Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/73376
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A promessa ou a distribuição de prêmios, mediante sorteios, vale-brindes, concursos ou operações assemelhadas pelas organizações da sociedade civil (OSCs)

A promessa ou a distribuição de prêmios, mediante sorteios, vale-brindes, concursos ou operações assemelhadas pelas organizações da sociedade civil (OSCs)

Publicado em . Elaborado em .

As organizações da sociedade civil (OSCs), com base no art. 83-C da Lei n. 13.019/14, podem prometer ou distribuir prêmios por meio das mais variadas modalidades de jogos e apostas, sem que exista a necessidade de prévia autorização de nenhum órgão.

1. Da previsão legal.

A Lei n. 13.019/14, que foi aclamada como o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC, introduziu em nosso ordenamento jurídico um regime jurídico próprio e diferenciado para regular a celebração e execução de parcerias entre o Poder Público e as denominadas Organizações da Sociedade Civil – OSCs, dentre outras disposições.

As OSCs estão definidas no art. 2º, I, do aludido diploma legal, verbis:

Art. 2o Para os fins desta Lei, considera-se

I - organização da sociedade civil:

a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva;          

b) as sociedades cooperativas previstas na Lei no 9.867, de 10 de novembro de 1999; as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social.

c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos;     

Com base na aludida lei, portanto, essas entidades poderão celebrar com o Poder Público parcerias para a consecução de finalidades de interesse público, desde que cumpridos os requisitos nela estabelecidos e regulamentados, a nível federal, pelo Decreto n. 8.726/16.

Não obstante o objeto da lei seja a definição do regime jurídico dessas parcerias, concretizadas através de Termos de Fomento, Termos de Colaboração e Acordos de Cooperação, o novel diploma legal, além de romper alguns paradigmas pré-existentes, introduziu em nosso ordenamento normas jurídicas inovadoras em benefício das organizações de que trata.

Dentre as mencionadas normas, sobressai-se a contida no art. 84-B, III, abaixo transcrito:

Art. 84-B.  As organizações da sociedade civil farão jus aos seguintes benefícios, independentemente de certificação:

[...]

III - distribuir ou prometer distribuir prêmios, mediante sorteios, vale-brindes, concursos ou operações assemelhadas, com o intuito de arrecadar recursos adicionais destinados à sua manutenção ou custeio;

Oportunamente, ressalvamos que nem todas as OSCs, certificadas ou não, podem se beneficiar do permissivo legal acima, mas tão somente aquelas que apresentem em seus objetivos sociais pelo menos uma das finalidades contidas no art. 84-C[1].

Logo, desde que respeitem as disposições do art. 84-C, as OSCs poderão distribuir ou prometer distribuir prêmios, mediante sorteios, vale-brindes, concursos ou operações assemelhadas, com o intuito de arrecadar recursos adicionais destinados à sua manutenção ou custeio[2].

Prima facie, deve-se questionar: i) qual o objeto do benefício em voga; ii) se as disposições em questão são de fato inovadoras com relação ao nosso ordenamento jurídico; ii) se são autoaplicáveis; iii) se elas produzem alguma antinomia legal no ordenamento; v) se existe algum ente ou órgão competente por regulamenta-las.

Por isso, uma detida análise do nosso ordenamento jurídico relativo à matéria, a começar pelo direito positivo, se apresenta como o passo inicial deste estudo.

Iniciaremos, pois, tentando encontrar na legislação vigente a conceituação jurídica dos principais termos empregados no texto do art. 83-C, III, da Lei n. 13.019/14, já que, uma vez definidos os conceitos jurídicos contidos na referida norma jurídica, a sua interpretação torna-se uma tarefa sobremaneira mais fácil.


1. Do objeto: A promessa ou distribuição de prêmios, mediante sorteios, vale-brindes, concursos ou operações assemelhadas.

Os conceitos jurídicos contidos no art. 84-B, III da Lei n. 13.019/14, que necessitam ser definidos para o objeto deste estudo são: i) prêmios; ii) sorteios, iii) vale-brindes, iv) concursos, e; v) operações assemelhadas.

Os sorteios encontram fundamento constitucional ao estatuir o art. 22, XX da CR/88 que:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

XX - sistemas de consórcios e sorteios

Para o ilustre Min. Carlos Ayres Brito[3], os sorteios são:

[...] um gênero de toda e qualquer competição para obtenção de prêmio, seja em dinheiro, seja em bens de outra natureza, com desembolso de recursos por parte do competidor ou, então, pela sua adesão a regras de propaganda comercial, contanto que o resultado pró ou contra dependa do acaso, isto é, fique à mercê do fado ou  destino, ora exclusiva, ora preponderantemente.

Segundo o Douto Ministro, no texto constitucional a expressão é empregada em sua acepção mais abrangente, em seu sentido lato, englobando não somente os sorteios (espécie), mas também outros jogos e apostas que dependam da sorte total ou preponderantemente.

Voltando os olhares para a palavra sorteio, forçoso concluir que se trata de uma derivação do substantivo sorte[4].

O sorteio pode ser objeto de jogos ou apostas, mas sempre dependerá, como o próprio nome diz, da sorte dos jogadores. A sorte pode ser o único fator ou o fator preponderante a definir o resultado do jogo ou aposta.

Nos sorteios, o ganhador será aquele escolhido de forma aleatória, a depender da sorte (álea), como ocorre, por exemplo, nos casos da realização de rifas, bingos ou loterias. Por essa razão, todo jogo ou aposta, que dependa da sorte dos jogadores, se realiza por meio de sorteio (gênero).

