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(Mais um) um exemplo de "baixa constitucionalidade" e a decorrente ofensa aos direitos fundamentais

(Mais um) um exemplo de "baixa constitucionalidade" e a decorrente ofensa aos direitos fundamentais

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RESUMO

O artigo aborda uma questão eminentemente social, de relevante interesse prático, por se tratar de uma análise da sistemática imposta pelo Poder Executivo para os reajustes anuais dos proventos dos inativos e pensionistas da Previdência Social.

A uma deliberada interpretação positivista da lei, em mais uma manifestação da miopia hermenêutica que de longa data toma conta do ideário jurídico nacional, opõe-se uma nova abordagem metodológica da interpretação da lei, sob os cânones do neoconstitucionalismo que tem por um de seus fundamentos a justiça constitucional.

É o que vem ocorrendo diuturnamente na vida dos brasileiros, quando o Poder Público (o mais das vezes sob a complacência do Poder Judiciário) viola frontalmente os Direitos dos cidadãos, embora cumprindo a lei, caracterizando um fenômeno que vem ocorrendo na interpretação da lei, que o Mestre Lenio Luiz Streck [1] chama, com rara precisão, de "baixa constitucionalidade", que acaba por constituir uma forma insidiosa de, cumprindo as normas legais formalmente, torná-las ineficazes materialmente.

A lei é cumprida na sua literalidade, pouco importando se na vida real seus efeitos deletérios atuam de modo inverso aos objetivos da República Federativa do Brasil, de criar uma sociedade livre, justa e solidária.


COMO DESCUMPRIR A LEI, CUMPRINDO-A

O exemplo a seguir foi elaborado a partir de dados reais e demonstra de forma inconteste como a "violência simbólica" e a "baixa constitucionalidade" agem de mãos dadas para manter o status quo.

Trata-se de mostrar como atua a sistemática atual de correção anual dos proventos dos aposentados pelo Regime Geral da Previdência Social e a demonstração de sua inconstitucionalidade por violar o Princípio da Irredutibilidade dos Benefícios, art. 201, § 4.º c/c art. 7.º, IV, in fine, ambos da Constituição Federal de 1988.

Suponhamos que o nosso indigitado trabalhador tenha se aposentado em novembro de 1998, com a RMI (Renda Mensal Inicial) de R$ 1.000,00 (um mil reais).

Em julho de 2004, este trabalhador recebe, a título de proventos, de acordo com os reajustes anuais da Previdência Social o montante de R$ 1.598,16 (um mil quinhentos e noventa e oito reais e dezesseis centavos).

De janeiro de 1999 a julho de 2004, os proventos do nosso hipotético trabalhador foram reajustados conforme tabela a seguir mostrada.

