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Comissões parlamentares de inquérito

a estrutura deficitária e o peso da verdade nas intervenções do Supremo Tribunal Federal

Comissões parlamentares de inquérito: a estrutura deficitária e o peso da verdade nas intervenções do Supremo Tribunal Federal

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RESUMO

A presente monografia, em seu primeiro capítulo, visa a estudar aspectos mais técnicos referentes às Comissões Parlamentares de Inquérito, sua estrutura formal e os casos que concentram boa parte da atuação do Supremo Tribunal Federal. Os capítulos seguintes trabalham questões sócio-jurídicas, principalmente a forma com que a palavra – ou sua ausência – é interpretada. A problemática central está na interpretação social conferida às ingerências do judiciário no âmbito parlamentar e na utilização da mídia para manipular tal interpretação ainda mais latente em ano eleitoral. Assim, a análise deste trabalho consiste no estudo das relações entre o judiciário – Supremo Tribunal Federal -, Comissões Parlamentares de Inquérito e imprensa.


1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho tem como objetivo traçar um panorama da atual estrutura das Comissões Parlamentares de Inquérito, apontar suas principais deficiências e, principalmente, analisar a ingerência do Supremo Tribunal Federal sobre os atos nelas praticados, assim como o impacto das decisões judiciais, tanto nos procedimentos investigatórios quanto na mídia e na sociedade.

O escorço histórico da política brasileira é extremamente vasto no que tange a casos de corrupção. Desde os tempos em que a nação era dominada pela coroa portuguesa, desvio de verbas e tráfico de influência eram práticas recorrentes, não são novidades dos dias atuais. Neste ínterim, devemos ressaltar que a crença quase utópica da sociedade brasileira de que o governo em exercício seria diferente não foi o bastante para mudar o rumo político que o precedeu.

Falta ao povo brasileiro, além de conhecimento, consciência sobre o curso das comissões parlamentares de inquérito. A sociedade espera das CPI’s resultados imediatistas e, quase sempre, fora da abrangência de efeitos gerados pelo procedimento. Em suma, o que se espera de uma CPI está além do que se pode fazer naquele âmbito, talvez pelo costume reforçado por inúmeros governos em apresentar soluções em curto prazo para as mais diversas situações.

O Supremo Tribunal Federal funciona não só como regulador dos atos ilegais praticados nas CPI’s: também tem como objetivo precípuo a guarda da constituição pátria e, no caso deste trabalho, será analisado o dever de garantir direitos fundamentais geralmente envolvidos pelo procedimento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

Valendo-nos da bibliografia recomendada, resta interessante traçar um paralelo entre as horas de depoimento, ao estresse a que são submetidos os depoentes, informantes e indiciados nas CPI’s, com o texto "A tradição inquisitorial", escrito por Roberto Kant de Lima. Ressaltar, baseado no texto de Hannah Arendt "A mentira na política", a práxis política brasileira de falsear a verdade, o impacto sobre a sociedade e suas mais diversas conseqüências. Além disso, estabelecer, a partir da obra de Michel Foucault "A ordem do discurso" os oportunismos gerados nas CPI’s, os efeitos de cada discurso, tanto dos depoentes quanto dos inquisidores.

No primeiro capítulo, analisaremos aspectos mais técnicos referentes às Comissões Parlamentares de Inquérito, como sua abrangência e limitações e, também, os casos mais freqüentes de atuação do Supremo Tribunal Federal no que tange aos procedimentos daquele âmbito. Nos capítulos seguintes o foco será sócio-jurídico, onde estudaremos as nuances do inquérito parlamentar enquanto poderoso instrumento de campanha, valendo-se da divulgação feita pela imprensa, dos métodos utilizados para obtenção do que convier aos parlamentares nas horas de depoimento e declarações, a imparcialidade da Suprema Corte nas decisões que envolvem Comissões Parlamentares de Inquérito e sua difícil relação com a mídia.

Portanto, o alvo deste trabalho tem foco na análise dos aspectos legais e sociológicos que envolvem as comissões parlamentares de inquérito, desde a desatualizada lei 1.579/52 até os bastidores despercebidos pelo público geral e que retratam os reais motivos que impulsionam as investigações; a rede de trocas operada entre os parlamentares que aquece e interfere em cada depoimento; as intervenções do Supremo Tribunal Federal e, finalmente, o quociente de verdade e sua validade nas relações sociais, melhor ainda, nos eleitores.


2 ABRANGÊNCIA E LIMITAÇÕES DA CPI E CONTROLE DO STF

(...) Com o tempo, a gente consegue ser livre, ético e o escambau. Dirão que é inútil, todo mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal. E eu direi: ‘Não admito, minha esperança é imortal, e eu repito: imortal’. Sei que não dá pra mudar o começo, mas se a gente quiser vai dar pra mudar o final.

Elisa Lucinda

2.1 Poderes da comissão parlamentar de inquérito

A constituição federal, em seu art. 58, §3º, conferiu às Comissões Parlamentares de Inquérito poderes de investigação próprios de autoridade judiciais para que sejam apurados fatos determinados e por prazo certo desde que o requerimento seja feito por pelo menos um terço dos parlamentares.

Conferir à investigação parlamentar poderes inerentes ao judiciário garante funcionalidade, vez que a autonomia das comissões implica em celeridade dos trabalhos de apuração dos fatos. Requerer ao Poder Judiciário autorização para todos os atos possíveis no âmbito inquisitorial parlamentar daria margem à impetração de mandados de segurança, dentre outros remédios constitucionais, com intuito de protelar o procedimento, que dificilmente terminaria dentro do prazo previsto em lei.

Em matéria publicada na revista Consulex de 15/10/2005, sob o título As lições jurídicas das CPIs (ano IX, nº 210), o jurista Léo da Silva Alves aponta como primeira lição a natureza híbrida da Comissão Parlamentar de Inquérito, que reúne procedimentos típicos de inquérito e, também, próprios de processo.

Ressalte-se que, apesar dos poderes investigatórios característicos da jurisdição, o Poder Judiciário não resta excluído do procedimento, vez que estabelece extensão e limites aos poderes investigatórios das Comissões Parlamentares de Inquérito e que ao legislativo não cabe condenar ou responsabilizar de forma definitiva. Cabe, ainda, exclusivamente ao judiciário, Supremo Tribunal Federal, no caso, a defesa de garantias fundamentais asseguradas pela constituição. (SANTOS, 2004, p. 175)

Neste sentido, temos o relatório do Ministro Paulo Brossard no habeas corpus 71.039/RJ:

A Comissão Parlamentar de Inquérito se destina a apurar fatos relacionados com a administração (Constituição, art. 49, X), com a finalidade de conhecer situações que possam ou devam ser disciplinadas por lei, ou ainda para verificar efeitos de determinada legislação, sua excelência, inocuidade ou nocividade. Não se destina a apurar crimes nem a puni-los, da competência dos Poderes Executivo e Judiciário; entretanto, se, no curso de investigação, vem a deparar fato criminoso, dele dará ciência ao Ministério Público, para os fins de direito, como qualquer autoridade, e mesmo qualquer do povo. Constituição, artigo 58, §3º, in fine.

Conforme o exposto, a intervenção do judiciário ocorre, além de outras situações, quando as Comissões Parlamentares de Inquérito deparam-se com fato criminoso ou quando os envolvidos requerem, junto ao Supremo Tribunal Federal, a manutenção das garantias conferidas pelo diploma constitucional.

2.1.1 Limitações formais

Os poderes de uma CPI, por mais amplos que sejam, devem observar os direitos fundamentais constitucionais, principalmente no que tange à dignidade humana e cidadania. Apesar de atividade condicionada à situação jurídica concreta, a atuação do Poder Judiciário faz-se necessária não só para proteger tais garantias, estabelecer limites e abrangência das investigações, mas condenar e responsabilizar definitivamente com base no conjunto probatório formado durante a CPI e apresentado pelo Ministério Público.

As limitações formais estão expressas no art. 58, §3º da Constituição Federal, e versam sobre os requisitos da investigação parlamentar, são facilmente percebidos por serem específicos do procedimento, vejamos o que dispõe o artigo citado:

As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se dor o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil e criminal dos infratores.

Em apertada síntese, temos que a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito é efetivada após o recolhimento das assinaturas mínimas necessárias e do pedido de abertura apresentado à mesa diretora, que o lê em plenário. Ressalte-se que, para funcionar, faz-se necessário, ainda, que os partidos que têm representatividade na Casa indiquem os membros para a comissão. Da instauração temos o início da chamada fase inquisitorial ou investigativa, formalizada pelo relatório final, base para que o Ministério Público ofereça denúncia.

A respeito do quorum estabelecido constitucionalmente, devemos salientar que o mínimo estabelecido em um terço favorece as minorias, que independem da vontade dos grandes partidos para promover a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, tal benesse consta da Carta Magna desde 1946. Segundo os arts. 102, §4º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e 244 do Regimento Interno do Senado Federal o número de assinaturas deve ser de um terço até a apresentação em mesa ou publicação do pedido de instauração, respectivamente. Ressalte-se que um terço implica no número inteiro seguinte quando aquele não for exato, ora, número inteiro abaixo não alcançaria o terço constitucional.

