Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/7312
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Apontamentos para uma teoria dos entes despersonalizados

Apontamentos para uma teoria dos entes despersonalizados

Publicado em . Elaborado em .

Em regra, o que se lê é que "sujeito de direito" é sinônimo de "ente personalizado". A doutrina se ressente da falta de desenvolvimento da teoria dos entes despersonalizados, que podem ser encontrados em nosso direito positivo.

Sumário:1. Introdução. 2. O Conceito Tradicional de Pessoa (como sujeito único de direitos). 3. As perplexidades da Doutrina. 3.1. A Capacidade de ser parte dos Entes Despersonalizados. 4. Câmaras Municipais e os órgãos públicos despersonalizado. 5. Aspectos de uma Teoria dos Entes Despersonalizados. 5.1. Os Entes Despersonalizados e sua definição (gênero próximo e diferença específica). 5.2. A Legitimação e a Representação dos Entes Despersonalizados. 5.3. Outros Pontos. 6. Conclusão. 7. Bibliografia Referida.


1. Introdução

            Dentre as categorias técnicas e dogmáticas que compõem o sistema jurídico, reconhecidamente, o "sujeito de direito" tem ocupado uma posição central e basilar. Consideradas suas relações com outras categorias de grande importância, como a relação jurídica [01] e o próprio direito subjetivo, ainda mais se acentuam o interesse e a necessidade de se estabelecerem o conceito, a "natureza", e outros elementos úteis para a aplicação e articulação do instituto no sistema. Tanto assim que, em praticamente todas as obras didáticas acerca da parte geral do direito privado e da teoria geral do direito, um dos primeiros assuntos tratados se refere justamente às questões fundamentais concernentes a estes sujeitos.

            Todavia, o que se tem é que, como objeto desta "teoria dos sujeitos de direito", costumam os autores, com honrosas e raríssimas exceções, apontar apenas duas espécies de sujeitos de direito, quais sejam as pessoas naturais e as pessoas jurídicas. Em regra, o que se lê é que "sujeito de direito" é sinônimo de "ente personalizado". E é assim que a maioria esmagadora dos manuais e tratados enfrenta a questão, o que se reproduz em grande número de salas de aula, e perpetua certas concepções que, absolutamente, não têm mais lugar na teoria do direito.

            É neste ponto que se pode ressentir da falta de um maior desenvolvimento da teoria dos entes despersonalizados (que também são sujeitos de direito), figuras de que podem ser encontrados diversos exemplos em nosso direito positivo, mas em relação às quais nossa doutrina tem se negado a formular uma teoria (sempre ressalvando as raras exceções) verdadeiramente sistemática. Tal teoria, como entendemos, haveria de se inserir no contexto de uma teoria mais ampla, a dos sujeitos de direito, com a explicação de aspectos como a representação (ou "presentação", como possa preferir Pontes de Miranda) dos sujeitos de direito não dotados de personalidade, a legitimação, a diferença específica em relação aos entes personalizados, a distinção entre os entes personalizados em geral e o ente despersonalizado humano, etc.

            A proposta deste pequeno texto, qual seja, a de propor pontos básicos em torno dos quais se possa erigir uma "teoria dos entes despersonalizados", é feita não com a intenção de que dela resultem maiores novidades na aplicação do direito positivo, mas somente com objetivo de estimular uma discussão que propicie um melhor entendimento do sistema, e a erradicação de certas perplexidades, baseadas tão-somente em entendimentos decorrentes do argumento da autoridade e em nossa própria inércia.


2. O Conceito Tradicional de Pessoa (como único sujeito de direitos)

            Consolidada no início do século XX a teoria da personalidade jurídica, assentou-se na doutrina pátria um conceito de pessoa que, apesar das perplexidades em que resultaria, foi sendo reproduzido por nossos autores quase que, digamos assim, a partir da autoridade tanto de juristas brasileiros quanto de outros tantos europeus. Referimo-nos, aqui, ao entendimento segundo o qual pessoa é sinônimo de sujeito de direitos.

            Trata-se de entendimento que, aliás, continua presente em porção preponderante das obras didáticas destinadas aos cursos de graduação em direito e aos profissionais da área, considerados não apenas autores tradicionais nos bancos universitários (como Sílvio Rodrigues, Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira, Washington de Barros Monteiro, Maria Helena Diniz), mas também aqueles que, nos dias que correm, têm estabelecido seu espaço no mercado editorial (Sílvio de Salvo Venosa, Carlos Roberto Gonçalves, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, etc.).

            Maria Helena Diniz, por exemplo, informa aos estudantes, desde o seu Compêndio de Introdução à Ciência do Direito (livro com o qual, aliás, costuma-se ter contato no primeiro ano da graduação em direito), que "para a doutrina tradicional pessoa é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito" [02]. Contrapõe, na seqüência, à teoria da equiparação (sujeito = pessoa), a opinião, que atribui a Kelsen, de que o conceito de sujeito jurídico seria uma mera unidade de direitos e obrigações a que se denomina pessoa, e, enfim, opta pelo primeiro destes entendimentos. "Entre essas duas concepções ficamos com a primeira (...)". [03]

            Em Orlando Gomes, "sujeito de direito é a pessoa a quem a lei atribui a faculdade ou a obrigação de agir, exercendo poderes ou cumprindo deveres" [04], conceito este que, além do perigo em que incorre ao tratar a titularidade dos direitos como legitimação para agir, claramente restringe a noção de sujeito à de pessoa. O que, aliás, deixa muito mais claro o autor quando passa a enfrentar, na mesma obra, páginas adiante, o problema da condição jurídica do nascituro.

            Para Washington de Barros, "na acepção jurídica, pessoa é o ente físico ou moral, suscetível de direitos e obrigações. Nesse sentido, pessoa é o sinônimo de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica" [05]. E, para não deixar dúvida quanto à equiparação entre as noções de pessoa e de sujeito de direito, o autor ainda afirma que "direito é relação que se estabelece exclusivamente de pessoa para pessoa. (...) O direito rege relações de pessoas entre si". [06]

            Venosa, por exemplo, ao expor em seu curso de direito civil a disciplina dos sujeitos de direito, apresenta-nos dois deles, a pessoa natural e a pessoa jurídica. Além disso, ensina que "no estágio atual do direito, entendemos por pessoa o ser ao qual se atribuem direitos e obrigações. (...) A personalidade, no campo jurídico, é a própria capacidade jurídica, a possibilidade de figurar nos pólos da relação jurídica". [07]

            No mesmo sentido Gagliano e Pamplona Filho, de acordo com quem "a personalidade jurídica, portanto, para a teoria geral do direito civil, é a aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações, ou, em outras palavras, é o atributo necessário para ser sujeito de direito". [08]

            Também Marco Aurélio Viana, para quem a "personalidade é a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, que a ordem jurídica reconhece ao ser humano considerado individualmente (pessoa natural) ou em grupo (sociedade, associação, fundação)." [09]

            Ou ainda, de forma mais contundente, Carlos Roberto Gonçalves, partindo da concepção segundo a qual as relações jurídicas só se constituem entre pessoas, enuncia, valendo-se de Washington de Barros, que "no direito moderno, pessoa é sinônimo de sujeito de direito ou sujeito de relação jurídica". [10] E esta opinião, que talvez seja mesmo acertada em relação ao direito moderno, não nos parece servir em relação ao hodierno.