a

b

c

d

a

b

c

d

Data

Provento efetivamente recebido

Índice efetivo de correção do provento

Índice acumulado de correção do provento

Data

Provento efetivamente recebido

Índice efetivo de correção do provento

Índice acumulado de correção do provento

nov/98

nov/01

R$ 1.169,44

0,00

1,1695

dez/98

1,0000

1,0000

dez/01

R$ 1.169,44

0,00

1,1695

jan/99

R$ 1.000,00

0,00

1,0000

13.º

R$ 1.169,44

0,00

1,1695

fev/99

R$ 1.000,00

0,00

1,0000

jan/02

R$ 1.169,44

0,00

1,1695

mar/99

R$ 1.000,00

0,00

1,0000

fev/02

R$ 1.169,44

0,00

1,1695

abr/99

R$ 1.000,00

0,00

1,0000

mar/02

R$ 1.169,44

0,00

1,1695

mai/99

R$ 1.000,00

0,00

1,0000

abr/02

R$ 1.169,44

0,00

1,1695

jun/99

R$ 1.026,60

2,66

1,0266

mai/02

R$ 1.169,44

0,00

1,1695

jul/99

R$ 1.026,60

0,00

1,0266

jun/02

R$ 1.277,18

9,2

1,2770

ago/99

R$ 1.026,60

0,00

1,0266

jul/02

R$ 1.277,18

0,00

1,2770

set/99

R$ 1.026,60

0,00

1,0266

ago/02

R$ 1.277,18

0,00

1,2770

out/99

R$ 1.026,60

0,00

1,0266

set/02

R$ 1.277,18

0,00

1,2770

nov/99

R$ 1.026,60

0,00

1,0266

out/02

R$ 1.277,18

0,00

1,2770

dez/99

R$ 1.026,60

0,00

1,0266

nov/02

R$ 1.277,18

0,00

1,2770

13.º

R$ 1.026,60

0,00

1,0266

dez/02

R$ 1.277,18

0,00

1,2770

jan/00

R$ 1.026,60

0,00

1,0266

13.º

R$ 1.277,18

0,00

1,2770

fev/00

R$ 1.026,60

0,00

1,0266

jan/03

R$ 1.277,18

0,00

1,2770

mar/00

R$ 1.026,60

0,00

1,0266

fev/03

R$ 1.277,18

0,00

1,2770

abr/00

R$ 1.026,60

0,00

1,0266

mar/03

R$ 1.277,18

0,00

1,2770

mai/00

R$ 1.026,60

0,00

1,0266

abr/03

R$ 1.277,18

0,00

1,2770

jun/00

R$ 1086,23

5,81

1,0862

mai/03

R$ 1.277,18

0,00

1,2770

jul/00

R$ 1086,23

0,00

1,0862

jun/03

R$ 1.528,92

19,71

1,5287

ago/00

R$ 1086,23

0,00

1,0862

jul/03

R$ 1.528,92

0,00

1,5287

set/00

R$ 1086,23

0,00

1,0862

ago/03

R$ 1.528,92

0,00

1,5287

out/00

R$ 1086,23

0,00

1,0862

set/03

R$ 1.528,92

0,00

1,5287

nov/00

R$ 1086,23

0,00

1,0862

out/03

R$ 1.528,92

0,00

1,5287

dez/00

R$ 1086,23

0,00

1,0862

nov/03

R$ 1.528,92

0,00

1,5287

13.º

R$ 1086,23

0,00

1,0862

dez/03

R$ 1.528,92

0,00

1,5287

jan/01

R$ 1086,23

0,00

1,0862

13.º

R$ 1.528,92

0,00

1,5287

fev/01

R$ 1086,23

0,00

1,0862

jan/04

R$ 1.528,92

0,00

1,5287

mar/01

R$ 1086,23

0,00

1,0862

fev/04

R$ 1.528,92

0,00

1,5287

abr/01

R$ 1086,23

0,00

1,0862

mar/04

R$ 1.528,92

0,00

1,5287

mai/01

R$ 1086,23

0,00

1,0862

abr/04

R$ 1.528,92

0,00

1,5287

jun/01

R$ 1.169,44

7,66

1,1695

mai/04

R$ 1.598,16

4,53

1,5980

jul/01

R$ 1.169,44

0,00

1,1695

jun/04

R$ 1.598,16

0,00

1,5980

ago/01

R$ 1.169,44

0,00

1,1695

jul/04

R$ 1.598,16

0,00

1,5980

set/01

R$ 1.169,44

0,00

1,1695

out/01

R$ 1.169,44

0,00

1,1695

A coluna a contém os meses em que os proventos foram recebidos; a coluna b relaciona os proventos efetivamente recebidos; a c os índices efetivos de correção aplicados aos proventos neste período e d os índices acumulados no período, tomando-se como base inicial o mês de dezembro de 1998.

A inflação do País, que é medida pela variação do IPCA, no mesmo período, teve a evolução a seguir mostrada (dados reais).

Fonte: IBGE Série 433 - Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA)