A Constituição Federal garante, ainda, a proporcionalidade partidária, princípio gerado a partir do pluralismo político e da atuação em nível nacional dos partidos, obrigando as constituições estaduais e leis orgânicas municipais e distrital a adotarem o mesmo raciocínio. Vejamos o disposto no art. 58, §1º: "Na constituição das Mesas e de cada comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa". A não observância deste princípio pode acarretar a invalidação dos trabalhos, seja pela própria Casa legislativa ou judicialmente.

Outro benefício concedido às minorias partidárias, vez que a proporcionalidade deve ocorrer não só durante a criação da CPI, mas durante a fase inquisitorial, consiste na obrigatoriedade de rodízio entre bancadas. Determinado partido que não tenha participado de Comissão Parlamentar de Inquérito anterior terá sua inserção na seguinte, obstando a predominância de partidos de grande porte em detrimento dos menores (ALVES, 2004, p. 319).

Dentre as conseqüências geradas pela expressão prazo certo (art. 58, §3º da Constituição Federal) está a vedação de investigação por tempo indefinido, que poderia expor o indiciado à mercê dos inquisidores ad eternum. As Comissões Parlamentares de Inquérito tem caráter temporário de acordo com sua lei regulamentadora, sua extinção decorre de três possibilidades: entrega do relatório final – implica na conclusão dos trabalhos e satisfação do objeto -; decurso do prazo; término da sessão legislativa ordinária ou legislatura. O Regimento Interno do Senado Federal possibilita a suspensão do funcionamento e, conseqüentemente, do prazo durante o recesso segundo seu art. 76, §3º. Para a Câmara dos Deputados, em seu art. 35, §3º, o prazo pode ou não ter continuidade.

O término da legislatura faz com que seja impossível perdurar os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito, pois tanto os partidos quanto os blocos parlamentares são modificados, razão pela qual também é vedado o desarquivamento na legislatura seguinte.

Por fim, dentre as limitações formais, destacamos a impossibilidade de apuração de fato indeterminado. Tem o objetivo de evitar denúncias infundadas com condão exclusivo de viabilizar e promover estratagemas políticos e, também, para impedir a exposição do indiciado a eventuais constrangimentos.

2.1.2 Limitações materiais

Tratam de arestas ao conteúdo da investigação, limitações genéricas que não produzem efeito somente em Comissão Parlamentar de Inquérito. Segundo José Wanderley Bezerra Alves (2004, p. 335): "decorrem da separação dos poderes e da organização constitucional do Estado, do sistema federativo e dos direitos e garantias fundamentais, dentre os quais o direito ao sigilo".

Apesar de amplos poderes, toda Comissão Parlamentar de Inquérito deve observar os princípios constitucionais fundamentais de preservação da dignidade humana e cidadania. Suas atividades estão intimamente ligadas à situação jurídica concreta, mas medidas como condenação e responsabilização em caráter definitivo são inerentes ao Poder Judiciário, que tem o condão de estabelecer limites e abrangência do poder investigatório da comissão sem que disso decorra qualquer afronta à separação dos poderes. Vejamos trecho da decisão proferida pelo Ministro Otávio Gallotti no HC 79.589/DF, publicado no Diário de Justiça no dia 05.04.00:

(...) O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de Poderes.

Destacando trecho da decisão prolatada pelo Ministro Celso de Mello no Mandado de Segurança nº 25.617-MC/DF, torna-se evidente a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal no que se refere à delimitação da abrangência dos poderes da CPI, in verbis:

É por essa razão que, embora amplos, os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito não são ilimitados nem absolutos, porque essencialmente subordinados, quanto ao seu exercício, à necessária observância das restrições definidas em sede constitucional ou em âmbito legal, consoante proclamam inúmeros precedentes firmados pela jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal.

Ainda que não expressa no princípio da separação do poderes, a adoção do sistema bicameral do legislativo implica em distribuição horizontal de competências tanto à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal. Em sendo assim, estabelecidas as funções privativas de cada Casa, não há que se falar em ingerência de uma em competência da outra. Cautela para não confundir as Comissões Parlamentares Mistas de Inquérito, que contam com a participação do Senado e da Câmara como exceção ao princípio de separação dos poderes, uma vez que ambas conduzem determinados aspectos da investigação de forma independente.

Ora, se impossível a intervenção entre as Casas do Congresso, que dirá investigação das atividades judiciárias ou a respeito das atribuições políticas do Chefe de Estado e assuntos relativos à defesa e segurança do Estado.

Dentre os limites que decorrem dos direitos e garantias fundamentais devemos ressaltar a observância ao devido processo legal, princípio da vedação de exigir auto-incriminação e o direito à assessoria técnica, esmiuçados oportunamente no decorrer deste trabalho.

2.2 Quebra de sigilos

2.2.1 Terminologia e manutenção do sigilo

A doutrina condena, apesar de sua popularização, principalmente pelos meios de comunicação, a utilização do termo quebra. Esta nomenclatura remete ao entendimento jurídico de transgressão ao direito fundamental da privacidade e implicaria em prática criminosa. Ressalte-se que também é bastante utilizado o jargão transferência, igualmente equivocado por não traduzir fielmente o procedimento. Recomenda-se o uso de termos como co-guarda ou co-proteção, uma vez que tanto a entidade que fornece as informações quanto os que têm acesso a elas devem preservar o sigilo dos dados-objeto de investigação (ALVES, 2004, p. 392).

Desta feita, nos casos em que a lei, ou até mesmo a própria Comissão Parlamentar de Inquérito, determine o sigilo de informações cujo conteúdo está em deliberação e análise, a divulgação acarreta pena de responsabilidade por falta de decoro parlamentar. Na câmara dos deputados a punição implica em perda temporária do exercício do mandato segundo o art. 246, III de seu regimento interno; já no Senado Federal, a provável penalidade é a de perda do mandato segundo o art. 150 do regimento interno (ALVES, 2004, p. 392).

2.2.2 Garantias constitucionais de inviolabilidade

Sofrem limitação de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ambos de definição bastante próxima. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p. 81) o princípio da razoabilidade exige proporcionalidade a ser medida segundo padrões sociais diante de caso concreto, não se restringindo aos termos legais. Além de valer-se dos princípios anteriormente citados, a limitação deve encontrar balisa no art. 5º, LIV, garantidor do devido processo legal.

José Wanderley Bezerra Alves (2004, p. 396) aponta que a restrição deve ser:

a)adequada (verificação do custo-benefício, se o meio escolhido é o apropriado para o fim almejado);

b)necessária ou exigível (indispensabilidade para a conservação do direito e conseqüente proibição de excesso); e

c)proporcional em sentido estrito, fazendo-se uma ponderação para aferir o real equilíbrio entre os meios utilizados e os fins almejados, verificando-se a pertinência e legitimidade desses, o que somente ocorrerá no caso concreto.

Apesar das restrições decorrerem de dispositivo legal específico como expressão de força do Estado, consiste em poderoso instrumento de justiça. Imprimir limitações a direito fundamental é possível apenas para proteger direito equivalente ou superior, onde a solução de conflitos entre tais direitos é ponderada a partir de entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (ALVES, 2004, p. 398) nos termos do voto do Ministro Maurício Corrêa:

Quando dois direitos ungidos em leis da mesma hierarquia entram em conflito, a prevalência de um sobre o outro é decidida segundo uma escala axiológica; mas este padrão de valores não é fornecido pela Constituição, cabendo ao intérprete da lei, orientado pelas regras de hermenêutica e de exegese e levando em conta o estágio sócio-cultural contemporâneo aos fatos, dizer sobre esta prevalência.

Neste sentido, face à possibilidade jurídica de sobrestamento de direitos fundamentais individuais, a eventual quebra de sigilos constitui forte instrumento da Comissão Parlamentar de Inquérito na apuração do fato determinado que a instaurou. Contudo, há que se observar os pedidos de liminar em Medidas Cautelares com o objetivo de obstar as investigações com a manutenção dos direitos fundamentais.

2.3 Participação de advogados

A assistência prestada por advogado é assegurada não só constitucionalmente (art. 133), mas por legislação específica como o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 7º, III; VI, "c" e "d", VII; X; XI e XII) e a lei 8.906/94 (art. 2º caput e §1º). A atuação do advogado é considerada indispensável para a administração da justiça, inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão e, privativamente, presta serviço e exerce função social segundo os dispositivos legais citados. Vejamos o disposto no Estatuto da OAB:

Art. 7º São direitos do advogado:

(...) III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;

(...) VI - ingressar livremente:

(...) c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado;

d) em qualquer assembléia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deva comparecer, desde que munido de poderes especiais;

(...) VII - permanecer sentado ou em pé e retirar-se de quaisquer locais indicados no inciso anterior, independentemente de licença;

(...) X - usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas;

XI - reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento;

XII - falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo;

Em interpretação do Estatuto da OAB, é de fácil ilação o acesso do advogado às Comissões Parlamentares de Inquérito, sua participação envolve não somente a comunicação com o cliente, mas o direito de advertir os membros da comissão para atos que violem dispositivos legais, ressaltar questões que julgar relevantes para o caso e que não tenham sido discutidas e, inclusive, requerer esclarecimentos a respeito do cliente e influenciem na defesa.

