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Ensaios sobre o novo estatuto da microempresa e da empresa de pequeno porte

(Lei n.º 9.841, de 05 de outubro de 1999)

Ensaios sobre o novo estatuto da microempresa e da empresa de pequeno porte. (Lei n.º 9.841, de 05 de outubro de 1999)

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Sumário: 1-Um pouco de história; 2-Definição de Microempresa (ME) e Empresa de Pequeno Porte (EPP); 3-Enquadramento, Desenquadramento e Reenquadramento; 4-Regime Previdenciário e Trabalhista; 5-Apoio Creditício e Desenvolvimento Empresarial; 6-Sociedade de Garantia Solidária; 6.1-Contrato de Garantia Solidária; 7-Penalidades; 8-Disposições Finais; 8.1-O Protesto, quando devedora a Microempresa ou a Empresa de Pequeno Porte; 8.2-A Microempresa nos Juizados Especiais Cíveis; 9-Conclusões


1 - Um pouco de história

A partir de 1979, durante o último regime militar, o Governo Brasileiro inicia "uma política de desburocratização, não só no meio de seu antiquado, viciado e dificultoso sistema de administração pública, como também no setor privado, para agilizar os organismos econômicos e financeiros" (Requião, 1995:59).

Nos idos de 1984, visando liberar um sistema de tutela diferenciada ao microempresário, o ordenamento pátrio incorpora a Lei n.º 7.256/84 (Estatuto da Microempresa), sancionada pelo então Presidente da República João Figueiredo.

Surgida em plena tormenta de transição de regimes, a Lei cumpriu satisfatoriamente seu papel, podendo notar-se que suas sucessoras aproveitaram sua estrutura, modificando algum conteúdo. Acolhia benefícios tributários, administrativos, previdenciários, trabalhistas, creditícios e de desenvolvimento empresarial.

Eram excluídas de seu regime jurídico algumas atividades civis e comerciais, assim como as sociedades por ações (art. 3º da Lei n.º 7.256/84)(1). Estas, de forma a coibir fraudes, pois muitas atividades civis poderiam se mascarar sob a forma de S/A, para obter as graças do Estatuto(2).

Teve vigência duradoura, quase dez anos.

Durante esse período, nasce a Constituição da República de 1988, que erige a princípio geral da atividade econômica o tratamento diferenciado, favorecido e simplificado, a ser dispensado pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (arts. 170, IX e 179 da Constituição da República).

Com o advento dos blocos econômicos e a inserção do Brasil no MERCOSUL, inicia-se o debate sobre projetos de tratamento isonômico das micro, pequenas e médias empresas sulistas(3).

Em 1994, outro diploma legal - Lei n.º 8.864, de 28/03/94, Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Suas principais inovações são: a criação da EPP, de sorte a propiciar um regime de transição quando do desenquadramento da microempresa, evitando o repentino aumento dos custos de suas atividades; e a abrangência ampla das atividades civis, o que demonstra a opção legal pela teoria da empresa, em desprestígio dos atos de comércio. Não subsistem, para esse sistema, as restrições às S/A.

Através da Lei n.º 9.317/96, ganha vida o regime tributário do SIMPLES, "Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte", que enseja a possibilidade de pagamento de diversos tributos mediante único recolhimento mensal.

O Grupo Mercado Comum(4) do MERCOSUL, pela Resolução n.º 59/98, aprova o documento "Políticas de Apoio às Micro, Pequenas e Médias Empresas do MERCOSUL – Etapa II".

          Orientado pelas determinações do bloco do sul, o Brasil cria o novo Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, Lei n.º 9.841/99. E, não dando margem a conflito de normas no tempo (como ocorrido com o diploma anterior), seu art. 43 revoga expressamente as Leis n.º 7.256/84 e n.º 8.864/94 (ex-Estatutos da Microempresa).

          Vale ressaltar que a Lei n.º 9.841/99 não revoga a Lei n.º 9.317/96, que instituiu o SIMPLES. Porém, esta sofreu modificação posterior àquela, levada a efeito pelo art. 14 da MP n.º 1.990-30, de 11/04/2000, no sentido da adoção de outros valores de receita bruta anual, impeditivos da opção pelo seu sistema.(5)

O art. 42 da Lei n.º 9.841/99 incumbiu o Poder Executivo de regulamentá-la no prazo de 90 (noventa) dias, contados da data de sua publicação. Um pouco tardio, mas substancioso, o devido decreto vem expedido pelo Presidente da República em 19/05/2000 (Decreto n.º 3.474, publicado no Diário Oficial da União de 20/05/2000, p.1 e2).


2 - Definição de Microempresa(ME) e Empresa de Pequeno Porte(EPP)

O novo Estatuto elevou os valores de enquadramento do porte econômico das empresas(6). Considera-se microempresa a pessoa jurídica ou firma individual mercantil que tiver receita bruta anual igual ou inferior a R$244.000,00 (duzentos e quarenta e quatro mil reais). E, empresa de pequeno porte, aquela que tiver receita superior à mencionada, mas nunca maior que R$1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) (7).

Esses valores serão atualizados pelo Poder Executivo com base na variação acumulada pelo IGP-DI, ou por índice oficial que venha a substituí-lo (art.2º, §3º, do novo Estatuto). O grande pecado cometido pela Lei, nesse ponto, foi ter-se silenciado quanto à periodicidade dessa atualização, o que remete o tema à discricionariedade administrativa.

O diploma legal dispensa tratamento uniforme a todas as pessoas jurídicas, não distinguindo entre sociedades comerciais e civis, o que demonstra afeição à teoria da empresa. Todavia, algumas daquelas são excluídas de seu regime, se se subsumirem às hipóteses taxativas de seu art. 3º.


3 - Enquadramento, Desenquadramento e Reenquadramento

A Lei n.º 9.841/99 outorga um tratamento jurídico diferenciado e simplificado em favor de duas categorias de pessoas: microempresa e empresa de pequeno porte.

O Estatuto utiliza-se das expressões enquadramento, desenquadramento e reenquadramento para refletir a situação da pessoa perante seu regime jurídico.

Atendidos os limites de receita bruta anual por ele especificados, as pessoas jurídicas e as firmas mercantis individuais se enquadram na condição de microempresas ou de empresas de pequeno porte.