a

b

c

a

b

c

Data

433 variação mensal

Número índice acumulado

Data

433 variação mensal

Número índice acumulado

nov/98

-0,12

dez/98

0,33

1,0000

jan/99

0,7

1,0070

nov/01

0,71

1,2351

fev/99

1,05

1,0176

dez/01

0,65

1,2431

mar/99

1,1

1,0288

13.º

0,65

1,2431

abr/99

0,56

1,0345

jan/02

0,52

1,2496

mai/99

0,3

1,0376

fev/02

0,36

1,2541

jun/99

0,19

1,0396

mar/02

0,6

1,2616

jul/99

1,09

1,0509

abr/02

0,8

1,2717

ago/99

0,56

1,0568

mai/02

0,21

1,2744

set/99

0,31

1,0601

jun/02

0,42

1,2797

out/99

1,19

1,0727

jul/02

1,19

1,2949

nov/99

0,95

1,0829

ago/02

0,65

1,3033

dez/99

0,6

1,0894

set/02

0,72

1,3127

13.º

0,6

1,0894

out/02

1,31

1,3299

jan/00

0,62

1,0962

nov/02

3,02

1,3701

fev/00

0,13

1,0976

dez/02

2,1

1,3989

mar/00

0,22

1,1000

13.º

2,1

1,3988

abr/00

0,42

1,1046

jan/03

2,25

1,4303

mai/00

0,01

1,1047

fev/03

1,57

1,4527

jun/00

0,23

1,1073

mar/03

1,23

1,4706

jul/00

1,61

1,1251

abr/03

0,97

1,4849

ago/00

1,31

1,1398

mai/03

0,61

1,4939

set/00

0,23

1,1425

jun/03

-0,15

1,4917

out/00

0,14

1,1441

jul/03

0,2

1,4947

nov/00

0,32

1,1477

ago/03

0,34

1,4997

dez/00

0,59

1,1545

set/03

0,78

1,5114

13.º

0,59

1,1545

out/03

0,29

1,5158

jan/01

0,57

1,1611

nov/03

0,34

1,5210

fev/01

0,46

1,1664

dez/03

0,52

1,5289

mar/01

0,38

1,1709

13.º

0,52

1,5289

abr/01

0,58

1,1776

jan/04

0,76

1,5405

mai/01

0,41

1,1825

fev/04

0,61

1,5499

jun/01

0,52

1,1886

mar/04

0,47

1,5572

jul/01

1,33

1,2044

abr/04

0,37

1,5630

ago/01

0,7

1,2129

mai/04

0,51

1,5709

set/01

0,28

1,2163

jun/04

0,71

1,5821

out/01

0,83

1,2264

jul/04

0,91

1,5965

A coluna a contém os mesmos meses em que os salários foram recebidos; a coluna b relaciona os índices de variação mensal do IPCA e c os índices acumulados no período, tomando-se como base inicial o mês de dezembro de 1998.

A diferença entre o IPCA acumulado, mês a mês, de 1,5965 e o índice oficial acumulado de correção, de 1,5980, de 0,09% (nove centésimos percentuais), deve-se a erros de aproximação nos cálculos, ou seja, a variação acumulada mês a mês do IPCA e o seu cálculo anual conduzem à mesma expressão numérica.

Mas os seus efeitos nos proventos diferem em muito, conforme se irá demonstrar.


O CONTROLE DA INFLAÇÃO NO PAÍS

De acordo com a carta aberta enviado pelo Presidente do Banco Central do Brasil, de n.º Presi-2004-264, de 19/02/2004, documento público conforme estabelece o Decreto n.º 3.088, de 21 de junho de 1999, e acessível no site do Banco Central do Brasil (<http://www.bcb.gov.br/?CARTAMETA>),

1 - o índice pelo qual é aferida a evolução da inflação no País é o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo);

2 - o acompanhamento e aferição (medida) da inflação é mensal, por motivos óbvios: para que se possa, em tempo hábil, adotar-se medidas econômicas de ajuste na economia caso se verifique que o nível da inflação no mês e sua projeção para os 12 (doze) meses seguintes indiquem um afastamento das metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional.

A compreensão do alcance destes dois tópicos acima é de fundamental importância para se compreender a falácia da Administração Pública quanto ao respeito aos Direitos Fundamentais dos aposentados da Previdência Social.

O acompanhamento da evolução do IPCA é feito pelo IBGE e os dados são públicos e acessíveis via Internet no site <http://www.ibge.gov.br>, ou através do site do Banco Central do Brasil, acima referido.

Por outro lado, os benefícios concedidos pela Previdência Social são reajustados anualmente, de acordo com a Lei 8.213, art. 41, II e portarias ministeriais, como, por exemplo, as PORTARIA MPAS Nº 479, DE 07 DE MAIO DE 2004 (DOU DE 10/05/2004) e a de Nº 727, DE 30 DE MAIO DE 2003 (DOU DE 02/06/2003), conforme tabela abaixo, com vigência a partir de junho de 2003.

FATOR DE REAJUSTE DOS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS DE ACORDO COM AS RESPECTIVAS DATAS DE INÍCIO (Portaria 479/2004)

DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO

REAJUSTE (%)

até junho de 2003

4,53

em julho de 2003

4,59

em agosto de 2003

4,55

em setembro de 2003

4,36

em outubro de 2003

3,51

em novembro de 2003

3,11

em dezembro de 2003

2,73

em janeiro de 2004

2,18

em fevereiro de 2004

1,34

em março de 2004

0,94

em abril de 2004

0,37

FATOR DE REAJUSTE DOS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS DE ACORDO COM AS RESPECTIVAS DATAS DE INÍCIO (Portaria 727/2003)

DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO

REAJUSTE (%)

até junho de 2002

19,71

em julho de 2002

18,98

em agosto de 2002

17,63

em setembro de 2002

16,63

em outubro de 2002

15,67

em novembro de 2002

13,88

em dezembro de 2002

10,15

em janeiro de 2003

7,25

em fevereiro de 2003

4,67

em março de 2003

3,16

em abril de 2003

1,77

em maio de 2003

0,38

Exemplificando. Na Portaria 479/2004, os inativos que tiveram a data de início de benefício em abril de 2004 serão reajustados pela aplicação do fator de reajuste de 0,37 % (zero vírgula trinta e sete por cento); aqueles cujos benefícios tiveram como data de início anterior a junho de 2003, farão jus ao valor integral dos 12 (doze) últimos meses (no caso, 4,53%), iniciando-se em maio/2004 e permanecendo fixo até abril 2005, quando deve entrar em vigor nova Portaria de reajustes dos benefícios.