O sorteio, pois, é uma forma de apuração do resultado do jogo ou aposta, que impõe a sorte como fato decisivo à escolha do vencedor ou vencedores.

Importante frisar, que nas apostas, onde se verifica a ausência de influência dos contendores no resultado final, tem-se sempre o fator sorte como preponderante na determinação de um resultado positivo.

Nos jogos, a sorte pode ser preponderante ou concomitante com as habilidades do jogador, ou jogadores.

Nas lições de Carlos Roberto Gonçalves[5], fácil perceber a distinção entre jogos e apostas:

Jogo e apostas são contratos aleatórios. No primeiro, o resultado depende da participação dos contratantes. O êxito ou o insucesso dependem da autuação de cada jogador. O vencedor fará jus a uma certa soma, previamente estipulada.

Jogo é, pois, a em que duas ou mais pessoas se obrigam a pagar certa importância àquela que se sai vencedora na prática de determinado ato de que todas participam.

Na aposta, o resultado não depende das partes, mas de um ato ou fato alheio e incerto. Considera-se vencedora aquela cujo ponto de vista a respeito de fato praticado por outrem se verifique ser o verdadeiro. A aposta é, assim, um contrato em que duas ou mais pessoas, cujos pontos de vista a respeito de determinado acontecimento incerto sejam divergentes, obrigam-se a pagar certa soma àquela cuja opinião prevalecer.

Elucidativos e úteis para a caracterização dos dois institutos são os exemplos mencionados por Caio Mario, extraídos da doutrina alienígena: quando duas pessoas disputam qual dos dois caracóis chegará à borda da mesa que se acha no fim do jardim, podem estar jogando ou apostando, mas se foram colocados pelos contendores para esse fim, é jogo.

[...]

Jogo e a aposta tornam-se relevantes para o direito quando ocorrem de forma onerosa, por gerarem, neste caso, relações jurídicas. Quando gratuitos, tornam-se juridicamente irrelevantes, merecendo a atenção de outras ciências. Pode-se dizer que são onerosos quando ambos os contratantes obtêm um proveito, ao qual corresponde um sacrifício.[6]

Tais contratos são também aleatórios, como dito inicialmente, por terem por objeto certo risco ou álea, ou seja, a incerteza do acontecimento, e ainda bilaterais ou sinalagmáticos, uma vez que geram obrigações para ambos os contratantes.

Jogos e apostas são contratos aleatórios, por terem por objeto certo risco ou álea, ou seja, a incerteza do acontecimento e se realizam por meio de sorteios (espécie) ou não.

Assim, por exemplo, nas loterias de bilhetes, os bilhetes são escolhidos aleatoriamente pelos jogadores, preponderando-se simplesmente a sorte como fator de decisão dos resultados. Trata-se, pois, de aposta por sorteio.

Nas loterias de prognósticos, por outro lado, os participantes escolhem, conforme suas análises ou intuições, os resultados que mais lhes agradam, tentando, dessa maneira, influenciar no resultado. Observa-se então o jogo por sorteio.

No entanto, conferir à interpretação constitucional do termo sorteios limitação relativa à preponderância da sorte dos jogadores ao processo de obtenção do resultado seria restringir a competência da União.

O concurso, por exemplo, quase sempre ocorre sem que o fator preponderante seja a sorte. O conceito não estaria, por isso, enquadrado no gênero constitucional sorteios. Essa não me parece a exegese do dispositivo constitucional.

Fernanda Dias Menezes de Almeida[7], portanto, afirma que a expressão sorteios compreende os jogos de azar lícitos, as loterias e similares.

Filiamo-nos ao entendimento da autora, apenas com a ressalva de que a União pode, dentro de sua competência, tornar lícito aquilo que era tido por ilícito. Ou seja, pode legislar também sobre os jogos de azar ilícitos (inclusive já o faz, conferindo-lhes um tipo penal próprio), tornando-os lícitos.

Assim, a expressão sorteios, citada no art. 22, XX da CR/88 é o gênero que tem como espécies, não somente os sorteios, mas também os jogos de azar, as loterias e similares.

É através dos sorteios, por exemplo, que as loterias se realizam. Por sorteio (espécie) deve-se entender a modalidade de distribuição de prêmios que se utiliza de elementos sorteáveis, distribuídos concomitante, aleatória e equitativamente, assegurado ao processo dependência do acaso.

A loteria, nesse sentido, é uma modalidade de aposta ou jogo que depende dos sorteios para se concretizar.

Sua definição encontra-se no art. 51, § 2º da Lei de Contravenções Penais, o Decreto-lei n. 3.688/41. Veja-se:

Art. 51. Promover ou fazer extrair loteria, sem autorização legal:

[...]

§ 2º Considera-se loteria toda operação que, mediante a distribuição de bilhete, listas, cupões, vales, sinais, símbolos ou meios análogos, faz depender de sorteio a obtenção de prêmio em dinheiro ou bens de outra natureza.

§ 3º Não se compreendem na definição do parágrafo anterior os sorteios autorizados na legislação especial.

O art. 40, parágrafo único, do Decreto-lei n. 6.259/44[8], define as loterias do seguinte modo:  

Art. 40. Constitui jogo de azar passível de repressão penal, a loteria de qualquer espécie não autorizada ou ratificada expressamente pelo Governo Federal[9].

Parágrafo único. Seja qual for a sua denominação e processo de sorteio adotado, considera-se loteria toda operação, jogo ou aposta para a obtenção de um prêmio em dinheiro ou em bens de outra natureza, mediante colocação de bilhetes, listas, cupões, vales, papéis, manuscritos, sinais, símbolos, ou qualquer outro meio de distribuição dos números e designação dos jogadores ou apostadores.

