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A dilapidação dos ídolos

crimes culturalmente motivados e destruição de templos afro-religiosos à luz de uma hermenêutica interdisciplinar e pós-positivista

A dilapidação dos ídolos: crimes culturalmente motivados e destruição de templos afro-religiosos à luz de uma hermenêutica interdisciplinar e pós-positivista

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Reflexões sobre uma categoria especial de crimes culturalmente motivados, à luz da corrente de pensamento pós-positivista, tendo por plano de fundo o caso do fenômeno da destruição de templos afro-religiosos no Rio de Janeiro.

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

As Ciências Humanas constituem-se em domínio do conhecimento dotado de profundo significado para a compreensão da trajetória de diversas civilizações, forjadas desde a Antiguidade, sob as mais variadas óticas. A maioria das ciências que compõem este gênero são fruto do século XIX, com o movimento intelectual do cientificismo e positivismo, inicialmente filosófico mas que atravessou diversas províncias do conhecimento, tais como a Ciência da História, a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Jurídica, esta última da qual o Direito Penal é derivado. Sua importância a partir do século XIX auxiliou decisivamente na compreensão dos diversos fenômenos socioculturais tanto sob a perspectiva microcósmica quanto sob a ótica macrocósmica.

Especialmente quanto à Ciência da História, a escola de pensamento positivista a influenciou sobremaneira ao longo do século XIX, com os estudos iniciais do historiador Leopold von Ranke (1795-1886) e sua concepção de “História Científica”, dissociada de juízos de valor próprios do pesquisador, almejando a conquista de uma narrativa histórica universal, desde as mais priscas eras até a atualidade, com base na sequência de eventos que marcaram cada período histórico. Esta suposta neutralidade científica seria uma relevante marca da escola historiográfica desenvolvida por Leopold von Ranke, cujas controvérsias já iniciariam no século XIX com a escola marxista de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), diante de seu conceito de materialismo histórico dialético.

Contudo, em especial a partir do século XX, a tese da neutralidade científica, uma das bases do positivismo enquanto categoria epistemológica, tornou-se objeto de profunda controvérsia entre os teóricos do período, especialmente a partir da publicação do periódico francês Annales d'Histoire Économique et Sociale, que se tornou importante plataforma de formulação de novas teses e escolas historiográficas, como a chamada “Escola dos Annales” e a “Nova História”, associada ao movimento de História Culural a partir de meados do século XX, em especial após a década de 1970. Nestes novos aportes teóricos para a Ciência da História, o ideário de separação do sujeito cognoscente do objeto cognoscível, uma das bases teóricas do positivismo, é profundamente questionado, ensejando uma aproximação desses dois elementos de abordagem epistemológica, estimulando-se assim a exposição dos juízos de valor que fundamentam e conduzem a experiência do intérprete no processo hermenêutico característico da elaboração de trabalhos acadêmicos e científicos.

Nesse sentido, o positivismo, em seus múltiplos reflexos no âmbito das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (positivismo histórico, positivismo sociológico, positivismo filosófico, positivismo jurídico, dentre outros), foi objeto de transformação e releitura a partir do século XX, desdobrando-se em uma escola de pensamento que passou a ser chamada de pós-positivista. O pós-positivismo, ao ensejar a reaproximação do sujeito de conhecimento do objeto de conhecimento, permite a exposição dos juízos de valor que influenciam o estudioso na elaboração de sua pesquisa, deitando raízes especialmente na Ciência da História, na Sociologia, Antropologia e Etnologia – importantes áreas de conhecimento das Humanidades –, bem como na Ciência Jurídica enquanto espécie do gênero das Ciências Sociais Aplicadas.

O tema deste estudo versa sobre categoria delitiva do Direito Penal contemporâneo, a saber, a dos crimes culturalmente motivados. Semelhante classificação tem sua hermenêutica e aplicação melhor empregadas com a contribuição de outras áreas do conhecimento, dotadas de repertório teórico mais ligado às Ciências Humanas, mormente a Sociologia, Antropologia e Etnologia, sem olvidar da pesquisa sobre a origem dos fenômenos socioculturais típica da Historiografia. A interdisciplinaridade desenvolvida neste estudo é característica encontrada nas abordagens pós-positivistas, como meio para se promover a aproximação entre sujeito cognoscente e objeto cognoscível, cuja pluralidade fenomênica o afasta de óticas unívocas e ligadas a apenas uma área do conhecimento. Cada vez mais as diversas espécies de ciências que compõem o gênero de Humanidades são pesquisadas conjuntamente, sem perda de sua originalidade e autonomia características.

