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Os reflexos do ativismo jurídico da Defensoria Pública da União na concretização do direito à saúde

Os reflexos do ativismo jurídico da Defensoria Pública da União na concretização do direito à saúde

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Reflete-se sobre a atuação imprescindível da Defensoria Pública da União, especialmente da DPU/GO, na concretização do direito à saúde pela população hipossuficiente, em razão da negligência do Poder Público na garantia de tratamentos médicos.

INTRODUÇÃO

Com o intuito de contextualizar a temática do presente artigo científico, propõe-se o seguinte caso:

A senhora Zélia[1], idosa de 72 anos, residente em Goiânia – GO, aposentada, é portadora de diabetes e faz acompanhamento médico pelo Sistema Único de Saúde desde que descobriu a doença. Como tratamento, a médica especialista que lhe atende prescreveu o uso de duas insulinas, as quais eram fornecidas pela Secretaria de Saúde do Estado. No entanto, no início do mês de setembro de 2017, quando completaria um ano de tratamento, a Sra. Zélia foi informada por um servidor da Secretaria de Saúde que as insulinas não seriam mais fornecidas. Desesperada e com receio de ficar sem estes medicamentos essenciais para sua saúde, a Sra. Zélia voltou a procurar sua médica. Ao saber da negativa do Poder Público em fornecer as insulinas, a médica que acompanha a Sra. Zélia, sabendo das condições financeiras da paciente (que possui uma renda de apenas um salário mínimo), disse-lhe para buscar a Defensoria Pública da União em Goiás (DPU/GO), a fim de tentar conseguir as insulinas através da “justiça”. Seguindo a indicação de sua médica, a Sra. Zélia compareceu à DPU/GO e com o auxílio jurídico da instituição ajuizou uma ação judicial contra a União, o Estado de Goiás e o Município de Goiânia para o fornecimento da medicação que necessita. Após o trâmite do processo judicial, sobreveio sentença mediante a qual o juízo julgou o pedido da Sra. Zélia procedente e condenou o Estado de Goiás a fornecer as insulinas.

Como este, inúmeros são os casos em que pessoas desprovidas de recursos só conseguem acesso ao tratamento médico ou serviço de saúde que necessitam mediante a assistência jurídica realizada pelas Defensorias Públicas e após a intervenção do Poder Judiciário. 

Esta temática surgiu por ocasião de um estágio na DPU/GO, onde foi possível manter contato com diversas pessoas atendidas pela instituição em razão de estarem em condição de hipossuficiência. Este contato e a possibilidade de vivenciar o trabalho da Defensoria Pública serviu de motivação para o presente artigo, cujo objetivo é abordar os reflexos do ativismo jurídico da Defensoria Pública da União na concretização do direito à saúde.

O artigo se divide em três seções, sendo que a primeira é intitulada como “a Defensoria Pública da União”, na qual destacam-se os ensinamentos de SILVA (2013) e RESSURREIÇÃO (2012). Nesta primeira parte, a Defensoria Pública é apresentada como instituição imprescindível para a efetivação do direito de acesso à justiça, posto que é a única do ordenamento jurídico apta a resgatar as pessoas que eram distanciadas do Poder Judiciário, conscientizando-as sobre os seus direitos e a forma de impedir que estes sejam restringidos.

Já na segunda e terceira seções, são utilizados como referências predominantes os trabalhos de ORDACGY (2009; 2017) e OUVERNEY (2016), sendo que, na segunda, intitulada como “a saúde no Brasil”, há uma exposição sobre o direito à saúde, assegurado pelos artigos 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 como direito social fundamental, além da discussão acerca da judicialização deste direito como consequência do descaso do Poder Público e das falhas das políticas públicas voltadas para a saúde.

Por fim, na terceira seção são abordadas as contribuições da Defensoria Pública da União na concretização do direito à saúde, de modo que é especialmente considerada a atuação da Defensoria Pública da União de Goiás (DPU/GO) em demandas referentes à saúde, sendo expostos dados estatísticos do ano de 2018 que demonstram a imprescindibilidade do ativismo jurídico desta instituição para o acesso à saúde pelas pessoas hipossuficientes residentes no estado goiano.


1. A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana e a cidadania foram reconhecidas como fundamentos da República Federativa do Brasil. Além disso, determinou-se que alguns dos objetivos fundamentais do nosso Estado são a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais.

Por conseguinte, para que estes preceitos não fossem considerados apenas palavras lançadas em um papel em branco, tornou-se necessário criar meios que garantissem a sua realização. Neste sentido, o constituinte atentou-se em assegurar o direito de acesso à justiça, pois mediante o seu exercício a população poderia buscar a concretização de outros direitos sociais, como por exemplo o direito à saúde.

Conforme expõe Neves (2018, p. 92), no tocante ao acesso à justiça pelos necessitados econômicos, o sistema pátrio vale-se da assistência judiciária integral e gratuita aos declarados “pobres” na acepção jurídica do termo, a qual é prestada pelas Defensorias Públicas da União, dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, segundo foi estabelecido nos artigos 134 e 135 da Constituição Federal (CF) e regulamentado posteriormente na Lei Complementar nº 80/94.

