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O direito do consumidor à substituição do produto (com ou sem vício)

O direito do consumidor à substituição do produto (com ou sem vício)

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I – O direito do consumidor em caso de vício do produto

O art. 2º, caput, da Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990, qualifica de consumidor "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". Assim, pode o adquirente do produto doá-lo a terceiro, sendo aquele considerado consumidor-original e este consumidor-beneficiário, como o patrão que recebe um relógio dos empregados no dia de seu aniversário [01].

Os artigos 18 e 19 da referida lei consideram inadmissíveis os vícios que tornam o produto impróprio ou inadequado ao consumo a que se destina ou lhe diminuem o valor, assim como aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes de recipiente, embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza. Vício é todo defeito (oculto ou aparente) que frustra as expectativas geradas no consumidor pelo fornecedor ou pelo senso comum.

Em caso de vício do produto, é possível afirmar que:

podem exigir a reparação devida, estando então legitimados concorrentemente, tanto o adquirente, ou seja aquele que comprou o produto, como aquele que embora não o tenha comprado o estivesse usando como destinatário final, exceto se em função de outra relação de consumo, quando então o primeiro adquirente não seria consumidor [02].

A teor do art. 18 do CODECON, se o produto apresenta algum vício de qualidade, o consumidor-original tem o direito de exigir dos fornecedores (que respondem solidariamente) a substituição das partes viciadas, ou mesmo uma das três alternativas abaixo:

I - a substituição da coisa por outra da mesma espécie e em perfeitas condições de uso;

II - a rescisão contratual e conseqüente restituição imediata da quantia paga, com juros e correção monetária, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

O consumidor-beneficiário também tem direito à substituição das partes viciadas, ou mesmo à substituição da coisa por outra da mesma espécie e em perfeitas condições de uso. Não tem, contudo, direito de exigir do fornecedor a rescisão contratual e conseqüente restituição da quantia paga, ou mesmo o abatimento proporcional do preço, porque não contratou com ele.

Em termos simétricos, o art. 19 do CODECON estabelece que, nas hipóteses de vício de quantidade do produto, o consumidor-original tem direito de exigir dos fornecedores uma das quatro alternativas abaixo:

I - o abatimento proporcional do preço;

II - a complementação do peso ou da medida;

III - a substituição da coisa por outra da mesma espécie, marca ou modelo, e sem vício;

IV - a rescisão contratual e conseqüente restituição imediata da quantia paga, com juros e correção monetária, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.

Também aqui, o consumidor-beneficiário tem direito à substituição da coisa por outra da mesma espécie, marca ou modelo, e sem vício, ou à complementação do peso ou da medida. Não tem, obviamente, direito de exigir do fornecedor a rescisão contratual e conseqüente restituição da quantia paga, ou mesmo o abatimento proporcional do preço, porque não houve contrato entre os dois.


II – O costume como fonte de direito do consumidor

Costume é uma prática uniforme e coletiva, que se caracteriza como fonte de direito quando apresenta dois elementos: um externo, objetivo, de natureza material, que é o comportamento constante e por longo período de tempo (inveterata consuetudo); outro interno, subjetivo, de natureza psicológica, que é o reconhecimento geral de sua obrigatoriedade, decorrente de um instintivo interesse social (opinio júris necessitatis) [03].

O costume é fonte subsidiária ou secundária do Direito, cabendo à lei servir-lhe como fonte principal [04]. O costume contra legem é rechaçado pelo Direito Positivo, posto que ilegal, ao contrário do praeter legem, que está ao lado da lei e é utilizado para suprir-lhe as lacunas, perdendo sua força impositiva (vigência) pelo desuso. O art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil deixa bastante claro ao estatuir que, se "a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito" (sem grifo no original).

Além do Decreto-Lei nº 4657, de 04 de setembro de 1942, deve ser igualmente lembrado o art. 7º do Código de Defesa do Consumidor, onde são elencados como fontes dos direitos dos consumidores, até por uma questão de bom senso, e à luz da própria Lei de Introdução ao Código Civil, os princípios gerais do Direito, a analogia, os costumes e a eqüidade [05].

Questão afeta ao Direito Processual diz respeito à prova do costume. Miguel Reale [06] tece o panorama:

Uma determinada corrente sustenta que também o Direito costumeiro deve presumir-se conhecido. Há um brocardo romano que diz: Jura novit curia, o que quer dizer que o foro, os juízes e tribunais presumem-se conhecedores do Direito. (...)

Uma teoria contraposta declara que o Direito costumeiro deve sempre vir acompanhado de prova, enquanto que, segundo uma solução intermédia, que me parece a melhor, a prova do Direito costumeiro deverá ser feita em havendo contestação da parte ou determinação ex officio do juiz.