A temática deste estudo será contextualizada com a insidiosa prática de destruição de templos afro-religiosos no Brasil, cujas expressões mais significativas são os da Umbanda e do Candomblé, o que se sustentará constituir do ponto de vista da doutrina penalista como um crime culturalmente motivado, além de expressão do delito previsto no art. 208 do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei Federal n. 2.848/1940 – CPB/1940), cujo preceito primário apresenta a seguinte disposição: “Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”. Segundo informações veiculadas por meio da imprensa jornalística, que serão apresentadas ao longo deste estudo, semelhante conduta vem sendo perpetrada por organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e milícias privadas cujos chefes professam a fé cristã, em alguns casos ligada aos movimentos religiosos pentecostal ou neopentecostal.

Os objetivos deste estudo são os de apresentar à comunidade acadêmica o conceito, âmbito de aplicação e hermenêutica dos crimes culturalmente motivados à luz da abordagem pós-positivista e interdisciplinar, considerando especialmente as contribuições da História, Sociologia, Antropologia e Etnologia na extensão da natureza delitiva do vilipêndio público de ato ou objeto de culto religioso nos templos afro-religiosos em regiões periféricas do limite municipal, apresentando como estudo de caso a perseguição empreendida nas favelas cariocas dominadas por organizações criminosas; e propor a aplicabilidade da prevenção geral positiva como função para as penas impostas a tal prática, visando ao recrudescimento da Lei Penal aos que demonstrem ostensivamente a incapacidade de compreensão da religião alheia e da liberdade de culto garantida na forma de direito fundamental previsto no art. 5º, VI, da Constituição do Brasil. A opressão a grupos vulneráveis e subalternos constitui-se em grave violação de direitos humanos, que não se coaduna com o Estado Democrático de Direito estabelecido no Brasil a partir de 1988 EC1.

A metodologia aplicável na elaboração do presente estudo é de natureza histórica, dedutiva e dialética, em torno do levantamento bibliográfico de obras referenciadas de Direito Penal, Criminologia, História, Sociologia e Antropologia, sob uma perspectiva interdisciplinar com pretensões transdisciplinares, dada a permanência de abordagens epistemologicamente unívocas especialmente na Ciência Jurídica, pelo que se sustenta a imperiosa necessidade do aporte teórico de outras províncias das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas para melhor compreensão de determinados fatos jurídicos – especialmente os delitos, atos ilícitos penais cuja relevância social ostenta-se diuturnamente no mundo fenomênico. Nesse sentido, o referencial teórico-metodológico utilizado deita raízes na História Cultural, reflexo do movimento dos Estudos Culturais (Cultural Studies) na Historiografia, especialmente nos estudos elaborados por Patricia Birman e Maria Cevasco; outrossim, no âmbito da Ciência Jurídica, optar-se-á pela segura referência de obras clássicas de Direito Penal, em especial as dos juristas Nelson Hungria, Cezar Roberto Bitencourt e Damásio de Jesus, considerando o anacronismo existente na previsão legal do crime de vilipêndio público de atos ou objetos de culto religioso, por ainda refletir a redação original de 1940 – cujo preceito secundário merece profundas críticas, como se verá adiante, mas que a doutrina se refere com a profundidade e exatidão adequadas para o presente estudo.


2. CRIMES CULTURALMENTE MOTIVADOS À LUZ DOS ESTUDOS CULTURAIS E DA ESCOLA DE PENSAMENTO PÓS-POSITIVISTA

O Direito Penal caracteriza-se como privilegiado ramo da Ciência Jurídica, dotado de profundo repertório teórico-doutrinário, considerando especialmente a historicidade de seu principal diploma, o CPB/1940. Um importante tema de pesquisa deste província do conhecimento jurídico envolve o conceito de infração penal, gênero composto pelo crime (também chamado de delito) e pela contravenção penal (também denominada “crime anão” pelo insigne Professor Nelson Hungria, autor do anteprojeto do Código Penal Brasileiro de 1940. A teoria do delito reside no contexto narrado, sendo objeto de profundos debates entre os juristas. Âmbito ainda mais restrito comporta o estudo da classificação doutrinária dos crimes, temática de interesse para expressiva parte dos penalistas, destacando-se para estudos mais aprofundados nesta temática a obra de Damásio de Jesus (Cf. JESUS, 2015).

