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O contrato de trabalho intermitente no brasil: uma análise crítica a partir da constituição e do direito comparado

O contrato de trabalho intermitente no brasil: uma análise crítica a partir da constituição e do direito comparado

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Reflexões sobre as legislações que versam sobre o trabalho intermitente, sob a perspectiva dos benefícios e malefícios trazidos ao empregado e ao empregador, no Brasil e em diversos países pioneiros no assunto.

RESUMO:Uma das principais novidades trazidas pela Lei nº 13.467/17 (conhecida como “reforma trabalhista”) foi a criação do “Contrato de Trabalho Intermitente” que possui características muito peculiares, a exemplo de tornar a jornada de trabalho, além do próprio salário, variáveis. Por ser o salário – que é o principal direito do trabalhador – afetado nessa nova forma de pacto laboral, o contrato intermitente evidencia comportamento repetido do legislador reformista que é a flexibilização dos direitos trabalhistas. Partindo desse pressuposto, o ponto central da presente pesquisa é a análise da legislação acerca do trabalho intermitente, sob a perspectiva dos benefícios e malefícios trazidos ao empregado e ao empregador. A pesquisa também se debruça sobre os resultados da implantação do contrato intermitente em países estrangeiros e traça prognósticos sobre a sua aplicação no Brasil. Entende-se que o contrato de trabalho intermitente precariza as relações de trabalho e que os motivos que justificariam a sua aplicação à realidade brasileira são incoerentes. Diante do exposto, a metodologia utilizada para elaboração da pesquisa será o método dedutivo, partindo de referenciais bibliográficos e documentais, em destaque, a CLT e seus artigos concernentes ao contrato de trabalho intermitente, leis difusas e o direito comparado.

Palavras-chave: Contrato de Trabalho, Contrato de Trabalho Intermitente, Lei n° 13.467/2017, Reforma Trabalhista.

ABSTRACT:One of the main innovations brought by Law nº 13,467 / 17 (known as “labor reform”) was the creation of the “Intermittent Work Contract” which has very peculiar characteristics, such as making the working day, besides the salary itself, variable. Because the wage - which is the main right of the worker - is affected in this new form of labor pact, the intermittent contract shows repeated behavior of the reformist legislator that is the flexibilization of labor rights. Based on this assumption, the central point of this research is the analysis of the legislation on intermittent work, from the perspective of the benefits and harms brought to the employee and the employer. The research also looks at the results of the implementation of the intermittent contract in foreign countries and traces prognoses about its application in Brazil. It is understood that the intermittent employment contract precarious labor relations and that the reasons that would justify its application to the Brazilian reality are inconsistent. Given the above, the methodology used to elaborate the research will be the deductive method, based on bibliographic and documentary references, in particular, the CLT and its articles concerning the intermittent employment contract, diffuse laws and comparative law.

Keywords: Employment Contract. Intermittent Employment Contract. Law nº 13.467/ 2017. Labor Reform.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CF

Constituição Federal

CLT

Consolidação das Leis do Trabalho

FGTS

Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

MP

Medida Provisória

OIT

Organização Internacional do Trabalho

TST

Tribunal Superior do Trabalho

Nº                   Número

LISTA DE ABREVIATURAS

§          parágrafo

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO..2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O CONTRATO INTERMITENTE.. 2.1 A escolha de se elevar o Direito do Trabalho ao papel de protagonista na ordem Constitucional de 1988. 2.2. A caracterização do contrato intermitente segundo a ‘Reforma Trabalhista’ - Lei nº 13.467/17  . 2.2.1. Conceituação. 2.2.2. Aspectos Legais do Contrato Intermitente. 2.3. A precarização das condições de trabalho no contrato intermitente na contramão da Constituição de 1988. 3 O CONTRATO INTERMITENTE E A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA.. 3.1. Análise legislativa do modelo italiano de Trabalho Intermitente. 3.2.  Análise legislativa do modelo inglês de Trabalho Intermitente. 3.3. Análise legislativa do modelo português de Trabalho Intermitente. 4 ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O TRABALHO INTERMINTE NO BRASIL: COMPARAÇÕES COM A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA.. 5 CONCLUSÃO.. REFERÊNCIAS. 


1 INTRODUÇÃO

A Consolidação das Leis Trabalhistas passou a sofrer várias críticas de estudiosos e aplicadores do direito devido a sua longevidade, pois foi promulgada em 1943, e, segundo o que se divulgava, já não se mostrava suficiente para o contexto atual de inovações tecnológicas e avanços sociais. Com essa justificativa, foi proposta, pelo Ministro Rogério Marinho, em 2016, alteração na legislação trabalhista, que passou a ser conhecida como “Reforma Trabalhista. E  foram diversas alterações, adições e até supressões de dispositivos.

Nesse contexto, surge o contrato de trabalho intermitente, que consiste na prestação laboral de forma descontinuada com alternância de períodos de trabalho e de períodos de inatividade, cabendo ao empregador chamar o trabalhador somente quando necessitar de seus serviços.

Ocorre que o texto da legislação que criou essa nova modalidade de contratação é repleto de lacunas e contradições, o que deu ensejo a várias críticas pelos juristas, em especial no que se refere ao desrespeito aos princípios constitucionais de proteção ao trabalhador. No contrato intermitente o empregado fica sujeito à vontade do empregador, não tem jornada fixa nem previsível e o seu salário, que inclusive pode ser menor que no salário-mínimo, também se torna variável.

Assim, o novo contrato traz extrema insegurança para o trabalhador devido à jornada de trabalho e ao salário imprevisíveis, e pela mitigação de princípios constitucionais que protegem o empregado.

Dessarte, surge o problema: diante da análise da legislação trabalhista brasileira, bem como da legislação estrangeira, haveria, no Brasil, a compatibilidade entre o contrato de trabalho intermitente e a Constituição? Tal modalidade de contratação se harmoniza com as garantias e direitos previstos no artigo 7º da CF/88?

Desse modo, busca-se analisar se houve, por parte do legislador brasileiro, violação aos direitos constitucionais inerentes aos trabalhadores, fazendo com que o trabalho intermitente possa ser considerado inconstitucional.  A fim de comprovar ou refutar essa hipótese, a presente pesquisa foi dividida em três capítulos.

O primeiro capítulo pretende analisar a evolução do direito do trabalho sob a perspectiva constitucional, tal como a sua influência e importância na concretização de direitos fundamentais. Portanto, a partir da releitura do ordenamento jurídico após a promulgação da Constituição Federal de 1988, será demonstrado como o direito do trabalho, ao ganhar uma posição de destaque no texto, visa a assegurar proteção especial ao empregado, de forma a elevá-lo a um patamar de maior igualdade perante o empregador, pois  aquele é considerado parte hipossuficiente na relação de emprego. Será feita, ainda, uma análise acerca do contrato de trabalho intermitente, seu conceito e seus aspectos legais trazidos pela Reforma Trabalhista, que servirá de suporte para uma breve comparação com a legislação estrangeira.

No segundo capítulo, será abordado o contrato intermitente em ordenamentos estrangeiros, especificamente Itália, Portugal e Reino Unido, que implementaram tal modalidade há mais tempo que o Brasil, sendo certo que segundo os autores pesquisados, foi o modelo desses três países que influenciou o legislador brasileiro. Vale ressaltar que o contrato de trabalho intermitente é incomum na América Latina. O Brasil parece ter sido o pioneiro na regulamentação do instituto. Contudo, o fato de o legislador brasileiro ter se embasado em modelos de países com desenvolvimento econômico e social muito diferentes do seu, torna o contrato intermitente brasileiro muito distante da forma como funcionam as relações trabalhistas no país.

No terceiro capítulo, pretende-se demonstrar, através de uma análise comparativa entre o contrato intermitente brasileiro, e os contratos intermitentes de países que se constituíram como os principais berços de tal modalidade contratual que, da forma como foi implantado no Brasil, o pacto em comento serve apenas ao empregador, desprotege o empregado e viola direitos fundamentais constitucionalmente assegurados.


2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O CONTRATO INTERMITENTE

2.1 A escolha de se elevar o Direito do Trabalho ao papel de protagonista na ordem Constitucional de 1988   

De acordo com Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado, a análise jurídica de qualquer diploma normativo e de qualquer norma jurídica no contexto de um sistema constitucional deve passar pelo exame e pela compreensão da lógica do sistema constitucional e de seus pilares fundamentais (DELGADO; DELGADO, 2018, p. 21). Dessa forma, faz-se necessário analisar o direito do trabalho e as normas trabalhistas (o que inclui a Lei nº 13.467/2017) à luz da Constituição.

Como se sabe, a Constituição de 1988 foi uma das grandes - se não a maior - impulsionadora de políticas públicas, com a implementação de um modelo democrático para administrar o país, tendo como fundamento principal a Dignidade da Pessoa Humana. No Direito do Trabalho, seus reflexos não foram diferentes.

A Constituição de 1988 possui três eixos centrais, conforme menciona Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2018), quais sejam: a arquitetura constitucional de um Estado Democrático de Direito; a arquitetura principiológica humanística e social da Constituição da República; e a concepção constitucional de direitos fundamentais da pessoa.