A Defensoria Pública, portanto, é a única instituição do ordenamento jurídico brasileiro capaz de promover uma verdadeira inclusão social, sendo inclusive considerada cláusula pétrea da Constituição “por inserir-se dentre as garantias fundamentais protegidas de qualquer proposta de emenda constitucional que tenha por objeto sua supressão ou mesmo redução do seu alcance” (CÓRDOVA, 2013, p.1).

No âmbito nacional, as funções deste agente de transformação social são desempenhadas pela Defensoria Pública da União que, desde a sua implantação em caráter emergencial pela Lei nº 9.020/95, promove a assistência jurídica dos beneficiários da gratuidade da justiça em relação à casos que envolvam órgãos da administração pública federal.

1.1 ACESSO À JUSTIÇA

De acordo com os ensinamentos de Cappelletti e Garth (1988, p. 9), o acesso à justiça era considerado um direito natural e, como tal, exigia-se apenas uma abstenção estatal, de modo que para a sua preservação era preciso somente que o Estado não permitisse que ele fosse infringido por outros direitos.

Entretanto, notou-se que a impassibilidade estatal restringiu o acesso à justiça a apenas uma parcela dos cidadãos. À vista disso, o Estado toma caráter de garantidor e desperta a atenção para o fato de que a garantia do direito de acesso à justiça é indispensável no tocante ao cumprimento dos direitos sociais.

Por este ângulo, Boaventura de Souza Santos (2000, p. 167) elucida que o acesso à justiça é um direito “charneira”, isto é, sua denegação acarretaria a de todos os demais, posto que é por meio do referido direito que o indivíduo pode alcançar uma ordem jurídica justa, que lhe permita reivindicar do aparelho estatal aquilo que lhe foi negligenciado e receber soluções céleres, adequadas e eficientes para suas demandas.

Ademais, a defensora pública Michelle Valéria Macedo Silva (2013, p.11) ensina que o acesso à justiça diz respeito à própria condição humana, consistindo no núcleo essencial dos direitos que garantem uma vida digna. Deste modo, cumpre ao Estado, de maneira obrigatória, assegurar aos cidadãos socialmente vulneráveis o conhecimento de seus direitos, sem o qual não possuem capacidade de autodeterminação social e apresentam-se em desvantagem no sistema político.

Neste sentido, a efetivação do direito de acesso à justiça somente se atende com a criação das Defensorias Públicas, tendo em vista que esta instituição é a mais competente para resgatar os indivíduos colocados à margem da sociedade e fazer com que eles alcancem o pleno exercício de suas liberdades individuais.

Logo, demonstra-se que a Defensoria Pública, no exercício de sua função de agente de transformação social e por meio da representatividade processual qualificada dos menos favorecidos, impulsiona a conquista dos demais direitos fundamentais do ser humano.

1.2 A DEFENSORIA PÚBLICA NO BRASIL

A Defensoria Pública é, ao lado da Advocacia-Geral da União, a instituição mais recente dentre as que compõem o sistema de justiça brasileiro, visto que surgiram com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Moreira (2016, p. 77) explica que os constituintes foram além de definir que o acesso à justiça é um direito fundamental que deve ser garantido pelo Estado, determinando, ainda, que a defesa e a orientação jurídica de pessoas consideradas pobres, na acepção jurídica do termo, devem ser realizadas por uma instituição própria e autônoma, mantida pelo Poder Público, cujos servidores possuem características específicas e ingressam por concurso público.

Esta instituição é a Defensoria Pública e a ela foi dedicada uma seção exclusiva da Constituição de 1988. No artigo 134, caput, do referido diploma, a Defensoria Pública foi alçada ao grau de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, sendo lhe assegurada autonomia funcional e administrativa, além da iniciativa de sua proposta orçamentária (§2º do artigo 134 da CF).

O auxílio jurídico realizado pelas Defensorias Públicas às pessoas pobres na acepção legal do termo é assegurado aos brasileiros pelo artigo 5º, LXXIV, da CF, que determina que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Este papel constitucional da Defensoria Pública foi reafirmado, em 03/04/2019, pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.148.609/RS:

Devo ressaltar, por ser justo e necessário, a decisiva atuação da Defensoria Pública da União, que se mostra fiel, uma vez mais, à sua nobre vocação constitucional, pois, como o Supremo Tribunal Federal já o disse: “A Defensoria Pública, enquanto instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, qualifica-se como instrumento de concretização dos direitos e das liberdades de que são titulares as pessoas carentes e necessitadas. É por essa razão que a Defensoria Pública não pode (e não deve) ser tratada de modo inconsequente pelo Poder Público, pois a proteção jurisdicional de milhões de pessoas – carentes e desassistidas –, que sofrem inaceitável processo de exclusão jurídica e social, depende da adequada organização e da efetiva institucionalização desse órgão do Estado”.

A Lei Complementar n.º 80 de 1994 (LC 80/94) é responsável por organizar as Defensorias Públicas dos Estados-membros e a Defensoria Pública da União, só que as funções destas instituições vão muito além das estabelecidas na legislação, uma vez que, primordialmente, possuem o compromisso de consolidar a cidadania e promover a conscientização dos direitos sociais.