Tradicional função do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos relevantes para a sociedade, que não comportam resguardo integral e exclusivo de outras províncias da Ciência Jurídica, em apreço ao que a doutrina penalista designa de Princípio da Intervenção Mínima, do qual a subsidiariedade constitui-se como reflexo neste desiderato. Essa função protetiva de bens jurídicos individuais ou coletivos relevantes também pode ser compreendida enquanto reflexo da própria proteção dos direitos humanos, desenvolvida no âmbito da sociedade internacional especialmente a partir do término da II Grande Guerra (1939-1945). A tutela da dignidade humana, alçada a fundamento da República Federativa por meio do art. 1º, III, da Constituição do Brasil de 1988, vai ao encontro da contemporânea teoria funcionalista teleológica ou moderada do jurista alemão Claus Roxin, bem como ao modelo de intervenção mínima supramencionado e refinado na obra do também jurista germânico Winfried Hassemer (cf. BITENCOURT, 2019).

Tópico relevante no estudo da teoria do delito diz respeito ao elemento subjetivo do crime, que tradicionalmente é gênero composto das espécies dolo2 e especial fim de agir. Os crimes culturalmente motivados, nesse desiderato, constituem-se em categoria delitiva que se relaciona sobremaneira com a referida divisão metodológica do elemento subjetivo do crime no Direito Penal. Contudo, desde logo afasta-se o objeto do presente estudo do conceito de especial fim de agir, considerando que na dogmática jurídico-penal pátria os crimes que possuem especial fim de agir são identificados como tal em sua própria estrutura3, o que não ocorre com os crimes culturalmente motivados. Nestes, a motivação de ordem cultural integra o próprio dolo, que se traduz na conduta praticada em qualquer crime previsto no ordenamento jurídico-penal, não se vinculando a categorias já tradicionalmente estabelecidas nas Ciências Criminais, o que caracteriza os crimes culturalmente vinculados enquanto nova categoria delitiva na doutrina penalista brasileira (cf. DE MAGLIE, 2017).

Os crimes culturalmente motivados hodiernamente são estudados no âmbito dos atos de violência de gênero, que, no Brasil, relacionam-se aos tipos penais de violência doméstica e familiar contra a mulher previstos na Lei Federal n. 11.340/2006 (“Lei Maria da Penha”) e em tipos penais como o de Feminicídio (art. 121, §2º, VI, do CPB/1940). No entanto, verifica-se que os desdobramentos teóricos no estudo desta categoria delitiva têm deixado raízes noutros elementos presentes na cultura brasileira, como em ofensas ao meio ambiente – emblemático neste sentido o caso da “Farra do Boi” (cf. MARTINS, 2017).

Sustenta-se, neste estudo, que os crimes culturalmente motivados constituem-se em categoria jurídico-doutrinária que também pode ser associada a elementos inerentes à matriz religiosa da sociedade brasileira, uma vez que a crença predominante também influencia sobremaneira a cultura de determinado povo. A predominância formal do Cristianismo no Brasil e a construção de uma sociedade pautada na matriz ética judaico-cristã não justifica atos de violência contra templos afro-religiosos, como depredações e danos a objetos religiosos em terreiros de Umbanda e Camdomblé, em especial aqueles localizados em comunidades carentes dominadas por organizações criminosas cujos líderes professam a religião cristã. Infelizmente, contudo, tal fenômeno vem ocorrendo com indesejada frequência, o que motiva uma abordagem científica que não se vincule a apenas um ramo do conhecimento, mas que seja apta a agregar outras áreas das Humanidades.

Imperiosa a necessidade, pois, de um estudo multidisciplinar, interdisciplinar e com pretensões de transdisciplinaridade, pois o fenômeno social objeto deste estudo é de natureza plural e não admite uma abordagem unívoca, seja da Ciência do Direito, seja da Ciência da História, ou das Ciências Sociais. Nos desdobramentos da Teoria da História, a fase atual da pesquisa historiográfica já comporta um entrelaçamento com outras áreas do conhecimento em Humanidades. Destaque-se, nesse sentido, relevante excerto da prestigiada obra de Burke (2012, pp. 40-41):