O primeiro eixo, conforme mencionado, consiste na arquitetura de um Estado Democrático de Direito que possui um conceito construído por um constitucionalismo europeu ocidental num contexto de pós Segunda Guerra Mundial, onde nasce o novo paradigma de Estado, chamado de “Constitucionalismo Humanista e Social Contemporâneo”, sendo aplicado, inicialmente, nos modelos constitucionais da França de 1946, da Itália de 1947, da Alemanha de 1949, e, posteriormente, inserido pela Constituição de Portugal de 1976, e da Espanha de 1978. Mais tardiamente, esse novo constitucionalismo chegou ao Brasil por intermédio da Constituição da República de 1988, conforme Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2018).  Nesse contexto de mudanças, algumas características desse novo paradigma devem ser destacadas como:

[…] a consagração da matriz principiológica das novas constituições; a institucionalização da natureza normativa dos princípios jurídicos; a estruturação de um rol de princípios humanísticos e sociais imperativos, todos apontando para a centralidade da pessoa humana na ordem social, econômica e jurídica; o aprofundamento e sofisticação dos mecanismos democráticos da sociedade política e da sociedade civil; a extensão da ideia de Democracia para além do simples campo do Estado e de suas instituições, de maneira a fazê-la presente também no âmbito das instituições da vida social e econômica privada.  (DELGADO; DELGADO, 2019, p.27)

Assim, pode-se observar que o conceito estruturante de Estado Democrático de Direito tem como ponto principal a dignidade da pessoa humana. Insta salientar que, sem democracia e sem instituições que possibilitem práticas democráticas nas suas diversas dimensões, não é possível garantir a dignidade da pessoa em um Estado Democrático, perdendo este a sua consistência e eficiência. Portanto, isso quer dizer que o conceito constitucional de Estado Democrático de Direito traduz a ideia de participação e inclusão, envolvendo todos os segmentos populacionais.

O segundo eixo consiste na arquitetura principiológica humanística e social da Constituição. Desse modo, a nossa Carta Magna evidencia, como um de seus eixos principais, a presença dos princípios que abrangem, praticamente, todas as áreas do direito, não apenas o Direito do Trabalho alvo desta pesquisa, mas o Direito Tributário, Direito Civil, Direito Penal, Direito do Consumidor, entre outros. Assim, existem princípios específicos de cada área do Direito, mas também princípios que são basilares e fundamentais para todas as áreas, conhecidos como “princípios constitucionais”, que merecem ser destacados:  

[...] princípio da dignidade da pessoa humana; princípio da centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na ordem jurídica; princípio da inviolabilidade do direito à vida; princípio do bem-estar individual e social; princípio da justiça social; princípio da submissão da propriedade à sua função socioambiental; princípio da não discriminação; princípio da igualdade (que se desdobra em igualdade em sentido formal e igualdade em sentido material - esta, aliás, uma das grandes inovações da Constituição de 1988); princípio da segurança; princípio da proporcionalidade e da razoabilidade; princípio da vedação do retrocesso social e da progressividade social. (DELGADO; DELGADO, 2019, p.30)

Conforme mencionado, o Direito do Trabalho, enquanto área jurídica, goza de princípios específicos. O Direito do Trabalho é dividido constitucionalmente em dois âmbitos, o Direito Individual do Trabalho e o Direito Coletivo do Trabalho, cada qual com princípios próprios. No âmbito do Direito Individual do Trabalho, Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado (2018) destacam os seguintes princípios [...] da norma mais favorável, o princípio da continuidade da relação de emprego; o princípio da irredutibilidade salarial. (p. 31) Enquanto na seara dos Direitos Coletivos do Trabalho, esses mesmos autores destacam os seguintes princípios [...] o princípio da liberdade associativa e sindical; o princípio da autonomia sindical; o princípio da interveniência sindical na negociação coletiva trabalhista; o princípio da equivalência entre os contratantes coletivos trabalhistas. (p. 32) Vale registrar que os princípios funcionam como limites constitucionais que devem ser levados ao intérprete do Direito.

E, por último, os três eixos se completam com o conceito constitucional de direitos fundamentais, que, de certo modo, reforça os eixos anteriores. Os direitos fundamentais se apresentam como corolário do Estado Democrático de Direito e dos princípios constitucionais. Na Constituição de 1998 estão previstos no Título I (Dos Princípios Fundamentais) e no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais). O simples fato de o constituinte ter posicionado os direitos e garantias fundamentais logo nos primeiros títulos do texto indica a proeminência e a necessidade de proteção a esses direitos.

Nesse viés, a Constituição de 1988 percebeu o direito do trabalho como um dos veículos mais importantes de afirmação da Democracia, de forma que por meio do trabalho são garantidos diversos outros direitos fundamentais: [...] onde o direito ao trabalho não for minimamente assegurado (por exemplo, com respeito a integridade física e moral do trabalhador, o direito a contraprestação pecuniária mínima), não haverá dignidade que sobreviva (DELGADO, 2006, p.207). Assim, pode-se afirmar que o direito do trabalho faz parte do conjunto de valores humanos, intitulados de “mínimos existenciais”, que nas palavras do Ministro Luiz Edson Fachin constituem da:

(...) existência de uma garantia patrimonial mínima inerente a toda pessoa humana, integrante da respectiva esfera jurídica individual ao lado dos atributos pertinentes à própria condição humana. Trata-se de um patrimônio mínimo indispensável a uma vida digna do qual, em hipótese alguma, pode ser desapossada, cuja proteção está acima dos interesses dos credores. (FACHIN,2006)

 Nesse contexto, observando um dos fundamentos principais da nossa Carta Magna, qual seja, a dignidade da pessoa humana, considerada por vários juristas como de difícil conceituação, faz-se necessário alguns apontamentos, como no sentido de que esta não necessita estar positivada, pois não é algo que se proporciona através da Constituição ou de leis, ela é uma condição intrínseca ao ser humano, devendo o texto prezar por sua proteção e garantir a sua efetivação por meio dos seus vários ramos, sendo o direito do trabalho um destes, porquanto é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal (SARLET, 2012, p.44); ou seja, é o Estado que passa a servir o ser humano enquanto meio para promover a dignidade destes. Destaca-se que tal conceito deve ser observado durante todo o desenvolvimento interpretativo da Lei nº 13.467/17 (reforma trabalhista).

No que diz respeito ao direito do trabalho com o advento da Constituição de 1988, é notória a intenção da mesma em enaltecer tal âmbito, conferindo valorização que pode ser observada de antemão no próprio preâmbulo do texto constitucional, igualmente em seu Título I, no artigo 1º, inciso IV, quando menciona os valores sociais do trabalho como sendo um de seus fundamentos, bem como, no seu artigo 7º, onde elenca diversos direitos que devem ser assegurados aos trabalhadores, a saber: o FGTS, salário-mínimo, proteção a dispensa arbitraria e sem justa causa, feriais anuais remuneradas, entre outros não menos importantes.

A Constituição de 1988 almeja, ao longo de seu texto uma forma de trabalho específica que garanta a dignidade do trabalhador, o que se traduz na expressão “trabalho digno”. O trabalho digno pode ser entendido como aquele que protege o empregado, proteção que advém da lei, seja por meio da Constituição, seja pelas leis infraconstitucionais. No texto constitucional, trabalho digno está definido ao longo do artigo 7º que detalha diversas garantias, conforme mencionado anteriormente. Tais garantias, devem ser encaradas como um aparato mínimo a ser respeitado em qualquer tipo de contratação trabalhista. Assim, o trabalhador não deve ser visto como mero instrumento para movimentar o mercado capitalista. Deve ser dado valor ao trabalho. Devem ser garantidos aos trabalhadores condições mínimas que garantam a sua dignidade enquanto pessoa humana. Salienta-se, por fim, que o conceito completo de “trabalho digno” advém da soma da proteção prevista no texto constitucional, infraconstitucional e também da proteção decorrente de normas internacionais (a exemplo das convenções internacionais da OIT).

O posicionamento dos direitos trabalhistas no Título II da Constituição indica a proeminência de tais direitos que passaram a ser categorizados como direitos e garantias fundamentais, o que é uma grandíssima novidade e que inverteu (ou que deveria ter invertido...) a lógica de subordinação do bem-estar e da dignidade do trabalhador aos interesses do capital. Vale ressaltar que, em Cartas Magnas anteriores, os direitos trabalhistas estavam previstos no capítulo que cuidava da ordem econômica.

No tópico seguinte será trabalhado o contrato intermitente desde uma breve contextualização, até a sua chegada ao direito pátrio com a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467 em 2017).

2.2. A caracterização do contrato intermitente segundo a ‘Reforma Trabalhista’ - Lei nº 13.467/17

Em um sucinto contexto histórico, o trabalho intermitente surge na Inglaterra no século XX, por volta de 1970, visando a a bafar a crise econômica que vivia o Reino Unido por meio da flexibilização de determinadas regras trabalhistas. Partindo desse pressuposto, muitos juristas consideram que o modelo inglês foi um dos grandes influenciadores do legislador brasileiro em diversos aspectos. Atualmente, este trabalho ganhou ênfase em países como Itália, Portugal e por fim, o Brasil.

 No Brasil, o contrato de trabalho intermitente alcançou destaque apenas com a Lei nº 13.467/2017, responsável por diversas alterações na CLT, que segundo o Ministro Ronaldo Nogueira, em audiência pública, possuiu, como objetivo, modernizar a legislação trabalhista[1], pois a CLT é de 1943 e já vinha sofrendo com o seu atraso e a sua escassez, além de a reforma ter sido justificada, por tal ministro, como a solução para a crise de empregos no país. (JÚNIOR, 2017)

2.2.1. Conceituação

De acordo com Ramalho (2009), o contrato de trabalho intermitente enquanto nova modalidade de contrato de trabalho:

[...] caracteriza-se pela prestação descontinuada da atividade laboral, intercalando períodos de atividade do trabalhador com períodos de inatividade, mas durante os quais o vínculo laboral se mantém [...]. A especificidade deste contrato em relação ao contrato de trabalho comum reside justamente nesta conjugação de períodos de atividade e de inatividade com disponibilidade, que não existe nos vínculos laborais comuns (RAMALHO, 2009, p. 346)

Sendo assim, uma das principais alterações sofridas pela CLT, foi a inserção do parágrafo terceiro do artigo 443, que trouxe a conceituação de contrato de trabalho intermitente, vide:

Art. 443.  O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.

