimação trata-se de semovente e não pode ser alçado a integrar relações familiares equivalentes entre pais e filhos, sob pena de subversão dos princípios jurídicos inerentes à hipótese.

O animal é objeto de direito e, portanto, não há falar-se em direito de visitação.

Demais disto, como bem apontado pela ré em sua contestação, quando da dissolução da união estável, houve recíproca e irrevogável quitação entre as partes, ao que se infere, mantendo cada qual com o seu patrimônio pessoal, nada havendo que se partilhar.

E neste particular destaque-se que a ré apresentou prova de exclusiva propriedade sobre o cachorro, (fls. 100), indicando, sobremaneira, tratar-se de única proprietária do animal, (mormente pelo fato de que não há qualquer prova de aquisição, no todo ou em parte pelo autor), fato que se presume reconhecido pelo autor quando da dissolução da sociedade, ao passo que não houve declaração de bens a partilhar, sem embargo de que não é o caso de sobrepartilha, uma vez que não condiz com hipótese de bem desconhecido por uma das partes.

Ante o exposto, julgo improcedente a ação (...).”

Outros magistrados divergem este entendimento, entender ser possível aplicar por analogia os artigos 1.583 a 1.590 do Código Civil/2002, observando o art. 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, que diz:

“Art. 4o  Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”

Assim, alguns magistrados já decidiram nesse sentido:

“REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS DE ANIMAL DE ESTIMAÇÃO - Ação ajuizada pelo ex-companheiro em face da ex-companheira - Improcedência do pedido - Inconformismo - Acolhimento - Omissão legislativa sobre a relação afetiva entre pessoas e animais de estimação que permite a aplicação analógica do instituto da guarda de menores - Interpretação dos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - Cadela adquirida na constância do relacionamento - Relação afetiva demonstrada - Visitas propostas que são razoáveis - Sentença reformada - Recurso provido.” (Grifei)(TJSP;  Apelação Cível 1000398-81.2015.8.26.0008; Relator (a): J.L. Mônaco da Silva; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/04/2016; Data de Registro: 25/04/2016)

 

“REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS - Animal de estimação - Indeferimento da inicial - Aplicação do art. 295, parágrafo único, inc. III, do Código de Processo Civil - Inconformismo - Acolhimento em parte - Impossibilidade jurídica do pedido que deve ser reconhecida apenas quando há expressa proibição no ordenamento jurídico - Precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça - Pretensão que, embora não prevista em lei específica, não é ilegal - Regulamentação já determinada em caso semelhante pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Indeferimento da tutela antecipada - Ausência de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação - Sentença cassada - Recurso provido.” (Grifei)  (TJSP;  Apelação Cível 1000398-81.2015.8.26.0008; Relator (a): J.L. Mônaco da Silva; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/06/2015; Data de Registro: 01/07/2015)

Conforme as decisões acima, inexiste norma jurídica que ampare tal matéria discutida, bem como não veda a pretensão de guarda de animais. Assim, decidiram o prosseguimento do processo de guarda. 

Bem como, já decidiram conflito negativo de competência, onde divergiam os juízos sobre a competência para processar a guarda de um cachorro. Vejamos:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. Ação de guarda de animal doméstico adquirido na constância de relacionamento amoroso. Competência para julgar a demanda do juízo em que se discute o reconhecimento e dissolução de união estável. Conflito julgado procedente. Competência do Juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional do Jabaquara da Comarca da Capital, ora suscitado.”  (TJSP;  Conflito de competência cível 0026423-07.2017.8.26.0000; Relator (a): Issa Ahmed; Órgão Julgador: Câmara Especial; Foro Regional III - Jabaquara - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/12/2017; Data de Registro: 11/12/2017)

No caso em tela, foi declinada a competência para a Vara da família, por entender que apesar de não estar previsto em lei a relação afetiva entre os seres humanos e os animais, o magistrado diante desta lacuna, deve aplicar a analogia neste caso.

Nesse mesmo sentido, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgou recurso especial, por maioria dos votos, a regulamentação de visitas de animal de estimação após separação:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO.

1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII - "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade"). 2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade. 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido.

(REsp 1713167/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 09/10/2018).

No caso em tela, foi mantida decisão oriunda do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP, que reconheceu como competente o juízo de família para a solução deste tipo matéria aplicando por analogia as regras de guarda de crianças e adolescentes, por entender que não há previsão normativa, fundamentando a decisão com o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Dessa forma os tribunais brasileiros vêm aplicando de forma analógica o instituto da guarda de menores na questão da guarda de animais até que o legislador normatize a matéria.


CONCLUSÃO

Ao longo do tempo, os animais domésticos tornaram-se integrantes da família, não é atoa que nos lares brasileiros tem mais animais domésticos do que crianças. Inclusive alguns países como Alemanha, França e Portugal, já reconheceram os animais como seres sensíveis. Contudo, a importância destes animaizinhos vem sido analisada com frequência no judiciário, quando se trata de divórcio e rompimento de união estável.

É aí que surge o conflito, pois na legislação os animais são vistos como coisa, porém, a sociedade já não é mais a mesma, as famílias estão cada vez mais diversificadas. Assim, diante destas mudanças de modelo de família e ausência de previsão legal para regularizar a guarda de animais, alguns projetos de lei estão tramitando no Congresso Nacional, a fim de suprir esta lacuna legislativa, bem como regularizar as relações afetivas entre humanos e animais quando se tratar de dissolução de vínculo conjugal, promovendo bem-estar da sociedade e a dignidade da pessoa humana e do animal, além de tutelar os direitos dos animais.

Porém, enquanto não é aprovado tal projeto de lei, os tribunais brasileiros vêm decidindo de maneiras diversas, muitos julgadores ainda vêem animais como objeto, não sendo cabível integrá-lo na nas relações familiares.

No entanto, a maior parte dos julgados entendem ser possível regulamentar a guarda de animais domésticos através de aplicação analógica da guarda de crianças e adolescentes, inclusive o Superior Tribunal de Justiça compreende que os animais são seres adotados de sensibilidade e que também deve ter seu bem-estar considerado.

Contudo, a guarda de animais tem sido concedida de forma compartilhada ou ao cônjuge que melhor apresente condições financeiras e de espaço físico para cuidar do animal, grau de afetividade. Ainda restam algumas questões a serem pensadas, como a fixação de alimentos e o direito de visitas.

Por fim, pode-se concluir que o animal de estimação acaba saindo do status jurídico de bem para se tornar um membro da família.

 


REFERÊNCIAS

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