Vivemos em uma era de linhas indefinidas e fronteiras intelectuais abertas, uma era instigante e, ao mesmo tempo, confusa. Podem-se encontrar referências a Mikhail Bakhtin, Pierre Bourdieu, Fernand Braudel, Norbert Elias, Michel Foucault e Clifford Geertz nos trabalhos de arqueólogos, geógrafos e críticos literários, assim como de sociólogos e historiadores. O surgimento do discurso compartilhado entre alguns historiadores e sociólogos, alguns arqueólogos e antropólogos, e assim por diante, coincide com um declínio do discurso comum no âmbito das Ciências Sociais e Humanidades e, a bem da verdade, dentro de cada disciplina. Mesmo uma subdisciplina como a História Social agora está correndo o risco de dividir-se em dois grupos, um deles preocupado com as principais tendências, o outro, com estudos de caso de pequena magnitude. Na Alemanha, em especial, os dois grupos estão ou estavam em conflito, com os chamados “historiadores societais” (Gesellschaftshistoriker) como Hans-Ulrich Wehler, de um lado, e os praticantes de “micro-história”, como Hans Medick, de outro. Apesar dessa tendência à fragmentação, é surpreendente notar quantos dos debates fundamentais acerca de modelos e métodos são comuns a mais de uma disciplina.

A posição acima exposta, do festejado historiador britânico Peter Burke, demonstra a significativa aproximação entre os ramos que compõem as Humanidades em temas que demandem pesquisa integrada, sem ocorrer o abandono da autonomia relativa a cada esfera do conhecimento. Existem, contudo, fenômenos sociais a que também cabe ao Direito debruçar-se, como o objeto deste estudo, relacionado aos crimes culturalmente motivados de matriz religiosa. Logo, torna-se possível a desejada interdisciplinaridade de segmentos das Ciências Humanas (História, Sociologia, Antropologia, Etnologia) e das Ciências Sociais Aplicadas (Direito), sem se descurar do adequado fundamento filosófico, necessário nas pesquisas que demandem a abordagem do ser humano em suas relações com o mundo fenomênico.

Reflexo da escola historiográfica cultural a partir do século XX, foi o movimento dos Estudos Culturais, de matriz anglo-saxônica (Cultural Studies), cuja interdisciplinaridade dos temas de pesquisa (inclusive com elementos de convergência entre a Teoria Literária e a Ciência da História) também é desejável na abordagem conferida ao presente estudo, que tem por pretensão a promoção do diálogo entre o Direito, a História e a Antropologia, no amplo espectro das Humanidades. A ideia de uma “cultura de minoria” como tema privilegiado de estudo nas Ciências Humanas (cf. CEVASCO, 2003) é deveras significativa na pesquisa sobre os desdobramentos da expansão das religiões africanas e suas variações no Brasil, em especial quanto à Umbanda, religião de matriz africana que adquiriu colorido próprio especiamente a partir do século XX, tornando-se legitimamente brasileira na atualidade.

Outrossim, o aporte teórico do movimento de Estudos Culturais também é relevante quando se verifica a aparente ausência de razões que justifiquem (ou sequer expliquem) a prática da depredação de templos afro-religiosos em comunidades carentes, especialmente do Rio de Janeiro. Tais delitos, culturalmente motivados e baseados no ódio a elementos presentes na cultura africana, que tanto influenciou o Brasil em seus mais de trezentos anos de aplicação do insidioso modo de produção econômica escravista, demonstram um paradoxo sociocultural que encontra possíveis paralelos na obra literária de Nelson Rodrigues, especialmente no drama retratado em “Anjo Negro” (RODRIGUES, 1947)4.


3. ULTRAJE AOS CULTOS AFRO-RELIGIOSOS NO RIO DE JANEIRO À LUZ DO DIREITO PENAL CONTEMPORÂNEO E DOS ESTUDOS CULTURAIS

Uma vez estabelecido o conceito e âmbito de aplicação dos crimes culturalmente motivados, bem como a necessidade de melhor compreendê-los sob uma ótica interdisciplinar que associe o Direito à História, Sociologia, Antropologia e Etnologia, ilustra-se o referido conceito com sua expressão no Brasil do século XXI: a depredação de templos afro-religiosos por líderes de organizações criminosas em regiões socioeconomicamente carentes, em especial do Rio de Janeiro, cuja inserção cada vez maior de comunidades cristãs ligadas ao movimento religioso neopentecostal promoveu a adesão de líderes locais de facções criminosas, os quais, infelizmente, passaram a adotar posturas intolerantes quanto a outras manifestações culturais de religiões de matriz africana, num ambiente de elevada efervescência social onde o respeito e o pluralismo deveriam ser fomentados, até mesmo para a manutenção da paz social, abalada pela permanência de organizações criminosas aliada à omissão estatal no desenvolvimento de políticas públicas de educação, saúde, segurança e manutenção do controle social típicos da tradicional estrutura de Estado.