§3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. (BRASIL, 1943)

É possível observar a partir desse conceito, o forte viés da Reforma Trabalhista, em facilitar, a qualquer custo e de qualquer jeito, a inserção do empregado no mercado de trabalho formal, de forma a incentivar um contrato com menos formalidades do que o contrato individual de trabalho, pois ele preza por uma prestação de serviço que não é continua, ou seja, vai haver uma alternância entre a prestação de serviço e a inatividade, podendo esse período de alternância ser de horas, dias ou até mesmo meses.

O legislador reformista, portanto, não se importou com a qualidade do emprego. A sua intenção era retirar da estatística de desempregados o maior número possível de pessoas, ainda que essa nova modalidade de emprego não assegurasse, ao prestador de serviço, segurança econômica maior do que a de um “bico”[2].

Insta salientar que esse tipo de contrato pode ser utilizado independentemente do tipo de atividade que exerce, tanto o empregado quanto o empregador, havendo uma restrição apenas no que diz respeito aos aeronautas por vedação legal, devido a esta atividade ter legislação própria.

 Nesse contrato, o empregado é convocado de acordo com a necessidade e demanda do empregador, sendo pago somente pelas horas em que realmente prestou o serviço. Desse modo, não se contabiliza como tempo remunerado o que se convencionou chamar de “tempo à disposição”. Essa imprevisibilidade de remuneração a ser percebida pelo empregado ao final do mês trata-se do principal aspecto negativo do contrato para o empregado.

Para os defensores do trabalho intermitente, a imprevisão da jornada de trabalho e o pouco tempo que o empregado precisará se dedicar ao vínculo intermitente possibilitaria que o empregado prestasse serviços a vários empregadores[3] ao mesmo tempo.

2.2.2. Aspectos Legais do Contrato Intermitente

Uma segunda alteração de grande importância foi a inserção do artigo 452-A na CLT que foi responsável por detalhar os aspectos legais do contrato intermitente:

Artigo 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.

§ 1º O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência.

§ 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa.

§ 3º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente.

§ 4º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.

§ 5º O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.

§ 6º Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas:

I - remuneração;

II - férias proporcionais com acréscimo de um terço;

III - décimo terceiro salário proporcional;

IV - repouso semanal remunerado; e

V - adicionais legais.

§ 7º O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6º deste artigo.

§ 8º O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.

§ 9º A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.” (BRASIL, 1943)

Conforme exposto no caput, o contrato intermitente deve ser por escrito, e conter especificamente o valor da hora de trabalho, vale ressaltar, que a CLT deixa claro ainda que o valor da hora não pode ser inferior ao salário mínimo, e ainda, não pode ser inferior ao valor dos demais empregados que exercem a mesma função, sejam esses empregados intermitentes ou não.

Segundo Vólia Bonfim Cassar, essa formalidade exigida pelo caput é essencial para validade da “cláusula de intermitência”, pois se o empregado for contratado de forma diversa, por exemplo, de forma oral ou de forma tácita, a ele não se aplicarão as regras do contrato intermitente, prevalecendo, nesse caso, a regra geral disposta na CLT.

O parágrafo 1º (primeiro) do referido artigo, traz uma inovação no que diz respeito a convocação do empregado. A convocação pode ser feita por qualquer meio de comunicação eficaz, o que de praxe já gera uma dúvida, seriam as redes sociais meios de comunicação eficientes para uma convocação de prestação de serviço? O legislador não deixou respostas.

Retomando a discussão, a convocação deve ser realizada com 3 (três) dias corridos de antecedência, bem como, deve ser informado nesse momento qual será a jornada a ser cumprida pelo empregado.

O parágrafo 2º (segundo) esclarece como deve ser a resposta do empregado à convocação. Ela deverá ocorrer em até vinte e quatro horas, sendo o silêncio interpretado como recusa à prestação de serviço.

Insta salientar que, por expressa disposição legal, a recusa pelo empregado não será considerada insubordinação, o que configuraria uma hipótese de dispensa por justa causa. Assim, havendo recusa ou silêncio de um empregado, o empregador poderá chamar o próximo da fila ou até mesmo convocar um outro empregado.

O artigo 452-A da CLT traz algumas punições – tanto para o empregado quanto para o empregador – quando houver descumprimento, sem justo motivo, do combinado anteriormente. Tal punição é efetivada por meio de multa igual a 50% da contraprestação que seria devida ao empregado caso ele tivesse sido ativado durante 30 dias, sendo permitida a compensação em igual prazo. Essa possibilidade de compensação em 30 (trinta) dias consiste no fato do empregado poder cumprir as referidas horas ou dias de trabalho sem que ocorra a incidência da multa, ou seja, o empregado “paga” a multa prestando o serviço.

Vale ressaltar que essa multa não poderá ser alterada por outro meio diverso como inserção de cláusula penal no contrato, ou alguma outra forma de reparação recíproca, pois o artigo 452-B da CLT, incluído pela Medida Provisória nº 808/2017 que permitia tal disposição teve sua vigência encerrada juntamente com a MP.

Dando prosseguimento à análise do artigo 452-A, o seu parágrafo 5º (quinto), trouxe uma novidade no que tange ao período de inatividade do empregado. O período de inatividade, consiste no período sem trabalho para o empregado. No contrato intermitente, esse período não será considerado tempo à disposição, segundo a Vólia Bonfim Cassar. Enquanto durar a inatividade, para fins contratuais, estar-se-á diante de mais uma hipótese de suspensão do contrato de trabalho, não sendo devido FGTS, salário ou qualquer benefício.

O parágrafo 6º (sexto) traz as verbas que devem ser pagas ao empregado ao final de cada prestação laboral, quais sejam: salários ou saldo de salário acompanhados de férias proporcionais com 1/3, 13º (décimo terceiro) salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais. Nesse sentido, foi promulgada em 2018 a Portaria nº 349 com o intuito de esclarecer pontos celetistas acerca do trabalhador autônomo, das comissões de fábrica, da forma de recolhimento do FGTS e por fim, do contrato intermitente. O parágrafo primeiro do artigo 2º de tal portaria explica que o empregado, mediante prévio acordo com o empregador, poderá usufruir suas férias em até três períodos, nos termos dos §§ 1º e 3º do art. 134 da Consolidação das Leis do Trabalho (PORTARIA MTE, 2018). Assim, garante ao empregado intermitente o parcelamento das férias igualmente aos demais empregados de outros modelos de contrato de trabalho.

 Todas essas verbas devem estar discriminadas no recibo de pagamento, o que configura um ponto positivo, pois é um reforço acerca da proibição do salário complessivo[4].

Por fim, no tocante ao parágrafo oitavo, o legislador prevê a obrigatoriedade do empregador em fornecer ao seu empregado o comprovante de recolhimento do FGTS, bem como, da Previdência Social.

Após, a análise detalhada realizada, no tópico seguinte, serão abordadas as possíveis precarizações trazidas pelo contrato intermitente e os consequentes afrontes a Constituição de 1988 que as acompanham.

2.3. A precarização das condições de trabalho no contrato intermitente na contramão da Constituição de 1988

O Contrato Intermitente, conforme já mencionado, foi trazido para o Brasil por meio da chamada “Reforma Trabalhista”, com o intuito de modernizar as relações de trabalho no país, de modo que o empregador estaria dispensado de manter um número maior de funcionários em determinadas épocas, sendo que, nos demais momentos, esse aumento no quadro de funcionários não se via necessário, de tal forma que beneficiaria o empregado que conseguisse uma maior flexibilidade de horário, podendo usar o tempo livre, inclusive para realizar outras atividades econômicas.

Dessa forma, um dos primeiros apontamentos a fazer acerca das mitigações conduzidas por essa nova modalidade é a imprevisibilidade e a insegurança que ela traz para o empregado, em diversos aspectos, o que será apontado na sequência.  

Embora a legislação descreva que o prazo de convocação desse empregado deve ser de 3 (três) dias corridos para a prestação laboral, esse simples aspecto faz com que o empregado fique, de uma certa maneira, “por conta” do empregador, uma vez que a sua jornada está submetida à vontade do mesmo, comprometendo, inclusive, a oportunidade de tal empregado procurar novos postos laborais, pois estará vinculado a um empregador, e pode ser convocado a qualquer momento.

Vê-se que na previsão legal do trabalho intermitente não há uma jornada mínima de trabalho fixa ao empregado, fazendo com que este fique à espera da convocação do empregador sem nem mesmo ter certeza de que um dia será chamado ao trabalho.

Nesse sentido, alguns autores favoráveis ao contrato intermitente relatam que um ponto positivo a favor do empregado é justamente o fato de este não ter uma jornada fixa, e poder submeter a vários outros empregos, ou melhor, a vários outros empregadores. Porém, conforme os dados que serão expostos a frente, retirados do CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, referentes a março de 2019, demonstram que apesar do número de contratos intermitentes celebrados em comparação a março de 2018 ser consideravelmente maior, é possível examinar que apenas 69 empregados, foram contratados em mais de um trabalho intermitente:

Em março de 2019, houve 10.328 admissões e 4.287 desligamentos na modalidade de trabalho intermitente, gerando saldo de 6.041 empregos, envolvendo 2.216 estabelecimentos e 1.720 empresas contratantes. Um total de 69 empregados celebrou mais de um contrato na condição de trabalhador intermitente.

Esse resultado representa uma expansão de 2.842 mil empregos (88%) nessa modalidade na comparação com março de 2018, quando o saldo observado foi de 3.199 mil empregos intermitentes.