O citado dispositivo, como se observa, equipara a loteria de qualquer espécie não autorizada ou ratificada expressamente pelo Governo Federal aos jogos de azar, tipificando novamente a conduta como passível de repressão penal (contravenção).

Os jogos de azar, por seu turno, são definidos pela legislação através do art. 50 § 3º da Lei de Contravenções Penais. Confira:

Art. 50. Estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele:  

[...]

§ 3º Consideram-se, jogos de azar:

a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;

b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;

c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.

Vislumbra-se, facilmente, que os conceitos jurídicos de sorteios, loterias e jogos de azar são totalmente distintos, muito embora estejam interligados.

Isso pois, os jogos de azar podem se realizar através de sorteios (espécie) ou não; as loterias, por outro lado, dependem necessariamente de sorteios (espécie). O elemento sorte, per si, prepondera em todos eles.

Assim, definidos os conceitos de sorteio (espécie), loterias e jogos de azar, segundo a legislação em vigor, cumpre-nos alcançar o conceito de vale-brindes, os concursos e as operações assemelhadas, expressões de que se vale o texto da Lei n. 13.019/14.

Nesse momento, imperioso mencionar as definições já existentes em nosso ordenamento jurídico das expressões em análise, previstas na Circular CEF n. 739/16, a qual se fundamenta na Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971 e Decreto nº. 70.951, de 9 de agosto de 1972.

[...]

6.1 Sorteio é a modalidade de distribuição gratuita de prêmios que prevê a emissão de elementos sorteáveis numerados, em séries de no máximo cem mil números, distribuídos concomitante, aleatória e equitativamente, e cujos contemplados são definidos com base nos resultados das extrações da Loteria Federal.

6.2 Vale-brinde é a modalidade de distribuição gratuita de prêmios com premiação instantânea, na qual o brinde é colocado no interior do produto ou dentro do respectivo envoltório, atendidas as normas prescritas pelos órgãos de saúde pública e de controle de pesos e medidas.

6.2.1 A distribuição do vale-brinde é admitida por outra forma, desde que seja assegurada ao processo dependência exclusiva do acaso.

6.3 Concurso é a modalidade de distribuição gratuita de prêmios mediante competição de previsões, cálculos, testes de inteligência, seleção de predicados ou de qualquer outra natureza, realizado em condições que garantam pluralidade de concorrentes e uniformidade nos critérios de competição. 

6.3.1 Onde quer que seja o local definido para a apuração do concurso, deve-se assegurar que o ingresso será franqueado aos concorrentes. 

6.4 Operação Assemelhada é a modalidade de distribuição gratuita de prêmios concebida a partir da combinação de fatores específicos de cada uma das demais modalidades, preservando-se as suas características básicas, como meio de habilitar os concorrentes e apurar ganhadores.

6.4.1 Operação assemelhada a sorteio é a mecânica de distribuição gratuita de prêmios que combina fatores apropriados às demais modalidades, notadamente, concurso ou vale-brinde, permanecendo obrigatoriamente o vínculo dos números atribuídos com os resultados das extrações da Loteria Federal. 

6.4.2 Operação assemelhada a vale-brinde é a mecânica de distribuição gratuita de prêmios com contemplação instantânea, porém, nem todos os elementos de participação correspondem a um brinde. 

6.4.3 Operação assemelhada a concurso é a modalidade de distribuição gratuita de prêmios baseada em um concurso, na qual, ocorre empate entre  participantes e onde se admite o desempate por meio de apuração aleatória entre os cupons impressos e acondicionados em uma única urna, recipiente ou local. 

As definições em análise, não obstante respaldadas em legislação diversa, podem ser utilizadas para a conceituação jurídica dos termos empregados na Lei n. 13.019/14. Retirando-se a gratuidade dos referidos enunciados e adaptando-os, pode-se conceituar:

i) Sorteio como a modalidade de distribuição de prêmios que se utiliza de elementos sorteáveis, distribuídos concomitante, aleatória e equitativamente, assegurado ao processo dependência  do acaso.

ii) Vale-brinde como a modalidade de distribuição de prêmios com premiação instantânea, desde que seja assegurada ao processo dependência exclusiva do acaso.

iii) Concurso como a modalidade de distribuição de prêmios mediante competição de previsões, cálculos, testes de inteligência, seleção de predicados ou de qualquer outra natureza, realizado em condições que garantam pluralidade de concorrentes e uniformidade nos critérios de competição. 

iv) Operação Assemelhada como a modalidade de distribuição de prêmios concebida a partir da combinação de fatores específicos de cada uma das demais modalidades, preservando-se as suas características básicas, como meio de habilitar os concorrentes e apurar ganhadores. 

a) Operação assemelhada a sorteio: é a mecânica de distribuição de prêmios que combina fatores apropriados às demais modalidades, notadamente, concurso ou vale-brinde.

b) Operação assemelhada a vale-brinde: é a mecânica de distribuição de prêmios com contemplação instantânea, porém, nem todos os elementos de participação correspondem a um brinde. 

c) Operação assemelhada a concurso: é a modalidade de distribuição de prêmios baseada em um concurso, na qual, ocorre empate entre participantes e onde se admite o desempate por meio de apuração aleatória entre os cupons impressos e acondicionados em uma única urna, recipiente ou local. 