Nessa linha é que a Defensoria Pública ganha contornos de imprescindibilidade para a promoção de uma verdadeira inclusão social (CUNHA JÚNIOR, 2011, p. 158), visto ser sua função atuar, judicial e extrajudicialmente, com o desiderato de fazer valer os valores constitucionais atinentes a uma vida digna (RESSURREIÇÃO, 2012, p. 100).

Silva (2013, p. 14) dispõe que no processo as partes devem estar em igualdade de condições a fim de evitar injustiças disfarçadas na mera igualdade formal. Para isso, o Estado, através de ações afirmativas, deve intervir e assegurar à população carente o conhecimento de seus direitos, lhes possibilitando o acesso ao Poder Judiciário amparado por um profissional qualificado, no caso o Defensor Público, que defenderá seus interesses de forma gratuita.

Isto posto, evidencia-se que a existência de uma Defensoria Pública robusta e devidamente fortalecida é exigência direta do regime democrático (LANDIM, 2008, p. 58) em que há a proeminência da dignidade da pessoa humana e uma busca incessante pela efetivação dos direitos sociais (RESSURREIÇÃO, 2012, p. 102), visto que é por meio dela que a parcela socialmente mais vulnerável de nossa população alcança o exercício da cidadania de maneira plena e equitativa.

1.3 COMPETÊNCIAS DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

A Defensoria Pública da União (DPU), fundada em 1995, é competente para, nos termos da Lei Complementar 80/94, prestar assistência jurídica, integral e gratuita, judicial e extrajudicial, ao cidadão hipossuficiente, perante os Juízos Federais, do Trabalho, Juntas e Juízos Eleitorais, Juízos Militares, as Auditorias Militares, Tribunal Marítimo e perante as instâncias da Administração Pública Federal, nos Tribunais Superiores e no Supremo Tribunal Federal, contemplando as mais diversas áreas de atuação, tais como direitos humanos, previdenciário, cível, criminal, entre outras.

A DPU presta serviços de forma corretiva, preventiva e consultiva tanto na esfera individual (LC 80/94, art. 4º) quanto na esfera coletiva; também promove ações civis públicas (ACPs) e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes, sendo ele indivíduo brasileiro ou estrangeiro, conforme é apresentado na página cinco de sua Carta de Serviços[2].

Além disso, a instituição também opera de forma extrajudicial buscando a resolução dos conflitos por meio da realização de conciliação e acordo entre as partes, evitando o aumento do número de processos judiciais que chegam ao Poder Judiciário e a longa espera dos assistidos por soluções definitivas aos problemas que possuem.

É conveniente esclarecer que de acordo com a Resolução nº 134, de 07 de dezembro de 2016, do Conselho Superior da Defensoria Pública da União (CSDPU), o parâmetro considerado como presunção de necessidade econômica para fins de assistência jurídica integral e gratuita é de R$ 2.000,00 (dois mil reais), considerando a renda mensal bruta do grupo familiar do assistido.

Anteriormente, o valor considerado era o equivalente à três salários mínimos e, apesar das restrições orçamentárias, a DPU obteve um aumento no número de atendimentos realizados, posto que do ano de 2016 para o ano de 2017 houve um aumento de 181.628 atendimentos realizados aos assistidos, conforme informações dispostas no Gráfico 6 constante na página 46 da 3ª edição da série “Estudos Técnicos da Defensoria Pública da União”, publicada em 2018, também denominada como “MAPA DPU 2018”.

O órgão de execução da DPU em Goiás, responsável pelo núcleo regional de Goiânia e Aparecida de Goiânia, realizou 26.883 atendimentos em 2017 e 27.684 atendimentos em 2018[3], além de ser responsável pela cobertura de 22% das seções/subseções judiciárias federais do Estado de Goiás, tendo recebido, neste período, demandas de pessoas oriundas de 172 dos 246 municípios goianos, correspondendo a 70% do total de municípios[4].

Após esse panorama geral das atividades exercidas pela DPU, quando tratamos das demandas mais recorrentes na instituição observamos o maior protagonismo da saúde como fator de mobilização do sistema de justiça por parte de pessoas em situação de vulnerabilidade social (PEDRETE, 2017, p. 4-5), o que explicita a judicialização deste direito fundamental e a necessidade da atuação da instituição para garanti-lo à população carente.


2. A SAÚDE NO BRASIL

A Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), que entrou em vigor no ano de 1948, conceitua saúde como estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade. Expressa, ainda, que um dos direitos fundamentais de todo o ser humano (impedidas discriminações de qualquer espécie) é a fruição do maior nível de saúde que se possa atingir.

Segundo os ensinamentos de Dallari e Nunes Júnior (2010, p. 9), para haver a preservação do bem-estar de cada indivíduo é necessária a ampla cooperação destes com os Estados. Outrossim, consideram que, sob o aspecto jurídico, a saúde deve ser entendida como “o bem fundamental que por meio da integração dinâmica de aspectos individuais, coletivos e de desenvolvimento visa assegurar ao indivíduo o estado de completo bem-estar físico, psíquico e social”.