Do ponto de vista setorial, o saldo de emprego na modalidade de trabalho intermitente distribuiu-se por Comércio (2.301), Serviços (2.256), Construção Civil (860), Indústria de Transformação (608), Extrativa Mineral (9), SIUP (4), Agricultura (4) e Administração Pública (0).

As dez principais ocupações segundo saldo de empregos foram: vendedor de comercio varejista (975 postos); faxineiro (739); vigilante (692); auxiliar de escritório, em geral (674); operador de caixa (594); assistente administrativo (545); motorista de caminhão (498); alimentador de linha de produção (461); porteiro de edifícios (312); e recepcionistas em geral (284). (ME, CAGED, 2019)

Assim, a intenção do legislador brasileiro ao permitir que o empregado realize vários contratos intermitentes, cai por terra, pois de acordo com os dados retro, não tem surtido efeitos, haja vista que o número de empregadores que contrataram mais de um empregado intermitente, foi mínimo.

Outro ponto a se destacar diz respeito ao fato de o legislador não ter regulamentado uma jornada mínima para o empregado intermitente, de modo que o mesmo pode ser convocado por tempo extremamente diminuto, não sendo-lhe garantida renda digna (como será objeto de discussão posteriormente). Situação esta que beneficia apenas a empresa, ou melhor, o empregador, pois terá um empregado a baixo custo, sempre a sua espera, enquanto a sua margem de lucro acelera devido a omissão legislativa acerca da modalidade trabalhista.

Outra consequência nefasta para o empregado intermitente – mas que, até o momento, como demonstrado pelos dados do CAGED, não tem se materializado – tem a ver com a tentativa de o empregado compensar a sua baixa remuneração vinculando-se a vários empregadores diversos. É bastante factível que, se isso passar a ocorrer, até considerando a imprevisibilidade do contrato, o empregado opte por trabalhar o máximo de horas que puder, enquanto houver convocação. Como, nesse exemplo hipotético, estar-se-ia diante de vários empregadores, não haveria qualquer tipo de limitação à realização de horas extras (em relação a um único empregado, a lei autoriza a realização de, no máximo, duas horas extras), o que, na prática, poderia importar em o empregado se submeter a jornadas muito longas, prejudicando, assim, a sua saúde.

Ademais, a inexistência do direito de ser remunerado pelo período de inatividade, é outra grande desvantagem para o empregado no contrato intermitente. Isso acontece porque, de acordo com a CLT reformada, no que tange ao contrato intermitente, o tempo à disposição não é contabilizado para fins de remuneração. Nesse sentido, Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado apontam: A Lei nº 13.467/2017, entretanto, ladinamente, tenta criar conceito novo: a realidade do tempo à disposição do empregador, porém sem os efeitos jurídicos do tempo à disposição. (DELGADO; DELGADO, 2018, p. 154)

A verdade é que o contrato intermitente só assegura o pagamento durante o tempo efetivamente trabalhado. Enquanto o empregado não for chamado, estar desempregado ou ser um “empregado intermitente” deve ser encarado como situações totalmente idênticas.  Afirmações estas confirmadas pelo Ministério Público do Trabalho:

Ao atrelar a prestações de serviços e a remuneração dos empregados, apenas e exclusivamente, às necessidades da empresa, o Projeto equipara os trabalhadores aos demais insumos da produção. Assim, confere ao trabalhador a mesma natureza tarifada, conforme o uso, a exemplo dos itens que compõem a planilha de custos das empresas: energia elétrica, serviços telefônicos e máquinas locadas. Ou seja, não haverá pagamento enquanto o trabalhador estiver à disposição do empregador sem que haja produção. Ao vincular, integralmente, a remuneração do trabalhador ao sucesso do empreendimento, o projeto de lei põe em risco (ou inviabiliza) o suprimento das necessidades vitais básicas do ser humano que trabalha, comprometendo um mínimo existencial que não é móvel, variável ou flexível. [...] O projeto de lei agride, ainda, o disposto no artigo 4º da CLT segundo o qual o tempo em que o trabalhador estiver a disposição da empresa deve ser por ela remunerado, até porque, considerando os princípios constitucionais já mencionados, o trabalhador deve  receber contrapartida remuneratória mensal mínima,  de forma a assegurar a sua subsistência.  (MPT, 2017, p.2-3)

Em resumo: a reforma, por meio do contrato intermitente, visa romper com dois eixos do Direito do Trabalho, quais sejam: a duração do trabalho, que compreende a jornada, e a remuneração, que compreende a noção de salário.

Uma das maiores críticas em relação ao contrato intermitente é o fato deste ser considerado por alguns autores, como a Vólia Bonfim Cassar e Maurício Godinho Delgado,  como sendo um trabalho “sem salário”; ou melhor, o salário pode até existir, mas, eventualmente, quando o empregado for convocado para prestar serviço, ele receberá apenas o proporcional ao tempo que trabalhou, o que acarreta em um grande risco desse empregado não receber o salário-mínimo, que é um direito fundamental, garantido no artigo 7º, IV e VII da Constituição Federal de 1988.

A esse respeito, vale invocar o art. 7º, incisos IV e VII que, juntos, proíbem, mesmo quando a remuneração é variável, a percepção de salário inferior ao mínimo:

(…) IV - salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim o social.

 VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; (BRASIL, 1988)

Partindo desses pressupostos, tal situação faz com que o empregado que trabalha por apenas três horas em dois dias de serviço no mês receba apenas o equivalente às seis horas trabalhadas, por exemplo. Nessa lógica, destaca Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado:

(...) a noção do salário sofre tentativa de desestruturação pela Lei da Reforma Trabalhista: conceituando como a parcela contra prestativa devida e paga pelo empregador a seu empregado em virtude da existência do contrato de trabalho, a verba salarial pode ser por unidade de tempo (salário mensal fixo – o tipo mais comum de salário), por unidade de obra (salário mensal variável, em face de certa produção por parte do obreiro), ou por critério misto (denominado salário-tarefa, que envolve as duas fórmulas de cálculo).

Lidos, apressadamente, e em sua literalidade, os novos preceitos jurídicos parecem querer criar um contrato de trabalho sem salário. Ou melhor: o salário poderá existir, ocasionalmente, se, e quando, o trabalhador for convocado para o trabalho, uma vez que ele terá o seu pagamento devido na estrita medida desse trabalho ocasional. (DELGADO; DELGADO, 2017, p.154/155)

Nesse aspecto, reforçam alguns autores a insegurança em que o empregado é colocado ao dispor de tal modalidade trabalhista, de maneira que, na maioria das vezes, em um mercado tão concorrido e precário como o atual, não se veem diante de outra opção, a não ser se submeter a essa prática que afronta diretamente seus valores, enquanto pessoa humana, digna do respaldo constitucional:

Há ainda o temor de que essa forma de contrato de trabalho precarize ainda mais o trabalhador de baixa renda por permitir que, dependendo das horas trabalhadas, esse empregado possa ganhar menos que um salário mínimo e que o período de inatividade se converta em tempo à disposição do empregador sem nenhuma remuneração, considerando que, no Brasil, muitas vezes o empregado só possui passagem de ida e volta do trabalho, o que o impede de voltar para casa nos períodos de inatividade e esse tenha que ficar nos arredores da empresa esperando o próximo chamamento. (SANTOS; FARIA; NETO, 2018, p.74)

Dessarte, o fato de o contrato intermitente não assegurar ao prestador de serviço nem mesmo o salário mínimo repercute em outras várias violações, pois o salário digno também é meio de alcance para diversos outros direitos fundamentais, como a propriedade, alimentação, vestuário, lazer, saúde, entre outros.

Outra observação deve ser feita, no que se refere à previsão de pagamento das férias proporcionais, pois conforme mencionado no tópico anterior, caso o pagamento das férias proporcionais acrescidas de 1/3 for efetuado a cada período laborado, tem-se grande risco dessas férias serem gozadas anualmente sem qualquer pagamento, o que acaba por violar frontalmente o disposto no art. 7°, inciso XVII, da Constituição Federal de 1988, que o gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal. (BRASIL,1988)

Assim, o artigo 452-A, parágrafo nono da CLT traz expressamente o direito ao gozo de férias anuais de 30 (trinta) dias, mas, no entanto, não existe gozo de férias sem a adequada remuneração acrescida de 1/3, conforme se vê na norma constitucional mencionada acima. Violação essa, podendo ser observada também pelo artigo 611-B, inciso XII da CLT, que menciona as férias anuais de 30 (trinta) dias, acrescidas de 1/3, no rol de direitos que não podem ser alterados nem por via da negociação coletiva.

Mais um elemento a se considerar é a transferência dos riscos do empreendimento do empregador para o empregado. Em oposição ao entendimento majoritário de que os riscos são transferidos ao empregado, o Senador Ricardo Ferraço diz:

Sem dúvida, uma das principais inovações desta proposta é a criação do trabalho intermitente, feita pelos arts. 443 e 452-A da CLT, na forma do projeto. Não concordamos com os argumentos colecionados pelos opositores da proposta de que ela transfere o risco da atividade econômica da empresa para o empregador, violando a função social da propriedade prevista na Constituição e tratando o trabalhador como um insumo qualquer. Pelo contrário, esta é uma medida destinada a reduzir nossos altos índices de rotatividade e a permitir a inclusão no mercado de trabalho de jovens, mulheres e idosos, que têm maior dificuldade de cumprir a jornada “cheia”. (FERRAÇO, 2017, p.72).