Com relação aos concursos, chama a atenção os denominados concursos de prognósticos, previstos na Constituição Federal de 1988, no art. 195, III e definidos pelo art. 26, § 1º da Lei nº 8.212/91:

Art.26. Omissis.

[...]

1º - Consideram-se concurso de prognósticos todos e quaisquer concursos de sorteios de números, loterias, apostas, inclusive as realizadas em reuniões hípicas, nos âmbitos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal.

Assim, os concursos de prognósticos envolvem não somente os sorteios, e, por conseguinte, as loterias, mas também outras espécies de jogos e apostas, que não dependem de sorteio (espécie) por exemplo.

Com relação às loterias por meio de concurso de prognósticos, estas foram definidas como modalidade da Loteria Federal pela Lei nº 6.717, de 12 de novembro de 1979:

Art. 1º A Caixa Econômica Federal fica autorizada a realizar, como modalidade da Loteria Federal regida pelo Decreto-lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967, concurso de prognósticos sobre o resultado de sorteios de números, promovido em datas prefixadas, com distribuição de prêmios mediante rateio.

[...]

Art. 3º O concurso de prognósticos de que trata esta Lei será regulado em ato do Ministro de Estado da Fazenda, que disporá obrigatoriamente sobre a realização do concurso, a fixação dos prêmios, o valor unitário das apostas, bem como sobre o limite das despesas com o custeio e a manutenção do serviço. 

Os concursos de prognósticos referem-se, por óbvio, aos jogos e apostas e são uma espécie do gênero concurso, o qual possui espectro fático mais amplo, não se limitando aos jogos e apostas, por sorteio ou não, e loterias, como ocorre, por exemplo, nos concursos que envolvam tão somente as habilidades pessoais dos contendores.

Por último, com relação a expressão prêmios, descarta-se, ab initio, sua relação com qualquer objeto ou bem ilícito ou obtido de forma ilícita.

Consideram-se prêmios, para os fins almejados, as coisas fungíveis ou infungíveis, licitas e licitamente adquiridas, livres e desembaraçadas, que possam ser objeto de transferência de titularidade por razão do resultado de sorteios, concursos vale brindes e operações assemelhadas em jogos e apostas.

Sendo assim, com base nas determinações do art. 84-B, III da Lei n. 13.019/2014, às OSCs foi permitida a realização de jogos e apostas através de sorteios, vale-brindes, concursos e operações assemelhadas.

Trata-se de norma jurídica que visa regular o comportamento das OSCs, permitindo a adoção da citada conduta, provida de eficácia plena e imediata, não havendo necessidade de qualquer regulamentação.

Por isso talvez que o Decreto n. 8.726/16, que regulamenta a lei em análise, não faz nenhuma menção ao dispositivo legal em questão e, em se tratando de matéria de competência da União, não cabe aos outros entes da Federação regularem a matéria.

O regulamento federal foi silente sobre o tema, o que reforça a afirmativa de que a norma em questão prescinde de qualquer regulamentação.

Nesse diapasão, as Organizações da Sociedade Civil, sem lhes ser exigida qualquer certificação, poderão prometer ou distribuir prêmios por meio de sorteios, vale-brindes, concursos e operações assemelhadas, para a manutenção e/ou o custeio de suas atividades, nos termos acima expostos.


2. As disposições em questão são de fato inovadoras com relação ao nosso ordenamento jurídico? Caso contrário, produzem alguma antinomia?

Necessário, então, delimitar as espécies de jogos e apostas que as OSCs podem realizar com base no novo permissivo legal.

Como visto, os conceitos de sorteios, loterias e jogos de azar, embora distintos, estão interligados.

O conceito jurídico de “sorteios” possui duas acepções: i) a primeira, derivada de norma constitucional é mais ampla e engloba as loterias, os jogos de azar e similares; ii) a segunda, mais restrita, se refere à modalidade de obtenção do resultado de jogos e apostas em que prevalece a distribuição de elementos sorteáveis e escolha aleatória do ganhador.

As loterias são espécies de jogos ou apostas que dependem de sorteios. Os jogos de azar, englobam os sorteios, as loterias e outros jogos (com ou sem sorteio), que tenham a sorte como fator único ou primordial na apuração do resultado.

Com relação aos vale-brindes, concursos e operações assemelhadas, no grande universo legal pertinente aos sorteios no país, já existem os chamados sorteios filantrópicos. 

Os sorteios em referência estão previstos no art. 4º[10] da Lei n. 5.768/1971, verbis:

Art. 4º Nenhuma pessoa física ou jurídica poderá distribuir ou prometer distribuir prêmios mediante sorteios, vale-brinde, concursos ou operações assemelhadas, fora dos casos e condições previstos nesta lei, exceto quando tais operações tiverem origem em sorteios organizados por instituições declaradas de utilidade pública em virtude de lei e que se dediquem exclusivamente a atividades filantrópicas, com fim de obter recursos adicionais necessários à manutenção ou custeio de obra social a que se dedicam

A exceção prevista no dispositivo legal em tela tem como objeto a promessa ou distribuição de prêmios por meio de vale-brindes, concursos e operações assemelhadas, desde que tais operações se originem de sorteios; como destinatário instituições declaradas de utilidade pública em virtude de lei que se dediquem exclusivamente a atividades filantrópicas, e; como finalidade a obtenção de recursos adicionais necessários à manutenção ou custeio de obra social a que se dedicam.

Já a norma prevista no art. 84-B, III da Lei n. 13.019/2014 é destinada às OSCs que cumpram os requisitos do art. 84-C; tem como objeto a promessa ou distribuição de prêmios através dos sorteios, vale-brindes, concursos e operações assemelhadas, e; como finalidade a arrecadação de recursos adicionais destinados à sua manutenção ou custeio.