Neste sentido, destaca-se o entendimento de João Carlos Castelar (2000, p.12): "Aos advogados deve ainda ser facultada a participação nas inquirições, seja para ministrar a orientação técnica adequada a seu patrocinado, ou até para interferir no curso dos trabalhos à inobservância de preceito de lei".

É de fácil percepção que politicamente nossos parlamentares têm excelente desempenho e, em contra partida, o despreparo na condução de uma Comissão Parlamentar de Inquérito é evidente, assim como a deficiente assistência que, junto, corroboram com inúmeras violações legais. A título de exemplificação podemos citar o caso da CPI do narcotráfico onde o advogado foi retirado da sessão inquisitorial mediante força física por ter se voltado contra decisão da comissão que o impedia de se comunicar com seu cliente ou interromper os questionamentos (PEIXINHO E GUANABARA, 2001, P.99).

O Supremo Tribunal Federal concedeu liminar no sentido de restabelecer os direitos anteriormente citados ao advogado conforme demonstra o trecho do acórdão referente ao Mandado de Segurança de relatoria do Ministro Celso de Mello (MS nº 23.576/DF):

(...) As prerrogativas legais outorgadas aos advogados possuem finalidade específica, pois visam a assegurar, a esses profissionais do Direito, cuja indispensabilidade é proclamada pela própria Constituição da República (art. 133) – o exercício, perante qualquer instância de poder, de direitos próprios destinados a viabilizar a defesa técnica daqueles em cujo favor autuam. Desse modo, não se revela legítimo opor, ao Advogado, restrições que, ao impedirem, injusta e arbitrariamente, o regular exercício de sua atividade profissional, culminem por esvaziar e nulificar a própria razão de ser de sua intervenção perante os órgãos do Estado.

Nos inquéritos policiais a principal finalidade consiste na busca pela verdade real, as diligências realizadas pela polícia judiciária visam apurar determinada infração penal, sua autoria para viabilizar o ingresso da ação penal pelo Ministério Público ou ofendido no caso das ações penais privadas. A lei 10.792/03 modificou aspectos pungentes do interrogatório policial, principalmente ao conferir o direito de ter advogado constituído durante o interrogatório para garantir maior amplitude de defesa (art. 185 da lei); além do direito de entrevista reservada para orientação técnica (LACERDA, 2004).

Baseados em tais alterações da lei de execuções penais e do próprio código de processo penal, há quem defenda o inquérito como sendo legalmente contraditório a partir do indiciamento e, ainda, assegura maior legitimidade às conclusões da investigação (LACERDA, 2004).

Ressalte-se, ainda, que a conseqüência direta de admitirmos o inquérito como contraditório é a mudança em sua natureza, não mais meramente informativa, mas de caráter probatório durante a instrução, tornando mais célere a prestação jurisdicional.

Contudo, o entendimento acima exposto é atacado por alguns autores. Tourinho Filho (1999, p. 196) defende que se houvesse aplicação do princípio do contraditório haveria paridade completa entre acusação e defesa, esta última não deveria, portanto, estar sujeita à limitações. Observamos, no entanto, dispositivos que restringem a defesa como o art. 1.077 do Código de Processo Penal que proíbe argüição de suspeição das autoridades policiais e a possibilidade destas indeferirem pedidos de diligência feitos pelo ofendido ou indiciado (art. 14) com certas ressalvas.

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento relatado pela Ministra Ellen Gracie, defende a teoria de que o inquérito policial não consiste em peça de peso probatório, mas de caráter tão somente informativo. HC nº 82.222/SP publicado no DJ do dia 17.09.02, o writ fora indeferido por entender que, sendo o inquérito judicial para apuração de crime falimentar peça de natureza meramente informativa, eventual falha procedimental, como a falta de intimação do falido para os fins do art. 106, não teria o poder de contaminar a ação penal (SANTOS, 2005).

Em sendo assim, o contraditório seria dispensável durante a fase de investigação mesmo que posterior ao formal indiciamento em razão das provas serem refeitas judicialmente. Parte da doutrina entende, ainda, que a lei 10.792/03, em interpretação extensiva, aumenta amplitude da Constituição ao ler indiciado o que a Carta Magna trata como acusado. Além disso, subsiste a possibilidade de conduzir o procedimento policial à morosidade se plausível a aplicação do contraditório (SANTOS, 2005).

Com base nos apontamentos acerca do inquérito policial e traçando um paralelo junto ao inquérito realizado pelas Comissões Parlamentares, há entendimento minoritário que defende a não intervenção do causídico em procedimentos inquisitoriais, vez que não há acusação formal e, por conseqüência, garantias como contraditório ou ampla defesa estariam em suspenso sob a argumentação de que o devido processo legal é característica inerente ao Poder Judiciário. Devemos discordar do ponto de vista apresentado por tudo já exposto e, ainda, acrescentando o fato de que o rito seguido por Comissão Parlamentar de Inquérito obedece determinado regramento, obviamente não tão rigoroso quanto o processo judicial, mas que estabelece a maneira com que os atos devem ser praticados.

Vejamos trecho da decisão referente ao MS nº 25.617-MC/DF, onde o relator, Ministro Celso de Mello identifica o paralelo traçado no parágrafo anterior:

Não se questiona a asserção de que a investigação parlamentar reveste-se de caráter unilateral, à semelhança do que ocorre no âmbito da investigação penal realizada pela Polícia Judiciária. Cabe advertir, no entanto, como já proclamou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sob a égide da vigente Constituição, a propósito do inquérito policial (que também é conduzido de maneira unilateral, tal como ocorre com a investigação parlamentar), que a unilateralidade desse procedimento investigatório não confere ao Estado o poder de agir arbitrariamente em relação ao indiciado e às testemunhas (...).

A ultrapassada lei 1.579/52 nos remete ao código de processo penal para esclarecer diversas situações que deveriam estar em seu bojo, toda a controvérsia a respeito do interrogatório penal trazida para o âmbito da CPI seria sanada por simples artigo que determinasse às constatações da comissão conjunto probatório sem necessidade de reprodução junto ao Judiciário para garantir celeridade no processo judicial.

Há que se discutir, entretanto, a forma com que a assistência pelo causídico vem sendo realizada junto aos clientes que são convocados a depor em CPI. A participação deveria ser sutil durante o depoimento para que a verdade não seja diluída em estratégias de defesa, durante a inquirição deve apenas disponibilizar informações técnicas para que seu cliente compreenda a estrutura em que está inserto, mas observamos certo abuso nos direitos que anteriormente listamos que extrapolam o sentido estrito da assistência. Advogado e cliente juntos como ventríloquo e boneco, respectivamente, alcançar a verdade torna-se quase impossível, posto que depende de um deslize para que venha à tona.

2.4 Habeas Corpus preventivo

Consiste em remédio jurídico referente à garantia individual de tutela ao direito de ir e vir, pode impugnar não somente atos judiciais como também administrativos. Possui tanto natureza liberatória como preventiva, nesta última é chamado comumente de salvo conduto. Para o direito processual penal, a impetração de habeas corpus preventivo deve desvelar fundando receio de prisão ilegal resultante de ato concreto, prova efetiva e ameaça. Portanto, mero temor, incerto e presumido pode ser evitado por meios comuns e não dá margem ao cabimento de salvo conduto (MIRABETE, 2004, p. 771).

Os pedidos de habeas corpus preventivos são, em sua esmagadora maioria, concedidos pelo Supremo Tribunal Federal quando o paciente é declarante junto a determinada Comissão Parlamentar de Inquérito. Ocorre, no entanto, um enorme mal entendido a respeito do assunto. Os indiciados na CPI prestam termo de declaração e não são obrigados, conforme assegura a Constituição, a produzir provas contra si, ou seja, é assegurado o direito a permanecer em silêncio mesmo sem habeas corpus que o ratifique.

Para melhor compreensão devemos dissecar a diferença entre depoimento, declaração e interrogatório. O primeiro é prestado por testemunha que confirma compromisso e só o faz por apresentar imparcialidade na apuração dos fatos; é lavrado por termo de depoimento e está sujeita a prisão em flagrante delito por falso testemunho conforme decisão do Supremo Tribunal Federal no HC 75.287-0/DF, relatado pelo Ministro Maurício Corrêa e publicado no Diário de Justiça, Seção 3, do dia 30/04/1997, p. 16.302. Declarante tem interesse na investigação, logo, a imparcialidade sofre severa diminuição, não presta, portanto, compromisso. Geralmente, enquadram-se na situação retro vítimas, denunciantes e suspeitos. Interrogatório é realizado por autoridade policial ou judicial, ao interrogado deve pesar acusação formal. Investigados por Comissão Parlamentar de Inquérito prestam declaração e, por conseqüência, não há que se falar em compromisso ou prisão por falsear a verdade (CONSULEX, 2005, p.28).