As microempresas, caso se desenquadrarem por excederem o limite de receita bruta anual para elas previsto, reenquadram-se, passando à condição de empresa de pequeno porte. Se estas se desenquadrarem, reenquadram-se, ou para a categoria de microempresas, se passam a ter receita bruta anual própria destas; ou para empresa comum, excluída do regime do Estatuto, se passam a ter receita bruta anual superior a R$1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais).

Contudo, a Lei n.º 9.841/99 eliminou o sistema de desenquadramento automático previsto no Estatuto anterior (art. 8º, §2º, Lei n.º 8.864/94). Agora, para que tenha lugar a perda da condição de ME ou EPP, em razão do excesso de receita bruta, é necessário que se verifique esse fato durante dois anos consecutivos(8) ou três anos alternados, em um período de cinco anos (art. 8º, §2º, Lei n.º 9.841/99).

Uma vez enquadradas no regime jurídico do novo diploma legal, as pessoas morais (MEs ou EPPs) não mais carecem de visto de advogado, para que seus atos e contratos constitutivos sejam admitidos a registro (art. 6.º da Lei n.º 9.841/99). Sob uma perspectiva temporal diminuta, a medida representa inegável economia ao empresariado, dispensando o desembolso de honorários de serviços advocatícios preventivos. Todavia, a longo prazo, a opção da Lei pode reverter em prejuízo às MEs e EPPs, pois a probabilidade de dispêndio com curativos, ou seja, gastos com demandas judiciais envolvendo atos e contratos que se formaram sem assessoramento jurídico, é muito maior.

O Decreto n.º 3.474/2000 faculta à pessoa jurídica ou à firma individual mercantil o registro como microempresa e empresa de pequeno porte, que será efetuado à vista de comunicação instrumentalizada especificamente para esse fim (arts.3º e 5º).

Da apreciação dos termos do Decreto, percebe-se que o registro não é constitutivo da condição de microempresa ou empresa de pequeno porte, mas meramente declaratório. Preenchidos os requisitos legais, a pessoa jurídica ou a firma individual faz jus ao tratamento diferenciado, independentemente do registro. Este é considerado, tão-somente, instrumento de prova daquela condição. (9)

Alguma doutrina poderia argumentar o caráter constitutivo do registro com base no art. 20, §2º, do Decreto n.º 3.474/2000, que estabelece que, com o seu cancelamento, a empresa se vê sem os benefícios da Lei n.º 9.841/99. Contudo, esse entendimento não pode prevalecer.

O dispositivo citado encontra-se sob o capítulo "Da Aplicação das Penalidades", o que lhe imprime um caráter de sanção. Portanto, a exclusão do regime jurídico diferenciado decorrente do cancelamento do registro é sanção aplicável aos seus transgressores. Somente as empresas infringentes da Lei podem sofrer essa penalidade. O ditame não guarda qualquer relação de pertinência com o tema da natureza do registro.


4 - Regime Previdenciário e Trabalhista

O Estatuto traz capítulo denominado "Do Regime Previdenciário e Trabalhista", em que seu primeiro artigo (art.10), notadamente, orienta o Poder Público a trilhar os caminhos da simplificação e da desburocratização dos procedimentos previdenciários e trabalhistas, quando do envolvimento de Microempresas ou Empresas de Pequeno Porte.

A disposição é salutar e, ao contrário do que parece, pode ganhar fundamental relevância, em sendo bem aplicada pela Administração Pública. O seu conteúdo libera ao Administrador a opção de instrumentalizar, infra-legalmente, a simplificação almejada. A par disso, dispensa a Lei, em seu art.11, o cumprimento de várias obrigações acessórias constantes da Consolidação das Leis do Trabalho (arts. 74, 135, §2º, 360, 429 e 628, §1º).

Prioriza o Estatuto a orientação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte pelos órgãos de fiscalização trabalhista e previdenciária.

A grande novidade desse capítulo é o estabelecimento do sistema legal de dupla visita da fiscalização trabalhista, para efeito de autuação da ME e da EPP.

Esse critério de dupla visita veda, salvo exceções expressas, a autuação em primeiro momento. A empresa fiscalizada deve ser orientada no sentido da cessação do desrespeito à legislação trabalhista. Em segunda oportunidade, somente no caso de subsistirem as afrontas à lei, deverá se proceder à respectiva autuação.

Da leitura conjunta do caput e do parágrafo único, do art. 12, da Lei n.º 9.841/99, sobressalta o caráter pedagógico(10) de que se reveste a norma. A fiscalização trabalhista não deve mais ser temida pela ME e EPP. Ao contrário, deve ela ser vista como uma aliada no trato das relações de emprego.

A fiscalização deve visitar as MEs e EPPs para instruí-las, e não para sancioná-las. Somente quando da constatação ulterior do desrespeito à orientação, terá lugar o apenamento.

A aplicação dessas disposições em sua integral dimensão trará significativo contributo às economias das empresas a elas sujeitas.


5 - Apoio Creditício e Desenvolvimento Empresarial

Nessa parte do Estatuto, o Poder Executivo ganha papel fundamental nas políticas desenvolvimentistas, principalmente no fomento creditório.

Diz a Lei que as instituições financeiras oficiais, que operam com crédito para o setor privado, manterão linhas especiais às MEs e às EPPs.

A novidade do capítulo tem lugar no apoio às atividades de exportação (art. 17). Para concessão desse apoio, a Lei remete os conceitos de ME e EPP aos parâmetros de enquadramento aprovados pelo MERCOSUL (Resolução n.º 59/98), conforme quadro que se segue:

INDÚSTRIA

TAMANHO PESSOAL OCUPADO VENDAS ANUAIS US$
De – até De - até De - até
MICRO 1-10 1-400.000
PEQUENA 11-40 400.001-3.500.000
MÉDIA 41-200 3.500.001-20.000.000

 COMÉRCIO E SERVIÇOS

TAMANHO PESSOAL OCUPADO VENDAS ANUAIS US$
De – até De - até De - até
MICRO 1-5 1-200.000
PEQUENA 6-30 200.001-1.500.000
MÉDIA 31-80 1.500.001-7.000.000

A propósito, cumpre assinalar que a classificação(11) acima é endereçada somente à norma de apoio creditório à exportação, não operando efeitos para os demais capítulos da Lei, salvaguardadas as hipóteses de penalidades (arts. 32 e 33). Vale, ainda, a lembrança de que esses valores de enquadramento vêm expressos em moeda nacional no art. 13 do Decreto nº 3.474/2000 (é esta a disposição a ser observada quando da concessão do beneficio).