            Este arrolamento de autores poderia ir ainda muito além, mas, ao que nos parece, a autoridade, quando não a tradição dos já apontados, é suficiente para demonstrar a ampla aceitação e reprodução da doutrina segundo a qual pessoa e sujeito de direito são uma única e mesma coisa. Trata-se do entendimento ao qual denominaremos teoria da equiparação, e que, por si só, de duas uma: ou impossibilita a elaboração de uma teoria dos entes despersonalizados ou a autoriza, desde que, em tal teoria, os entes despersonalizados não sejam alçados à qualidade de sujeitos de direito.

            O problema é que a aceitação de uma teoria que não reconheça a aptidão que certos entes não dotados de personalidade têm para a titularidade de direitos, não teria nenhuma função senão a de reproduzir a noção, tão equivocada quanto preponderante, que é a da "equiparação". Não teria, portanto, a qualidade de superar alguns entendimentos contraproducentes já incrustados na doutrina, nem a de dar resposta a certas perplexidades.


3. As perplexidades da Doutrina

            A equiparação dos conceitos de pessoa e sujeito de direitos tem gerado, em doutrina, algumas perplexidades, que, ainda que na maior parte das vezes não resultem em imbróglio ou insegurança na solução de casos concretos, têm colaborado para eternizar questões e debates já totalmente superados. Desta espécie são, a título de exemplo, certas discussões acerca da personalidade dos nascituros, da legitimidade processual de alguns entes despersonalizados ou mesmo o debate sobre os "direitos dos animais". Vejamos:

            Seria cômico, se não fosse quase trágico, o debate em que se perderam e ainda se perdem os autores, sobre a existência ou não da personalidade no nascituro. O nó górdio desta questão, que parte sempre da premissa de que só as pessoas são sujeitos de direitos (equiparação), reside na impossibilidade de aceitar o inegável fato de que o sistema atribui direitos aos nascituros (art. 2°, segunda parte, CC/2002 [11]; e art. 4°, segunda parte, CC/1916 [12]) no mesmo artigo do Código Civil em que lhes nega a personalidade. Como conciliar tais dispositivos sem atribuir direitos a quem não tem personalidade? Não sabemos.

            Não reconhecemos, em todo o ordenamento, dispositivo mais claro no sentido de estender a qualidade de sujeito de direitos a um ente despersonalizado. Diz, literalmente, não só que quem não nasceu não é pessoa, mas também reafirma que, ainda assim, (não sendo pessoa) tem seus direitos reconhecidos. Mas, como o dogma da equiparação (pessoa = sujeito de direitos) já houvesse se estabelecido entre os doutrinadores, dividiram-se estes entre os que conferiram personalidade ao nascituro (já que tem direitos), e os que tentaram, através de categorias jurídicas gerais (condição), explicar que o nascituro não tinha direitos, mas apenas expectativas ou direitos sob condição suspensiva [13].

            Em face das correntes doutrinárias originadas da falta de uma teoria dos entes despersonalizados, é cabível a seguinte classificação, já tradicional quanto ao assunto, que divide as teorias em: a) natalista, b) da personalidade condicional, e c) concepcionista. Para a teoria natalista, mais aproximada de nosso entendimento, devem ser reconhecidos os direitos do nascituro, sem que isto resulte em sua personalização. Já os adeptos da teoria da personalidade condicional admitem a personalidade desde a concepção, sob a condição de que se dê o nascimento com vida. E, por fim, para os concepcionistas, o nascituro é dotado de personalidade.

            Ao nosso ver, se, aos adeptos da teoria natalista, a falta de uma teoria dos entes despersonalizados (conjugada com a teoria da equiparação) fez buscar outras categorias referentes ao plano da eficácia (as condições) para explicar como o despersonalizado poderia ter "direitos", aos seguidores da teoria concepcionista, os mesmos motivos fizeram desconsiderar a literalidade da lei, quando esta enuncia que a personalidade da pessoa natural começa com o nascimento com vida, e declarar que o nascituro é dotado de personalidade.

            Garcia Rodrigues nos dá notícia destas teorias em texto no qual explica que "a teoria da personalidade condicional consiste na afirmação da personalidade desde a concepção, sob a condição de nascer com vida. Desta forma a aquisição de direitos pelo nascituro operaria sob a forma de condição resolutiva, portanto, na hipótese de não se verificar nascimento com vida, não haveria personalidade". E apresenta a posição do respeitável romanista, Francisco Amaral, como ilustrativa da tese concepcionista. "Francisco Amaral entende que, da análise sistemática do código civil de 1916 é possível concluir que existem hipóteses em que o feto, desde a sua concepção, pode figurar como sujeito de direitos em uma dada relação jurídica, posição esta que só poderia ser ocupada por uma pessoa. Assim, segundo tal posicionamento, nascituro é a pessoa que está por nascer, já concebida no ventre materno" [14].

            Já Caio Mário utiliza, com fulcro em Windscheid, a idéia de direitos potenciais. Para nosso civilista, "o nascituro ainda não é uma pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire a personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto, relação jurídica; mas, se se frustra, o direito não chega a constituir-se, e não há falar, portanto, em reconhecimento de personalidade ao nascituro, nem se admitir que antes do nascimento já é ele sujeito de direitos" [15].

            Ao nosso ver, não é dos mais satisfatórios o entendimento, inarredável sob a égide da equiparação, de que o nascituro não seja sujeito de direitos simplesmente pelo fato de não ser pessoa. Se for possível que a teoria condicional dos direitos possa ser útil para explicar certos direitos patrimoniais, não é menos certo que alguns direitos, como o direito à vida, por exemplo, o nascituro os tem incondicionalmente, desde que exista [16]. Ainda sendo possível que alguns direitos do nascituro estejam sob pendência de condição, não é correto entender que todos os direitos o estejam. [17]

            Mas é o que pensa Washington de Barros, para quem o nascituro é "pessoa condicional" ou, ainda, com Planiol, objeto de "antecipação de personalidade". [18] Na mesma linha está Viana, para quem, "na verdade os direitos assegurados ao nascituro encontram-se em estado potencial, na dependência do nascimento com vida para que se cristalize. Se ele nasce morto, aqueles direitos não se constituem. Assim, antes do nascimento o nascituro não é sujeito de direito, nem se reconhece personalidade. (...) Estamos diante daquilo que alguns denominam personalidade fictícia. O nascituro não tem personalidade, mas como adquire direito se nascer com vida, o direito age como se ele a tivesse". [19]

            Em Orlando Gomes, "a lei assegura direitos ao nascituro, se nascer com vida. Não tem personalidade, mas, desde a concepção, é como se tivesse. (...) Estas ficções atribuem personalidade porque reconhecem, nos beneficiados, a aptidão para ter direitos, mas é logicamente absurdo admitir a condição de pessoa natural a quem ainda não nasceu ou já morreu." [20]

            Exemplo expressivo do problema a que leva a equiparação (pessoa = sujeito de direitos) também pode ser encontrado em Sérgio Abdalla Semião, e em sua análise do art. 4° do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 2° do Código Civil de 2002), motivo pelo qual tomamos a liberdade de transcrever parte do raciocínio desse autorizado magistrado.