A prisão só pode ser decretada na CPI se em flagrante – como qualquer um do povo pode dar voz de prisão se frente a um crime – e consiste em outro ponto equivocadamente compreendido, pois o falseamento da verdade é verificado no relatório, onde as peças que o comprovam são encaminhadas ao Ministério Público para investigação e pedido de prisão (art. 211, CPP). Ressalte-se que a prisão será decretada em desfavor daquele que presta depoimento e deveria ser imparcial, mas que, por qualquer motivo, tenha favorecido o investigado.

Feita tal diferenciação, mais uma vez nos deparamos com o despreparo dos parlamentares e advogados face às CPI’s. Os direitos ao silêncio e de não prestar compromisso são cristalinos na constituição federal e, mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal continua apreciando inúmeros habeas corpus preventivos para o ratificar. No inquérito policial o indiciado pode ser conduzido ao interrogatório até mesmo de maneira coercitiva, mas o direito a permanecer calado assegurado no art. 5º, LXIII da Constituição Federal não é ameaçado, não há notícia de constante impetração de habeas corpus nestes casos como observamos nas Comissões Parlamentares de Inquérito (MIRABETE, 2004, p. 95). Vejamos trechos da jurisprudência da Suprema Corte:

O privilégio contra a auto-incriminação – que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito – traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa que deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.

O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental.

Ninguém pode ser tratado como culpado, independentemente da natureza do ilícito penal que lhe possa ser atribuído, sem que exista decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da não-culpabilidade consagra, em nosso sistema jurídico, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário. (RTJ 176/805-806, Rel. Ministro Celso de Mello)

Vê-se, portanto, que nenhuma autoridade pública (congressista, magistrado ou membro do Poder Executivo), não importando o domínio institucional a que esteja vinculada, pode constranger qualquer pessoa – indiciado ou testemunha – a depor sobre fatos cuja resposta possa gerar situação de grave dano ao depoente, expondo-o ao risco de auto-incriminação. (MS 25.616-MC/DF, Relator: Ministro Celso de Mello)

Por fim, cabe observar que se houvesse efetiva participação dos advogados durante as declarações para explanar as garantias constitucionais de seus clientes evitar-se-ia o alto número de questões prioritárias como habeas corpus que entravam o julgamento de outros processos na corte suprema.

2.5 Mandado de segurança

Consiste em remédio constitucional (art. 5°, LXIX) de rito sumário especial, é regulado por legislação extravagante, desta forma, não consta do código de processo civil brasileiro. Instrumento que permite a aferição da legitimidade e legalidade dos atos emanados por aqueles que exercem função estatal, inclusive por delegação. Objetivo precípuo é permitir que o judiciário controle os excessos de legalidade que o titular do direito pode sofrer em razão de ato estatal em abuso de poder de polícia, uso da força e coerção. Não há que se falar em afronta à tripartição dos poderes, pois o princípio da inércia impede que o controle seja feito de ofício e ostensivamente, não há ingerência do judiciário em detrimento dos demais poderes, pois o primeiro carece de provocação do titular do direito. Na definição de Hely Lopes Meirelles (2004, p. 21):

Mandado de segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

O mandado de segurança pode ser preventivo, nunca interpretado como salvo conduto, pois deve estar materializado o indicativo de que o requerente está na iminência de sofrer abuso ou ilegalidade. O ato pode ser comissivo ou omissivo, onde o mandado de segurança pode ser utilizado de forma preventiva quando há iminência de ato ilegal ou abusivo que fere direito líquido e certo. O mandado de segurança deve estar fundado no binômio ato ilegal ou abusivo emanado de ente público ou provado por delegação. Citando mais uma vez Hely Lopes Meirelles (2004, p. 24):

O mandado de segurança normalmente é repressivo de uma ilegalidade já cometida, mas pode ser preventivo de uma ameaça de direito líquido e certo do impetrante. Não basta a suposição de um direito ameaçado; exige-se um ato concreto que possa pôr em risco o direito do postulante.

O art. 1° da lei 1.533/51 nos remete à importância da causa de pedir quando utiliza a expressão será concedido. A concessão culmina em ordem para fazer ou deixar de fazer, sendo a sentença, portanto, de natureza mandamental. Líquido e certo é aquilo que pode ser comprovado independente de dilação probatória, direito provado documentalmente. Não há que se falar em perícia, prova testemunhal ou depoimento pessoal. Sem a prova documental, não há interesse de agir.

A liminar num processo de conhecimento, antecipa um provimento com caráter satisfativo, mesmo da sentença de processo cognitivo. A liminar cautelar, por sua vez, possui natureza conservativa. Liminar então, não está ligada à natureza que possui, mas sim à antecipação do pronunciamento final. Concluímos que a liminar pode ser utilizada no processo de conhecimento e no processo cautelar, a natureza diversa, mas ainda sim, liminar. Há, em ambos, tutela jurisdicional, não simples prestação.

Os mandados de segurança impetrados junto ao Supremo Tribunal Federal onde a autoridade coatora é a Comissão Parlamentar de Inquérito têm o condão usual de impedir a quebra de sigilos perda de mandatos e, mais recentemente, garantir a participação de advogados durante depoimentos e acareações (Medida Cautelar em Mandado de Segurança nº 25.617-6/DF).


3 PROCEDIMENTO INQUISITORIAL

Outra contradição entre as leis e os sentimentos naturais é exigir de um acusado o juramento de dizer a verdade, quando ele tem o maior interesse em calá-la. Como se o homem pudesse jurar de boa-fé que vai contribuir com sua própria destruição.

Cesare Beccaria

3.1 A pressão do inquérito e o direito ao silêncio

A frágil lei que regulamenta os procedimentos das Comissões Parlamentares de Inquérito silencia no que tange à duração dos depoimentos, tal lacuna resulta em várias horas de inquérito que chegam, às vezes, a percorrer boa parte da madrugada. Deve-se ressaltar a busca pela verdade real que deve motivar os trabalhos inquisitoriais, visto que poderá servir de base em futuro processo penal.

No artigo "A tradição inquisitorial", Kant de Lima (1989, p. 68) traça um paralelo inicial entre a common law americana e o procedimento romano-canônico adotado pelo Brasil. Na primeira vige o sistema acusatório onde os atos praticados são públicos para que o acusado possa defender-se com maior amplitude, vez que tem conhecimento de todos os dados que circundam a situação; o Estado visa tutelar o interesse deste indivíduo. A segunda corrente, por sua vez, encontra suporte no chamado sistema inquisitorial, onde a averiguação dos fatos deve ser efetuada de forma sigilosa a fim de evitar exposição do indiciado e retaliações ao denunciante.

Apesar do código de processo penal pátrio adotar o sistema acusatório, este pode ser precedido por medida extrajudicial de cunho inquisitorial realizado pela polícia. O autor observa (1989, p. 73) a difícil relação entre policiais e sociedade, uma vez que os primeiros, exercendo suas funções de vigilância e investigação na prevenção e punição de atos que julgar infracionais, provocam na sociedade – principalmente a menos favorecida – sentimento de desconfiança e conseqüente não-colaboração. Em face deste óbice e convictos do julgamento de quem lida diariamente com o crime, a polícia utiliza meios, legais ou não, para que o indiciado confesse autoria ou participação nos fatos investigados. Entendimento pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência de que confissão obtida por meios ilegais deve ser desconsiderada. Em sendo assim, valendo-se de código de ética interno da polícia (1989, p. 78), seus membros deparam-se constantemente com a absolvição de pessoas que acreditam serem culpadas, taxando o Poder Judiciário de incompetente.

Diante do exposto, torna-se possível comparar o sentimento policial traçado por Kant de Lima com os trabalhos de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Os inquisidores do legislativo estão habituados com os mais diversos tipos de corrupção, não é à toa que o próprio Partido dos Trabalhadores afirmou ser usual a prática de caixa-dois em campanhas eleitorais, o problema é executar o papel da polícia dentro do seu próprio meio.

Observamos durante acompanhamento de inúmeros depoimentos em sessões abertas das Comissões Parlamentares de Inquérito os mais diversos tipos de constrangimento aos quais são submetidos depoentes e testemunhas. Desde ameaça de utilização de polígrafos, informações falsas como anunciar a possível presença de alguém que certamente constrangeria o depoente, dentre outras.

Dentre as fases de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, temos que a mais marcante é a formação de conjunto probatório suficiente para que o Ministério Público futuramente ofereça denúncia. Nesta parte destacamos o inquérito em si, as acareações, depoimentos e declarações realizadas naquele âmbito, capazes de exaltar alguns e derrubar outros.