Uma dúvida poderia surgir quando da aplicação da norma. Destina-se ela a implementar ajuda creditícia a toda e qualquer atividade exportadora, ou somente àquelas dirigidas aos países do MERCOSUL?

Mostra-se correto o entendimento de que esses incentivos do crédito devem ser percebidos em toda e qualquer atividade de exportação, respeitado o enquadramento como ME ou EPP, independentemente dos países destinatários.

Os parâmetros estabelecidos pelo MERCOSUL têm a tarefa de uniformizar o trato do suporte créditício às empresas, visando, em última análise, a efetiva igualdade de oportunidades dentro do bloco econômico. Não se pode pretender a liberação do regime jurídico privilegiado, a partir da observância dos destinatários da exportação, pois, neste caso, restaria ocorrida a violação ao princípio maior da isonomia, tão indesejada pelo Direito.

Quanto ao desenvolvimento empresarial, a Lei dita o direcionamento de verbas às MEs e EPPs. Dispõe, ainda, sobre vários outros privilégios, merecendo menção as facilidades de acesso aos serviços públicos de metrologia e certificação de conformidade e o tratamento diferenciado quando atuarem no mercado internacional.

O art. 24 prevê uma especial atenção às microempresas e às empresas de pequeno porte, devendo a política de compras governamentais dar-lhes prioridade, nos termos de regulamentação ulterior ( prevista no art. 42).


6 - Sociedade de Garantia Solidária

O novo Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei n.º 9.841/99), em seu art. 25 e ss., prevê a Sociedade de Garantia Solidária(12), que é pessoa jurídica de direito privado, organizada sob a forma de sociedade anônima, e que tem por objeto prover garantia a seus sócios participantes, mediante a celebração de contratos.

Com efeito, a lei distingue entre sócios participantes e sócios investidores(13). Estes efetuarão aporte de capital na sociedade exclusivamente para auferir rendimentos. Aqueles primeiros serão em número mínimo de 10 (dez), devendo ser todos Microempresas e/ou Empresas de Pequeno Porte (art. 25, parágrafo único). Somente a estes sócios participantes a sociedade poderá conceder garantias.

A distribuição das ações, na Sociedade de Garantia, sofre restrições censitárias. Os sócios investidores, em conjunto, não poderão ser titulares de ações que representem mais de 49% do capital social e, em conseqüência, os sócios participantes terão sempre a maioria acionária, não podendo, individualmente, deter mais de 10% do capital social.

Ela se sujeita, ainda, a restrições subjetivas, ora qualitativas, ora quantitativas.

Os óbices qualitativos têm lugar no art. 25, parágrafo único, inciso I, ao exigir-se que os sócios participantes sejam, somente, MEs e/ou EPPs. Costuma-se dizer que a sociedade anônima é a sociedade de capital por excelência. Não se pode deixar de observar que, ao exigir aquelas qualidades de determinada categoria de sócios, a Sociedade de Garantia Solidária, embora se revista da forma de S/A, tem sua índole capitalista mitigada. Outra disposição que autoriza esse entendimento é a "proibição de que as ações dos sócios participantes sejam oferecidas como garantia de qualquer espécie" (art. 26, III).

A restrição quantitativa encontra-se na obrigatoriedade do número mínimo de 10 (dez) sócios da categoria de participantes.

Comporta indagar-se: qual o número mínimo de sócios necessário para a constituição dessa sociedade?

A pergunta pode suscitar dúvidas, em razão do art. 25, parágrafo único, em que se estabelece que "a sociedade de garantia solidária será constituída de sócios participantes e sócios investidores" (grifou-se).

A esse respeito, apresentam-se duas respostas plausíveis. A primeira delas, e mais acertada, é no sentido de que devem concorrer, no mínimo, dez sócios, número representativo do mínimo legal de sócios participantes (MEs e/ou EPPs). Isso, em se entendendo dispositiva a norma do referido ditame legal. A própria lei, ao estabelecer que cada qual dos dez sócios participantes (mínimo legal dessa categoria) concorrerá com, no máximo, 10% do capital social, enseja a possibilidade de criação de uma sociedade com dez sócios e capital distribuído igualmente entre eles. Dispensada, destarte, na sociedade, a integração de sócio investidor.

A reunião de dez Microempresas e/ou Empresas de Pequeno Porte, para constituir uma Sociedade de Garantia Solidária, há de ser vista como o quantum satis. Elas não podem se privar da criação dessa pessoa jurídica, que lhes será tão útil ao exercício de suas atividades, em virtude da inexistência de pessoa disposta a figurar como sócia investidora.

A razão de ser dessa sociedade é, primordialmente, envidar um patrimônio idôneo a fazer frente às necessidades de garantia, que tanto embaraçam o exercício das atividades das MEs e das EPPs. Essa finalidade pode, perfeitamente, ser atingida por intermédio de sociedade de garantia solidária composta por dez pessoas enquadradas como MEs e/ou EPPs.

Lado outro, se se imprimisse imperatividade ao conteúdo do art. 25, parágrafo único, deveria haver o número mínimo de 12 (doze) sócios. Chegar-se-ia a esse resultado pela adição de dois sócios investidores ao imperativo mínimo de 10 (dez) sócios participantes. Os dois investidores justificar-se-iam por ser o menor número inteiro extraível do plural da expressão "e sócios investidores".

Sem embargo à inteligência da segunda tese, há de prevalecer aquela primeira resposta, em atenção aos sólidos argumentos anteriormente articulados.

Passa-se, agora, ao trato do nome comercial a ser atribuído às Sociedades de Garantia Solidária.

O novel diploma legal é silente quanto à matéria, devendo o intérprete recorrer à Lei das S/A. Portanto, a sociedade de garantia solidária terá denominação social acompanhada das expressões "companhia" ou "sociedade anônima", escritas por extenso ou abreviadamente, vedada a menção da primeira ao final (art.3º da Lei n.º 6.404/76).