No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988 e considerando as disposições constantes nos artigos 6º e 196, a saúde foi consagrada como um direito fundamental social digno de receber a tutela protetiva estatal porque se consubstancia em característica indissociável do direito à vida (ORDACGY, 2017, p.1). Ademais, a saúde constitui um direito de todo cidadão e seu acesso deve ser garantido pelo Estado de forma universal, gratuita, integral e igualitária.

2.1 O DIREITO À SAÚDE

O direito à saúde integra o núcleo básico do chamado mínimo existencial. Ordacgy (2017, p. 1) recorda que este direito se insere em uma dimensão social, fruto da evolução dos direitos humanos fundamentais e do conceito de cidadania plena. É inerente à dignidade humana e apresenta caráter supranacional, de tal modo que sua proteção e defesa podem realizar-se, inclusive, por meio de cortes internacionais de direitos humanos (DALLARI; NUNES JÚNIOR, 2010, p. 68).

 Isso pode ser percebido pelo fato de o direito à saúde ser produto de uma evolução histórica e pelo alto nível de normatização da matéria, em especial no direito interno, convindo destacar que o direito à saúde faz parte dos direitos sociais de seguridade social, sendo que sua fundamentalidade decorre de sua inserção no artigo 6º da CF e se estende a todos os dispositivos dedicados ao tratamento do tema, ressaltando-se a previsão constante no artigo 196 do mesmo diploma legal:

Artigo 196 da CF: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

No plano infraconstitucional, a saúde é regulamentada pela Lei 8.080/90, que dispõe sobre a atuação do Sistema Único de Saúde e esclarece o dever do Estado de garantir a saúde de toda a população, o que poderá ser feito por meio de políticas públicas que visem reduzir os riscos de doenças e de outros agravos e estabelecendo condições de acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

2.2 AS FALHAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS À SAÚDE

O Sistema Único de Saúde (SUS), implementado no Brasil há cerca de 30 anos, é reconhecido internacionalmente por ter aumentado o acesso à saúde da população brasileira e se tornado referência em atenção primária[5], no Programa de Vacinações e no Programa de Tratamento da AIDS.

Todavia, ao mesmo tempo que servimos de inspiração para outros países, o nosso sistema público de saúde é caracterizado por sua precariedade resultante da má-gestão administrativa e financeira do SUS, do sucateamento dos grandes hospitais públicos, da escassez de profissionais médicos e, por vezes, do desvio de verbas da saúde, o que causa prejuízos diários aos cidadãos brasileiros (ORDACGY, 2017, p. 2).

O médico e escritor Antônio Drauzio Varella (2019) considera que um dos motivos para a falência de nossas políticas públicas voltadas à saúde é o fato dos hospitais e das unidades de saúde serem administradas pelo Estado. Segundo ele, deve permanecer a obrigação estatal de fornecer serviços de saúde, mas não a de geri-los.

Outro problema apontado por Varella (2019) como contribuição para a falha das políticas públicas de saúde é a ideia de “esperar que as pessoas adoeçam para então nos preocuparmos com elas”, haja vista que as políticas públicas são desenvolvidas focadas na doença e não na prevenção.

Além disso, outro indicativo da falha das políticas públicas no âmbito da saúde é o predomínio de prescrições médicas judicializadas originadas no SUS, seja pela não garantia do acesso aos fármacos que deveriam ser garantidos pelo SUS, seja pela não adesão dos profissionais da rede pública às listas de medicamentos oficiais dispensados pelo sistema ou, ainda, pelo atraso na atualização destas (OUVERNEY, 2017, p. 6).

A despeito da indiscutível relevância do direito à saúde, o que se verifica na prática é uma reiterada omissão dos Poderes Públicos na implementação das políticas públicas de maneira eficiente à promoção de uma saúde pública de qualidade (MASSON, 2018, p. 355). Este cenário, conforme menciona Ordacgy (2017, p. 2), tem feito a população socorrer-se das tutelas judiciais para a efetivação de seu tratamento médico, fenômeno esse denominado como judicialização da saúde.

2.3 JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE

Sendo a saúde um direito social, o Estado deve prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício de maneira adequada, eficiente e segura. Diante disso, nas palavras de Zandomeneco (2017, p. 7), contornar o problema da saúde pública no Brasil justificando-se na ausência de recursos financeiros é desconsiderar a necessidade de proteção à dignidade humana, visto que o direito à saúde está vinculado à vida e à integridade física.

A limitação das verbas públicas estatais disponíveis para o atendimento, de forma eficaz, dos anseios individuais relativos à saúde gerou uma expressiva quantidade de demandas ajuizadas visando à concretização do direito à saúde mediante a imposição ao Poder Público da obrigação de fornecer os serviços relacionados à esta prerrogativa e que sejam pertinentes ao caso. Sobre o tema, o Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), destaca:

[...] considerada a indiscutível primazia constitucional reconhecida à assistência à saúde, que a ineficiência administrativa, o descaso governamental com direitos básicos do cidadão, a incapacidade de gerir os recursos públicos, a incompetência na adequada implementação da programação orçamentária em tema de saúde pública, a falta de visão política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a saúde dos cidadãos, a inoperância funcional dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais estabelecidas em favor das pessoas carentes não podem nem devem representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, notadamente pelo Estado, das normas inscritas nos arts. 196 e 197 da Constituição da República, que traduzem e impõem, ao próprio Estado, um inafastável dever de cumprimento obrigacional, sob pena de a ilegitimidade dessa inaceitável omissão governamental importar em grave vulneração a direitos fundamentais da cidadania e que são, no contexto que ora se examina, o direito à saúde e o direito à vida.