            "À primeira vista, tudo faz crer que na primeira parte do artigo o Código adere à escola natalista, para logo a seguir, na segunda parte, aderir à escola concepcionista. Considerando-se que, juridicamente, são pessoas apenas aqueles que são sujeitos de direitos e que a personalidade é um atributo das pessoas, o artigo estabelece normas contraditórias entre si [21]. Uma ao reverso da outra. Esta repele aquela, anulando-se mutuamente. Diante disso, impõe-se uma interpretação sistemática, sob pena de se negar vigência ao próprio artigo da lei." [22]

            Por fim, temos também Maria Helena Diniz, que une, em sua teoria, à noção concepcionista a da personalidade condicional. Sobre o nascituro diz que: "Se as normas o protegem é porque tem personalidade jurídica. Na vida intra-uterina ou mesmo in vitro, tem personalidade jurídica formal, relativamente aos direitos da personalidade, consagrados constitucionalmente, adquirindo personalidade jurídica material apenas se nascer com vida, ocasião em que será titular dos direitos patrimoniais que se encontravam em estado potencial, e do direito às indenizações por dano moral e patrimonial por ele sofrido." [23]

            Digno de atenção é que Maria Helena, ao combinar as duas noções, aponte para o reconhecimento de que nenhuma delas é suficiente para explicar a condição jurídica (ou mesmo a natureza) do nascituro. Mas, como a teoria condicional não oferecesse explicação para os direitos plenos de eficácia já titularizados pelo nascituro, valeu-se a referida autora de uma distinção que, ao nosso ver, não se justifica, entre personalidade jurídica formal e personalidade jurídica material, e que, na obra, não se aprofunda nem se explica. E nem aqui o tentaremos fazer, já que não comungamos do pressuposto conceitual que eventualmente faria as vezes de fundamento legitimador da distinção proposta.

            Notável que estas teorias, ainda que consideradas contrárias, tenham todas partido de uma mesma e equivocada premissa fundamental: a equiparação. Tudo isto, portanto, em função da falta de uma teoria dos entes despersonalizados que assentasse o princípio de que sujeito de direitos é gênero, cujas espécies são a pessoa e o ente despersonalizado.

            O nascituro, portanto, tem direitos não condicionais? Tem. E é, por acaso, dotado de personalidade? Não, e nem é como se fosse, ainda que, como ser humano, seja tratado de acordo com tal especificidade.

            Mas não é só em relação ao nascituro que a equiparação oferece problemas. Vejamos:

            A existência, no ordenamento jurídico, de normas que estabelecem regras de conduta para os seres humanos em relação aos animais não é novidade nenhuma. E nem quer significar, com isso, que se trate necessariamente de direitos cujos titulares sejam os animais (irracionais).

            O fato de que nos seja vedada determinada conduta em relação a um ser ou uma coisa não quer significar por si só que o ser ou coisa tenha o direito à omissão de minha conduta. A proibição que incide sobre a conduta de Luciana de destruir uma coisa objeto de propriedade de Elizabeth, por exemplo, existe em respeito a um direito de Elizabeth, e não da coisa. Esta, aliás, é a hipótese que se verifica em larga parcela da legislação que regula a conduta humana em relação aos animais.

            Nos últimos tempos, contudo, e com a evolução legislativa e doutrinária que tem sofrido o direito ambiental, a explicação segundo a qual as condutas determinadas em relação aos animais assim o são em respeito ao direito de pessoas parece não estar sendo suficiente.

            Em 1978 foi proclamada, em assembléia da Unesco, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Dentre outros direitos, arrolou, em favor dos animais, o direito à existência, ao respeito, à cura, à proteção do homem e a não ser submetido a maus-tratos e atos cruéis. Sendo sua morte necessária, há de ser instantânea, sem dor ou angústia. Neste texto legislativo, o mais interessante para nossos objetivos é que nem toda conduta vedada ou obrigatória em relação aos animais pode ser justificada sob o argumento de que tal conduta (ou sua omissão) se dê em favor do direito de uma pessoa.

            A Constituição Federal de 1988 traz dispositivo que, estabelecendo o direito de todos a um meio ambiente equilibrado (no qual se inclui a fauna), determina ao poder público que proteja a fauna e a flora, vedando as práticas que colocam em risco a sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (CF, art. 225, § 1°, VII). Da análise desta norma, assim como de diversas outras contidas em legislação ordinária, é possível perceber que a maioria das regras de conduta a respeito dos animais tem como fundamento o direito difuso ao meio ambiente (no qual se insere a fauna), ou outros direitos individuais das pessoas. São regras como as que estabelecem sanção penal para os atos danosos à fauna (Lei 6.938/81, art. 15), as que tratam da guarda e circulação de cães em logradouros públicos, as que proíbem certo comércio de espécimes da fauna silvestre (Lei 5.197/67, art. 3°), ou limitam as espécies passíveis de serem objeto de caça, ou mesmo proíbem a caça em certos locais (Lei 5.197/67, art. 10, "e", "f", "g", "h", "i" e "j").