O art. 42 do Estatuto da ME e da EPP prescreve que o Poder Executivo regulamentará a Lei no prazo de noventa dias contados da data de sua publicação. Poder-se-ia imaginar que, com essa regulamentação, viriam as diferenças específicas a se juntarem à denominação das Sociedades de Garantia Solidária, o que não é de se admitir. Nome comercial é matéria de Direito Comercial e somente o Legislativo Federal é competente para sobre ele dispor (arts. 22, I e 48, caput, da Constituição da República). Donde prevalecerão, em qualquer caso, as regras da Lei das S/A(14).

No estatuto da Sociedade de Garantia, coexistirão as matérias especialmente elencadas no art. 26 da Lei n.º 9.841/99 e todas as demais que se mostrarem com elas compatíveis, a partir da obediência às normas da Lei das S/A.

Não se pode olvidar que o art. 26, IV, traz a estrutura orgânica da Sociedade de Garantia. A Assembléia Geral será o órgão máximo da sociedade e elegerá o Conselho Fiscal e o Conselho de Administração. Este, a seu turno, indicará a Diretoria Executiva.

A Assembléia Geral da Sociedade de Garantia Solidária poderá experimentar dificuldades na tomada de suas deliberações. O antagonismo das categorias legais de seus acionistas – as MEs e/ou EPPs como sócias participantes e os sócios investidores - implica em difícil identificação do interesse social. Outro problema é o fato de os sócios participantes figurarem em pólo oposto ao da companhia nos seus contratos de garantia solidária, o que será o bastante para gerar conflitos de interesses no seio da Assembléia(15).

Deve-se, ainda, colocar outra indagação: poderia o estatuto prever ações preferenciais, sem direito de voto?

A resposta é afirmativa. A Lei n.º 9.841/99 não veda a criação dessa espécie de ações na Sociedade de Garantia Solidária e, portanto, não toca ao intérprete a possibilidade de proibi-las(16). O texto legal porta, outrossim, restrições pertinentes ao capital social, ao vedar que os sócios investidores sejam titulares, em conjunto, de ações representativas de mais de 49% do capital social. Todavia, não há confundir-se domínio de ações e controle da sociedade, principalmente num contexto de dissociação entre propriedade e gestão, como o percebido nas S/A desde o início deste século. A propósito, a previsão estatutária de ações preferenciais, sem direito de voto, em determinados episódios da vida, pode ser meio idôneo a atrair sócios investidores, que pretendam o controle da sociedade.

Ainda reportando-se às ações, é inegável a dificuldade de se manter a distribuição do capital social nos termos da Lei (os sócios participantes devem deter, no mínimo, 51% das ações), sem a adoção de formalidades. Prima facie, a única medida capaz de bem se desincumbir da tarefa é a criação de classes de ações. Portanto, independentemente da espécie (se ordinárias ou preferenciais), o estatuto social há de valer-se da previsão de classes de ações de participantes e de ações de investidores, para respeitar as proporções legais. É o resultado da soma dos atributos da classe da ação e das qualidades do titular que vai determinar os direitos do sócio.

Sobreleva esclarecer a situação do sócio participante que, desenquadrando-se, venha a ser excluído do regime da Lei n.º 9.841/99. O estatuto da sociedade deverá prever a hipótese como motivo de seu afastamento do quadro societário, ou facultar sua permanência, porém, na condição de sócio investidor. No referente ao contrato de garantia solidária firmado entre a sociedade e o sócio participante que ulteriormente vier a ser excluído, ele não será afetado, pois é ato jurídico perfeito, subsistindo sua plena eficácia.

Após essa breve exposição sobre aspectos que podem se tornar polêmicos quando da aplicação da Lei n.º 9.841/99, cumpre perquirir sobre a novidade da Sociedade de Garantia Solidária. Seria ela um tipo societário inovador no Direito Brasileiro?

Depreende-se, do exame da legislação, que a Sociedade de Garantia Solidária é um novo e especial modelo de sociedade anônima. Prevê-se sua finalidade específica: prestar garantia solidária exclusivamente a seus sócios participantes – MEs e EPPs (art. 25, caput).

Diferentemente da regra de dois sócios nas S/A, exige-se, para sua constituição, o mínimo de dez sócios (ou 12, conforme o grau de obrigatoriedade que se emprestar à norma).

A nova sociedade sofre várias ingerências normativas que não existem no regime jurídico da Lei das S/A, merecendo especial atenção aquelas relacionadas à interação entre sócios, capital, objeto e finalidade sociais.

Há diversas outras normas especiais impositivas, que a tornam uma particularíssima sociedade nova, cuja constituição a lei veio autorizar.

Essas disposições especiais que interagem de forma prevalente e, ao mesmo tempo, harmônica com a Lei das S/A, modificam o status quo e chancelam o caráter de novidade da Sociedade de Garantia Solidária.

Entretanto, não se pode deferir-lhe a compreensão de um novo tipo social, porquanto ainda ligada umbilicalmente à sociedade anônima, dependendo sua vida do tipo societário desta.

Por fim, valem duas lembranças. A primeira delas é a de que a Sociedade de Garantia Solidária rege-se por leis e usos do comércio (art. 2º, §1º, Lei n.º 6.404/76). E, a segunda, diz respeito à paradoxal impossibilidade de enquadramento da nova sociedade como ME ou EPP. Ela será excluída do regime privilegiado, seja por serem suas sócias pessoas jurídicas, seja pelo concurso de pessoa física titular de firma mercantil individual (art. 3º, Lei n.º 9.841/99).

          6.1-Contrato de Garantia Solidária

Para concessão de garantia a seus sócios participantes, a nova sociedade se vale do contrato de garantia solidária (art. 28). É um contrato típico(17) e tem natureza mercantil(18).

Por intermédio desse contrato, a sociedade concede a garantia e, em contraprestação, é remunerada (à concessão de garantia a lei imprime o caráter de serviço, o que trará repercussão para o Direito Tributário).

Com efeito, mister se faz a diferenciação entre sócio remisso e sócio participante inadimplente de obrigações contratuais. Este é o que contrata com a sociedade o serviço de concessão de garantias, sem, no entanto, pagar a correlata prestação. E, aquele é o sócio que não integraliza suas ações subscritas.