Decerto, tratam-se de normas jurídicas totalmente distintas em seu conteúdo, a começar pelos destinatários da norma.

Em 1972 não havia ainda sido criado e instituído o conceito de Organização da Sociedade Civil, que abrange muito mais entidades do que apenas as "instituições declaradas de utilidade pública em virtude de lei", que se "dediquem exclusivamente a atividades filantrópicas."

Há de se ressaltar, oportunamente, que o Título de Utilidade Pública Federal, fundamentado na Lei nº 91 de 1935, foi extinto com a revogação da mencionada lei pelo art. 9º, I da Lei n. 13.204/2015Não existe mais em nosso ordenamento jurídico a figura do Título de Utilidade Pública Federal, afigurando-se, porquanto, ilegal a referida exigência.

Ademais, a previsão contida no art. 84-B, III, da Lei n. 13.019/2014 se aplica independentemente de certificação, valendo a ressalva para o título de UPF e também para o demais títulos e certificados, como, por exemplo, o título de OSCIP e o Certificado de Entidade Beneficente e de Assistência Social – CEBAS.

Quanto à exclusividade na dedicação a atividades filantrópicas, entende-se por atividades filantrópicas aquelas de assistência social que não exigem do beneficiado nenhuma contraprestação, vale dizer, são totalmente gratuitas[11].

Essas entidades são legalmente reconhecidas, vale lembrar, por meio de cadastro no Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS e do CEBAS[12].

As entidades filantrópicas, embora possam se enquadrar no amplo conceito de OSC, o atual permissivo legal não se limita a tais destinatários, incluindo-se na hipótese as outras entidades (não filantrópicas) também enquadradas como OSCs.

Incontestável, nesse sentido, que os destinatários das referidas normas são completamente distintos e os respectivos objetos igualmente o são.

Na antiga lei, permitia-se a distribuição de prêmios por meio de vale-brindes, concursos e operações assemelhadas, desde que tais operações se originassem em sorteios (tiverem origem em sorteios, na redação do art. 4º da Lei n. 5.768/71).

A nova previsão não faz essa restrição. Os sorteios (espécie) não são condição necessária para a distribuição dos prêmios.

Quanto às finalidades, essas são de fato semelhantes, mas não são idênticas. Se referem à obtenção/arrecadação de recursos adicionais pelas entidades para a manutenção ou custeio: i) de obra social a que se dedicam (lei n. 5.768/71), e; ii) de suas despesas em geral (lei n. 13.019/14).

Nesse raciocínio, a regra instituída pelo art. 84-B, III, da Lei n. 13.019/14 é uma norma jurídica inovadora, com conteúdo diverso de qualquer outra norma pertinente à matéria em vigor no país.

Não se vislumbra, logo, nenhuma antinomia ocasionada pela entrada em vigor da nova norma. Aplica-se ao caso a regra insculpida no art. 2º, § 2º da LINDB, abaixo transcrita:

Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

[...]

§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

As referidas normas, distintas por natureza, integram o ordenamento jurídico em vigor, produzindo, cada qual, seus peculiares efeitos, inexistindo qualquer espécie de conflito entre as mesmas.

Ainda com relação às antinomias, muito embora a nova regra não seja conflitante com a prevista na Lei n. 5.768/71, vale ressaltar a antinomia clássica na qual se fundamenta a possiblidade da realização de loterias e jogos de azar em todo o território nacional.

Como cediço, tanto os jogos de azar como as loterias são consideradas contravenções penais pelo ordenamento em vigor. Esse enquadramento encontra palco no art. 50, art. 51 do Decreto-lei n. 3.688/41 e art. 40 do Decreto-lei n. 6.259/44, acima citados.

Com relação à exploração das loterias, tendo em vista as disposições do Decreto-lei n. 204/67, entende-se haver uma derrogação das normas do direito penal que proíbem os jogos de azar, razão pela qual a referida exploração é admitida.

Assim está disposto na norma contida no art. 1º do supracitado diploma legal:

Art. 1º A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas do Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União não suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente Decreto-lei.

Fácil vislumbrar que a exploração de loterias, segundo determina o dispositivo legal acima, é um serviço público exclusivo da União, admitida por meio da derrogação das normas do direito penal.

O STF entende que essa deve ser a interpretação aplicável ao caso, deixando claro o seu posicionamento quando do julgamento da ADI n. 2.847-2.

Outras espécies de sorteios, que não as loterias, são permitidas pelo ordenamento jurídico em vigor, desde que instituídos por lei especial destinada a tal fim, conforme preceitua o art. 51, § 3º da Lei de Contravenções Penais (§ 3º Não se compreendem na definição do parágrafo anterior os sorteios autorizados na legislação especial).

Daí porque os sorteios promocionais e filantrópicos realizados com fulcro na Lei n. 5.768/71, bem como os previstos na Lei n. 13.019/14, não repercutem na derrogação de leis penais. Não são considerados pelo ordenamento como espécie de loterias.

Nesse caso, a exploração de tais atividades não poussui natureza de serviço público, mas sim de atividade econômica.

São atividades econômicas voltadas à manutenção e o custeio das entidades referidas, legalmente autorizadas[13] pela União, único ente competente para legislar sobre a matéria.

Acerca da afirmação supra, traz-se à baila trecho do raciocínio do Exmo. Min. Eros Grau, em seu voto no julgamento da ADI n. 2.847-2 DF, abaixo transcrito:

[...]