Sob a ótica etnológica, contudo, é importante mencionar que, a partir do século XX, as perspectivas estruturalistas de estudo em Humanidades passaram por sérios desdobramentos, também influenciados pelo pós-positivismo predominante nos movimentos intelectuais do período. Neste desiderato, a compreensão de que existiriam culturas ou comunidades desprovidas de patamar civilizatório compatível com o modelo ocidental – e, por certo, até mesmo a validade da ideia de um “patamar civilizatório” - foram gravemente questionadas, e a ideia de um “processo civilizador” (cf. ELIAS, 1990) foi objeto de uma atual releitura no âmbito da Etnologia.

Semelhantemente, na Antropologia, o conceito de cultura foi profundamente revisado pelas perspectivas pós-estruturalistas, sob a influência do pós-positivismo filosófico e do pós-colonialismo histórico. O século XX, nesse sentido, foi palco de uma profunda guinada científica e filosófica, reflexo sobretudo da proteção internacional dos direitos humanos, que passou a predominar a partir da I Grande Guerra (1914-1918) e, principalmente, após a II Grande Guerra (1939-1945), derivada da ascensão dos organismos intergovernamentais na sociedade internacional, com especial enfoque na Organização das Nações Unidas, o que representou significativos desdobramentos na História Política recente5.

A liberdade de crença e de culto garantida como direito fundamental em diversas Constituições ocidentais, inclusive a brasileira, fundamenta a ideia de que a depredação de templos afro-brasileiros não apenas se constitui em crime previsto no CPB/1940, mas também revela grave violação dos direitos humanos internacionalmente protegidos – principalmente quando o Estado brasileiro, instado a reprimir semelhante conduta ou promover políticas públicas de conscientização ao pluralismo religioso, omite-se. A necessidade de respeito às diferentes crenças no Brasil demonstra sua formação cultural multifacetada, o que traz à baila a extensão do próprio conceito de cultura, objeto de interesse da Antropologia. Importante escólio sobre a definição e âmbito de aplicação da cultura, bem como o concernente afastamento de visões superficiais sobre a matéria, pode ser encontrada na obra de Laraia (1986, pp. 44-45):

É comum, entre os diferentes setores de nossa população, a crença nas qualidades (positivas ou negativas) adquiridas graças à transmissão genética. “Tenho a física no sangue” - dizia uma aluna que pretendia mudar a sua opção de ciências sociais para a de física, invocando o nome de um ancestral. “Meu filho tem muito jeito para a música, pois herdou esta qualidade do seu avô”. É este um outro exemplo comum. Muito contribuiu para afirmações deste tipo a divulgação da teoria de Cesare Lombroso (1835-1909), criminalista italiano que procurou correlacionar aparência física com tendência para comportamentos criminosos. Por mais absurda que nos possa parecer, a teoria de Lombroso encontrou grande receptividade popular e, até recentemente, era ministrada em alguns cursos de direito como verdade científica. Em nossos dias o mau uso da sociobiologia tem exercido o mesmo papel. O perigo desses tipos de explicações é que facilmente associam-se a tipos de discriminações raciais e sociais, numa tentativa de justificar as diferenças sociais. Assim, até mesmo o sucesso empresarial passa a ser explicado como uma forma de determinação genética e é ilustrado com a enumeração das diferentes dinastias de industriais ou empresários. O homem é resultado do meio cultural em que foi socializado. Ele é herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o antecederam. A manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as invenções. Estas não são, pois, o produto da ação isolada de um gênio, mas o resultado do esforço de toda uma comunidade.

A matriz cultural latina, colonial, escravocrata e autoritária do Brasil desde antes de sua formação enquanto Estado-nação é importante vetor metodológico para se compreender a dificuldade de alteridade de parcela da sociedade brasileira quanto a manifestações religiosas de matriz africana, nada obstante a relevância de sua influência na própria construção da cultura brasileira, especialmente a partir do século XVIII com a expansão do tráfico negreiro no período colonial, apenas obstada formalmente com a Lei Eusébio de Queirós em 1850 EC. Semelhante cenário favorece a prática de crimes culturalmente motivados por razões ligadas a conflitos religiosos, paradoxal frente ao ambiente formal (por força da Constituição do Brasil) e materialmente plural (pela formação multiétnica e multicultural da sociedade brasileira) das expressões religiosas no país. A depredação e destruição de templos afro-religiosos em regiões carentes do país, destacando-se as favelas do Rio de Janeiro, tendo por fundamento a opção religiosa de líderes locais de organizações criminosas ligadas ao narcotráfico, portanto, pode ser caracterizada como reflexo de tal categoria jurídico-penal.