A prova do contrato pode ser realizada pelos meios admitidos no Código Comercial (art.122 e ss.). Todavia, para uma maior segurança da relação firmada entre as partes, aconselha-se a sua elaboração por escrito. Inclusive, mostra-se conveniente a presença de assinaturas das partes e de duas testemunhas, para que o contrato se revista de exeqüibilidade, nos termos do art. 585, II, do Código de Processo Civil.

Segundo disposto no art. 28, parágrafo único, da Lei n.º 9.841/99, a sociedade pode exigir contragarantia do sócio participante beneficiário. Entretanto, no mais das vezes, ela não faz frente à garantia prestada pela companhia, pois, em ostentando garantias idôneas às suas necessidades, o sócio participante não careceria do socorro do contrato.

O contrato de garantia solidária, numa especulação dentro da limitada realidade fenomenológica do instituto, pode ser visto como "parente próximo" das cartas de fiança prestadas por instituições financeiras, em que se estabelece relação jurídica assemelhada entre as partes.

A nova modalidade contratual representa uma opção para que as empresas possam se esquivar das altas taxas remuneratórias do mercado financeiro.


7 - Penalidades

          Em capítulo denominado "Das Penalidades", o novel Estatuto da ME e da EPP prevê que aquele que, não preenchendo os requisitos bastantes à liberação de seu regime jurídico e nele insistir, ficará sujeito ao cancelamento de seu registro como ME ou EPP (art. 32, I).

Independentemente da imposição dessa sanção, se houver contraído empréstimo em razão da nova lei, o seu fraudador sujeitar-se-á à aplicação automática de multa de 20% sobre o seu valor monetariamente corrigido, a ser revertida em benefício da instituição financeira mutuante (art.32, II).

Em princípio, parece que a expressão "automática" não enfrenta com êxito o exame de constitucionalidade. Para que se possa impor sanção dessa ordem, imprescindível a observância de processo, seja administrativo, seja judicial, como forma de se assegurarem os cânones da ampla defesa e do devido processo legal.

Essa expressão deve ser entendida como geradora de procedimento, em que, somente ao final, após assegurado o exercício do contraditório(19), chegar-se-á, ou não, à aplicação da penalidade.

Comporta salientar que, na Lei n.º 8.864, em seu art. 27, III, a penalidade atribuída ao mesmo fato era mais grave. A multa era de 50% sobre o valor monetariamente corrigido dos empréstimos percebidos com base naquela Lei.

O dispositivo do art. 33 não merece maiores comentários, na medida em que sua presença, no corpo legal, é de inocuidade óbvia(20). Veja-se:

          "Art.33. A falsidade de declaração prestada objetivando os benefícios desta Lei caracteriza o crime de que trata o art.299 do Código Penal, sem prejuízo de enquadramento em outras figuras penais".


8 - Disposições Finais

Compete ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior acompanhar e avaliar a implantação efetiva das normas do Estatuto (art. 41).

Dentre as disposições finais da Lei, apresentam-se como de maior expressão aquelas atinentes ao protesto de títulos e à competência dos Juizados Especiais Cíveis, consoante desenvolvimento nas próximas linhas.

          8.1-O Protesto, quando devedora a Microempresa ou a Empresa de Pequeno Porte

Para melhor compreensão das modificações do procedimento de protesto quando o devedor for ME ou EPP, convida-se à leitura de algumas disposições acerca da matéria. Confrontam-se, a seguir, normas genéricas (1ª coluna) com normas específicas (2ª coluna):

Lei n.º 9.492/97

Art. 37. Pelos atos que praticarem em decorrência desta Lei, os Tabeliães de Protesto perceberão, diretamente das partes, a título de remuneração, os emolumentos fixados na forma da lei estadual e de seus decretos regulamentadores, salvo quando o serviço for estatizado.

§1º Poderá ser exigido depósito prévio dos emolumentos e demais despesas devidas, caso em que, igual importância deverá ser reembolsada ao apresentante por ocasião da prestação de contas, quando ressarcidas pelo devedor ao Tabelionato. (...)

------------------------------

Art.26. O cancelamento do registro do protesto será solicitado diretamente no Tabelionato de Protesto de Títulos, por qualquer interessado, mediante apresentação do documento protestado, cuja cópia ficará arquivada.

§1º Na impossibilidade de apresentação do original do título ou documento de dívida protestado, será exigida a declaração de anuência, com identificação e firma reconhecida, daquele que figurou no registro do protesto como credor, originário ou por endosso translativo. (...)

---------------------------------

Art.19. (...)

§3º Quando for adotado sistema de recebimento do pagamento por meio de cheque, ainda que de emissão de estabelecimento bancário, a quitação dada pelo Tabelionato fica condicionada à efetiva liquidação.

(...)

Lei n.º 9.841/99

Art.39.O protesto de título, quando o devedor for microempresário ou empresa de pequeno porte, é sujeito às seguintes normas:

I – os emolumentos devidos ao tabelião de protesto não excederão um por cento do valor do título, observado o limite máximo de R$20,00 (vinte reais), incluídos neste limite as despesas de apresentação, protesto, intimação, certidão e quaisquer outras relativas à execução dos serviços;

II – para o pagamento do título em cartório, não poderá ser exigido cheque de emissão de estabelecimento bancário, mas, feito o pagamento por meio de cheque, de emissão de estabelecimento bancário ou não, a quitação dada pelo tabelionato de protesto será condicionada à efetiva liquidação do cheque;

III – o cancelamento do registro do protesto, fundado no pagamento do título, será feito independentemente de declaração de anuência do credor, salvo no caso de impossibilidade de apresentação do original protestado;

IV – para os fins do disposto no caput e nos incisos I, II e III, caberá ao devedor provar sua qualidade de microempresa ou empresa de pequeno porte perante o tabelionato de protestos de títulos, mediante documento expedido pela Junta Comercial ou pelo Registro Civil das Pessoas Jurídicas, conforme o caso.

          Primeiramente, há de se balizar o campo normativo do art. 39, caput, do novo Estatuto. Em lugar da expressão "devedor", leia-se "devedor principal". O protesto do título é tirado contra este e, assim, somente quando for principal devedora ME ou EPP e dessa qualidade fizer-se prova, o procedimento seguirá as especificidades trazidas pelo dispositivo.