(ARE 745745 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-250 DIVULG 18-12-2014 PUBLIC 19-12-2014).

Neste seguimento, de acordo com Masson (2018, p. 353), o termo judicialização serve para designar a transferência ao Poder Judiciário de decisões sobre o reconhecimento e concretização de um direito, que, ao menos em tese, seriam da alçada dos demais Poderes da República (Poder Executivo e Poder Legislativo), sobretudo quando se trata da elaboração e da efetividade de políticas públicas; o que evidencia o exercício, pelo Judiciário, de uma função que lhe é própria, a de controlar judicialmente os atos e omissões legislativas.

Deste modo, a judicialização da saúde é caracterizada pelo aumento das ações judiciais, individuais ou coletivas, cuja pretensão varia entre: obtenção de medicamentos, órteses e/ou próteses; vagas de UTI; leitos hospitalares; realização de procedimentos cirúrgicos e/ou exames; custeio de tratamento fora do domicílio etc.

Ressalta-se que é competência comum da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e bem-estar de seus cidadãos, além de oferecer assistência pública, o que é denotado pelo artigo 23, II, da Constituição Federal.

Por conseguinte, baseando-se no artigo 196 da CF e na concepção de que o “Estado” mencionado neste dispositivo normativo é em sentido lato sensu, o Supremo Tribunal Federal (STF)[6] pacificou o entendimento de que é responsabilidade solidária de todos os entes federativos citados acima propiciar tratamento médico adequado aos necessitados, podendo, portanto, qualquer um deles figurar no polo passivo da demanda judicial.

Quando a ação judicial é proposta em face da União (conjunta ou separadamente dos outros entes), a competência para realizar a assistência jurídica às partes que são beneficiárias da gratuidade da justiça é da Defensoria Pública da União, o que permitiu que os litígios decorrentes da precariedade do sistema público de saúde deixassem de se concentrar nas regiões mais desenvolvidas do país e passassem a favorecer também a camada mais humilde da população.


3. CONTRIBUIÇÕES DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO NA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

Diante de omissões abusivas e arbitrárias do Poder Público, a Defensoria Pública da União é apta a oportunizar o amplo acesso à justiça, provocando, se necessário, o Poder Judiciário para que este possa impor ao Estado que dê cumprimento e efetividade às políticas públicas de saúde, buscando o resgate da dignidade e da qualidade de vida daqueles que se encontram à margem da sociedade.

À vista disso, destaca-se o trabalho realizado pelo Grupo de Trabalho (GT) de Saúde da DPU, que participou da elaboração dos novos enunciados interpretativos sobre o direito à saúde, aprovados na III Jornada Nacional da Saúde, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entre os dias 18 e 19 de março de 2019.

Estes enunciados trazem recomendações de políticas públicas para evitar o aumento da quantidade de demandas judiciais, detendo a judicialização da saúde, e para melhorar o acesso da população a medicamentos, leitos hospitalares e tratamentos de alta complexidade, abordando inclusive o tempo de espera do paciente para consultas e cirurgias[7].

Fazendo jus à designação de agente de transformação social, a Defensoria Pública da União é cada dia mais procurada pelas pessoas hipossuficientes que estão com dificuldades de obter administrativamente o serviço de saúde que precisam, principalmente em casos de urgência declarada de forma expressa por médico(a) vinculado ao SUS.

Em alguns casos, é preciso apenas orientar o assistido sobre os meios de se obter o tratamento médico necessário ou diligenciar à Secretaria de Saúde competente, uma vez que “há um peso muito maior na resolução extrajudicial quando uma instituição pública com poderes mais amplos, incluindo a judicialização da demanda, interfere na questão, mesmo que seja administrativamente” (OUVERNEY, 2017, p. 6).

3.1 A ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO EM GOIÁS (DPU/GO) EM DEMANDAS REFERENTES À SAÚDE

Como grande parte da população que sofre com a falta de infraestrutura do SUS é hipossuficiente, as pretensões relacionadas à procedimento cirúrgico, internação e medicamentos são recorrentes na Defensoria Pública da União em Goiás, a fim de que com o apoio da instituição seja garantido tratamentos de saúde dignos e compatíveis com as normas constitucionais e legais vigentes em nosso ordenamento jurídico.

Em seu primeiro contato com a DPU/GO, o indivíduo informa, de maneira superficial, o motivo que o levou a procurar a instituição. Em seguida, fornecem-lhe uma senha de atendimento, mediante a qual ele será atendido pelo Setor de Atendimento, o qual é formado por servidores de nível médio e superior e por estagiários do curso de graduação de Direito.