Entretanto, ao observar a realidade acerca da referida modalidade contratual, é possível concluir que o empregado somente prestará serviços se houver demanda, ou seja, rompe com a principal característica do empregador, prevista no art. 2º da CLT que dispõe que considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. (BRASIL, 1943)

Em outras palavras, segundo a CLT, é o empregador que deve assumir os riscos da atividade econômica. Assim, transferir o risco da atividade econômica do empregador para o empregado, que é considerado a parte hipossuficiente da relação, viola, mais uma vez, alicerces básicos do Direito do Trabalho e, porque não, viola também os princípios da dignidade da pessoa do trabalhador e do valor social do trabalho.

Invocando outro princípio, dessa vez Constitucional, importa registrar que o trabalho intermitente é avesso ao princípio da valorização do trabalho humano expresso na Constituição Federal, desde o preâmbulo, seguido do artigo 1, 3 e 170:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Artigo 1 - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

 I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios (BRASIL, 1988) “

Consequentemente, o princípio da valorização do trabalho humano é um dos pilares da ordem econômica e social brasileira e é adotado com o intuito de garantir e promover a dignidade humana, bem como assegurar uma existência digna. Havendo violação aos direitos inerentes aos trabalhadores, como jornada de trabalho e salário-mínimo, não há como se falar em valorização do trabalho, tampouco a busca pelo emprego digno.

Outra precarização, diz respeito ao princípio da vedação ao retrocesso social que deve ser visto como uma forma de proteger os direitos fundamentais, visto que:

Não se trata, pois, de proibir um retrocesso social captado em termos ideológicos ou formulado em termos gerias ou de garantir em abstracto um status quo social, mas de proteger direitos fundamentais sociais sobretudo no seu núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade tem como limite o núcleo essencial já realizado, sobretudo quando o núcleo essencial se reconduz à garantia do mínimo de existência condigna inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. (CANOTILHO, 2003, p. 340)

Na defesa do princípio da vedação ao retrocesso social, dispõe Gabriela Neves Delgado:

[...] refletir sobre o trabalho é transgredir a ordem até então imposta, aprender a lançar um novo olhar sobre o trabalho no mundo contemporâneo. Reconhecer o Direito do Trabalho em sua incompletude é fundamento para poder transformá-lo. [...] Considera-se, todavia, que as mudanças jurídicas a serem implementadas devem fundamentar-se na lógica finalística originária do Direito do Trabalho. Ou seja, qualquer mudança legislativa deverá propor a melhoria das condições de trabalho em favor do obreiro, e não a precarização da prestação de serviços, desenvolvida conforme interesse privado e egoístico do mercado (DELGADO, 2006. p. 239.).

Desse modo, pode-se observar que, por não garantir direitos mínimos ao empregado, o contrato intermitente não deve ser visto como fundado na valorização do trabalho humano, não assegurando a existência digna, sendo ainda um desrespeito ao princípio da vedação ao retrocesso social, de forma a modificar direitos para diminui-los, não respeitando ditames mínimos expressos no texto constitucional. Essa precarização dos direitos fundamentais foi reconhecida pelo próprio Ministério Público do Trabalho, em nota divulgada, em janeiro de 2017, nos seguintes termos:

Em suma, a proposta contraria princípios basilares da Carta Magna de 1988, inscritos entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, consistentes na dignidade da pessoa humana ( artigo 1º, III); na valorização social do trabalho ( artigo 1º, IV e 170, caput); e na função social da propriedade ( artigo 170, III) [...] este modelo mostra-se perverso em relação à situação do trabalhador. Coisifica a pessoa humana, desconsidera a função social da empresa e ignora que os trabalhadores possuem necessidades vitais básicas para a sua subsistência.” (MPT, 2017, p. 8).

Portanto, tal contrato resulta na flexibilização dos direitos trabalhistas que fragiliza os direitos fundamentais do trabalhador, pois torna o trabalho precário, reduzindo o ser humano a uma mera matéria-prima da produção. Assim, menciona Maurício Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado:

[...] não há dúvida de que a nova fórmula jurídica poderá ter um efeito avassalador quanto ao rebaixamento do valor trabalho na economia e sociedade brasileiras. É que ostentando essa fórmula uma amplitude bastante extensa (vide a generalidade da regra constante do § 3º do art. 443 da CLT), ela tenderá a instigar os bons empregadores a precarizarem sua estratégia de contratação trabalhista tão logo os concorrentes iniciarem esse tipo de prática. Afinal, como a Sociologia e a Medicina explicam, as más práticas se deflagram e se generalizam epidemicamente, ao passo que as boas práticas levam longo tempo de maturação, aculturação, insistência e educação para prevalecerem. (DELGADO; DELGADO, 2018, p. 156)

No âmbito do Direito Internacional, abarcado pelas convenções, tem-se a Convenção de nº 95 da OIT - Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil desde 1957, em seu artigo 4, alínea “b”, nos seguintes termos:

Art. 4 - 1. A legislação nacional, as convenções coletivas ou as sentenças arbitrais podem permitir o pagamento parcial do salário em espécie nas indústrias ou nas profissões em causa. O pagamento do salário sob forma de bebidas alcoólicas ou de drogas nocivas não será admitido em caso algum. 2. Nos casos em que o pagamento parcial do salário em espécie é autorizado, serão tomadas medidas apropriadas para que: a) as prestações em espécie sirvam para o uso pessoal do trabalhador e de sua família e lhes tragam benefício; b) o valor atribuído a essas prestações seja justo e razoável. (BRASIL, 1957).

É possível observar que há uma violação constitucional, e também internacional, quanto à Convenção da OIT, quando o artigo 4º, menciona que o valor das prestações laborais deve ser justo e razoável. Dessarte, não garantir o salário mínimo, nem exigir a previsão de qualquer quantia fixa (garantia mínima de salário mesmo nos períodos de maior inatividade) fer o planejamento econômico do empregado e consequentemente o de sua família, além de infringir o conceito de trabalho digno previsto constitucionalmente.

Finda a primeira parte da discussão, será abordado, no capítulo seguinte, o contrato intermitente sob a perspectiva do direito estrangeiro. Serão descritos os modelos de países como Itália e Portugal, enquanto influência e impulso para o legislador brasileiro.


3 O CONTRATO INTERMITENTE E A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

    No capítulo anterior foi abordado o contrato intermitente sob a perspectiva da legislação brasileira, com seu conceito e as suas definições por meio do artigo 452-A da CLT, bem como, a precarização trazida por tal modalidade no que diz respeito aos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos.

O presente capítulo, a seu turno, tem como escopo tecer breves comentários acerca do contrato de trabalho intermitente em países estrangeiros.

Far-se-á uma análise legislativa dos sistemas jurídicos particulares de diferentes países, a fim de possibilitar posteriormente a comparação destes sistemas jurídicos com o sistema brasileiro, no que tange ao contrato de trabalho intermitente.

3.1. Análise legislativa do modelo italiano de Trabalho Intermitente

No ordenamento jurídico italiano, o contrato de trabalho intermitente ou contrato de trabalho a chamada – job on call, como é comumente chamado – originou-se do Decreto nº 276/2003 com o intuito de inserir modalidades flexíveis de contratos de trabalho no ordenamento italiano. Recentemente, o Decreto nº 81/2015 alterou as regras sobre o trabalho intermitente.

O conceito de trabalho intermitente está previsto no artigo 13 do Decreto nº 81/2015, que define trabalho intermitente como sendo o trabalho em que o empregado se coloca à disposição de um empregador que poderá utilizar da prestação de trabalho descontínuo/intermitente, conforme algumas exigências estabelecidas por meio de contratos coletivos,  podendo prestar serviço em períodos pré-determinados que poderão variar em uma semana, um mês ou dentro de um ano.

A título de esclarecimento, o contrato coletivo é o que entendemos no Brasil como as negociações coletivas, representadas na CLT pelo artigo 611 e seguintes, em que o artigo 611 da CLT define como sendo "o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho", nesse sentido, o artigo 611-A é responsável por definir normas que podem ser negociadas, e o artigo 611-B responsável por limitar a negociação de determinados direitos e garantias, de modo a evitar sua supressão ou diminuição. 

Retomando, na ausência desse contrato coletivo, os casos do trabalho intermitente serão individualizados e solucionados por meio de um decreto do Ministro do Trabalho e das Políticas Sociais.

O trabalho intermitente italiano traz disposições e limitações mais específicas no já citado artigo 13 do Decreto nº 81/2015:

(...) § 2º O contrato de trabalho intermitente pode ser firmado com indivíduos com menos de 24 anos de idade, desde que a prestação laborativa se desenvolva até a idade completa de 25 anos de idade e com mais de 55 anos;

§ 3º Em cada caso, com exceção dos setores de turismo, empresas destinadas a serviços direcionados ao público, e de espetáculos, o contrato de trabalho intermitente é admitido, para cada trabalhador com o mesmo empregador, por um período complessivamente não superior a quatrocentas jornadas de trabalho no arco temporal de três anos solares. No caso de superamento de tal limite, o contrato se transforma em contrato de trabalho a tempo pleno e indeterminado;

§ 4º Nos períodos nos quais não venha utilizada a prestação laborativa intermitente, o trabalhador não tem direito a nenhum tratamento econômico ou normativo, salvo se tenha garantido ao empregador a disponibilidade a responder às suas chamadas, caso no qual é devida a indenização de disponibilidade prevista no art. 16;

§ 5º As disposições deste contrato não se aplicam aos contratos de trabalho com a administração pública. (ITÁLIA, 2015)

Conforme se observa, a legislação italiana estabeleceu limites tanto de idade, quanto de profissões, em que a modalidade de trabalho intermitente poderá ser desempenhada, bem como dispôs que se descumpridos tais requisitos a prestação laboral se converte em trabalho a tempo pleno e indeterminado.