Ela vai a esse campo da atividade econômica ilícita, que não é nem o da atividade licita, nem o do serviço público, e retira dele uma parcela dela. A lei federal poderá fazê-lo, para inserir, fazer migrar essa parcela da atividade econômica ilícita seja para o campo do serviço público, seja para o campo da atividade econômica em sentido estrito. Fez com as loterias, no Decreto n° 204, e disse que a exploração de loteria deixava de ser ilícita, passava a ser licita, consubstanciando serviço público. Mas fez de modo diverso na Lei Pelé e na Lei Zico, quando a trouxe não para o campo do serviço público, mas, sim, para o campo da "atividade econômica em sentido estrito".

Desse modo, a Lei n. 13.019/14, assim como o fez a Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé), adentra ao ordenamento jurídico sem qualquer conflito com outra norma jurídica, de natureza penal ou não, tendo em vista se tratar de legislação especial, hipótese em que se aplica o art. 51, § 3º da Lei de Contravenções Penais, sendo que as operações em questão não são consideradas espécies de loterias.


3. Existe algum ente ou órgão previamente competente a regular a distribuição ou promessa de distribuição de prêmios prevista pela Lei n. 13.019/14?

O questionamento acima é de suma importância prática, visto que se refere à necessidade de prévia autorização administrativa para que as OSCs fruam da permissão legal estabelecida pelo novo diploma legal.

No sítio eletrônico da Caixa Econômica Federal[14] consta a seguinte informação:Sorteio Filantrópico é modalidade de distribuição de prêmio, na qual é emitida série de bilhetes numerados, distribuídos concomitantemente, aleatória e equitativamente, cujos contemplados são definidos exclusivamente com base no resultado das extrações da Loteria Federal.

Conforme disposto no artigo 4º da Lei nº 5768/71 e artigo 84-B da Lei nº 13.019/14, as Organizações da Sociedade Civil, assim consideradas as entidades privadas sem fins lucrativos, as sociedades cooperativas e as organizações religiosas, podem realizar sorteio filantrópico, sendo, no entanto, imprescindível a obtenção da autorização prévia da Caixa.

O benefício tratado acima pode ser concedido a todas as entidades privadas sem fins lucrativos, sociedades cooperativas e organizações religiosas, desde que apresentem em seus objetivos sociais, pelo menos, uma das finalidades previstas no artigo 84-C da Lei nº 13.019/14.

A competência para autorização de sorteios filantrópicos por instituição beneficente é exclusiva da Caixa.

A referida empresa pública, como visto, entende que: i) os sorteios filantrópicos englobam a distribuição de prêmios pelas OSCs; ii) que, para a realização da distribuição de prêmios, as OSCs devem obter autorização prévia da CEF.

A fortiori, merece destaque a entrada em vigor da Lei n. 13.756/2018, que, dentre outras disposições, revogou os §§ 1º a 3º do art. 18-B da Lei no 9.649[15], de 27 de maio de 1998 e retirou da CEF a competência para a operacionalização, a emissão das autorizações e a fiscalização dos sorteios filantrópicos.

Essa competência, atualmente, é exclusiva do Ministério da Fazenda, conforme estipulado no art. 26 da Lei n. 13.756/2018, ora reproduzido:

Art. 26. Ressalvadas as competências do Conselho Monetário Nacional, são de responsabilidade do Ministério da Fazenda as atribuições inerentes ao poder público estabelecidas na Lei no 5.768, de 20 de dezembro de 1971.

§ 1o Em razão do disposto no caput deste artigo, ficam sob responsabilidade do Ministério da Fazenda a análise dos pedidos de autorização, a emissão das autorizações e a fiscalização das operações de que trata a Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971.

Fácil observar que o mencionado dispositivo não incluiu dentre as competências do Ministério da Fazenda a autorização para a distribuição de prêmios pelas OSCs, vez que a Lei n. 13.019/14 não é mencionada no texto legal. Isso porque, conforme exposto, as operações são distintas, fundamentadas em diferentes normas jurídicas, não sendo possível confundi-las.

Os sorteios filantrópicos, aqueles fundamentados no art. 4º da Lei n. 5.768/1971, foram originalmente previstos sob a competência do Ministério da Fazenda, nos termos do § 1º[16] do citado artigo. Posteriormente, com a entrada em vigor da Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001, essa competência foi atribuída à CEF, e, em 2018, novamente devolvida ao Ministério da Fazenda.

Com relação à distribuição de prêmios pelas OSCs, a Lei n. 13.019/14 não determinou a obrigatoriedade de obtenção de nenhuma espécie de autorização, seja a nível federal, estadual ou municipal.

Como a Lei n. 13.019/14 é uma lei com eficácia nacional, somente por lei federal é que essa obrigação pode ser imposta. Essa exigência não pode ser imposta por meio de decreto federal, lei estadual, municipal, ou outras espécies de normas infra legais, mas tão somente por lei ordinária federal.

Essa constatação é clarividente face à regência do princípio da legalidade em nosso sistema jurídico, que permite ao particular agir livremente desde que sua ação não seja contrária à lei e obriga à Administração Pública a cumprir obrigatoriamente a lei, limitando as suas ações ao que a lei lhe permite.

Noutro giro, a ausência da obrigatoriedade de autorização, e, por conseguinte, de submissão a qualquer órgão público, é medida legal compatível com as finalidades da Lei n. 13,019/2014, que visa, dentre outros objetivos, garantir meios para facilitar às OSCs a captação de recursos.