O teto dos emolumentos depende, nos termos da Lei, de prova do enquadramento como ME ou EPP, a ser realizada pelo devedor na oportunidade do pagamento. E, como fica a situação do credor que sabe ser seu devedor ME ou EPP? Deveria ele antecipar(21) as despesas em conformidade com o teto ou esse limite não lhe aproveita?

Deve-se pugnar pela aplicação constante do teto quando se sabe ser a devedora ME ou EPP. A própria Lei n.º 9.492/97, que contém as normas genéricas relativas ao protesto de títulos, ao permitir, no art. 37, §1º, que o Tabelião possa exigir "depósito prévio dos emolumentos e demais despesas devidas", acrescenta: "caso em que, igual importância deverá ser reembolsada ao apresentante do título por ocasião da prestação de contas, quando ressarcidas pelo devedor ao Tabelionato" (grifou-se). E mais: é evidente que o Tabelião não pode exigir, a título de depósito prévio, importância superior àquela que a Lei n.º 9.841/99 estabelece como limite máximo para cobrir todas e quaisquer despesas inerentes ao serviço a realizar – R$20,00 (art. 39, I).

O art. 39, inciso II, do Estatuto veda a exigência de pagamento mediante cheque de emissão de estabelecimento bancário (também conhecido por cheque administrativo), quando devedora a ME ou a EPP. E, assim como faz a Lei n.º 9.492/97 (art. 19, §3º), prevê que, "feito o pagamento por meio de cheque, de emissão de estabelecimento bancário ou não, a quitação dada pelo Tabelionato de protesto será condicionada à efetiva liquidação do cheque" (art. 39, II).

Nada obstante a patente intenção legal de que se admita o pagamento por intermédio de cheque do devedor, a realidade aponta noutro sentido. É praxe corrente nos Tabelionatos a exigência de cheque administrativo ou dinheiro. Assim, é triste a conclusão, mas, ao que se apresenta, só restará às MEs ou EPPs devedoras a opção pelo pagamento em espécie, quando não preferirem o cheque de emissão de estabelecimento bancário, pois os cheques de sua emissão podem ser recusados.

Com a especial sistemática, a ME ou EPP pode requerer o cancelamento do protesto, fundado no pagamento do título, independentemente de anuência do credor, salvo no caso de impossibilidade de apresentação do original do documento protestado.

          O Estatuto, em seu art. 40, dá nova redação aos arts. 29 e 31 da Lei n.º 9.492/97. São disposições relativas ao fornecimento, a determinadas entidades, de relação dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados. As modificações imprimidas não são substanciais a ponto de se poder afirmar que a Lei pretenda preservar, senão timidamente, a imagem das empresas que têm títulos protestados.

          8.2-A Microempresa nos Juizados Especiais Cíveis

          A inovação do art. 38 da Lei n.º 9.841/99 limita-se à possibilidade de os Juizados Especiais Cíveis conhecerem de relação processual que tenha por autora pessoa jurídica microempresária. No referente à propositura de ações por firma individual microempresária, o referido dispositivo não é inovador, porquanto aqueles órgãos já tinham competência para conhecê-las na sistemática única da Lei n.º 9.099/95; a firma mercantil individual microempresária é signo indicativo da própria pessoa natural no exercício da mercancia em caráter de profissionalidade.

A exclusão dos "cessionários de direitos de pessoas jurídicas", prevista ao final do citado dispositivo, é repetição de texto preexistente na Lei n.º 9.099/95. A previsão "justifica-se como antecipação para coibir as possíveis fraudes que sucederiam na prática" (Figueira Júnior e Ribeiro Lopes, 1997:168).

A lei é de clareza singular. Equipara as pessoas jurídicas microempresárias às pessoas físicas capazes, para a finalidade de submeterem seus litígios ao conhecimento dos Juizados Especiais Cíveis, aplicando-lhes a previsão do art. 8º, §1º, da Lei n.º 9.099/95.

Esse ditame encontra-se sob a Seção II, do Capítulo II, da Lei dos Juizados, e é referente às "partes", o que tem levado alguma doutrina, atenta à interpretação sistemática, a dizer que seria uma "legitimação para o processo" ou "capacidade processual". Logo, para esse setor da doutrina, o art. 38 do Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte estabeleceria a legitimatio ad processum da Microempresa perante os Juizados.

Esse entendimento, contudo, acaba por deturpar o conceito de capacidade processual, para nele inserir aquilo que não se conseguiu explicar. Pode-se afirmar, grosso modo, que a capacidade processual(22) confunde-se com a própria capacidade civil. Ela é genérica, não podendo ser aferível perante cada procedimento em particular. E, seguindo-se essa ordem racional, não há como afirmar-se a incapacidade processual da pessoa jurídica microempresária (que é genérica) sob os auspícios da sistemática singular da Lei n.º 9.099/95 e, tampouco, dizer-se do seu surgimento somente com o novo diploma legal.

Para dar prosseguimento à explanação, mister se faz a lembrança de que a Lei dos Juizados Especiais Cíveis regula um procedimento, mas, a par disso e principalmente, cria um novo órgão jurisdicional, com competência própria.

Em verdade, quando a lei criadora de um órgão toma em conta as qualidades das pessoas, para estabelecer quem pode e quem não pode a ele se apresentar, ela está balizando as suas atribuições. Sob outro prisma: quando a lei diz se determinado órgão do Estado-Juiz pode, ou não, conhecer de relações processuais envolvendo determinadas pessoas, ela está ditando normas de competência(23).

Portanto, em atenção à teoria geral do processo, o art. 38 da Lei n.º 9.841/99 é norma de expansão da competência dos Juizados, em razão da pessoa moral microempresária (obs: a repercussão jurídica de um ou outro entendimento é idêntica).

Vale esclarecer que a fixação da competência do Juizado Especial Cível não se dá somente em atenção às pessoas, devendo ser observados, também, o território e a matéria (sobremaneira o valor da causa).

Embora seja patente a auto-aplicabilidade do art. 38 do Estatuto da ME e da EPP, alguns Juizados têm lhe negado vigência, rejeitando sua competência para conhecer de ações propostas por Microempresas, ao fundamento de carência de regulamentação pelo Poder Executivo, consoante disposto no art. 42 do Estatuto da ME e da EPP.