Especificamente quanto à prática criminosa ora apreciada neste estudo, importante destacar-se que ela reflete uma visão distorcida sobre cultura, baseada no determinismo expressado no excerto supramencionado, do insígne antropólogo brasileiro Roque de Barros Laraia. Referido determinismo, calcado em uma ótica estruturalista de que uma crença possa ser superior ou mais civilizada que outra, ou mesmo que tal ou qual expressão religiosa pode ser caracterizada como a manifestação de um mal espiritual, lamentavelmente conduz a um crime culturalmente motivado – quanto à depredação e destruição de templos afro-religiosos, especificamente aquele previsto no art. 208 do CPB/1940, consistente no “Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo”.

As fontes pesquisadas – matérias jornalísticas alusivas a um período que abrange os anos de 2013 a 2019 – expõem a inserção de movimentos religiosos pentecostais e neopentecostais em comunidades carentes no Rio de Janeiro e sua influência tanto em moradores de tais comunidades quanto nas lideranças locais do crime organizado ligado ao narcotráfico. A referida ligação pode se manifestar tanto na intervenção em “julgamentos” realizados pelos narcotraficantes a indivíduos desviantes dos mecanismos de controle social informal6 estabelecidos nas comunidades carentes – normalmente são absolvidos quando se convertem ao cristianismo representado pelo movimento do líder religioso interventor7 – quanto na influência direta, ao converterem os líderes criminosos locais, que passam a reproduzir relações de dominância sobre indivíduos que professam outras crenças, tendo como medida extrema a conduta de tais narcotraficantes ao destruir ou depredar templos afro-religiosos em suas regiões de domínio8.

Enfim, uma crítica que pode ser dirigida aos crimes culturalmente motivados por razões ligadas à violação do direito fundamental de crença e culto religioso, em especial quanto às religiões de matriz africana (afro-religiões), diz respeito ao reduzido grau de repressividade estatal, considerando o preceito secundário do art. 208 do CPB/1940 (“Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa”). Ainda que o parágrafo único do dispositivo em comento apresente causa de aumento de pena pelo emprego de violência (“Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência”), trata-se de crime de menor potencial ofensivo, julgado perante os Juizados Especiais Criminais, sendo aplicáveis ao procedimento todos os mecanismos típicos do movimento despenalizador e de abolicionismo penal moderado que ensejaram a publicação da Lei Federal n. 9.099/1995, tais como a possibilidade de transação penal e suspensão condicional do processo, ainda quando o crime é praticado com violência. O que remanesce ao hermeneuta é a possibilidade de aplicar cumulativamente penas de outros crimes associados ao de Ultraje a Culto, por força do concurso material ou formal de delitos, ou mesmo do crime continuado, aplicando-se os arts. 69 a 71 do CPB/1940.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: POR UMA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA E INTERDISCIPLINAR DOS CRIMES CULTURALMENTE MOTIVADOS

Verifica-se, pois, que a depredação e destruição de templos afro-religiosos por líderes criminosos locais em comunidades carentes brasileiras, especialmente observado no estado do Rio de Janeiro, revela a prática de delito que pode ser caracterizado pelo moderno prisma dos crimes culturalmente motivados, categoria delitiva então aplicável a condutas de violência de gênero e ofensas ao meio ambiente penalmente imputáveis, mas ainda não explorado do ponto de vista científico no que concerne aos atos narrados ao longo deste estudo, lamentáveis e que revelam uma profunda violação a normas de proteção internacional dos direitos humanos que o Brasil incorporou a seu ordenamento jurídico, tal como a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica).

Outrossim, propõe-se uma hermenêutica deste desvio social penalmente imputável que contemple não apenas o Direito Penal ou a Ciência Jurídica, mas também outros ramos do conhecimento em Humanidades, especialmente a Ciência da História, a Sociologia, a Antropologia e a Etnologia, assim como a Ciência das Religiões, considerando também a inserção, cada vez mais crescente, do Cristianismo protestante derivado dos movimentos pentecostais e neopentecostais nas comunidades carentes do Brasil, com foco no recorte espacial considerado neste estudo (estado do Rio de Janeiro), o que é interpretado por líderes locais de facções criminosas convertidos a semelhante crença como uma demonstração de autoridade espiritual dos atores envolvidos que, calcada na denominada Teologia do Domínio (cf. CUNHA, 2014), apregoa a adoção de uma postura conflitiva às manifestações que supostamente se contraponham à cosmovisão histórica e cultural do Cristianismo monoteísta, o que vitimiza, sobremaneira, as expressões afro-religiosas também presentes em tais comunidades, principalmente ligadas às religiões da Umbanda e do Candomblé, possuidoras de uma dinâmica própria influenciadora dos desdobramentos culturais da própria sociedade brasileira, realidade pesquisada nos chamados Estudos Afro-brasileiros em especial a partir da década de 1990 (cf. BIRMAN, 1997)