De outro modo, o artigo 14, em seu parágrafo primeiro, do mesmo Decreto nº 81/2015, traz as disposições acerca de quando tal modalidade contratual não é cabível:

Artigo 14 - É proibida a utilização de trabalho intermitente:

a) para a substituição de trabalhadores no exercício do direito de greve;

b) nas unidades produtivas nas quais tenha ocorrido, nos seis meses anteriores, dispensa coletiva na forma dos arts. 4 e 24 da Lei n. 223 de 23 de julho de 19918, que tenha atingido trabalhadores contratados nas  mesmas funções às quais se refere o contrato de trabalho intermitente, ou junto a unidades produtivas nas quais tenha havido suspensão do trabalho ou redução do horário de trabalho em regime de cassa integrazione guadagni, que atinjam trabalhadores que exercem as mesmas funções às quais se refere o contrato de trabalho intermitente;

c) pelos empregadores que não tenham efetuado a avaliação dos riscos, conforme previsto na norma de tutela da saúde e da segurança dos trabalhadores. (ITALIA, 2015)

Merecedora de nota é a alínea “b” de tal artigo que impede que o contrato intermitente seja utilizado com a finalidade de substituir empregados anteriormente contratados por tempo indeterminado. A legislação italiana, consequentemente, protege o empregado no sentido de evitar que os empregadores dispensem empregados contratados para trabalho por tempo indeterminado – que requer uma responsabilidade maior por parte do empregador no que diz respeito a garantias trabalhistas – e contrate empregados intermitentes para substituí-los, exercendo a mesma função, só que com menos responsabilidade por parte do empregador.

No que tange à forma, o artigo 15 do Decreto dispõe que o contrato este deve ser escrito e que nele devam ser discriminados: a duração da prestação laboral; em qual hipótese legal a contratação se fundou; as regras acerca do pré-aviso de chamada do empregado (que não poderá ser inferior a um dia útil); e ainda o tratamento econômico que será utilizado para fins remuneratórios e de indenização de disponibilidade.

A indenização de disponibilidade consiste em um direito previsto no artigo 16, do decreto em estudo, que será estabelecido por meio dos contratos coletivos e não poderá ser inferior ao valor fixado pelo Ministro do Trabalho e das Políticas Sociais. Consiste na remuneração a ser percebida pelo empregado em troca da prestação laboral. O Ministério da Economia e Finanças estabelece piso para a indenização de disponibilidade, de modo que, uma vez não alcançado, deverá o empregador pagar a diferença, constituindo-se, pois, tal indenização em verdadeira garantia mínima para o empregado.

Dispõe o artigo 17 acerca dos princípios de não discriminação aplicáveis ao trabalho intermitente:

1. O trabalhador intermitente não deve receber, pelos períodos trabalhados e por tarefas iguais realizadas, tratamento econômico e regulatório globalmente menos favorável do que o mesmo trabalhador de nível.

2. O tratamento econômico, regulatório e previdenciário do trabalhador intermitente, é proporcional devido ao desempenho do trabalho efetivamente realizado, principalmente no que diz respeito à quantidade de remuneração global e seus componentes individuais, bem como férias e benefícios tratamentos para doenças e acidentes, maternidade e licença parental. (ITÁLIA, 2015)

Pode-se observar o cuidado do legislador italiano, quando dispôs sobre as garantias mínimas no contrato, garantindo um piso remuneratório (chamada de indenização de disponibilidade), dando previsibilidade de renda e, consequentemente, maior segurança aos empregados.

No que toca à recusa por parte do empregado à prestação laboral, se for injustificada, servirá de motivo para a dispensa, tendo como consequência a restituição ao empregador da quota parte referente à indenização de disponibilidade relativa ao período posterior a recusa.

Para efeitos de fiscalização e regularidade, o decreto instituiu que os empregadores adotantes de tal modalidade de trabalho devem anualmente informar os representantes sindicais por via de qualquer meio de comunicação acerca dos contratos firmados, dispondo que em caso de descumprimento dessa medida informativa deve ser aplicada sanção administrativa que pode variar de 400 a 2400 euros, em relação a cada empregado contratado que não fora devidamente comunicado.

Diante do exposto, observa-se que a atual legislação italiana se mostra bem detalhada e equilibrada acerca da modalidade de trabalho intermitente, atentando-se a garantias como a vedação de substituição de mão de obra permanente; a vedação de seu uso por empresas que tenham efetuado recentes dispensas coletivas de empregados por tempo indeterminado e a fixação de garantia mínima remuneratória a ser percebida pelo empregado (indenização de disponibilidade).

3.2.  Análise legislativa do modelo inglês de Trabalho Intermitente

O contrato intermitente no Reino Unido é chamado de “zero hour contracts - contratos zero hora”. Conforme o próprio nome já diz, nessa modalidade não há garantia de um número mínimo de horas a serem trabalhados, de modo que os empregados são solicitados conforme a demanda do empregador. Esse contrato é muito utilizado em serviços que possuem demandas sazonais, o que é comum nos modelos estrangeiros. Segundo Lorena de Mello Rezende Colnago, o contrato zero hora:

[...] é aquele que impõe a disponibilidade do trabalhador 24 horas por dia, outorgando as cláusulas e condições contratuais ao empregador, deixando o empregado em uma situação muito vulnerável e instável, pois o empregado pode ficar por vários dias sem ser convocado e receber salário, e a empresa sequer necessitará despedi-lo. (COLNAGO, 2018, p. 30)

 O trabalho intermitente no modelo inglês é regulamentado apenas pelo artigo 27-A da Lei dos Direitos do Emprego de 1996 - Employment Rights Act que diz que o contrato intermitente tem como principais características a não garantia de prestação de serviços e a não garantia do recebimento de salário fixo. Por óbvio, uma regulamentação tão escassa é insuficiente para disciplinar o contrato, deixando o empregado a mercê de seu empregador (UK, 1996).

De acordo com os dados do ONS - Office for National Statistics (Escritório de Estatísticas Nacionais), os empregados que se sujeitam ao trabalho intermitente ganham cerca de 2,5 vezes menos do que os empregados com outros contratos. Assim, o rendimento semanal de um empregado com um outro contrato seria em média 479 libras, enquanto o rendimento dos empregados intermitentes seria de apenas 188 libras, ou seja, menos da metade. (ZERO, 2017, p.1).

Portanto, o modelo é alvo de diversas críticas pelos próprios empregados ingleses, que se sentem inseguros com tal modalidade, eles alegam que até na segunda feira de manhã não sabem por quanto tempo vão trabalhar na semana, comprometendo toda uma programação semanal, pois eles precisam aguardar o chamado pelo empregador.

3.3. Análise legislativa do modelo português de Trabalho Intermitente

O trabalho intermitente em Portugal foi instituído pela Lei nº 7 de 2009 a partir do artigo 157 e seguintes. Assim como no contrato de trabalho intermitente no modelo italiano, tal trabalho no modelo português também é limitado a determinadas atividades, conforme artigo 157 (PORTUGAL, 2009) Em empresa que exerça actividade com descontinuidade ou intensidade variável, as partes podem acordar que a prestação de trabalho seja intercalada por um ou mais períodos de inactividade, ou seja, tal modalidade é permitida apenas  em atividades empresariais caracterizadas pela descontinuidade ou intensidade variável.

No que tange a forma do contrato este deve ter forma escrita e conter a identificação, assinatura e domicílio das partes, bem como, a indicação do número anual de horas de trabalho, ou do número anual de dias de trabalho a tempo completo. A não observância desses requisitos para validade do contrato implica na aplicação do item 2 do artigo 158 (PORTUGAL, 2009) 2 - Quando não tenha sido observada a forma escrita, ou na falta da indicação referida na alínea b) do número anterior, considera-se o contrato celebrado sem período de inactividade, isso quer dizer que para a caracterização do trabalho intermitente é necessário o respeito aos requisitos descritos, sob pena de ser considerado contrato por tempo indeterminado.

A prestação de serviço no modelo português traz algumas novidades, até mesmo porque divide o contrato intermitente em duas modalidades. No contrato, deve ser estabelecida a duração da prestação laboral (seja consecutiva ou intercalada), bem como o início e o final de cada um desses períodos de prestações de serviço. Caso não seja informado, no momento da contratação sobre o início da prestação laboral, o empregador deve fazê-lo com o prazo de 20 (vinte) dias de antecedência.  Desse modo, temos duas espécies de trabalho intermitente, o trabalho alternado e o trabalho à chamada.

O trabalho alternado é observado quando as partes preveem além da duração do trabalho, o início e fim de cada período conforme explicitado acima, e a lei impõe alguns limites, quais sejam, a prestação não pode ser inferior a seis meses anualmente, dos quais pelo menos quatro têm que ser consecutivos. Essa espécie é adequada para empresas que possuem épocas de pico durante o ano, como por exemplo, empresas de artigos natalinos ou fabricas de ovo de páscoa. Já o trabalho à chamada, ocorre quando o empregador deve convocar o empregado com antecedência mínima de 20 (vinte) dias. Essa espécie, se aproxima do contrato intermitente instituído no Brasil.

Ademais, a lei nº 7 de 2009 traz o artigo 160 para falar especialmente dos direitos dos empregados:

1 - Durante o período de inactividade, o trabalhador tem direito a compensação retributiva em valor estabelecido em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou, na sua falta, de 20 % da retribuição base, a pagar pelo empregador com periodicidade igual à da retribuição.

2 - Os subsídios de férias e de Natal são calculados com base na média dos valores de retribuições e compensações retributivas auferidas nos últimos 12 meses, ou no período de duração do contrato se esta for inferior.

3 - Durante o período de inactividade, o trabalhador pode exercer outra actividade.