O texto do art. 84-B, III, da Lei n. 13.019/14 é notoriamente inclusivo, não se exigindo das OSCs, v.g., quaisquer certificados para que as mesmas prometam ou distribuir prêmios.

Se o legislador pretendesse de fato que a fruição desse benefício somente ocorresse frente à obtenção de autorizações, certamente teria incluído essa exigência no texto da Lei. 13.019/14.  

Não o fazendo, forçoso concluir que se trata de uma omissão intencional do legislador, o qual, abstendo-se de exigir autorizações, desburocratizou as operações a que alude a citada lei, facilitando a sua realização, e, via de consequência, captação de recursos às OSCs.

Logo, inexistindo qualquer correlação entre os sorteios filantrópicos e a promessa ou distribuição de prêmios pelas OSCs, visto que amparados em dispositivos legais diversos e não conflitantes, não se afigura legal a usurpação de competência de que se valeu a CEF ao equivaler as duas figuras.

Essa equivalência é inexistente, desprovida de fundamentação legal, sendo falsa qualquer linha de argumentação nesse sentido.

Não existindo, pois, nenhuma lei que atribua à CEF ou ao Ministério da Fazenda a competência para conceder autorização para a realização das operações a que faz referência o art. 84-B, III, da Lei n. 13.019/14, a usurpação de competência pela CEF é hialina.

Nesse aspecto, acertou a Lei n. 13.756/2018 ao não incluir as operações da Lei n. 13.019/14 entre as competências do Ministério da Fazenda, fazendo-o tão somente com relação os sorteios filantrópicos.

Ademais, deve-se insistir no fato de que essas operações são realizadas para a manutenção e custeio das OSCs, ou seja, voltam-se a atividades de interesse público, de cunho social, única hipótese em que se admite a derrogação das leis penais. (Decreto-lei n. 204/67: Art. 1º [...] Parágrafo único. A renda líquida obtida com a exploração do serviço de loteria será obrigatoriamente destinada a aplicações de caráter social e de assistência médica, empreendimentos do interesse público.) 

Essas entidades submetem-se a rigorosa escrituração fiscal e contábil, além de necessariamente terem que ser transparentes e terem de prestar contas ao Ministério Público.  

Os recursos arrecadados com as operações em voga pelas OSCs são integralmente aplicados em seus respectivos fins.

Havendo autorização legal para a realização das operações previstas na Lei n. 13.019/14, sendo obrigatória a destinação dos recursos arrecadados em finalidades de interesse público, não existe razão para a exigência de qualquer tipo de prévia autorização.

Logo, como a Lei 13.756/2018 se refere tão somente às operações da Lei n. 5.768/71, ou seja, aos sorteios filantrópicos, não há em vigor nenhuma lei que obrigue as OSCs a obterem autorização para a realização das operações do art. 84-B, III, da Lei n. 13.019/14.

Até que seja promulgada lei ordinária federal nesse sentido, as OSCs não estão obrigadas a obter, de nenhum ente ou órgão, qualquer espécie de autorização para prometer ou distribuir prêmios com base nas disposições da Lei n. 13.019/14.


4. Conclusões

Através deste estudo, foi possível deduzir que:

i) Os sorteios filantrópicos, previstos na Lei n. 5.768/71 e as operações do 84-B, III, da Lei n. 13.019/14 não se equivalem, visto que se originam de normas jurídicas distintas e não conflitantes, embora fundamentadas em mesmo dispositivo constitucional, o art. 22, XX da CR/88[17].

ii) A existência das duas normas não produz qualquer antinomia no sistema jurídico, vigorando cada qual com a produção de seus próprios efeitos;

iii) Não existe igualmente, nenhuma antinomia relacionada a normas penais, sendo a Lei n. 13.019/14 uma lei especial que trata de sorteios, dentre outras questões, aplicando-se ao caso, a regra do art. 51, § 3º da Lei de Contravenções Penais.

iv) As modalidades de que trata o art. 84-B, III, da Lei n. 13.019/14 não são consideradas loterias, por isso não são serviços públicos. São atividades econômicas cuja exploração restou autorizada legalmente às OSCs.

v) Não há lei que obrigue as OSCs a obterem autorizações para realizar as operações preceituadas no do 84-B, III, da Lei n. 13.019/14, sendo obrigatória promulgação de lei ordinária federal nesse sentido para que a exigência possa ser válida. Sua realização sem autorização de qualquer órgão da Administração Pública não pode ser considerada contravenção penal.

vi) Consequentemente, as operações do 84-B, III, da Lei n. 13.019/14, não se situam dentre as competências da CEF, Ministério da Fazenda ou qualquer outro órgão, haja vista não serem consideradas serviços públicos, não se sujeitarem a nenhum tipo de monopólio ou privilégio e não haver previsão legal que estabeleça a referida hipótese.

vii) Dentre as modalidades previstas pela Lei n. 13.019/14, estão englobadas as mais variadas espécies de sorteios (gênero), como as apostas e os jogos de azar.

Nesse sentido, entendemos que as OSCs estão legalmente autorizadas a realizarem a promessa ou distribuição de prêmios através de todas as espécies de sorteios (espécie), vale-brindes, concursos e operações assemelhadas, conforme os conceitos previamente definidos neste estudo, desde que o resultado dessas operações se destine a sua manutenção e custeio, sem que haja a necessidade de obtenção de autorização prévia de nenhum órgão público.