Durante o atendimento inicial, o interessado informa ao estagiário atendente qual é a razão de seu comparecimento à DPU/GO, explicando o problema que o aflige. Em virtude destas informações pode decorrer uma simples orientação jurídica ou a abertura de um Procedimento de Assistência Jurídica (PAJ)[8].

Casos relacionados à saúde geralmente já resultam na abertura de um PAJ, o qual é formado por: Redução a Termo (narrativa da pretensão do assistido[9]); Outorga de Poderes[10]; Questionário e Pesquisa Socioeconômicos[11]; Termo de Renúncia[12]; documentos pessoais do assistido e documentos relativos à demanda. Estes últimos, em se tratando de PAJ de Saúde consistem em laudos, relatórios e receituários médicos, além de resultados de exames, caso o interessado julgue pertinente.

Os procedimentos de assistência jurídica referentes à saúde são de competência dos Defensores Públicos Federais titulares dos Ofícios Cíveis e, a partir da pesquisa estatística fornecida pela DPU/GO, constata-se que, durante o ano de 2018, foram realizados 1.908 atendimentos cíveis iniciais e 4.800 atendimentos cíveis de retorno.

Os atendimentos iniciais são aqueles efetuados para a abertura do Procedimento de Assistência Jurídica (PAJ) do assistido, por meio do qual ele terá o seu primeiro contato com o Defensor Público Federal, que irá analisar a pretensão que o levou a buscar os serviços da DPU. Depois que o assistido já possui um PAJ, os outros momentos que ele comparece a DPU para providências sobre a sua demanda são chamados de atendimentos de retorno.

Como dito em momento anterior, observando a totalidade de atendimentos da área cível da DPU/GO, nota-se que as pretensões relacionadas à saúde são predominantes. Considerando os cinco ofícios cíveis existentes na instituição e restringindo os pleitos de saúde à medicamentos, internação em leito de UTI e procedimento cirúrgico, verifica-se que foram instaurados 789 processos (PAJs), sendo 424 relativos à medicamentos, 264 concernentes à cirurgia e 101 referentes à leitos de UTI.

Em relação a estes três pleitos definidos acima, verificou-se que os processos para solicitação de medicamentos foram abertos por 423 assistidos, os de cirurgia por 262 e os de leito de UTI por 101 assistidos.

Diante disso, percebe-se que o montante de PAJs abertos pode ser maior do que a quantidade de pessoas auxiliadas, pois pode ocorrer de uma única pessoa precisar comparecer à DPU com a mesma pretensão em diferentes momentos.

Por exemplo, o Sr. Inácio[13], em virtude das complicações decorrentes de um câncer renal descoberto em janeiro de 2018, precisou se submeter à um procedimento cirúrgico urgente para o qual não haviam vagas em hospitais da rede pública.

Assim, buscou a assistência jurídica da DPU/GO para que uma ação judicial fosse ajuizada pleiteando que a cirurgia de urgência fosse realizada em hospital particular às expensas do Poder Público. O pedido foi julgado procedente pelo juízo competente e a cirurgia necessária para a garantia da saúde do Sr. Inácio foi realizada.

No entanto, em novembro do mesmo ano, o estado clínico do Sr. Inácio se agravou, uma vez que o câncer que atingia somente os rins evoluiu para metástase pulmonar, sendo-lhe indicado outro procedimento cirúrgico.

Por conseguinte, seus familiares voltaram a buscar os serviços jurídicos da DPU/GO para que uma nova ação fosse ajuizada pleiteando vaga de internação para realização de nova cirurgia no hospital público que o mesmo faz tratamento médico. Assim, depreende-se que o Sr. Inácio precisou realizar dois atendimentos cíveis iniciais durante o ano de 2018 e por isso possui dois PAJs registrados em seu nome.

Pode ocorrer também de uma única pessoa possuir diversas pretensões na mesma área, neste caso, cível relacionada à saúde. De maneira ilustrativa: a Sra. Maria[14] compareceu à DPU/GO para obter auxílio jurídico a fim de pleitear: o fornecimento de um medicamento e a realização de um exame, ambos imprescindíveis para o procedimento cirúrgico ao qual será submetida posteriormente.

À vista disso, no caso da Sra. Maria (por questões de organização administrativa interna da instituição) serão necessários abrir três Procedimentos de Assistência Jurídica (PAJ): um concernente ao medicamento, outro alusivo a realização do exame e outro relacionado à cirurgia. Ou seja, uma única assistida, deu origem à três processos no âmbito da DPU/GO.

Baseando-se ainda nos dados estatísticos fornecidos pela DPU/GO e distinguindo a demanda total de cada Ofício Cível de maneira individual, observa-se que o 2º Ofício Cível foi o que mais recebeu PAJs referentes à medicamentos (90 processos) e leitos de internação de UTI (25 processos) e o 4º Ofício Cível recebeu a maior quantidade de PAJs relativos à cirurgia (61 processos).

Já acerca dos Ofícios Cíveis que receberam menor quantidade de PAJs destaca-se que o 3º Ofício Cível responsabilizou-se por 76 processos referentes à medicamentos e o 1º Ofício Cível foi o titular de 14 processos relativos a UTI. O 2º e o 5º Ofícios Cíveis tiveram a mesma quantia de processos relativos à cirurgia, isto é, 49.