No afã de obter respostas a qualquer custo, observamos indiciados serem submetidos a prestar longas declarações que, muitas vezes, chegam a adentrar a madrugada. A pressão exercida sobre um indiciado, por vezes, não objetiva a busca pela verdade real, mas consiste em verdadeira armadilha para provocar contradição e, obviamente, causar constrangimento, procedimentos não recepcionados pelo direito brasileiro.

Em novo paralelo com o texto de Kant de Lima citado anteriormente, analisamos apontamento feito pela matéria "A técnica do stress e os métodos ilícitos", publicada na revista Consulex de 15/10/2005, de que é corriqueiro entre deputados e senadores vangloriar-se das longas sessões, de horas a fio de declarações sob intensa pressão aonde certo parlamentar chegou a evocar sua experiência policial colocando tais métodos de coerção ou coação psicológica como mérito dos trabalhos. Resta evidenciado o fato de que a tradição inquisitorial e o sentimento policial tornam-se parte do indivíduo até mesmo quando este deixa a corporação.

A reconhecida teoria de Feuerbach, pai do direito penal moderno, dispõe que as pessoas não deveriam cometer crime algum em virtude da coação psicológica exercida pela pena em abstrato e, se essa coação psicológica não for suficiente e o indivíduo vier a delinqüir, então, o Estado exerce coação física através da pena em concreto. Considerando que os interrogatórios constituem, na prática, procedimento intimidatório na grande maioria dos casos, temos que o interrogado é coagido psicologicamente pela sanção em abstrato que pode sofrer e concretamente com a perda de mandato ou outra punição concreta.

Apesar das práticas policiais e seus reflexos nos procedimentos inquisitórias numa Comissão Parlamentar de Inquérito, tem-se consagrado na constituição brasileira o direito a permanecer em silêncio e a impossibilidade de interpretação desfavorável ao acusado que se vale de tal prerrogativa (MORAES, 2001, p. 10). A amplitude do direito ao silêncio foi reforçada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, vejamos trecho da ementa do HC 68.929/SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello, publicado no DJ do dia 28/08/1992, p. 512:

Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. "Nemo tenetur se detegere" (ninguém está obrigado a descobrir-se). Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. O direito de permanecer em silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal.

Apesar da utilização do termo preso na constituição,temos que o sentido técnico não se aplica perfeitamente, haja vista todo acusado ou futuro acusado que possa ser processado ou punido em razão de suas declarações também assiste ao direito de permanecer calado (MORAES, 2001, p. 12).

Desta forma, conclui Alexandre de Moraes (2001, p. 14):

A conduta das Comissões Parlamentares de Inquérito deve, portanto, equilibrar os interesses investigatórios, certamente de grande interesse público, com as garantias constitucionalmente consagradas, preservando a segurança jurídica e utilizando-se dos meios jurídicos mais razoáveis e práticos em busca de resultados satisfatórios garantindo a plena efetividade da justiça, sob pena de desviar-se de sua finalidade constitucional.

Haddad leciona que o princípio contra a auto-incriminação consiste em impulso natural de que tenta preservar sua liberdade e livrar-se de eventual acusação que pese contra si (2005, p.177). Considerando que o réu, no processo penal, não tem o compromisso com a verdade, portanto, a mesma lógica estende-se ao declarante numa Comissão Parlamentar de Inquérito.

Desta feita, devemos analisar o direito de mentir citado por Haddad. O autor aponta (2005, p. 178) que:

Se ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, estabeleceu-se o princípio de que tudo que não for proibido é permitido, ou seja, em não sendo vedado ao acusado prestar declarações mendazes, atribui-se-lhe o direito de falsear a verdade.

Entretanto, entende que mentir não é direito apenas por sua atipicidade, mas por não ser humano exigir que alguém se acuse e a justificativa para a impunidade da mentira não estaria restrita apenas à proteção expressa pelo princípio contra a auto-incriminação, mas também por não haver prescrição proibitiva (2005, p.179).

Haddad assinala, ainda, que o texto constitucional preza pela finalidade ética de seu conteúdo, não podendo, portanto, acobertar violações ou proteger abusos interpretativos como a ilação de que permanecer calado abrange o suposto direito a mentir. Assim, conclui o autor (2005, p. 180):

O princípio nemo tenetur se detegere permite ao acusado não contribuir para a reconstrução dos fatos, ao autorizar-lhe optar por omitir-se na produção da prova, mas não tolera comportamentos ativos para obstar o esclarecimento da verdade, a exemplo da dicção da mentira. Ele não é tão abrangente a ponto de autorizar condutas destinadas a induzir a erro as autoridades policial e judiciária. O direito de defesa não compreende o direito de provocar lesões em interesses de terceiros, sob o risco de se conceder salvo-conduto para delinqüir.

Conforme visto anteriormente, os indiciados numa Comissão Parlamentar de Inquérito, por terem interesse direto nas investigações e suas conclusões, não prestam compromisso em seu depoimento. Contudo, os apontamentos de Haddad deixam claro que isso, somado ao princípio da auto-incriminação, não lhes dá o direito a mentir. A problemática está na ausência de expressa proibição, ou até mesmo punição, para coibir tal prática.

A premissa de que veracidade não pertence ao limitado rol das virtudes políticas coloca a mentira ou arcana imperii (mistérios do governo) segundo Hannah Arendt (1973, p. 14) como instrumento legítimo para atingir metas políticas. Em sendo assim, a ação é considerada a substância da política, baseada na liberdade humana de reformar o mundo pela fonte da imaginação. Apesar do texto referir-se à política externa estadunidense, é simples aplicar sua teoria na atual política interna brasileira, onde a substância essencial no debate das Comissões Parlamentares de Inquérito é a palavra, veraz ou não.

Segundo Arendt (1973, p. 16), a mentira deliberada tem por objeto a contingência dos fatos, ou seja, invocando a teoria aristotélica da particularidade expressada na obra "Metafísica", onde a mutabilidade faz com que o objeto, no caso os fatos, possam "não ser", "ser outra coisa" ou "deixar de ser". Desta forma, a autora nos apresenta a facilidade com que a mentira se torna plausível. Primeiro porque o mentiroso sabe o que seu ouvinte anseia e segundo porque a realidade é, às vezes, inacreditavelmente surpreendente, por mais paradoxal que possa parecer.

O texto nos apresenta duas vertentes de elaboração da mentira e trabalha com ambos durante toda a argumentação. Considerando a premissa psicológica da manipulabilidade do ser humano, temos o que a autora chama de "Relações Públicas", responsáveis, grosso modo, pela propaganda originada nas sociedades de consumo. Padecem na dificuldade de vender pareceres políticos, vez que dependem da disposição da sociedade para comprar algo intangível em razão da ausência de limites à imaginação, da realidade cotidiana e, por fim, do poder político de criar. Ressalte-se que, pelo elevado número de assessores para filtrar informações e interpretar o mundo, o presidente dos Estados Unidos é, provavelmente, o maior alvo de manipulação segundo os moldes anteriormente resumidos.

A outra vertente é comandada pelos resolvedores de problemas profissionais, ou seja, seleto grupo de civis – ou militares no caso americano da guerra do Vietnã - suficientemente preparados para dissolver óbices políticos. Sem interesse na comprovação de suas hipóteses, reduziam tudo que lhes fosse apresentado em fórmulas e linguagens pseudo-matemáticas de forma a ajustar a realidade às teorias elaboradas e, assim, livrando-se da contingência factual. (ARENDT, 1973, p. 20)

O texto de Arendt refere-se aos Documentos do Pentágono, relativos à política americana durante a guerra do Vietnã. Valer-se da mentira para o governo americano não tinha o inimigo como alvo, mas o objetivo de enganar o Congresso e promover a si próprio. Os Estados Unidos emergiram como maior potência após a segunda guerra mundial, tinham, portanto, reputação a defender frente ao sentimento de onipotência. É fácil comparar o governo brasileiro atual à situação americana exposta no texto analisado, que emergiu como potência ética após sucessivos escândalos de corrupção que o precederam e defende esta característica como ponto a favor quando seus homens são investigados.

Os efeitos da derrota – no caso brasileiro, o desmoronamento de uma imagem ética histórica - eram analisados a partir da construção de imagem como política global, pouco importava o bem-estar do povo. Assim, questões militares eram solucionadas pelo ponto de vista político no que tange à eleição presidencial e a imagem norte-americana no mundo. Os Documentos do Pentágono revelaram a não-relação entre os fatos e as decisões tomadas e as manobras realizadas pelos "resolvedores de problemas" para criar sempre novas teorias de ajuste para gerar plausibilidade.