            Em relação a isto, Caio Mário, por exemplo, com apoio em Planiol, Ripert e Boulanger, ao explicar que as regras que determinam certas condutas em relação aos animais não constituem direitos destes, assim expõe o raciocínio: "Certo, também, que os animais são defendidos de maus-tratos, que a lei proíbe, como interdiz também a caça na época da cria. Mas não são, por isso, portadores de personalidade, nem têm um direito a tal ou qual tratamento, o qual lhes é dispensado em razão de sua utilidade para o homem, e ainda com o propósito de amenizar os costumes e impedir brutalidades inúteis". [24]

            Washington de Barros concorda que "existem, sem dúvida, leis de proteção aos irracionais (...). Por meio de seus dispositivos, estão eles a salvo contra atos de crueldade, de destruição, de perseguição ou de extinção. Nem por isso, entretanto, tornam-se sujeitos de direito. Como dizem Ruggiero-Maroi, os animais são tomados em consideração apenas para fins sociais, pela necessidade de se elevar o sentimento humano, evitando-se o espetáculo degradante de perversa brutalidade". [25]

            E também Viana, entendendo que "os animais não conhecem a personalidade. A legislação que os protege visa resguardá-los de maus-tratos, de atos de crueldade, sem que isso signifique que lhes seja atribuído um direito." [26]

            Mas, desde a própria constituição, há regras outras que não se encaixam em tal noção majoritária. São regras em que o único beneficiado (salvo, em prol da sociedade, a manutenção de um relativo nível de "humanidade") por sua observância é o próprio animal, não a fauna, e muitas vezes em conflito com os direitos do próprio proprietário. Desta espécie é a regra que veda a prática de atos cruéis contra os animais (CF, art. 225, § 1°, VII). Não me parece, no caso, que a proibição ao tratamento cruel exista em prol de um meio ambiente equilibrado ou do direito de propriedade (pois pode se opor a este). Da mesma forma quando se estabelecem regras que proíbem que a caça ou apanha do animal se dê por meio de atiradeiras, fundas, veneno ou armadilhas que maltratem a caça [27] (Lei 5.197/67, art. 10, "a"); e também grande parte das normas contidas na Declaração Universal dos Direitos dos Animais.

            Mas a atribuição de direitos aos animais não pode se dar em uma doutrina que vê a pessoa onde a lei apresenta apenas o sujeito de direitos. Outras questões, como a legitimação extraordinária para agir em benefício dos animais e a extensão de seus "direitos", são facilmente resolvíveis com o instrumental de que dispomos em nosso direito positivo. O nó "lógico" está na equiparação.

            O que queremos deixar estabelecido é que tanto quanto há normas de conduta referentes aos animais, as quais se justificam em função de direitos - que podem ou não ser difusos - das pessoas, há também regras que só se justificam em face de certas prerrogativas atribuídas ao próprio animal. Em confronto com o problema, é forçosa a opção dos que entendem que só as pessoas podem ser sujeito de direitos, no sentido de excluir a possibilidade de existirem direitos titularizados pelos animais, pois estender a personalidade aos mesmos seria algo muito menos palatável, sendo mesmo inaceitável em face de nosso ordenamento (ponto este com o qual, aliás, concordamos).

            Ocorre que, se, para um ativista dos direitos dos animais, cogitar sobre a existência ou não de direitos (no sentido técnico) titularizados por estes pouco importa, contanto que o tratamento dado a eles seja digno e condizente com sua natureza, para o jurista resta o dever de dar explicação técnica para a figura que se apresenta, sem cair na tentação de equiparar os animais às pessoas, ou incidir no silogismo, tão equivocado quanto divertido, segundo o qual sendo os homens animais, são também os direitos dos animais direitos humanos.

            Construção teórica que, nos limites da teoria da equiparação (sujeito de direitos = pessoa) apresente solução razoável à questão em comento, ao que saibamos, não existe, ou melhor, não foi publicada. E não nos parece, inclusive, tal solução ser possível, senão através de uma teoria dos sujeitos de direito que reconheça direitos também a certos entes despersonalizados. Neste caso, a problemática seria transferida, ao nosso ver, para outros aspectos da questão, quais sejam, por exemplo, o da possibilidade de que um objeto (animal irracional) possa ser também sujeito de direitos, e o da diferenciação entre os entes despersonalizados irracionais de outros de tipos diversos. Poder-se-ia, por este caminho, colocar em xeque outros aspectos da teoria dominante acerca dos sujeitos de direito, mas não sem prejuízo dos limitados objetivos deste ensaio.

            3.1 A Capacidade de ser parte dos Entes Despersonalizados

            Se, como tentamos demonstrar, como regra, a doutrina tem desconsiderado a categoria dos entes despersonalizados, há juristas que, ao se debruçarem sobre o estudo dos sujeitos do processo, mais especificamente das partes no processo, têm identificado a existência destes sujeitos de direito. Ainda que não nos proponham, os processualistas, uma verdadeira teoria dos entes despersonalizados, não lhes pode ser negado o mérito de reconhecer a estes a qualidade de sujeitos de direito, inclusive no plano material.

            De acordo com Cândido Rangel Dinamarco, "capacidade de ser parte é a qualidade atribuída a todos os entes que possam tornar-se titulares das situações jurídicas integradas na relação jurídica processual". [28] Em regra, a parte é quem, no plano do direito material, se apresenta como titular dos direitos discutidos no processo: trata-se do que se conhece como legitimação ordinária. Mas hipóteses há, também, em que quem demanda o faz em nome próprio, a respeito dos direitos de outrem (sem que seja o caso de representação), e neste caso a legitimação processual do demandante (ou do demandado) é chamada extraordinária. Em suma, se quem está no pólo da relação processual o ocupa para tratar de direito próprio, trata-se de legitimação ordinária, e se de direito alheio, mas ainda assim em nome próprio, de legitimação extraordinária.

            A ciência do processo tem estabelecido o conceito de parte com fundamento exclusivo na relação jurídica processual, o que significa dizer que a parte no processo não será necessariamente a parte legítima e, ainda que o seja, poderá não ser dotada da titularidade da relação jurídica de direito material correspondente (legitimação extraordinária). E porque os processualistas [29], de longa data, já não equiparam as partes aos titulares do direito versado no processo (embora seja esta a regra – legitimação ordinária), não lhes parece estranha a idéia de entes despersonalizados dotados de capacidade processual. Até porque, como veremos, é o próprio direito positivo que assim o estabelece.

            A doutrina processual tem reconhecido aos entes despersonalizados a qualidade de legitimados ordinários para figurarem na relação processual, até mesmo pela inviabilidade de se aplicar a hipótese de legitimação extraordinária a todas as situações em que se pode deparar com um ente despersonalizado no pólo da relação processual [30]. Assim, sendo, ainda que sem aprofundar as conseqüências do entendimento, a doutrina processual vem reconhecendo, muito mais do que a material, que certos entes despersonalizados são sujeitos de direitos, e, nesta qualidade, aptos a figurar em um dos pólos da relação jurídica processual.

            E não poderia ser de outra forma, pois é o próprio código de processo, na enumeração contida em seu art. 12, que traz referência a alguns entes despersonalizados em relação aos quais reconhece e atribui capacidade processual. É o caso da massa falida, da herança jacente, do espólio, das sociedades sem personalidade jurídica e do condomínio especial [31].