Porém, independente de para qual Ofício Cível da DPU/GO foram distribuídos mais ou menos Procedimentos de Assistência Jurídica (PAJ), facilmente infere-se dos dados expostos acima que a Defensoria Pública da União em Goiás é indispensável para assegurar a concretização do direito à saúde da população goiana hipossuficiente, posto que somente em 2018 a instituição foi procurada por 786 pessoas cujo objetivo era a garantia do seu direito à saúde, o que demonstra sua importância para a garantia da qualidade de vida e da cidadania dos cidadãos do estado de Goiás.

3.2 A IMPRESCINDIBILIDADE DO ATIVISMO JURÍDICO DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO PARA O ACESSO À SAÚDE PELAS PESSOAS HIPOSSUFICIENTES

O direito à saúde, apesar de representar consequência constitucional indissociável do direito à vida (ORDACGY, 2009, p. 18), ainda é muito negligenciado pelo Estado, uma vez que a execução das políticas públicas na área de saúde não acompanhou a di­mensão desse direito e continua muito aquém das necessidades dos cidadãos, deixando-os desamparados em um dos momentos mais difíceis de sua existência (OUVERNEY, 2016, p. 136).

Assim sendo, a população de baixa renda, dependente dos serviços do SUS, diante da negativa de atendimento de suas necessidades básicas de saúde, busca o auxílio jurídico integral e gratuito da Defensoria Pública da União com o intuito de obter o tratamento médico que necessita através das diligências administrativas da instituição ou mediante prestação jurisdicional.

Neste sentido, de acordo com Ressurreição (2012, p. 105), tendo em vista o cenário de histórica omissão estatal no cumprimento dos comandos constitucionais que versam acerca do direito fundamental à saúde, a Defensoria Pública da União emerge como “valioso instrumento de transformação social e concretização de direitos fundamentais”, habilitando o Judiciário a agir em prol dos direitos constitucionalmente assegurados.

É pertinente, inclusive, destacar que o ativismo judicial caracteriza um comportamento da magistratura visando à revisão de questões e temas de competência, a princípio, de outras instituições ou poderes. No âmbito da saúde, este ativismo se traduz nas determinações quanto à entrega de medicamentos não constantes das listas oficiais, a realização de cirurgias e outros tratamentos médicos, sendo uma tentativa de encontrar um mecanismo de equalização do sistema (ALMEIDA; TOALDO; MARIANO, 2014, pp. 5 e 8).

Ademais, políticas públicas de saúde falhas que não dão a atenção necessária para o ser humano e preserve sua dignidade e qualidade de vida motiva um maior ativismo judicial que deve, por conseguinte, estar focado na garantia e efetivação dos direitos sociais.

De acordo com Ressurreição (2012, p. 106), em tal situação, o fortalecimento da Defensoria Pública, órgão protetor dos direitos dos necessitados, faz-se imprescindível, já que possibilita a plena universalização de oportunidades para aqueles que se encontram em uma posição de hipossuficiência. Logo, havendo sua colaboração em prol dos desprovidos de um mínimo existencial, o ativismo judicial será justificado, democraticamente legítimo e, até mesmo, necessário.

Portanto, não restam dúvidas de que um importante elemento para que o Poder Executivo procurasse melhorar a eficácia de suas políticas públicas e interinstitucionais na área da saúde foi a atuação das Defensorias Públicas na questão (OUVERNEY, 2016, p. 150).

Tal fato nos leva a compreender que o ativismo jurídico destas instituições, em especial da DPU, é imprescindível para que o direito constitucional à saúde de todos seja devidamente materializado e que o acesso à informação, a difusão de conhecimento e o diálogo entre as instituições envolvidas são o caminho para aperfeiçoar o SUS e o sistema público de saúde como um todo.

Desse modo é que se entende que a Defensoria Pública, em sua peculiar e ímpar atuação no contexto brasileiro, tem o intento de “eliminar as injustiças sociais e abrir caminho para a chegada da paz” (PALUDO, 2010, p. 161-167), sendo, nesse sentido, veículo hábil a fomentar melhorias dos índices de desenvolvimento social (MONTEIRO, 2006, p. 71).


CONCLUSÃO

O acesso à justiça, propiciado pelo ordenamento jurídico brasileiro com o advento das Defensorias Públicas, permitiu que as pessoas sem condições financeiras para arcar com os custos decorrentes do ajuizamento de um processo judicial pudessem pleitear a efetivação de seus direitos fundamentais violados pelo Poder Público.

Um dos direitos sociais que são negligenciados pelo Estado, por força de suas políticas públicas falhas e ineficazes, é o direito à saúde, inerente à dignidade humana e diretamente ligado à vida e à integridade física do indivíduo. Esta omissão dos entes federativos à vista deste bem jurídico protegido constitucionalmente deu azo à judicialização da saúde, demonstrando que, hoje, o cidadão hipossuficiente, diante da negativa de atendimento pelo SUS, não tem outra alternativa a não ser socorrer-se ao Poder Judiciário para obter os serviços de saúde e tratamentos médicos que necessita.