Acompanhamos o governo brasileiro se atrapalhar com as inúmeras denúncias e investigações que o envolviam e derrubaram, aos poucos, seus pilares políticos como José Dirceu e Antônio Palocci. No texto de Arendt encontramos justificativa para estes acontecimentos:

Se os mistérios do governo obscureceram a tal ponto as mentes dos protagonistas que eles já não conhecem ou não mais se lembram da verdade por detrás de seus segredos e mentiras, toda a operação de embuste por melhor organizadas que sejam suas "campanhas-maratonas de informação", como disse Dean Rusk, e por mais sofisticadas que sejam suas caríssimas maquinações – cairá por terra ou tornar-se-á contraproducente, isto é, confundirá o povo sem convencê-lo. O problema com a mentira e o engodo é que só são eficientes se o mentiroso e o impostor têm uma clara idéia da verdade que estão tentando esconder. (ARENDT, 1973, p. 35)

3.2 O poder da palavra

A política brasileira sabe, e muito bem, tirar proveito da imprensa, citemos como exemplo o ex-deputado José Dirceu, em entrevista ao programa de televisão Roda Viva, exibido no dia 24/10/2005 pela TV Cultura, afirmou e ressaltou que se colocava à disposição e demonstrou interesse direto nas investigações, buscava provar ao povo brasileiro que não estava envolvido nos esquemas de corrupção que assolavam o governo. Simultaneamente e de forma paradoxal com o discurso proferido, seus advogados impetravam Mandados de Segurança junto ao Supremo Tribunal Federal para impedir a co-guarda de seus sigilos.

Verificando a liminar concedida pelo ministro Eros Grau no Mandado de Segurança (MS) 25.618 que, apesar de mantida a tramitação da representação disciplinar contra o deputado federal José Dirceu (PT/SP), determinou que os documentos sigilosos (Requerimentos nº 75, 77 e 78) fossem arquivados e lacrados até o julgamento de mérito a respeito da legalidade de transferência de dados pela Comissão Mista Parlamentar de Inquérito dos Correios para o Conselho de Ética e Decoro da Câmara temos que o discurso de Dirceu não era tão verídico quanto parecia.

Em todas as entrevistas que concedia o ex-deputado afirmava colaborar com as investigações que, segundo ele, comprovariam sua inocência. Lamentava, ainda, o fato do princípio da presunção de inocência não ser levado em consideração pela mídia e, conseqüentemente, pela sociedade. Com o histórico de corrupção na política brasileira, talvez seja demasiada bondade popular presumir a inocência de um político tão controverso como Dirceu.

A estratégia era óbvia; consciente de que a maior fatia da população não teria acesso ou possibilidade de compreensão da realidade jurídica traçada por seus advogados para entravar o processo de cassação que o envolvia e quaisquer procedimentos investigatórios, José Dirceu serviu-se bem da chamada mass media, ou mídia de massa (MACIEL, 1998, p.114) para amortizar os efeitos provenientes de sua imagem política maculada.

Os resolvedores de problemas do governo não opinam, mas calculam racionalmente, buscam margens de probabilidade. Adotar tal postura talvez seja interessante para um jogador, mas não para um estadista (ARENDT, 1973, p.40). O erro consiste na persistência em tomar a derrota como um verdadeiro apocalipse sem enxergar a vitória como irrelevante em outros aspectos. O chamado homem forte do governo Lula foi incapaz de reconhecer sua limitação, geralmente velada pelo mito da onipotência segundo Arendt (1973, p. 41).

O autor do discurso é colocado por Michel Foucault (2000, p. 26) como fator de coerência, instrumento agrupador e origem das significações do discurso. Assim como no século VI, na Grécia, o período da Idade Média foi marcado pela veracidade do discurso atribuído a determinado autor, característica mitigada pelo discurso científico onde o autor apenas nomeava o teorema (século XVII). Na ordem do discurso literário, porém, o autor ressalta o fato do autor ser o único capaz de traduzir a verdade do texto por ser ele ciente da conjuntura em que foi escrito (2000, p. 27-28).

Com base nas idéias trazidas por Foucault, podemos efetuar ilação no sentido de que o discurso político inserto na realidade brasileira tem sua veracidade pesada na pessoa que o profere e no contexto em que foi criado.

Lembra o autor, ainda, dentre os grupos de procedimentos inerentes ao discurso, está a sujeição. Explicada por intermédio do ritual, da sociedade do discurso, da doutrina e da apropriação social. O ritual qualifica o interlocutor, abrange, ainda, o conjunto de regras do discurso, eficácia das palavras, efeitos sobre os ouvintes, limites e valor de coerção. À primeira vista, a sociedade do discurso parece paradoxal às doutrinas pela aparente tendência de limitar os interlocutores. Contudo, a doutrina tem o intuito de difusão, liga os que a alcançam e os diferencia dos demais (FOUCAULT, 2000, p. 42).

No mesmo sentido, analisemos a postura dos inquisidores junto às Comissões Parlamentares de Inquérito e a latente procura pela autopromoção. Certa feita, durante sessão aberta, acompanhamos um deputado bradar a seguinte assertiva dirigida a Marcos Valério que prestava termo de declaração: "Vossa excelência sairia daqui preso se não estivesse protegido por habeas corpus".

Como sabemos, declarante não pode ser preso por falso testemunho, vez que não presta compromisso em virtude de possuir interesse direto na causa. Entretanto, o tom ameaçador faz com que a apropriação social daquela frase imprima status de conformidade técnica. Dentre a imensidão de conteúdo disseminado por infindáveis discursos, surge a figura do temor à desordem que pode ser gerada assinalada por Foucault. Para compreender tal desordem o autor recomenda (2000, p. 51) que se proceda a um questionamento da vontade de verdade, restituição do caráter de acontecimento ao discurso e suspensão da soberania do significante, sendo este último aspecto o de aplicação mais latente ao exemplo citado. Se suspendermos a soberania do significante, no caso, do deputado federal, e analisarmos a técnica torna-se facilmente visível o intuito único de desestabilizar o declarante.

No entanto, a imagem passada sem esta suspensão é a de que o judiciário conferiu guarida ao principal articulador do chamado esquema do mensalão. Para tratar da apropriação social, Foucault utiliza o sistema de educação como exemplo, citando uma aula onde a relação entre professor e alunos exprime um sistema de sujeição latente, fazendo com que o ouvinte se aproprie do discurso na sua integralidade, inclusive no que tange aos poderes (2000, p. 44). Fácil estabelecer paralelo entre as relações professor e aluno; político e sociedade.

Como o presente trabalho visa avaliar, dentre outros aspectos, os posicionamentos e intervenções do Supremo Tribunal Federal nos trabalhos exercidos pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, não podemos deixar de analisar a influência que as reações dos parlamentares face à intervenção judiciária causa na sociedade.

Em reportagem publicada na internet a Folha de São Paulo trouxe, no dia 28 de março de 2006, a seguinte manchete: "Liminar do STF a favor de Okamotto irrita relator da CPI dos Bingos". Informou, ainda, que esta seria, segundo os cálculos dos integrantes da Comissão, a décima nona liminar concedida pelo Supremo contra os trabalhos do Congresso. O artigo retrata de forma extremamente simplória a motivação da liminar concedida e, considerando que um homem-médio dificilmente procuraria e entenderia o inteiro teor da decisão, constatamos que a indignação do relator acaba por voltar a sociedade contra o Poder Judiciário.

Em estudo feito durante o segundo semestre do ano passado junto ao Supremo Tribunal Federal, acompanhando os pedidos de liminar feitos em prol de pessoas relacionadas às Comissões Parlamentares de Inquérito pudemos observar que, em esmagadora maioria, são concedidos os pedidos no sentido de corrigir recorrentes erros cometidos pelos parlamentares na condução dos trabalhos, inexplicável, pois, a perplexidade destes frente às decisões.

O então presidente da Suprema Corte, Ministro Nelson Jobim, durante a sessão plenária do dia 23 de março de 2006, alertou sobre o constante desrespeito à Constituição por parte das CPI’s. Ressaltou, dentre outros aspectos, a falta de motivação dos atos das comissões quando requerem co-guarda de sigilos. O comportamento reiterado daquelas em constante confronto com o entendimento pacífico do Supremo mostra, mais uma vez, o despreparo dos parlamentares. Acrescentando seu ponto de vista, o Ministro Gilmar Mendes afirmou: "Há uma prática de violação grave no vazamento de informações vindas da quebra de sigilo. Luta política que vai à selvageria".

Na mesma oportunidade, Jobim salienta que o judiciário tem consciência dos objetivos escusos por trás da constância das violações constitucionais por parte das CPI’s, in verbis: "Nós sabemos que essas coisas não são gratuitas, por isso precisamos deixar muito claro para que não se venha dizer, ou pretender afirmar que tais insucessos decorram de manifestações do Tribunal", remetendo-se à possível utilização eleitoral das Comissões Parlamentares de Inquérito.


4 RELAÇÕES ENTRE STF, PT E IMPRENSA

De fato, significa uma profunda distorção da liberdade de imprensa, que a conquista essencial das democracias modernas e das nações civilizadas, a pretensa transformação de jornalistas em autoridades judicantes. A liberdade que têm os profissionais de comunicação de informar e, mais importante do que isso, o direito que tem a população de ser informada não podem ser justificativas para a divulgação irresponsável de fatos não-comprovados, coisa capaz de prejudicar, de modo às vezes irreversível, a reputação das pessoas.