No mesmo sentido desta opinião vem Maria Helena Diniz [07], para quem o magistrado pode aplicar o costume

se for notório ou de seu conhecimento, invocando-o, quando admitido, como qualquer norma jurídica, mas, se o desconhece, lícito lhe é exigir, de quem o alega, que o prove e de qualquer modo; à parte interessada é permitido, sem aguardar a exigência do juiz ou a contestação do adversário, produzir essa prova, por todos os meios permitidos em direito.

A questão encontra tratamento legal no art. 337 do CPC: "A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz" (sem grifo no original).


III – O direito do consumidor à substituição de produto sem vício

Voltando mais uma vez ao exemplo relatado acima, do patrão que recebe um relógio dos empregados no dia de seu aniversário, se ele já tiver um relógio idêntico ou se o presente ficou muito grande em seu punho, a lei não disciplina a matéria. O entendimento pacífico é no sentido de que não há para o consumidor (original ou beneficiário) o direito à substituição do produto, salvo se houver um vício (artigos 18 e 19 do CODECON) [08] ou uma cláusula contratual que expressamente preveja esta substituição (devido ao princípio da liberdade contratual e ao princípio da autonomia da vontade, as partes podem conferir ao consumidor um direito não expresso em lei).

Este posicionamento jurídico, contudo, precisa ser reconsiderado na medida em que se observa um costume praeter legem.

Hodiernamente, muitos comerciantes têm aceitado efetuar a substituição de produto sem vício, mesmo sem cláusula contratual expressa verbalmente ou por escrito, principalmente em se tratando de vestuário. Na prática, basta o consumidor (original ou beneficiário) comparecer à loja e requisitar a troca, o que é atendido como estratégia de marketing [09].

Esta praxe ocorre em muitas localidades deste país, seja em centros urbanos ou rurais, em pequenas lojas ou shopping centeres, em períodos festivos ou não. Se esta questão é levada ao Poder Judiciário, cabe ao juiz observar a sociedade local (mediante sua própria experiência ou pela produção de provas) para declarar a existência do costume e, conseqüentemente, do direito à substituição do produto sem vício.

Conclui-se, portanto, que não há para o consumidor o direito de exigir do comerciante a substituição do produto, salvo se houver um vício (artigos 18 e 19 do CDC), uma cláusula contratual que expressamente preveja esta substituição, ou um costume local de se admitir a substituição do produto sem vício (art. 4º da LICC e art. 7º do CDC).

Mas se é verdade que em muitas localidades deste país observa-se o mencionado costume criador de direito subjetivo, também é certo que, mesmo nestes locais, é lícito às partes convencionarem cláusula que veda este direito do consumidor. Afinal, somente as regras e princípios esculpidos no CODECON são considerados inderrogáveis pela vontade dos contratantes, por força de seu art. 1º (o mesmo não se refere aos costumes, que podem ser contrariados desde que o consumidor seja informado de maneira prévia e clara, conforme o art. 46 do CDC).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. v. I. 11ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1956.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

FADEL, Marcelo Costa. Breves comentários ao Código de Auto-regulamentação Publicitária do Conar. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, nº 50, p. 153, abr./jun., 2004.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.

LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito. 31ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996

LUZ, Aramy Dornelles da. Código do Consumidor Anotado. 1ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. I. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.


NOTAS

01 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 601.

02 ALVIM, Arruda et al. Código do Consumidor Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p.13.

03 LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito. 31ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996, p. 52.

04 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. v. I. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 45-47.

05 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 138.

06 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 159.

07 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 122.

08 Nos Tribunais, observa-se a seguinte abordagem: "só os vícios que tornem impróprio ou inadequado o produto é que autorizam a devolução" - AC nº 2005.001.27653, 5ª Câmara Cível – TJRJ, rel. Des. Paulo Gustavo Horta, j. 06.09.05 (DJRJ 12.09.05).

09 "Dá-se o nome de marketing ao conjunto de práticas impessoais destinadas a atrair e cativar pessoas, dentre as quais podemos destacar o design de produtos e de suas embalagens, a fixação de preços promocionais, a distribuição de amostra grátis, a venda em domicílio, a pesquisa de mercado, a obtenção de Certificado Internacional ISO, a publicidade e a propaganda." FADEL, Marcelo Costa. Breves comentários ao Código de Auto-regulamentação Publicitária do Conar. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, nº 50, p. 153, abr./jun., 2004.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FADEL, Marcelo Costa. O direito do consumidor à substituição do produto (com ou sem vício). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 930, 19 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7845. Acesso em: 25 abr. 2024.