            Vicente Greco Filho, por exemplo, dentre as "exigências" para a existência da capacidade processual, enumera a "capacidade de ser parte", entendida como a aptidão para figurar em um dos pólos de uma relação jurídica de direito material, ou ter direitos. Explica que tal exigência "refere-se à chamada capacidade de direito, isto é, a condição de ser pessoa natural ou jurídica, porque toda pessoa é capaz de direitos. É capaz de ser parte quem tem capacidade de direitos e obrigações nos termos da lei civil. Todavia, em caráter excepcional, a lei dá capacidade de ser parte para certas entidades sem personalidade jurídica" [32] (grifo nosso). E Arruda Alvim aduz que: "Vários conflitos de interesses poderão surgir relacionados com os entes despersonalizados, nominados no Código de Processo Civil, como a massa falida, a herança, por exemplo, e outros, ainda que não referidos no Código de Processo Civil." [33] E, para concluir o raciocínio, Ovídio Baptista: "Assim, poderão eventualmente comparecer em juízo, como autores ou como réus, certos organismos ou coletividade não personalizadas, tais como as mesas dos corpos legislativos, para as ações de mandado de segurança, o condomínio, a herança jacente, a massa falida, os consórcios de consumidores, etc." [34]

            Mas como a do processo não é uma ciência estanque, e compartilha de conceitos básicos com o "direito material", em alguns doutrinadores pode ser encontrada, bem na base, a teoria da equiparação. Tal como em Dinamarco, para quem "a lei do processo vai além e confere mera personalidade processual a alguns outros entes que, sem serem pessoas físicas ou jurídicas em sentido integral, são admitidas no processo como partes. (...) O que há em comum entre as pessoas físicas, as jurídicas e esses entes personalizados exclusivamente para fins processuais é a sua capacidade de serem titulares das situações jurídicas processuais – e, daí, a capacidade de serem partes" [35].

            O que não nos parece correto neste exemplo é que, como na proposta de Dinamarco, se atribua "personalidade processual" para que se explique a aptidão do ente despersonalizado para a titularidade das situações processuais. De duas uma, ou o ente despersonalizado seria substituto processual e, portanto, não necessariamente o titular da relação jurídica de direito material, ou, caso contrário, sua "personalidade" não poderia ser meramente processual. O que se dá, pelo que nos parece, é que, sendo o ente despersonalizado sujeito de direitos, eventualmente poderá integrar, legitimamente, um dos pólos da relação processual, em regra, demandando ou sendo demandado em hipótese de legitimação ordinária.

            Nada disso, porém, tira dos processualistas o mérito de apontar, com muito mais constância, para a existência de sujeitos de direitos não dotados de personalidade.


4. Câmaras Municipais e os órgãos públicos despersonalizados

            No Direito Público, como não poderia deixar de ser, também se fez necessário o enquadramento jurídico das situações em que, havendo um sujeito de direitos, não se poderia apontar um ser personalizado correspondente. É o caso dos órgãos públicos, dentre os quais, a título de exemplo, destacam-se as Câmaras Municipais (semelhantes, quanto a este aspecto, às Assembléias Estaduais e ao Legislativo Federal).

            Seguindo o disposto no caput do art. 18 da Constituição Federal [36], o art. 41 [37] da Lei 10406/02, ao enumerar em seus incisos as pessoas jurídicas de direito público interno, não se refere às Câmaras Municipais, assim como não o fazem os incisos do art. 12 do Código de Processo Civil (Lei n° 5.869/73).

            No mesmo sentido a doutrina, que já estabeleceu a paz quanto ao fato de não serem dotadas as Câmaras Municipais de personalidade jurídica própria. O mais interessante, contudo, é notar que, ainda que reconhecendo a legitimidade das Câmaras para o exercício de certas prerrogativas concernentes à sua natureza, a doutrina relaciona essa aptidão à idéia de personalidade, ao referir-se à personalidade judiciária dos órgãos referidos. Por todos, o tradicional Hely Lopes:

            "A capacidade processual da Câmara para a defesa de suas prerrogativas funcionais é hoje pacificamente reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência. Certo é que a Câmara não tem personalidade jurídica, mas tem personalidade judiciária. Pessoa jurídica é o Município. Mas nem por isso se há de negar capacidade processual, ativa e passiva, á Edilidade, para ingressar em juízo quando tenha prerrogativas ou direitos a defender." [38]

            Como se percebe, não se identifica nas Câmaras qualquer traço de personalidade. Mas tendo em vista a sua natureza e suas funções, torna-se inevitável o reconhecimento, em favor destes órgãos, de certas prerrogativas e, igualmente, certos deveres.

            O correto enquadramento desta realidade jurídica deve partir do reconhecimento da existência de entes não personificados (no caso as Câmaras Municipais), ainda assim passíveis de direitos, deveres, prerrogativas, etc. É assim, ao nosso ver, que melhor se poderiam explicar as soluções que, nos casos concretos, a jurisprudência acertadamente tem dado aos problemas envolvendo as edilidades municipais.

            A legitimidade processual das Câmaras já é devidamente reconhecida, assim como também o é o que se tem chamado "personalidade judiciária". Vejamos estes exemplos da abundante jurisprudência a respeito:

            "As edilidades, embora disponham de capacidade processual, ativa e passiva, para defesa de suas prerrogativas institucionais, como órgãos autônomos da administração, não possuem personalidade jurídica, mas, apenas, a judiciária." (REsp 23926/SP;DJ 18.04.1994 p.08475; relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro; segunda turma)

            "Processual civil. Execução contra Câmara Municipal. 1. Em nossa organização jurídica, as Câmaras Municipais não tem personalidade jurídica. 2. A capacidade processual e limitada a defender interesses institucionais próprios e vinculados a sua independência e funcionamento.3. Executivo fiscal promovido contra Câmara Municipal não tem condições de prosseguir, pela absoluta ilegitimidade do ente passivo de mandado." (REsp 88856/SP; DJ 19.08.1996 p.28440; relator Ministro José Delgado; primeira turma)

            E mesmo no que se refere às Assembléias Estaduais:

            "Ao impetrar o "mandamus" em face da decisão da 15ª Câmara Civil Do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo - que, na realidade, é o próprio Poder Legislativo - agiu em nome próprio, nos termos do art. 9º da Constituição Estadual, posto que o ato judicial combatido não afeta Tão-somente os direitos dos Srs. Deputados Estaduais, Individualmente considerados, mas uma prerrogativa institucional assegurada constitucionalmente ao Poder Legislativo e de fundamental importância para o efetivo exercício de sua atividade-fim. Ressalte-se que o ato impugnado configura, em última análise, Inconstitucional ingerência do Poder Judiciário no Poder Legislativo, pois afronta o princípio da independência dos três Poderes.

            Na situação examinada não se trata de se enquadrar o fenômeno processual em debate no círculo da substituição processual ou da legitimidade extraordinária. O que há de se investigar é se a Assembléia Legislativa está a defender interesses institucionais próprios e vinculados ao exercício de sua independência e funcionamento, como de fato, "in casu", está. A ciência processual, em face dos fenômenos contemporâneos que a cercam, tem evoluído a fim de considerar como legitimados para estar em juízo, portanto, com capacidade de ser parte, entes sem personalidade jurídica, quer dizer, possuidores, apenas, de personalidade judiciária.