Luís Nassif

4.1 Suspeição e imparcialidade das decisões do Supremo

O código de processo civil pátrio trata expressamente em determinados dispositivos da suspeição dos magistrados. Trata-se, em apertada síntese, de incidente processual que visa revelar quesito subjetivo, ou seja, característica de ordem pessoal como, por exemplo, amizade entre o juiz e qualquer uma das partes. Deve ser argüido, segundo o art. 138, §1º do citado diploma, pela parte interessada em petição fundamentada na primeira oportunidade que tiver para falar nos autos. Dispõe o art. 135, V do CPC: "Reputa-se fundada suspeição de parcialidade do juiz, quando interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes". Entretanto, em seu parágrafo único, o dispositivo legal coloca a possibilidade de o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.

Feita esta breve explanação, verifiquemos o rol de ministros do Supremo Tribunal Federal indicados pelo atual governo: Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Antônio Cezer Peluso, Joaquim Benedito Barbosa Gomes e Enrique Ricardo Lewandowski. Devemos ressaltar que, apesar de indicado ao STF pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, o Ministro Nelson Jobim deixa o judiciário para filiar-se ao PMDB e apoiar o Partido dos Trabalhadores nas eleições deste ano. Resta comprovado que as afirmações de que Jobim era o líder do PT no Supremo tinham certo respaldo verídico.

Devemos observar que, considerando que a composição do Supremo é feita por indicação presidencial, podemos assumir, portanto, que os ministros acabam, de certa forma, possuindo vínculo político. Há considerável discussão sobre a possibilidade de mudar a forma de composição da Suprema Corte, mas enquanto outra maneira não se estabelece, verifiquemos a problemática gerada pelo sistema atual.

Em entrevista à revista IstoÉ de 26/03/2006 (p. 32), o Ministro Marco Aurélio defende a teoria de que as decisões do judiciário não estão contaminadas pelo política e que, na verdade, existem diferentes leituras a respeito de determinado assunto e os enfoques dados representam interesse diverso. Pressupõe-se, segundo ele, que as decisões estão de acordo com a ordem jurídica. Questionado sobre a maioria de integrantes nomeados pelo governo petista, Marco Aurélio afirmou: "Não se agradece o convite com a toga. Cada qual só deve se curvar à própria consciência".

Apesar da visão do Ministro Marco Aurélio, verificamos ao longo da pesquisa de campo que acompanhou diversas decisões do Supremo Tribunal Federal referentes às Comissões Parlamentares de Inquérito, parcialidade duvidosa que, geralmente, aliviava os picos da crise política instaurada no governo Lula, dando sobrevida a indiciados como, por exemplo, no caso de José Dirceu. Inicialmente foi concedida liminar a deputados do PT para suspender processo disciplinar, tal liminar foi estendida pelo Ministro Carlos Velloso a Dirceu. A suspensão foi concedida por Jobim em 15/09/2005 e reformulada no sentido de dar seguimento aos processos disciplinares em outubro do mesmo ano; tudo isso para que fosse apresentada defesa. Ressalte-se a letargia para apresentar o que no Mandado de Segurança foi pedido liminarmente, oportunidade de defesa. Um mês a mais de sobrevida aos os petistas nesta ocasião, dentre eles: João Paulo Cunha e José Dirceu, obviamente (MS 25.539/DF).

4.2 Imprensa e judiciário

Nos procedimentos internos do discurso, isto é, aqueles que Foucault coloca como reguladores de sua própria estrutura, ressaltamos o comentário, que permite a construção indefinida de novos discursos e desvela um desnível entre o primeiro e o segundo textos, desnível este que tem papel solidário na visão de Foucault (2000, p. 22). Em suma, os comentários acabam por dizer o que estava silenciosamente articulado no texto original.

Dentre a imensidão de conteúdo disseminado por infindáveis discursos, surge a figura do temor à desordem que pode ser gerada. Para compreender tal desordem o autor recomenda que se proceda a um questionamento da vontade de verdade, restituição do caráter de acontecimento ao discurso e suspensão da soberania do significante (FOUCAULT, 2000, p. 51).

Com base nos apontamentos feitos por Foucault, focalizando a imprensa como comentarista principal dos fatos políticos, trazemos a observação feita por Cláudio Baldino Maciel (1998, p. 112): "É habitual que as câmeras não se encontrem em determinado lugar porque ali algo acontece. Muitas vezes, algo acontece porque ali estão as câmeras". Defende, ainda, a relevância da manipulação de dados valendo-se da linguagem emocional e persuasiva para atingir a população e vender as informações sem preocupação com a veracidade, mas em torná-la assimilável e, por conseqüência de estar também submetida à lei da oferta e da procura, vendável (1998, p. 115).

Maciel ressalta (1998, p. 113) o fato da mídia, antes apenas próxima ao poder, hoje confundir-se com ele e capaz de introjetar valores e desvalores em grandes contingentes populacionais. Em entrevista à IstoÉ de 26/03/2006 (p. 32), o Ministro Marco Aurélio, perguntado sobre a leitura que a população faz das decisões do Supremo relacionadas às CPI’s e a provável contaminação política afirmou categoricamente: "A população é leiga". Reportando-nos mais uma vez ao texto de Maciel sobre mídia e judiciário (1998, p. 118), o autor coloca que "as técnicas de publicidade, incorporadas à linguagem geral da mídia, promovem, como foi visto, um processo de alienação". Permitindo-nos o óbvio, a imprensa não se preocupa em levar à sociedade explanação técnica.

A imprensa se apresenta em papel extremamente controverso, onde provavelmente não possa ser classificada como investigativa no caso das Comissões Parlamentares de Inquérito. Na realidade, as informações são manipuladas para que cheguem às mãos dos jornalistas e, conseqüentemente, divulgadas. Os sigilos tornam-se poderosa moeda de troca na política, exemplo disso podemos citar o ocorrido com o caseiro Francenildo Costa, episódio capaz de derrubar o então Ministro da Fazenda, Antônio Palocci.

Em sendo assim, limitada aos veículos de comunicação e sem conhecimento técnico, a sociedade por vezes condena atitudes acertadas do judiciário. Na referida entrevista do Ministro Marco Aurélio, a própria repórter – incluindo-se no rol de leigos – pergunta ao magistrado uma alternativa de mostrar à população o porquê do Supremo interferir em atos do Congresso ou, na visão social, garantir que alguém vá a uma CPI e não tenha que falar a verdade. Marco Aurélio reafirma que o Supremo Tribunal Federal é guardião da Constituição Federal e ressaltou consignação de Nelson Jobim já tratada no decorrer deste trabalho de que os equívocos são constantemente repetidos. Advertiu, ainda, que se paga um preço alto junto à sociedade na defesa da Carta Magna: "A população imagina que o STF passa a mão na cabeça de quem teve um desvio de conduta".

Temos que o estopim de toda a crise do governo Lula foi a entrevista concedida pelo ex-deputado Roberto Jefferson dissecando um largo esquema de corrupção que passava pelo caixa-dois eleitoral às mesadas recebidas por parlamentares pelo apoio na campanha e em decisões de relevante interesse para o governo. Neste caso, citemos Nilson Naves (2003, p. 7): "Pondo em foco a realidade brasileira, a imprensa tem muito a recomendar à Justiça; ocasionalmente, é essencial por constituir o único modo de trazer à tona situações ou fatos até então ignorados ou descuidados pela autoridade competente". Sem divulgação atrelada à amplitude do alcance das informações veiculadas na imprensa, fatos políticos como o citado sequer seriam apurados, ora, até mesmo o próprio governo afirmou ser prática corriqueira estabelecer esquema de caixa-dois. Investigar o que se julga ser uma banalidade política torna-se obrigatório pela cobrança social em razão da publicidade feita.

Estabelecida a importância da mídia, não podemos deixar de abordar os pontos negativos de sua atuação, principalmente no que Nilson Naves chamou de confusão entre interesse público e interesse do público (2003, p.7). Considerando que a condenação é efetivada em sentença judicial transitada em julgado, não é correto que a notícia leve a sociedade assumir que determinado sujeito é culpado antes mesmo do pronunciamento judicial, em virtude do que vimos anteriormente quando tratamos do princípio da presunção de inocência.

É provável que a maior problemática referente à mídia política ou judiciária esteja fundada na pressa para publicar notícias antes dos veículos concorrentes. Observamos inúmeros descuidos que, na maioria das vezes, advém de informações passadas aos jornalistas para prejudicar a pessoa investigada. A corrida pelo furo de reportagem não pode eximir o profissional da comunicação de responsabilidade (NAVES, 2003, p. 8).

A imprensa, reiteradas vezes, intencionalmente ou não, coloca o Poder Judiciário em situação delicada perante a coletividade atingida por suas publicações. Citemos como exemplo matéria publicada pela Folha Online em 28/03/06 (http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u77056.shtml) cuja manchete era: "Liminar do STF a favor de Okamotto irrita relator da CPI dos Bingos". A reportagem explicitava, em sua maior parte, a revolta do senador Garibaldi Filho em relação à decisão do Ministro Eros Grau em cancelar acareação que envolveria Paulo Okamotto, presidente do SEBRAE, em razão de erro formal na intimação que tratou da presença deste na CPI como simples depoimento.