4 - Durante o período de inactividade, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho.

5 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos nos 1 ou 2. (PORTUGAL, 2009)

Isso quer dizer que durante o período de inatividade, o empregado tem direito a compensação retributiva em valor estabelecido por meio de uma Convenção Coletiva [5]ou, na ausência dessa convenção, a compensação se daria no importe de 20% da retribuição base, o que traz uma segurança maior para o empregado no que tange a sua remuneração.

As férias e os subsídios no direito português serão calculados com base na média dos valores de retribuições e compensações retributivas auferidas nos últimos 12 meses, ou no período de duração do contrato se esta for inferior.

Diante do exposto, observa-se que a atual legislação portuguesa se mostra bem detalhada acerca da modalidade de trabalho intermitente, atentando-se a garantir ao empregado uma segurança maior no que diz respeito a sua jornada que deve respeitar um período mínimo, deve haver uma estipulação de início e fim da prestação laboral ou a convocação com no mínimo 20 (vinte) dias de antecedência, bem como a sua remuneração (com o pagamento, ainda que reduzido, dos períodos de inatividade)


4 ANÁLISE CRÍTICA SOBRE O TRABALHO INTERMINTE NO BRASIL: COMPARAÇÕES COM A EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA

Apesar do contrato intermitente ser um instituto novo no Brasil, o modelo desse contrato já existe e é muito utilizado em diversos países estrangeiros, conforme mencionado acima, a Itália por exemplo, conta com a regulamentação de tal modalidade desde 2009.

De acordo com Maria Aparecida Gugel (2017), a Reforma Trabalhista sistematiza a modalidade de contrato intermitente de forma deficitária em relação aos aspectos de proteção ao trabalhador intermitente e em contradição ao próprio sistema consolidado.  Ao que tudo indica, o legislador brasileiro baseou-se no direito estrangeiro, sendo esse parâmetro um pouco contraditório, pois utilizou-se do common law (zero hour contract do modelo inglês) e do civil law (job on call do modelo italiano e do modelo português). Aproveitando somente o que há de pior neles, sem considerar os amparos necessários para garantir um trabalho digno.

Após apontamentos legais feitos no capítulo anterior acerca do direito estrangeiro, é possível salientar a semelhança entre o modelo inglês e o modelo brasileiro, de forma que ambos encontram-se escassos no que toca a regulamentação do trabalho intermitente, bem como, precários na positivação de direitos fundamentais que visam garantir um trabalho digno.

No Brasil, tem-se apenas o artigo 452-A da CLT regulamentando a modalidade de trabalho intermitente, o que é injustificável, pois o contrato por prazo indeterminado possui regulamentação ao longo de toda legislação trabalhista, sendo este detalhadamente regulamentado, o que demonstra que houve uma preocupação do legislador em acentuar cada detalhe de tal modalidade. O que é possível observar também no modelo inglês, que possui apenas o artigo 27-A da Lei dos Direitos do Emprego de 1996 como base para organizar uma classe de trabalhadores que vem crescendo com o passar dos anos. É válido destacar que posteriormente a Reforma Trabalhista, foi editada a portaria nº 349/2018 com o intuito de conceituar e esclarecer a regulamentação do artigo 452-A da CLT, não alterando e nem adicionando novas disposições.

Um ponto que deve ser enfatizado, é acerca da jornada do trabalho intermitente. Como visto, no Brasil, a jornada é incerta, o empregado depende do chamado do empregador, o que lhe causa grande insegurança, pois o chamado, pode ser realizado apenas 3 (três) dias para a prestação laboral.

 O modelo brasileiro também se assemelha um pouco ao modelo português, pois este traz uma alternativa que permite ao empregado que se prepare um pouco mais para a prestação do serviço, porém o prazo para convocação é prolongado para 20 (vinte) dias. Entretanto, os dois ordenamentos o empregado continua a aguardar o chamado do empregador, ficando a mercê da sua vontade.

Já a remuneração do ordenamento italiano e português trazem algumas disposições à tona que merecem ser discutidas, como, por exemplo, o fato de no modelo português o tempo de inatividade do empregado ser remunerado com o que chamam de compensação retributiva, o que traz uma maior segurança ao empregado. O modelo italiano utiliza-se da mesma lógica, pois institui uma indenização em valor fixo ao trabalhador, e, caso este não aufira essa renda mínima, exibe que o empregador pague a diferença são disposições com as quais não se pode contar no modelo brasileiro que não garante uma remuneração mínima, muito menos remuneram o período de inatividade do empregado, colocando-o em um enorme desconforto.

O legislador brasileiro nada observou quanto à função fiscalizatória dos sindicatos, bem como quanto aos direitos conquistados por meio das negociações coletivas, o que se pode considerar de suma importância para o contrato intermitente italiano, pois os empregadores devem informar aos sindicatos cada uma das contratações feitas sob pena de multa por cada empregado não informado, aspecto que demonstra a intenção do legislador italiano em fiscalizar a regularidade dessa modalidade e evitar abusos. No modelo português, a remuneração e as demais particularidades devem ser definidas de prontidão por meio de Convenção Coletiva de modo a dar ao empregado uma previsibilidade acerca dos requisitos que circundarão aquele contrato de trabalho.

Uma outra peculiaridade no que tange à falta de limitação do contrato intermitente brasileiro, este pode ser utilizado para qualquer ramo de atividade, com apenas uma exceção expressa no §3º do artigo 443 da CLT que é para os aeronautas, pois possuem legislação própria. Nesse sentido, Eliane dos Santos Alves Nogueira ressalta o porquê deve ser delimitado o ramo de alcance da modalidade intermitente:

[...] é que, se a interpretação seguir no sentido de que qualquer atividade, ainda que contínua, possa se utilizar da prestação de serviços intermitentes, todo e qualquer trabalho intermitente prestado será considerado trabalho subordinado, caso o elemento que afaste a caracterização do contrato de trabalho subordinado seja, única  exclusivamente, a intermitência da prestação de serviços. É exatamente por isso que o limite para o trabalho intermitente deve ser estabelecido em razão da atividade intermitente do empregador, e não pela intermitência da prestação de serviços. (NOGUEIRA, 2017, p.8)

A autora exemplifica a situação da diarista que possui como requisitos da prestação laboral, trabalhar por menos de 3 (três) dias durante a semana, diferenciando-se do empregado doméstico pela não continuidade do serviço (Lei Complementar nº 150/2015). Desse modo, a autora entende que, com o novo raciocínio inserido pela Lei nº 13.467/2017, a figura da diarista não vai mais existir, pois a intermitência que o difere do empregado doméstico, o transformará em trabalhador intermitente.

Essa limitação do ramo de atividade é uma das características presentes em dois dos modelos mencionados no capítulo anterior. No direito português e italiano, o contrato intermitente só pode ser utilizado em atividades que possuam a característica de descontinuidade ou intensidade variável. Segundo Charão e Villarote:

[...] tal forma de introdução do trabalho intermitente, por não o delimitar às atividades que se destina, acaba por incentivar a precarização das relações de trabalho, uma vez que a modalidade de emprego pode ser ampliada a qualquer atividade econômica, excetuados somente os aeronautas. Os doutrinadores afirmam que para a norma prevista na reforma trabalhista sirva ao que se propõe, o contrato de trabalho intermitente só deverá ser adotado quando a atividade explorada pelo empregador tiver caráter de intermitência, a justificar a aplicação dessa espécie de contrato de trabalho, uma vez que sua utilização irrestrita acabaria por precarizar as relações de trabalho. (CHARÃO; VILLAROTE, 2018, p.120)

Portanto, analisada a legislação brasileira, percebe-se, que o legislador brasileiro não se atentou a garantir o necessário equilíbrio entre empregado e empregador. Conclui-se que o modelo brasileiro se utilizou de poucas inspirações do modelo italiano e português que são os únicos que realmente tentam garantir direitos fundamentais mínimos e evitar inseguranças ao empregado intermitente. Aproximando-se mais da realidade do modelo inglês.

De acordo com Charão e Villatore (2018), o modelo inglês indica que o trabalho intermitente impacta diretamente no aumento de pessoas em situação de “subemprego”, ocorrendo um mascaramento dos índices de desemprego. Efeitos estes que não são diferentes no Brasil, pois se deve ter em mente, que esses efeitos negativos, tendem a ser muito maiores aqui, devido ao contexto de desenvolvimento econômico distinto dos países, conforme menciona Caroline Porsche de Menezes e Almiro Eduardo de Almeida (2018):

 [...] a adoção de contratos intermitentes produziria efeitos nefastos na distribuição de renda, aumentando cada vez mais as desigualdades sociais, já tão acentuadas no Brasil. Isso porque, conforme os economistas Almeida e Guilhoto, a economia forma um fluxo circular, haja vista que os salários recebidos pelos trabalhadores estimulam o consumo de bens e serviços, que, por sua vez, são ofertados pelo setor produtivo. (MENEZES; ALMEIDA, 2018, p. 502)

O legislador reformista possui como justificativa para instituição do contrato intermitente diminuir o índice de desemprego que alastra o país atualmente, mas, a partir do momento em que se incentiva uma modalidade contratual que não se garante ao empregado um salário mínimo, o que se faz é resolver apenas formalmente o problema do desemprego. Ser contratado de forma intermitente, ou estar desempregado passa a ser quase a mesma coisa.

Não faz sentido, segundo Caroline Porsche de Menezes e Almiro Eduardo de Almeida (2018), incentivar a adoção do contrato de trabalho intermitente sob o argumento de que fomentará a economia nacional, e diminuirá o desemprego se essa espécie de contratação acarretará a redução da média salarial e, consequentemente, reduzirá o consumo por parte da população, bem como, influenciará negativamente a qualidade de vida, a segurança do empregado. Podendo-se afirmar que a intenção do legislador reformista não foi de solucionar a crise econômica, pois a criação de postos de trabalho precários, por si só, não fomenta a economia, apenas mascara o alto índice de desemprego com os “subempregos”.