            No rol de tais entidades estão, além do condomínio de apartamentos, da massa falida, do espólio, da herança jacente ou vacante e das sociedades sem personalidade própria e legal, todos por disposição de lei, hão de ser incluídos a massa insolvente, o grupo, classe ou categoria de pessoas titulares de direitos coletivos, o PROCON ou órgão oficial do consumidor, o consórcio de automóveis, as Câmaras Municipais, as Assembléias Legislativas, a Câmara dos Deputados, o Poder Judiciário, quando defenderem, exclusivamente, os direitos relativos ao seu funcionamento e prerrogativas. (ROMS 8967 / SP; DJ 22.03.1999 P.00054; relator Ministro Humberto Gomes de Barros; primeira turma)"

            Como se pode ver, a jurisprudência, mais do que a doutrina (e em meio a esta, principalmente a do direito privado) tem buscado dar solução aos problemas decorrentes da existência de órgãos públicos (assim como de entes particulares) não personalizados. E no cumprimento desta tarefa, tem conseguido dar tratamento condizente a estas figuras, pelo simples fato de reconhecer-lhes certas prerrogativas e deveres, ou seja, a qualidade de sujeito de direitos.

            Todavia, mesmo na área em que a ciência jurídica mais tem avançado quanto a este tema, que é o campo do direito processual e público, ainda assim se percebe a tendência de se relacionar a aptidão para o exercício de certas prerrogativas à idéia de personalidade. É a demonstração de que a "teoria da equiparação" se encontra enraizada não no direito privado ou no direito público, mas em todos os ramos, através de sua inserção na própria teoria geral dos sujeitos de direito.


5. Aspectos de uma Teoria dos Entes Despersonalizados

            Pelo que já expusemos, acreditamos ter demonstrado que a elaboração de uma teoria sistemática acerca dos entes despersonalizados não é tarefa desprovida de utilidade. Passaremos, então, desde este ponto, a levantar determinados aspectos em torno dos quais, segundo entendemos, possa ser erigida a teoria dos entes despersonalizados.

            5.1. Os Entes Despersonalizados e sua definição (gênero próximo e diferença específica)

            O primeiro destes aspectos, como não poderia deixar de ser, reside na conceituação desta figura que se situa no centro da teoria que propomos. Para que não restassem dúvidas, descartamos, desde o início, e reiteradamente nas linhas precedentes, a preponderante opinião segundo a qual sujeitos de direitos sejam unicamente as pessoas. Sujeito de direito, com Fábio Ulhoa Coelho, "é o centro de imputação de direitos e obrigações referido em normas jurídicas, com a finalidade de orientar a superação de conflitos de interesses que envolvem, direta ou indiretamente, homens e mulheres". [39] Em outras palavras, há de ser tido como sujeito de direito todo e qualquer ente a que o ordenamento atribua a aptidão para direitos, deveres ou obrigações.

            Neste sentido, é preciso reforçar que a atribuição da referida aptidão a seres não humanos (como as pessoas jurídicas ou uma massa falida) não tem o efeito de alçá-los à mesma dignidade valorativa e ética que recai sobre a pessoa humana ou sobre o ente despersonalizado humano (nascituro). Da mesma forma, a inserção do nascituro na mesma categoria a que pertencem os animais irracionais (entes despersonalizados) não lhe retira a principal de suas características, qual seja, o fato de ser humano. Em suma, entendemos que o ser humano, pelo próprio valor que o ordenamento positivo lhe atribui, não se há de confundir com outros sujeitos de direitos quaisquer.

            Da afirmação de que o ser humano pode ser um ente despersonalizado, portanto, não decorre nenhuma diminuição de sua humanidade (pelo contrário), assim como do fato de se classificar o ser humano como um animal também não decorre o não reconhecimento de sua racionalidade, e dos demais atributos que o distinguem dos outros animais.

            Assentado o conceito jurídico de sujeito de direito, passemos ao de ente despersonalizado.

            É Fábio Ulhoa Coelho, dentre os autores nacionais, quem tem reiterado, em diversas obras, desde a Desconsideração da Personalidade Jurídica [40], que os sujeitos de direitos podem ser dotados de personalidade ou não. O mesmo entendimento, aliás, que sustenta em seu Curso de Direito Comercial [41] e, de forma mais didática e clara, em seu Curso de Direito Civil [42]. Quanto ao tema, tal autor vem sendo um farol, e é dele que tomamos emprestada, para a devida conceituação do ente despersonalizado, a respectiva diferença específica.

            A lógica tradicional, com base em Aristóteles, propõe que a definição resida na indicação do genus proximum e da differentia specifica, sendo aquele, de forma grosseira, o gênero a que há de pertencer o objeto da definição, e esta a característica, o traço identificador, que diferencie o objeto dos demais de outras espécies.

            Quanto ao gênero próximo, já deixamos estabelecido: entes despersonalizados são verdadeiros sujeitos de direitos. Ainda que possam ser objeto do direito de propriedade alheio (pessoas jurídicas, animais, etc.), o gênero no qual há de se inserir a espécie ente despersonalizado é o dos sujeitos de direitos.

            Mas já que, como entendemos, nem todo sujeito de direito é pessoa, cabe-nos oferecer critério que sirva como de distinção entre os dois tipos de sujeitos de direitos. Eis aí a diferença específica, explicando em que os entes despersonalizados, ainda que sujeitos de direitos, diferem da outra espécie de sujeitos de direitos (a das pessoas).

            A diferença está em que, enquanto as pessoas possuem aptidão genérica para direitos, deveres e obrigações, os entes despersonalizados possuem tal aptidão limitada tanto pela legislação quanto por sua própria natureza. Estes, portanto, só podem titularizar direitos ou participar de relações jurídicas que o ordenamento expressamente lhes autorize ou que se refiram diretamente à sua natureza e suas finalidades.

            Assim é que o nascituro, desde que concebido, tem todos os direitos (livres de qualquer condição) que lhe decorrem de sua natureza humana. Tem o direito à vida, à saúde, e a todos aqueles que, ainda que não expressos, sejam adequados à sua condição e natureza, o que não impede a existência de certos direitos condicionais de titularidade do nascituro, notadamente de cunho patrimonial. Além disso, levada em conta a natureza do ente como critério delimitador de sua aptidão para direitos, deveres e obrigações, como observou o Prof. Cezar Fiúza, em aula dada no ano de 2002, no curso de pós graduação em Direito da Faculdade de Direito da UFMG, fica mantida a dignidade humana em face de outros entes despersonalizados.

            O mesmo com relação a certos órgãos públicos, aos quais, como nos casos das câmaras municipais, legislativos estaduais ou federal e poder judiciário, dentre outros, costuma-se reconhecer a titularidade de certas prerrogativas inerentes à sua natureza e funções institucionais.