A matéria citava Garibaldi Alves que, por sua vez, afirmava atrapalhar as investigações as inúmeras liminares concedidas contra os trabalhos realizados na Casa. Disse o senador: "Isso não pode continuar. Está na hora de haver um entendimento com o Judiciário sob o risco de não conseguirmos seguir com as investigações. O Poder Judiciário não pode definir se o depoimento é necessário ou não".

Ora, consideremos um homem-médio na interpretação desta notícia, tudo o levará a crer que o Supremo Tribunal Federal estava entravando o normal seguimento da chamada CPI dos Bingos. Em visita a seção de notícias do site do STF, observamos a notícia por outro ângulo, a manchete era: "CPI erra intimação e Supremo defere parcialmente liminar a Paulo Okamotto". Disponibilizava, inclusive, a íntegra da decisão proferida por Eros Grau no Mandado de Segurança nº 25.908/DF que aponta claramente o erro cometido pela CPI, vejamos:

(...) 14. No caso, há flagrante desvio de finalidade --- e, por isso mesmo, afronta à legalidade. O requerimento n. 038/06 visa à acareação [fls. 103/104] e o ato convocatório do Presidente da Comissão solicitava a presença do impetrante para prestar depoimento [fl. 111], providência expressamente negada pelos membros da CPI na sessão realizada no último dia 15 de março [fls. 106/109].

Se questionarem ainda preciosismo formal por parte do judiciário, a decisão esclarece, ainda:

(...) 15. Como afirmei em outra oportunidade, a forma --- já ensinava Von JHERING --- é irmã gêmea da liberdade. Ela, a liberdade, enquanto não contemplada em forma que lhe dê concreção no mundo do dever ser existirá apenas como abstração. A forma jurídica por ela assumida retrata a sua evolução no tempo histórico.

É visível a trapalhada do próprio senador Garibaldi Alves, a própria CPI dos Bingos vetou possibilidade de novo depoimento e a intimação de Okamotto foi expedida com esta finalidade, mas do efeito pretendido ser a acareação. Voltemos à interpretação do homem-médio, a probabilidade de este percorrer o caminho por nós traçado, qual seja, buscar no Supremo Tribunal Federal a fundamentação para concessão da liminar que, obviamente, atrasou a apuração da CPI, é praticamente nula. O leitor comum aceita a manchete que demonstra a irritação do senador e volta-se contra o Poder Judiciário.

Durante sessão plenária do dia 23/03/2006, o Ministro Nelson Jobim mostrou preocupação, plenamente justificável conforme visto anteriormente, com a deturpação das decisões da Suprema Corte por parte da imprensa, que estaria responsabilizando o Tribunal pelos resultados das investigações das CPI’s.

Em pesquisa sobra a imagem do judiciário junto à sociedade brasileira e estudo que comprova o risco da democracia em face da ausência deste Poder na mídia, Luís Grottera (1998, p. 114) chega a percentuais alarmantes:

Perguntados se conhecem algum exemplo de quando a justiça foi feita no Brasil, 42% não conseguem citar um único exemplo. Diante da questão "Para que serve a Justiça no Brasil?", 26% responderam que "Para nada" e 28% divagaram ou deram respostas equivocadas. Diante de um quadro dessa gravidade, onde 86% afirmaram que "o Brasil é o país da impunidade", podemos dizer que a nossa sociedade vive no limiar de rompimento do Estado de Direito, da total banalização dos direitos individuais e de um alarmante sentimento mínimo de cidadania.

O autor atrela ao baixo nível educacional e à desinformação o fato do sistema democrático ter suas instituições clássicas perdendo significado em meio falhas e aparente ineficiência e, desta forma, procura-se substitutos para exercerem suas funções. Chegou a esta conclusão face à ilação facilmente obtida pela resposta dada ao seguinte questionamento: Quem ajudava mais a fazer justiça para a maioria dos brasileiros? 84% responderam "a mídia", enquanto 10% dos entrevistados citaram o judiciário (GROTTERA, 1998, p. 115).

A dificuldade do judiciário se comunicar com o povo resulta em brutal desgaste no relacionamento entre os dois. Grottera debate (1998, p. 115) a necessidade, portanto, de comunicação adequada a um povo como o brasileiro, de baixo acesso à cultura e à informação, dificultada por escassez de recursos, incompetência técnica e, principalmente, falta de interesse político em priorizar tal temática. Propõe diminuição do formalismo e aumento da interação.

Há que se advertir a responsabilidade social da imprensa, ultimamente preocupada apenas com seu papel no mercado. Grottera indica a paixão da mídia pela polêmica e do pouco, ou nulo, espaço para o exercício do diálogo. Em apertada análise sobre as relações dos Três Poderes com a mídia o autor apresenta a seguinte verificação: "o Executivo é o Poder noticiado; o Legislativo, o Poder criticado e o Judiciário, o Poder ausente" (1998, p. 116).

Assim, não podemos culpar exclusivamente os órgãos de imprensa pela impopularidade do Supremo Tribunal Federal junto à sociedade. Apesar da opinião do Ministro Marco Aurélio de que o STF paga caro por defender a constituição em virtude de o povo ser leigo, considerando o artigo de Luís Grottera, também é responsável por ter a população contra si a letargia do Poder Judiciário em se aproximar da sociedade.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O primeiro capítulo deste trabalho apresentou cunho predominantemente dogmático, trabalhamos conceitos e contextos mais técnicos para que a análise da palavra e da verdade insertas nas Comissões Parlamentares de Inquérito e intervenções do Supremo Tribunal Federal ganhassem outro foco nos capítulos seguintes, o jurídico-sociológico. Visamos, na primeira parte, explanar aspectos referentes à técnica aplicada ao direito nos procedimentos em âmbito parlamentar para, a partir disso, desvelar as conseqüências, intencionais ou não, de determinados atos tais como pressão psicológica durante interrogatório, a relevante presença da mídia, autopromoção política, dentre outros.

O real objetivo das Comissões Parlamentares de Inquérito, perdido no emaranhado técnico e inúmeras confusões em torno de uma lei extremamente precária, insurge nos bastidores do Congresso Nacional. Das provocações ao Poder Judiciário, passando pelo despreparo quase que proposital para obtenção de determinadas informações, até o grande esquema de trocas políticas, principalmente em ano eleitoral.

Afastar os indiciados de suas legislaturas implica, também, em ganho nas urnas, ora, consiste em um concorrente a menos na disputa dos votos. Aproveitam-se da imprensa e do pouco esclarecimento da população para alavancar candidaturas, ressalte-se que o espaço na mídia acaba por ser integralmente gratuito, vez que há interesse em publicar os principais fatos – na maioria das vezes aqueles que mais chamam atenção, por qualquer meio ou fundamento – e, sendo assim, vale tudo na obtenção de autopromoção.

Neste ínterim, pesemos a relevância da verdade em todos os discursos, começando pelo da sociedade. O povo brasileiro espera das Comissões Parlamentares de Inquérito resultados não alcançados por sua competência, não se satisfaz com perdas de mandatos, esfaimado por prisões e punições que entendem como medidas mais drásticas. À sociedade não importa a verdade real, contenta-se com o exposto nos jornais e televisão como mostrou a pesquisa de Luís Grottera.

Já na política, conscientes do convencimento pela mídia, nossos parlamentares tentam, ao máximo, aproveitar o tempo de exposição nos veículos de comunicação. Aos indiciados, cabe mostrar ao povo sua inocência, cooperação com a investigação e incitar que está sendo alvo de manobras políticas realizadas pela oposição. Aos investigadores, por seu turno, o compromisso maior é com a condenação a qualquer custo, razão pela qual são freqüentemente atingidos por decisão do Supremo Tribunal Federal que, por mais justas que sejam, obstam os trabalhos de investigação a serem realizados.

O Poder Judiciário, por seu turno, restringe-se às relações processuais e à guarda constitucional sem, com isso, revelar qualquer preocupação com a compreensão de seus atos relativos às Comissões Parlamentares de Inquérito. O distanciamento social faz com que o povo volte-se contra o judiciário e suas decisões, ainda que estas sejam corretas.

Concluímos, ante o que foi exposto no decorrer deste trabalho, que os problemas de uma Comissão Parlamentar de Inquérito estão muito além de mera formalidade como, por exemplo, lei regulamentadora ultrapassada e deficitária. As investigações são impulsionadas por enorme esquema de troca de favores políticos, a busca pela verdade real acaba por tornar-se mera ficção pautada pela imprensa e pela ignorância popular. Desta forma, quanto mais distante da sociedade o Poder Judiciário insistir em permanecer, por mais tempo irá perdurar o sentimento de que suas decisões constituem meros óbices investigatórios e em nada contribuem com a democracia brasileira.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Giselle de Oliveira. Comissões parlamentares de inquérito: a estrutura deficitária e o peso da verdade nas intervenções do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1096, 2 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8549. Acesso em: 19 abr. 2024.