Notas

[1] Art. 84-C.  Os benefícios previstos no art. 84-B serão conferidos às organizações da sociedade civil que apresentem entre seus objetivos sociais pelo menos uma das seguintes finalidades:        

I - promoção da assistência social;        

II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

III - promoção da educação;       

IV - promoção da saúde;        

V - promoção da segurança alimentar e nutricional;       

VI - defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;        

VII - promoção do voluntariado;         

VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;        

IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;

X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar;         

XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;          

XII - organizações religiosas que se dediquem a atividades de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos;         

XIII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo

[2] É estritamente vedado, como determina o parágrafo único do art. 84-C, que tais entidades “participem em campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais, sob quaisquer meios ou formas”.

[3] Voto ADI n. 2.847-2 DF

[4] “Daí o nome ‘sorteio’ - que é substantivo masculino derivado do feminino ‘sorte’, a significar atividade ou acontecimento que depende da fortuna, do acaso, fado ou ação do destino” - trecho do voto do Exmo. Ministro Carlos Ayres Britto, quando do julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 2.847-2

[5] GONÇALVES, Carlo Roberto. DIREITO CIVIL BRASILEIRO. São Paulo; 6ª ed.; 2009; Saraiva; pg. 521-523;

[6] De fato, existem os sorteios, vale-brindes, concursos ou operações assemelhadas no país, que são realizados de forma gratuita, a título promocional, possuindo relevância jurídica, portanto. São regulados pela Lei n. 5.768/71; Decreto n. 70.951/72 e demais dispositivos legais.

[7] COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. Coordenação: José Joaquim Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck; São Paulo; 2013; Saraiva, 1ª ed., p. 744

[8] O art. 51 da Lei de Contravenções Penais foi revogado pelo art. 40 da Lei n. 6.259-44, conforme afirma Guilherme de Souza Nucci, em sua obra Leis penais e processuais penais comentadas; 4ª ed.; RT; pg. 211.

[9] Decreto-lei n. 6.259/44 - Art. 41. Não se compreendem na disposição do artigo anterior:

a) os sorteios realizados para simples resgate de ações ou debêntures, desde que não haja qualquer bonificação;

b) a venda de imóveis ou de artigos de comércio, mediante sorteio, na forma do respectivo regulamento, sendo defeso converter em dinheiro os prêmios sorteados ou concedê-los em proporção que desvirtue a operação de compra e venda;

c) os sorteios de apólices da dívida pública da União, dos Estados e dos Municípios, autorizados pelo Govêrno Federal;

d) os sorteios de apólices realizados pelas companhias de seguro de vida, que operem pelo sistema de prêmios fixos atuariais, desde que os respectivos regulamentos o permitam;

e) os sorteios das sociedades de capitalização, feitos exclusivamente para amortização do capital garantido;

f) os sorteios bi-anuais autorizados pelos Decretos-leis números 338, de 16 de março de 1938, e 2.870, de 13 de dezembro de 1940.

Parágrafo único. Para os sorteios de mercadorias e imóveis não se permitirá emissão de bilhetes, cupões, ou vales, ao portador, mas deverão constar do livro apropriado os nomes de todos os prestamistas, com indicação dos pagamentos feitos e por fazer.

[10] Redação da pela Lei nº 5.864, de 12.12.72

[11] SOUZA, Leandro Marins de. TRIBUTAÇÃO DO TERCEIRO SETOR NO BRAIL. São Paulo; 2004; Dialética; p. 233: [...], que diferem das entidades filantrópicas justamente por estas se dedicarem exclusivamente às atividades gratuitas de assistência social.

[12] Lei n. 12.101/2009:

Art. 18.  A certificação ou sua renovação será concedida à entidade de assistência social que presta serviços ou realiza ações sócio assistenciais, de forma gratuita, continuada e planejada, para os usuários e para quem deles necessitar, sem discriminação, observada a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

[13]  Autorização legal que não impõe nenhuma condição para a sua fruição.

[14] Acesso em 08.04.2019 - http://www.caixa.gov.br/empresa/promocoes-sorteios/sorteio-filantropico/perguntas-frequentes/Paginas/default.aspx

[15] Art. 18-B.  Ressalvadas as competências do Conselho Monetário Nacional, ficam transferidas para o Ministério da Fazenda as estabelecidas na Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, no art. 14 da Lei nº 7.291, de 19 de dezembro de 1984, e nos Decretos-Leis nos 6.259, de 10 de fevereiro de 1944, e 204, de 27 de fevereiro de 1967, atribuídas ao Ministério da Justiça.                       

§ 1º A operacionalização, a emissão das autorizações e a fiscalização das atividades de que trata a Lei nº 5.768, de 1971, ficam a cargo da Caixa Econômica Federal, salvo nos casos previstos no § 2º deste artigo. 

§ 2º Os pedidos de autorização para a prática dos atos a que se refere a Lei mencionada no § 1º deste artigo, em que a Caixa Econômica Federal ou qualquer outra instituição financeira seja parte interessada, serão analisados e decididos pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.  

§ 3º As autorizações serão concedidas a título precário e por evento promocional, que não poderá exceder o prazo de doze meses

[16] Lei n. 5.768/71 – Art. 4º. Omissis

§ 1º Compete ao Ministério da Fazenda promover a regulamentação, a fiscalização e controle, das autorizações dadas em caráter excepcional nos termos deste artigo, que ficarão basicamente sujeitas às seguintes exigências

[17] Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

XX - sistemas de consórcios e sorteios; 


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHIABAI, Paulo Sérgio Furtado. A promessa ou a distribuição de prêmios, mediante sorteios, vale-brindes, concursos ou operações assemelhadas pelas organizações da sociedade civil (OSCs). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5836, 24 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73376. Acesso em: 25 abr. 2024.