            Da mesma forma o condomínio, que pode contratar funcionários, realizar obras e as demais atividades referentes à sua natureza e finalidades, sem, contudo, ser dotado de autorização para ir além disso. E o mesmo com o espólio, que existe apenas para dar solução e enquanto durar a pendência das relações jurídicas deixadas pelo de cujus.

            Sem mais nos aprofundarmos na demonstração da adequação da definição adotada, podemos deixá-la enunciada, como ponto de partida para a construção de uma teoria dos entes despersonalizados, na qual se há de demonstrar, aí sim, pormenorizadamente, a sua adequação ao ordenamento jurídico pátrio.

            Ente despersonalizado, portanto, é o sujeito de direitos dotado de aptidão para contrair direitos, deveres e obrigações, limitada pela legislação e por sua própria natureza.

            Por outro lado, pessoa é o sujeito de direitos com aptidão genérica para contrair direitos, deveres e obrigações.

            Em ambos os casos, a aptidão é abstrata, mas, desde que haja o centro de imputação jurídica (e isto não pressupõe a imputação concreta), como efetivamente há em relação aos entes despersonalizados, estará presente o sujeito de direitos.

            Por fim, junte-se a tudo isto o fato de que o ordenamento vigente estabelece tal precedência valorativa ao ser humano (que tecnicamente não é o mesmo que pessoa humana), que é preciso enquadrá-lo com as devidas deferência e dignidade, que o diferenciam dos outros sujeitos de direitos, personalizados ou não, e lhe mantêm a unidade, sendo ou não personalizado.

            5.2. A Legitimação e a Representação dos Entes Despersonalizados

            Uma teoria dos entes despersonalizados não pode deixar de oferecer explicação para a questão da legitimação para o exercício de direitos por parte dos entes despersonalizados, assim como para a questão da representação destes mesmos entes.

            No que se refere à legitimação, ou à possibilidade do exercício das situações jurídicas em nome do próprio ente despersonalizado, parece-nos ser suficiente o instrumental técnico de que já dispõe o direito privado.

            Assim é que em certas situações o direito será pleiteado pelo próprio ente despersonalizado que lhe detém a titularidade (legitimação ordinária), como no caso em que a massa falida é autora ou ré de alguma das ações previstas na legislação falimentar, ou na hipótese em que o espólio se coloca na condição de devedor ou credor em uma relação obrigacional, ou, ainda, nos casos em que um condomínio possa ser condenado devedor em questão envolvendo sua responsabilidade aquiliana; e, em outras situações, o direito do ente despersonalizado será pleiteado por terceiro, em nome deste (legitimação extraordinária), como nas hipóteses envolvendo o direito dos irracionais.

            O aspecto da legitimação, portanto, parece demandar, apenas, uma maior sistematização e organização das hipóteses, sem que sejam necessárias categorias diversas das já disponíveis no direito positivo (legitimação ordinária e extraordinária). O mesmo pode ser dito da questão da representação dos entes despersonalizados, isto é, de quem deve agir em nome do ente despersonalizado nos casos de legitimação ordinária.

            Mais uma vez as categorias tradicionais do direito privado são suficientes para o equacionamento da questão. Na maior parte dos casos possíveis, estar-se-á diante de situação semelhante à que se verifica em relação às pessoas jurídicas, ou seja, tudo se resumindo à questão de se saber quem pode agir em nome do sujeito de direito, e a que título. Em outros casos, como em questões concernentes ao nascituro, poder-se-iam utilizar outras categorias, como a da representação necessária, por exemplo.

            Não é nosso objetivo proceder, neste ensaio, à efetiva aplicação sistemática destas categorias aos entes despersonalizados. Muito menos que isso, queremos apenas atentar para que, no que tange a estes dois temas fundamentais (legitimação e representação), a teoria geral do direito já oferece o instrumental necessário, tanto para o entendimento quanto para a aplicação prática. O reconhecimento da qualidade de sujeito ao ente despersonalizado não demanda outras categorias.

            5.3. Outros Pontos

            Não temos, quanto a esta enumeração de pontos tidos como relevantes para a teoria dos entes despersonalizados, nenhuma pretensão quanto à exaustão dos tópicos. Pelo contrário, propomos apenas alguns dentre os inúmeros aspectos de interesse.

            Seguindo esta linha, não podemos deixar de ressaltar a necessidade de se diferenciarem e compararem as diversas espécies de entes despersonalizados, na medida em que dentre estes possam ser estabelecidas distinções e classificações úteis para a teoria, e muitas vezes necessárias para o entendimento de algumas situações práticas.

            Não se pode desconsiderar que o nascituro, pelo só fato de ser humano, deve estar submetido a princípios e valores diversos dos pertinentes aos demais entes despersonalizados. A natureza humana é elemento que individualiza não só o nascituro, dentre os entes despersonalizados, como o próprio homem, dentre as pessoas. É perceptível, também, a semelhança existente entre certos entes despersonalizados e as pessoas jurídicas, assim como há o ente despersonalizado que não se assemelha nem à pessoa humana nem à jurídica (o ente despersonalizado animal irracional).

            Caberá a uma teoria dos entes despersonalizados, portanto, versar sobre as semelhanças e dessemelhanças dos despersonalizados entre si, assim como entre estes e os diversos tipos de pessoas. Tudo no sentido de desenvolver e organizar classificações dotadas de utilidade para a melhor compreensão do referido ente e de suas variações.


6. Conclusão

            Não foi nosso objetivo apresentar, já elaborada e bem desenvolvida, uma teoria dos entes despersonalizados. Apenas nos propusemos, aqui, a demonstrar o equívoco em que tem incorrido a doutrina tradicional, quando desconsidera a existência (reconhecida pelo ordenamento positivo) de centros de imputação jurídica (sujeitos de direitos) não dotados de personalidade, e propõe a equiparação das noções de pessoa e de sujeito de direitos. Também, quisemos elaborar texto que pudesse servir de contraponto, para nossos estudantes, a esta mesma doutrina à qual não nos filiamos.

            Os aspectos que enumeramos, e que entendemos devam ser os pontos básicos em torno dos quais se elabore a teoria, são também assuntos acerca dos quais propomos, aos amigos e alunos, uma maior reflexão.

            Ao que nos parece, o campo se encontra aberto, e o ordenamento completamente apto a uma teoria que ofereça explicação mais palatável para algumas das mais básicas questões da teoria geral do direito.


7. Bibliografia Referida

            ABDALLA SEMIÃO, Sérgio. Os Direitos do Nascituro. Aspectos Cíveis e Criminais e do Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

            ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. Volume 2. Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. 745 p.

            BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil. Volume 1. Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 576 p.

            COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003. 388p.

            COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 3 Volumes. São Paulo: Saraiva, 2002

            COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da Personalidade Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989

            DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume II. São Paulo: Malheiros, 2003.

            DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1993.

            DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2002. 840p.

            FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2002. 260 p.

            GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2002.

            GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. 562 p.

            GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume I. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003.

            MEIRELES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993.

            MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. Vol 1. São Paulo: Saraiva, 2003. 362 p.

            PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

            RODRIGUES, Rafael Garcia. A Pessoa e o Ser Humano no Novo Código Civil. In A parte Geral do Novo Código Civil. Estudos na Perspectiva Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

            VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume I. Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003.

            VIANA, Marco Aurélio S. Direito Civil. Parte Geral. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. 288 p.


Notas

            01 À margem das discussões sobre o conceito e natureza da relação jurídica, tendem os juristas a concordar quanto ao fato de que ela se estabelece entre sujeitos de direito, motivo pelo qual, sendo um vínculo intersubjetivo, não pode prescindir da categoria "sujeito de direitos".

            02 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1993. Página 461.

            03 Idem. Página 462.

            04 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. Página 142.

            05 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. Vol 1. São Paulo: Saraiva, 2003. Página 62.

            06 Monteiro, Washington de Barros. Op. Cit. Página 63.

            07 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume I. Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003. Página 147.

            08 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2002. Página 88.

            09 VIANA, Marco Aurélio S. Direito Civil. Parte Geral. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. Página 66.

            10 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume I. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2003. Página 74.

            11 Art. 2° - A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

            12 Art. 4° - A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro.

            13 Embora haja quem defenda que a condição, neste caso, fosse resolutiva, assim não nos parece. Condição resolutiva é aquela em cuja dependência fica a resolução, ou seja, a extinção de direitos e da eficácia destes. Suspensiva, por outro lado, é aquela que, uma vez verificada, resulta no surgimento do direito e de sua eficácia. Por isso, parece-nos razoável que, na hipótese de se entender que os direitos do nascituro se encontram sob condição, tal condição há de ser suspensiva. Caso contrário teríamos a figura segundo a qual, nascido, o até então nascituro perderia os direitos que lhe haviam sido atribuídos.

            14 RODRIGUES, Rafael Garcia. A Pessoa e o Ser Humano no Novo Código Civil. In A parte Geral do Novo Código Civil. Estudos na Perspectiva Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Página 5.

            15 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Volume I. Rio de Janeiro: Forense, 1994. Páginas 7 e 8.

            16 Aqui, impropriamente, talvez se pudesse dizer que o direito se encontra sob condição resolutiva. Morto o nascituro, ou não tendo nascido com vida, resolver-se-iam os seus direitos. No caso, porém, melhor explicação é aquela segundo a qual os direitos cessam na medida em que não há mais o sujeito, e não por implemento de condição.

            17 Os direitos que o próprio Caio Mário chama de inatos, como o direito à vida, à integridade física e moral, pressupõem apenas a existência do homem, ser humano vivo, ainda que não nascido.

            18 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. Vol 1. São Paulo: Saraiva, 2003. Página 66.

            19 VIANA, Marco Aurélio S. Direito Civil. Parte Geral. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. Página 69

            20 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. Página 143.

            21 A contradição apontada entre os enunciados contidos no art. 4° do CC/1916 (art. 2° CC/2002) só existe se o pressuposto for o de que todo sujeito de direito é pessoa. Neste sentido, ou o nascituro é pessoa e tem direitos, ou não é pessoa e não tem direitos. Nisto reside a referida contradição, pois o dispositivo diz tanto que o nascituro não tem personalidade, quanto que tem direitos. Estabelecido, contudo, que há sujeitos de direito que não são pessoas, basta inserir o nascituro em tal categoria, para que desapareça qualquer contradição que de outra forma certamente haveria.

            22 ABDALLA SEMIÃO, Sérgio. Os Direitos do Nascituro. Aspectos Cíveis e Criminais e do Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. Página 65.

            23 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2002. 840p. Págs 113 e 114.

            24 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. Página 143.

            25 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Parte Geral. Vol 1. São Paulo: Saraiva, 2003. Página 63.

            26 VIANA, Marco Aurélio S. Direito Civil. Parte Geral. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. Página 67

            27 Muito interessante a expressão contida na lei (Lei 5197/67, art. 10, "a"): "maltratar a caça". Como se o mero fato de transformar o animal em objeto de caça já não fosse, por si só, hipótese de maus-tratos.

            28 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume II. São Paulo: Malheiros, 2003. Página 282.

            29 Concordamos em que esta distinção entre o processo e o direito "material", assim como aquela entre o direito "empresarial" e o direito civil, ou entre estes e o direito do consumidor, e até aquela entre o direito público e o privado, devam ser tomadas com razoável precaução, pois que o direito se nos apresenta sob a forma de um sistema. Quando fazemos referência aos "processualistas", portanto, não deixamos de reconhecer que se trata de juristas que, inevitavelmente, transbordam os limites do tão só processo.

            30 A título de exemplo, temos a hipótese do § 1° do art. 12 do CPC, determinando a formação do litisconsórcio entre o espólio e os sucessores e herdeiros do falecido. Demonstra que o espólio não age com legitimação extraordinária em relação aos herdeiros e sucessores, não postula direitos deles, ainda que em benefício dos mesmos, não sendo, portanto, um substituto processual.

            31 Art. 12 – Serão representados em juízo, ativa e passivamente: I-. ..; II-. ..; III – a massa falida, pelo síndico; IV – a herança jacente ou vacante, por seu curador; V – o espólio, pelo inventariante; VI -. ..; VII – as sociedades sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração dos seus bens; VIII -. ..; IX – o condomínio, pelo administrador ou pelo síndico.

            32 FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2002. 260 p. Página 100.

            33 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. Volume 2. Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. 745 p. Página 74.

            34 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil. Volume 1. Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 576 p. Página 241.

            35 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Volume II. São Paulo: Malheiros, 2003. 682 p. Página 283.

            36 CF/88 Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

            37 Lei 10406/2002 Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno: I - a União; II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios; III - os Municípios; IV - as autarquias; V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.

            38 MEIRELES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993. págs 444 e 445.

            39 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003. 388p. Página 138.

            40 COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da Personalidade Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

            41 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 3 Volumes. São Paulo: Saraiva, 2002.

            42COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003.


Autor

  • Claudio Henrique Ribeiro da Silva

    Claudio Henrique Ribeiro da Silva

    mestre em Direito Civil pela UFMG, doutorando em Direito Civil pela UFMG, professor de Direito do Unicentro Izabela Hendrix, em Belo Horizonte (MG) e da FDCL, em Conselheiro Lafaiete (MG), Professor de Direito Empresarial do Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Direito Civil do IEC-PUC/MG, Professor de DParte Geral do Curso de Especialização em Direito Civil do CAD/GAMA FILHO

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Claudio Henrique Ribeiro da. Apontamentos para uma teoria dos entes despersonalizados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 809, 20 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7312. Acesso em: 29 mar. 2024.