Semelhante hermenêutica interdisciplinar, dotada permanentemente pela pretensão transdisciplinar, compreende não apenas a adoção da ótica pós-positivista no ensino e pesquisa das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, mas também expressa-se na figura do movimento de Estudos Culturais (Cultural Studies), oferecendo contributo significativo para a compreensão de fenômenos típicos da sociedade plural da pós-modernidade, que não comporta abordagens unívocas e baseadas em uma rígida divisão metodológica dos ramos tradicionais de conhecimento.

Torna-se, pois, necessária a elaboração de políticas públicas de alteridade religiosa e democrática, bem como maior investimento em segurança pública, para que o Estado possa atingir as regiões mais carentes de seu território e estimular uma convivência harmoniosa entre fiéis das diferentes manifestações religiosas que se expressam nestas comunidades, enquanto expressão da laicidade do Estado brasileiro, desde a proclamação da República em 1889 – cuja liberdade de culto e crença é direito fundamental formalmente estabelecido, mas que enseja seu cumprimento material mormente quanto às expressões afro-religiosas presentes no Brasil há séculos, mas duramente oprimidas por segmentos sociais incapazes de exercer a alteridade típica do pluralismo democrático.

Neste sentido, o presente estudo constitui-se numa inicial compreensão do autor sobre a matéria, de profundo interesse científico, e que pode se desdobrar em trabalhos acadêmicos futuros, dado seu relativo ineditismo frente a tão grave fenômeno na sociedade brasileira. O país precisa de uma gradual superação de sua negativa matriz cultural latina, colonial, escravocrata e autoritária, inclusive como corolário da proteção internacional de direitos humanos a que se comprometeu quando da incorporação de tratados internacionais sobre a matéria, que garantem a proteção de minorias e grupos vulneráveis, inclusive de expressões religiosas como as da Umbanda e do Candomblé no território de comunidades carentes. Favelas, aglomerados, vilas e outras denominações variáveis de acordo com a região do país (em especial, no caso da realidade carioca de favelas - enfocada neste estudo - onde há maior inserção do Cristianismo derivado dos movimentos pentecostais e neopentecostais) jamais podem ser penalizados pela conduta intolerante de líderes criminosos locais, uma vez que tais expressões religiosas igualmente se encontram amparadas pelo direito fundamental à liberdade de crença e culto.


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MARTINS, Charles Emil Machado. A “Farra do Boi” e os Crimes Culturalmente Motivados: um olhar crítico sobre a decisão do STF, por ocasião do RE nº 153.531/SC. Revista do Ministério Público do RS, n. 82, jan/abr 2017. Porto Alegre: MPERS, 2017, pp. 35-84.

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

RODRIGUES, Nelson. Anjo Negro. Rio de Janeiro: 1947 (mimeo).


Notas

1 O presente estudo opta pelo uso das expressões “Antes da Era Comum” (AEC) e “Era Comum” (EC), em vez dos tradicionais “antes de Cristo” (a.C.) e “depois de Cristo” (d.C.), em apreço a um perfil laico de pesquisa no espectro das Ciências Humanas.

2 Ressalte-se, especialmente para o leitor que não seja especializado na Ciência Jurídica, que a ortoepia correta da palavra dolo é dólo, e não dôlo, conforme infelizmente se pronuncia frequentemente no Brasil.

3 A estrutura jurídica de um crime conforme disposto nos diplomas penais é composta pelo assim denominado preceito primário, que apresenta a descrição da conduta reprimida pelo ordenamento jurídico penal, e pelo preceito secundário, que apresenta a sanção penal aplicável ao delito. Neste sentido, os crimes que possuem especial fim de agir (ou especial motivação) hodiernamente são aqueles que apresentam no preceito primário expressão que indique a direção do dolo, o vetor anímico por meio do qual o agente pratica o delito. Exemplo de especial fim de agir explícito pode ser encontrado no delito de Associação Criminosa, antes denominado crime de Quadrilha ou Bando, previsto no art. 288 do CPB/1940 com o seguinte preceito primário: “Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”. A expressão “para o fim específico” revela o especial fim de agir do delito em comento. Entretanto, importante ressaltar que nem sempre essa categoria de elemento subjetivo estará explícita na redação do tipo penal: no crime de furto, por exemplo, previsto no art. 155 do CPB/1940, a expressão “para si ou para outrem” em seu preceito primário revela implicitamente seu especial fim de agir (ou especial motivação), a saber, a inversão da posse da coisa (res furtiva) em favor do agente que pratica o furto.