Tal entendimento não resiste à mais perfunctória das argumentações.

Realmente, o Estatuto da ME e da EPP necessita de regulamentação, mas ela não se refere a seu inteiro teor. Em seu corpo, há dispositivos que contêm, em si mesmos, toda sua extensão e compreensão, prescindindo, dessarte, de complemento ulterior. E, bom exemplo dessas disposições é aquela que confere às Microempresas a prerrogativa de ajuizar ações perante os Juizados Especiais Cíveis.

A propósito, a fragilidade do argumento de necessidade de intervenção do Poder Executivo, para que a norma ganhe eficácia, situa-se no fato de que, quando o art. 42 do Estatuto defere ao Executivo mero poder regulamentar, o mesmo não pode, no exercício desse poder, exorbitá-lo, legislando sobre matéria de direito processual. E, a possibilidade de os Juizados Especiais Cíveis solucionarem lides deduzidas por microempresas está prevista em lei emanada do Poder Legislativo competente (arts. 22, I e 48 da Constituição da República), o que se apresenta como instrumento suficiente à percepção do fenômeno no mundo da realidade(24).

A rejeição sumária dessas ações nos Juizados Especiais Cíveis revela a imperdoável omissão jurisdicional, que contraria direitos e garantias previstos na Carta Política. Aliás, retira a esperança de aplicação eficaz de aparato legal criado justamente para sanar o gravoso e moroso socorro aos Juízos Comuns.

A única explicação racional para essa negativa de competência é o receio de se sobrecarregarem excessivamente os Juizados, em virtude de uma provável "síndrome da litigiosidade reprimida", que poderia avassalar o ânimo das Microempresas.


9 - Conclusões

Não obstante a existência de algumas obscuridades, a Lei é boa. Amplia o espectro das MEs e EPPs, elevando seus valores de enquadramento, o que reflete timidamente os sopros do MERCOSUL.

Repete-se a adoção da teoria da empresa, dispensando tratamento idêntico a atividades civis e mercantis, no que andou bem a escolha legislativa.

As modificações introduzidas no regime previdenciário e trabalhista são substanciais, no afã de redução de despesas das empresas de micro e pequeno porte econômico, bem como para atribuir-se caráter pedagógico à fiscalização trabalhista.

A principal novidade do capítulo do apoio creditício é, através do estímulo às exportações, a condução da ME e da EPP ao cenário do mercado regional e internacional.

Cria-se uma particularíssima sociedade anônima, que tem por finalidade específica prestar garantias a seus sócios. Na prática, prima facie, parece condenada ao insucesso, eis que enfrentará dificuldades para atrair investidores. O aporte de capital nessa sociedade importa em riscos extremos, se comparados aos de outras opções de investimento (inclusive, a Lei determina, em seu art. 27, III, a criação de um fundo de risco).

As penalidades trazidas no corpo legal são repetição do Estatuto revogado, com algumas modificações orientadas para o abrandamento do rigor.

          São significativas as alterações no procedimento do protesto tirado contra devedor ME ou EPP. E, não há como esquecer-se da nova competência dos Juizados Especiais Cíveis, para o conhecimento de ações propostas por Microempresas.

Vale a lembrança de que "o tratamento jurídico simplificado e favorecido, estabelecido nesta Lei, visa facilitar a constituição e o funcionamento da microempresa e empresa de pequeno porte, de modo a assegurar o fortalecimento de sua participação no processo de desenvolvimento econômico e social" (art. 1º, parágrafo único, Lei n.º 9.841/99).

Por fim, somente a vinda do tempo poderá dizer da efetiva aplicação da Lei.