[...] a intenção de ocultar a crítica situação de desemprego – enquanto afasta os direitos dos trabalhadores e reduz a massa salarial – aumenta a vulnerabilidade do empregado frente ao empregador, o deixando ainda mais submisso às condições do explorador da mão de obra. (MAEDA, 2017, p. 325)

 Da mesma maneira, a não garantia de um salário mínimo aumenta os níveis de desigualdade social, pois a renda será concentrada nas mãos de poucos. Concluem os autores que é ineficaz a adoção do contrato de trabalho intermitente para reduzir os índices de desemprego, dizendo ainda que “a garantia dos direitos da classe trabalhadora é a chave para o desenvolvimento econômico e social - e não a criação de inúmeros postos de trabalho precários e escravizantes.” (TEIXEIRA; GONÇALVES, 2016, p.40) Fatos que são relatados e assumidos pelo próprio Ministério Público do Trabalho em nota técnica:

Em nossa ótica, a jornada intermitente institui sistemática prejudicial aos trabalhadores e a própria harmonia da relação capital-trabalho. Além de não proporcionar a alegada segurança jurídica - propalada por seus defensores -, agride normas fundamentais de regência de nosso modelo de produção, encerrando a real possibilidade de agravar o quadro de desemprego no país [...] O estado brasileiro não deveria importar modelos que violam a dignidade da pessoa humana, e mostram-se contrários à valorização social do trabalho. Ao contrário: deveria afirmar a conquista progressivas de cenários que afirmemos valores estampados na Constituição de 1988 (MPT, 2017, p.1)

Portanto, após uma breve análise crítica acerca do contrato de trabalho intermitente, é possível averiguar, que as justificativas utilizadas pelos defensores de tal modalidade, bem como, pelo legislador reformista, são falaciosas, haja vista que esse contrato não assegura meios para melhoria na economia do país, e não diminuiria os efeitos do desemprego. Fica demonstrando que, o que se pretendeu desde o início, foi o afastamento de direitos fundamentais constitucionais e ainda, a supressão de princípios trabalhistas com a única finalidade de reduzir os custos dos serviços prestados pelos exploradores da mão de obra.


5 CONCLUSÃO

A presente pesquisa versou acerca da análise do contrato de trabalho intermitente e as suas inovações legislativas introduzidas pela Reforma Trabalhista, por intermédio da Lei nº 13.467 de 2017. Portanto, analisou-se a nova modalidade de contratação à luz dos ditames constitucionais e dos preceitos fundamentais do Direito do Trabalho. Abordou-se os aspectos estrangeiros acerca do contrato intermitente enquanto modalidade já conhecida e vivida por vários países ingleses e europeus, a servir de arcabouço e influência para o legislador brasileiro, que, como visto, utilizou-se do que há de pior nesses ordenamentos, assemelhando-se a um dos mais criticados modelos, qual seja, o modelo inglês, do Reino Unido, caracterizado pela descarada violação de garantias mínimas e despreocupação com o trabalhador.

Desse modo, ao fazer uma análise comparativa acerca do contrato de trabalho intermitente do Brasil frente às legislações estrangeiras, especialmente ao observar a legislação italiana, verifica-se que a Reforma Trabalhista não foi cuidadosa em diversos aspectos, principalmente, no que diz respeito à proteção do trabalhador enquanto sujeito de direito que merece ter sua dignidade respeitada e um trabalho digno, pois sujeitá-lo a um vínculo de emprego que não lhe garante uma renda mensal mínima, é mercantilizar o trabalhador, o que evidencia o retrocesso social e um desrespeito a diversas garantias fundamentais que foram conquistadas nos últimos tempos.

Assim, é possível notar que a condição de hipossuficiência que o empregado traz consigo é somada à insegurança de novas incertezas que a  modalidade contratual em comento impõe, o que confirma a tese de que o legislador brasileiro, atualmente, não vem dando importância aos mecanismos de proteção instituídos pela Constituição Federal, bem como, pela CLT, que deveriam servir de parâmetros para o desenvolvimento de toda e qualquer modalidade de trabalho do nosso país.

Portanto, a utilização de tal modalidade cria cenário de negação de direitos mínimos e que relativiza verbas que se prestam a garantir a subsistência do trabalhador.

Dessarte, diante de tantas lacunas e contradições, é necessário que o Direito atue contra a flexibilização das garantias constitucionais e faça valer seus preceitos. Afinal, nesses casos de obscuridades sempre deve prevalecer a interpretação mais favorável ao trabalhador, conforme menciona o princípio in dubio pro misero.

Assim, pode-se concluir que o contrato intermitente é incompatível com os preceitos adotados no ordenamento constitucional brasileiro. Vale destacar que o artigo 611-B da CLT, que traz as normas que não podem ser discutidas e nem alteradas por meio de Convenção Coletiva, seu inciso IV consta o direito a salário-mínimo. Ora, se nem por meio de Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo, o salário poderia ser alterado, por que seria possível a sua supressão no contrato de trabalho intermitente?

Porém, frente à possibilidade, ou probabilidade, de aplicação desse contrato, é imprescindível que o contrato intermitente seja interpretado e aplicado com base nos ditames trabalhistas e essencialmente sob uma perspectiva constitucional que respeite a dignidade da pessoa humana e garanta ao empregado um trabalho digno.

Nesse sentido, a pesquisa tenta enfrentar e mitigar o problema. Assim, é possível, à semelhança do modelo italiano e português, utilizar-se das Convenções Coletivas de Trabalho para suprir as lacunas legais. Mesmo porque o tema das Convenções Coletivas, expresso na CLT, a partir do artigo 611 e seguintes, onde o artigo 611-A, inciso VIII, estabelece que a convenção coletiva e o acordo coletivo terão prevalência sobre a lei quando dispuserem, dentre outros, sobre o trabalho intermitente. É notório, a partir destas palavras, que o legislador reservou à negociação coletiva, importante papel no atual ordenamento jurídico, por meio do qual poder-se-á suplementar garantias ameaçadas.

 No assunto em questão, a Convenção poderia ser utilizada para estabelecer uma garantia mínima de remuneração no período de inatividade do empregado, conforme o modelo italiano prevê a indenização de disponibilidade.

Portanto, o contrato intermitente deve, preferencialmente, ser rejeitado, uma vez que o novo modelo inviabiliza que os direitos e garantias previstos na Constituição Federal sejam respeitados. Sucessivamente, sugere-se a complementação da legislação existente pela utilização das Convenções Coletivas como forma de adequá-la ao texto constitucional.


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Notas

[1] Apesar da opinião do citado ministro, desde bastante tempo, o texto celetista não apresenta mais a sua redação original. Foram sucessivas reformas, sendo certo que os artigos cujas redações são idênticas à da data da entrada em vigor da CLT eram exceções desde momento que antecedeu a reforma trabalhista. (MAIOR, 2017)

[2] Bico é a prestação de um serviço por um autônomo, sem vínculo empregatício, que trabalha informalmente, pois não emite nota fiscal, não presta conta. Este possui um caráter provisório, de forma que quem exerce, o faz como meio de auferir uma renda para suprir suas necessidades básicas ou de suas famílias.

[3] Vários empregadores, frisa-se, em um cenário em que o desemprego, ou seja, a falta de emprego atingiu no segundo semestre de 2019, segundo dados do IBGE, quase treze milhões de brasileiros. (FERREIRA, 2019)

[4]  Salário complessivo, consiste na prática de constar no recibo de pagamento do empregado, uma única verba, sem especificar ao que cada verba se refere. De acordo com o artigo 477 da CLT, o instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas (BRASIL, 1943), bem como, o entendimento consolidado na Súmula 91 do TST, nula é a cláusula contratual que fixa determinada importância ou percentagem para atender englobadamente vários direitos legais ou contratuais do trabalhador (BRASIL, 1978), quer dizer que, as verbas devem ser pagas de forma destacada e detalhada no recibo de pagamento sob pena de configurar salário complessivo, tendo o desrespeito a essas normas a consequência das verbas não discriminadas serem consideradas como não pagas, o que acarreta em condenação do empregador a pagá-las novamente. Urge destacar, que no parágrafo sétimo do artigo em questão, consta a necessidade de discriminação das verbas no recibo de pagamento, deixando claro a importância desses requisitos na elaboração do recibo de pagamento.

[5] No Brasil, as Convenções Coletivas e os Acordos Coletivos são disciplinados a partir do artigo 611 da CLT.  Segundo a Vólia, o acordo coletivo de trabalho é o negócio jurídico extrajudicial efetuado entre sindicato de empregadores e uma ou mais empresas onde se estabelecem condições de trabalho, obrigando as partes acordantes dentro do período de vigência predeterminado e na base territorial das categorias. Por sua vez a convenção coletiva de trabalho é um negócio jurídico extrajudicial pactuado entre o sindicato dos empregados e o sindicato dos empregadores, estabelecendo condições de trabalho para toda a categoria.  Estes possuem vigência temporária de 2 (dois) anos, e aplicam-se apenas na base territorial dos respectivos sindicatos. (CASSAR, 2018, p. 1286) Uma novidade adicionada a esses institutos pela Reforma Trabalhista, foi que a partir de então o negociado prevalece sobre o legislado, isso quer dizer que os acordos e convenções coletivas prevalecem sobre a legislação trabalhista, com exceção das garantias previstas no artigo 611-B CLT que não podem ser suprimidos ou  reduzidos.



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