A Defensoria Pública da União em Goiás (DPU/GO) tem uma forte atuação no âmbito da saúde, sendo estas demandas as mais recorrentes nos Ofícios Cíveis da instituição. A partir dos dados apresentados neste artigo, relativos ao ano de 2018, percebe-se a predominante litigiosidade quando tratamos de fornecimento de medicamentos, solicitação de leito de UTI e de internação para procedimento cirúrgico.

Diante disso, conclui-se que o ativismo jurídico da Defensoria Pública da União é imprescindível para a concretização do direito constitucional à saúde de todos os brasileiros, o que foi claramente retratado na introdução deste artigo científico pelo caso ilustrativo da Sra. Zélia[15], que, como tantos outros, só tem acesso ao seu tratamento médico graças à ação judicial ajuizada com o auxílio da instituição.

Outrossim, constata-se que a Defensoria Pública da União não só ampara o cidadão que possui pleitos perante o Poder Judiciário, mas também o auxilia difundindo conhecimento e informação a respeito das formas de se obter o serviço de saúde pertinente de maneira administrativa, promovendo o diálogo entre os órgãos de saúde e o indivíduo necessitado, contribuindo com o aperfeiçoamento do SUS e a efetivação das políticas públicas de saúde.


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Notas

[1] Nome fictício.

[2] Pode ser acessada na página inicial do site da instituição e encontra-se disponível em <https://www.dpu.def.br/images/stories/documentos/PDF/carta_de_servicos.pdf>. Acesso em 26/02/2019.

[3] Dados coletados pelo Sistema de Informações Simultâneas da Defensoria Pública da União (SIS-DPU) e disponibilizados em: <https://www.dpu.def.br/transparencia/atendimento-da-dpu>. Acesso em 27/05/2019.

[4] Dados retirados da página 94 e da Tabela 5 constante na página 47 do texto “Assistência jurídica integral e gratuita no Brasil: um panorama da atuação da Defensoria Pública da União”, também denominado MAPA DPU 2018. Disponível em: https://www.dpu.def.br/images/stories/arquivos/PDF/Panorama_Atuacao_mapa_DPU.pdf. Acesso em 26/02/2019.

[5] Atendimento inicial dos usuários do SUS. Seu objetivo é orientar sobre a prevenção de doenças, solucionar os possíveis casos de agravos e direcionar os mais graves para níveis de atendimento superiores em complexidade. A atenção básica funciona, portanto, como um filtro capaz de organizar o fluxo dos serviços nas redes de saúde, dos mais simples aos mais complexos.

[6] O Supremo Tribunal Federal expôs a sua posição sobre o tema no julgamento do RE 855178/SE, conforme observamos a seguir: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente ou conjuntamente”. (RE 855178 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 05/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-050 DIVULG 13-03-2015 PUBLIC 16-03-2015).

[7] Enunciado nº 25 da III Jornada Nacional da Saúde: Nas demandas de usuários do SUS por acesso a ações e serviços de saúde eletivos previstos nas políticas públicas, considera-se excessiva a espera do paciente por tempo superior a 100 (cem) dias para consultas e exames, e de 180 (cento e oitenta) dias para cirurgias e tratamentos.

[8] Procedimento administrativo de âmbito interno da DPU em que o Defensor analisa as características das pretensões do assistido. Esse processo poderá ser arquivado ou originar um Processo Judicial.

[9] Como são chamadas as pessoas beneficiárias da assistência jurídica integral e gratuita oferecida pela Defensoria Pública.

[10] Documento no qual o assistido: declara, sob as penas da lei, que não tem condições econômicas de arcar com os ônus do pagamento de custas e honorários advocatícios, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família; autoriza a DPU a requisitar informações de quem quer que as tenham, ainda que isso implique quebra de sigilo profissional, médico, fiscal, bancário e financeiro; outorga à DPU poderes para transacionar, reconhecer a procedência de pedidos e desistir de demandas.

[11] Documentos nos quais constam o valor total da renda familiar do assistido, os gastos relevantes de seu grupo domiciliar, se participa de algum programa social do Governo Federal, se paga pensão alimentícia e se é proprietário de imóvel(eis) ou veículo(s).

[12] Documento utilizado para a propositura de ações judiciais perante o Juizado Especial Federal Cível no qual o assistido afirma renunciar expressamente aos valores que eventualmente ultrapassem sessenta salários mínimos, relativos à alçada do referido Juizado (art. 3º, Lei nº 10.259/01).

[13] Nome fictício.

[14] Nome fictício.

[15] Nome fictício.


Autor

  • Letícia Lopes da Luz

    Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC GO). Pós-Graduanda em Direito Constitucional, Políticas Públicas e Acesso à Justiça pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Pós-Graduada em Direitos Humanos pela Faculdade CERS em parceria com o Curso CEI. Foi premiada pela PUC GO com o título "Mérito Acadêmico Magna Cum Laude". É assessora do Núcleo Especializado de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de Goiás (NUDH/DPE-GO) desde novembro de 2020. Estagiou na DPU/GO (2018 a 2019), na PFN/GO (2016 a 2018) e na PGE/GO (2016).

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