NOTAS

  1. "Art.3.º Não se inclui no regime desta Lei a empresa: I-constituída sob a forma de sociedade por ações; II-em que o titular ou sócio seja pessoa jurídica ou, ainda, pessoa física domiciliada no exterior; III-que participe de capital de outra pessoa jurídica ressalvados os investimentos provenientes de incentivos fiscais efetuados antes da vigência desta Lei; IV-cujo titular ou sócio participe, com mais de 5% (cinco por cento), do capital de outra empresa, desde que a receita bruta anual global das empresas interligadas ultrapasse o limite fixado no artigo anterior; V-que realize operações relativas a: a)importação de produtos estrangeiros, salvo se estiver situada em área da Zona Franca de Manaus ou da Amazônia Ocidental, a que se referem os Decretos-Leis ns. 288, de 28 de fevereiro de 1967, e 356, de 15 de agosto de 1968; b)compra e venda, loteamento, incorporação, locação e administração de imóveis; c)armazenamento e depósito de produtos de terceiros; d)câmbio, seguro e distribuição de títulos e valores mobiliários; e)publicidade e propaganda, excluídos os veículos de comunicação. VI-que preste serviços profissionais de médico, engenheiro, advogado, dentista, veterinário, economista, despachante e outros serviços que se lhes possam assemelhar. (...)" (Lei. n.º 7.256/84).
  2. Alguma doutrina, comentando o Estatuto de 1984, afirma que as sociedades por ações não ingressaram em seu sistema, em razão de serem instrumento de concentração de capital, não podendo reconhecer-lhes a qualidade de microempresa (Batalha,1989:66).
  3. A Resolução n.º 90/93 do GMC/MERCOSUL, que trata da "política de apoyo a las micro pequeñas y medianas empresas", em seu art 2º, resolve: "El SGT n.º 7 deberá formular al GMC en forma gradual recomendaciones referidas a formas de organización y proyectos de ejecución de las Políticas de Apoyo".
  4. O Grupo Mercado Comum (GMC) é o órgão de execução do MERCOSUL, conforme dispõe o art. 13 do Tratado de Assunção.
  5. Com a alteração introduzida pela MP 1.990-30, de 11/04/2000, o art. 9º da Lei do SIMPLES passou a vigorar com a seguinte redação: "Art. 9.º Não poderá optar pelo SIMPLES, a pessoa jurídica: I-na condição de microempresa, que tenha auferido, no ano-calendário imediatamente anterior, receita bruta superior a R$120.000,00 (cento e vinte mil reais); II-na condição de empresa de pequeno porte, que tenha auferido, no ano calendário imediatamente anterior, receita bruta superior a R$1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais) ...". Para efeito do SIMPLES, a medida provisória fez subsistir o parâmetro definidor de Microempresa, contido no Estatuto revogado.
  6. "É bastante controvertido o problema de se determinar a dimensão de uma empresa, porquanto insatisfatórios os critérios geralmente adotados. ROMEUF afirma que não se pode estimá-la a não ser em relação ao volume de negócios ou ao rendimento das outras empresas do mesmo ramo (...)" (Castro, 1989:69).
  7. Nos termos da Lei n.º 8864/94: "art. 2º. Para efeitos desta Lei, consideram-se: I-microempresa, a pessoa jurídica e a firma individual que tiverem receita bruta anual igual ou inferior ao valor nominal de 250 (duzentos e cinqüenta) mil Unidades Fiscais de Referência – UFIR, ou qualquer outro indicador de atualização monetária que venha a substituí-la; II-empresa de pequeno porte, a pessoa jurídica e a firma individual que, não enquadradas como microempresas, tiverem receita bruta anual igual ou inferior a 700 (setecentas) mil Unidades Fiscais de Referência – UFIR, ou qualquer outro indicador de atualização monetária que venha a substituí-la."
  8. A medida constitui a chamada cláusula evolutiva, constante da Resolução n.º 59/98 do GMC/MERCOSUL. Veja-se seu teor: "Deixarão de pertencer à condição de MPMES, somente se durante dois anos consecutivos superarem os parâmetros estabelecidos. Esta cláusula tem por objeto não desestimular o crescimento diante da eventualidade de superar os parâmetros quantitativos que caracterizam o estrato MPMES".
  9. Segundo o Dec. n.º 3.474/2000, "Art. 4º A comprovação da condição de microempresa ou empresa de pequeno porte poderá ser efetuada mediante: I-apresentação de original ou cópia autenticada da comunicação registrada, de que trata o art. 5º deste Decreto, ou de certidão em que conste a condição de microempresa ou empresa de pequeno porte, expedida pelo órgão de registro competente; II-acesso, pelo próprio órgão concedente do benefício, à informação do órgão de registro sobre a condição de microempresa ou empresa de pequeno porte. Parágrafo único. Os órgãos e as entidades interessados no acesso e às informações, a que se refere o inciso II, poderão celebrar com os órgão de registro para esta finalidade."
  10. A Resolução n.º 59/98 do GMC/MERCOSUL diz que as legislações dos países do bloco econômico deverão "estimular as empresas a gerenciar sua política de recursos humanos para a geração de empregos com boas condições gerais de trabalho, segundo um ponto de vista ambiental, de saúde e segurança no trabalho e qualidade de vida do trabalhador".
  11. "Para os parâmetros de definição se aplicam dois critérios: pessoal empregado e nível de faturamento. Para os fins da classificação prevalecerá o nível de faturamento, o número de pessoas ocupadas será adotado como referência" (Resolução n.º 59/98 do GMC/MERCOSUL). Se se admitisse a necessidade da verificação cumulativa dos dois critérios, haveria um estímulo ao incremento da economia informal, pois as empresas de exportação não regularizariam as relações com seus empregados, para garantir a sua inclusão no regime de apoio creditício. A orientação do GMC consubstanciou-se no art. 13 do Dec. n.º 3.474/2000.
  12. Em pesquisa realizada na JUCEMG, constata-se que, até a presente data (abril/2000), não há notícia de constituição de nenhuma Sociedade de Garantia Solidária.
  13. A expressão sócios investidores já era conhecida pela doutrina, sendo dispensada àqueles acionistas que "identificam na ação da companhia uma boa oportunidade para empregar o dinheiro que possuem" (Coelho, 1999:271). Ao que parece, carreou-se ao texto legal o conceito doutrinário.
  14. O Decreto n.º 3.474/2000, que regulamenta o Estatuto da Microempresa não se refere, em nenhum de seus dispositivos, à sociedade de garantia solidária.
  15. "Leães entende que o interesse conflitante deverá ser apurado em cada caso concreto, conforme as circunstâncias, afastando um critério puramente formal, ou apriorístico" (França, 1993:92).
  16. "As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos e considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito Comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente" (Maximiliano, 1997:227).
  17. "A expressão contratos típicos designa os contratos esquematizados na lei, com denominação própria, formando espécies definidas"(Gomes, 1998:81).
  18. "uma diferença que se pode estabelecer entre contratos civis e comerciais é que estes serão sempre os praticados pelos comerciantes no exercício de sua profissão, enquanto aqueles são os que qualquer pessoa capaz poderá praticar" (Martins, 1999:62).
  19. A doutrina pátria não é unívoca quanto ao campo normativo dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Daí a menção aos três, pois todos eles devem se verificar no desenvolvimento do processo.
  20. O conteúdo do art. 33 da Lei n.º 9.841/99 é idêntico ao do art. 28 da Lei n.º 8.864/94 e ao do art. 27 da Lei n.º 7.256/84.
  21. "De forma facultativa, tem-se que o Tabelião de Protestos poderá exigir depósito prévio dos emolumentos e demais despesas devidas. Tais despesas serão ressarcidas ao apresentante na hipótese de pagamento do débito em Cartório, por parte do devedor que atenda à intimação" (Parizatto, 1999:91).
  22. "A capacidade para estar em juízo corresponde, no direito civil, à capacidade de exercício (de exercer, por si, o seu direito). Aquele que possui capacidade civil plena pode exercer, por si mesmo, o seu próprio direito." (Alvim, 1997:156).
  23. "Das pessoas em litígio, ou seja, das partes, considera a lei ao traçar as regras de competência: a)a sua qualidade (v.g., competência originária do Supremo para processar o Presidente da República nos crimes comuns; competência da Justiça Federal para os processos em que for parte a União); e b)a sua sede (esp., domicílio do réu para fins de competência civil" (Cintra, Grinover e Dinamarco, 1995:233).
  24. O Decreto n.º 3.474/2000, que regulamenta o novo Estatuto da Microempresa, não menciona nada a respeito da nova competência dos Juizados Especiais, o que ratifica o entendimento aqui manifestado.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FÉRES, Marcelo Andrade. Ensaios sobre o novo estatuto da microempresa e da empresa de pequeno porte. (Lei n.º 9.841, de 05 de outubro de 1999). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/752. Acesso em: 25 abr. 2024.