4 A referida obra do grande escritor brasileiro retrata o drama de Ismael, homem negro e impiedoso, que por ódio a sua própria cor cega familiares e não aceita em sua vida nada que o remeta a tez negra de sua pele. A trama, sustenta-se neste estudo, retrata perfeitamente o paradoxo social que vive a sociedade brasileira desde a abolição formal da escravatura, em 1888: o ódio e ostracismo de elementos de uma cultura – a africana, em suas mais variadas etnias que representaram o sangue e o suor de um povo escravizado por centenas de anos – que influenciou sobremaneira a forma de pensar e agir do povo brasileiro.

5 Na Ciência Jurídica, afirma-se que houve verdadeira “virada kantiana do Direito” a partir do século XX, com os questionamentos derivados do recrudescimento do positivismo jurídico na II Grande Guerra, em especial na Alemanha nazista com teóricos como Carl Schmitt. Nesse sentido, ao longo do século XX a Ciência do Direito passa a se reencontrar com a Filosofia Moral, o que pode ser observado em Dworkin (2006), Alexy (2017) e Radbruch (2010).

6 A Criminologia enquanto ciência empírico-indutiva componente de categoria metodológica denominada pela doutrina penalista como “Ciência Total do Direito Penal” (cf. DIAS, 2001) tem por objeto o estudo do crime, criminoso, vítima e controle social. Quanto a este último objeto, de profundo interesse para o presente estudo, os mecanismos de controle social informal são aqueles hodiernamente aplicados diante da omissão estatal – o código de conduta aplicado em comunidades carentes por organizações criminosas que predominam em tais regiões urbanas pode ser considerado um mecanismo de controle social informal, usado em parte para coibir expressões e manifestações religiosas que não representem o pensamento dominante da comunidade, ou do líder criminoso local.

7 Cf. Pastor Marcos Pereira salva homem do “tribunal” do tráfico. Revista Gospel Prime. 30 mai 2011. Disponível em: <http://www.gospelprime.com.br/pastor-marcos-pereira-salva-homem-do-tribunal-do-trafico/>. Acesso em 31/12/2019.

8 Cf. País registra cada vez mais agressões e quebras de terreiros. Aydano André Motta e Cláudia Silva Jacobs. Revista Super Interessante. 2 fev 2018. Disponível em: <http://super.abril.com.br/sociedade/pais-registra-cada-vez-mais-agressoes-e-quebras-de-terreiro/>. Acesso em 31/12/2019. “Em nome de Jesus”, bandidos destroem terreiro no Rio. Luisa Bustamante. Revista Veja. 8 out 2017. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/brasil/em-nome-de-jesus-bandidos-destroem-terreiro-no-rio/>. Acesso em: 31/12/2019. Traficantes proíbem candomblé e até roupa branca em favelas. Rafael Soares. Jornal O Globo. 10 set 2013. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/traficantes-proibem-candomble-ate-roupa-branca-em-favelas-9892892>. Acesso em 31/12/2019. Como a Expansão de uma Facção de Traficantes Evangélicos faz Expodir Ataques a outras religiões em Favelas do Rio. Rafael Soares. Revista Época. 11 out 2019. Disponível em: <http://epoca.globo.com/rio/como-expansao-de-uma-faccao-de-traficantes-evangelicos-faz-explodir-ataques-outras-religioes-em-favelas-do-rio-24010426>. Acesso em 31/12/2019.


Autor

  • Divo Augusto Cavadas

    Divo Augusto Pereira Alexandre Cavadas é Advogado e Professor de Direito. Procurador do Município de Goiânia (GO). Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Especialista em Direito Penal e Filosofia. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Realizou estudos junto à Universidad de Salamanca (Espanha), Universitá di Siena (Itália), dentre outras instituições. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Diplomado pela Câmara Municipal de Goiânia e Comendador pela Associação Brasileira de Liderança, por serviços prestados à sociedade.

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CAVADAS, Divo Augusto. A dilapidação dos ídolos: crimes culturalmente motivados e destruição de templos afro-religiosos à luz de uma hermenêutica interdisciplinar e pós-positivista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6119, 2 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79131. Acesso em: 28 mar. 2024.