Ou, de maneira geral, os proventos dos inativos são corrigidos anualmente, permanecendo fixos durante os 12 (doze) meses seguintes ao reajuste.

Embora o reajuste seja anual e corrija os proventos em função da inflação acumulada e ocorrida nos últimos 12 (doze) meses, o fato é que a inflação é fenômeno que ocorre no dia-a-dia e o governo acompanha a sua evolução MÊS A MÊS, E NÃO ANUALMENTE.

É uma questão metodológica o controlar e acompanhar a inflação mês a mês ou anualmente, mas que tem efeitos perversos nos proventos dos inativos, como se pode verificar na tabela a seguir, na qual se compara o valor dos proventos, mês a mês, efetivamente recebidos, e o efeito da inflação também mensal. Sendo anual a correção dos proventos, ou seja, o fato de receber a correção anual implica que, mês a mês, nos 12 meses que antecedem a tal correção, os proventos são corroídos pela inflação mensal, sem que haja reposição. Há uma apropriação indébita pelo Governo ao não repor as perdas mensais dos proventos por ocasião dos reajustes anuais.

Veja-se, na realidade, qual é o efeito da inflação ao atuar corrosivamente na perda do poder aquisitivo mensal dos proventos e a conseqüência perversa ao final de um período de 12 (doze) meses.

433 - Índice nacional de preços ao consumidor-amplo (IPCA)

a

b

c

d

e

f

g

h

i

j

Data

433 variação mensal

Número índice acumulado

provento efetivamente recebido

provento se corrigido pelo IPCA, mês a mês

diferenças corrigidas e atualizadas até 07/2004

Índice efetivo de correção dos proventos

Índice acumulado de correção dos proventos

nov/98

-0,12

diferenças

fatores atualiz

dif atualizada

dez/98

0,33

1,0000

1,0000

1,0000

jan/99

0,7

1,0070

R$ 1.000,00

R$ 1.007,00

R$ 7,00

1,5965

R$ 11,18

0,00

1,0000

fev/99

1,05

1,0176

R$ 1.000,00

R$ 1.017,57

R$ 17,57

1,5854

R$ 27,86

0,00

1,0000

mar/99

1,1

1,0288

R$ 1.000,00

R$ 1.028,77

R$ 28,77

1,5689

R$ 45,13

0,00

1,0000

abr/99

0,56

1,0345

R$ 1.000,00

R$ 1.034,53

R$ 34,53

1,5519

R$ 53,58

0,00

1,0000

mai/99

0,3

1,0376

R$ 1.000,00

R$ 1.037,63

R$ 37,63

1,5432

R$ 58,07

0,00

1,0000

jun/99

0,19

1,0396

R$ 1.026,60

R$ 1.039,60

R$ 13,00

1,5386

R$ 20,01

2,66

1,0266

jul/99

1,09

1,0509

R$ 1.026,60

R$ 1.050,93

R$ 24,33

1,5357

R$ 37,37

0,00

1,0266

ago/99

0,56

1,0568

R$ 1.026,60

R$ 1.056,82

R$ 30,22

1,5191

R$ 45,91

0,00

1,0266

set/99

0,31

1,0601

R$ 1.026,60

R$ 1.060,10

R$ 33,50

1,5107

R$ 50,60

0,00

1,0266

out/99

1,19

1,0727

R$ 1.026,60

R$ 1.072,71

R$ 46,11

1,5060

R$ 69,44

0,00

1,0266

nov/99

0,95

1,0829

R$ 1.026,60

R$ 1.082,90

R$ 56,30

1,4883

R$ 83,79

0,00

1,0266

dez/99

0,6

1,0894

R$ 1.026,60

R$ 1.089,40

R$ 62,80

1,4743

R$ 92,58

0,00

1,0266

13.º

0,6

1,0894

R$ 1.026,60

R$ 1.089,40

R$ 62,80

1,4743

R$ 92,58

0,00

1,0266

jan/00

0,62

1,0962

R$ 1.026,60

R$ 1.096,15

R$ 69,55

1,4655

R$ 101,93

0,00

1,0266

fev/00

0,13

1,0976

R$ 1.026,60

R$ 1.097,58

R$ 70,98

1,4565

R$ 103,38

0,00

1,0266

mar/00

0,22

1,1000

R$ 1.026,60

R$ 1.099,99

R$ 73,39

1,4546

R$ 106,76

0,00

1,0266

abr/00

0,42

1,1046

R$ 1.026,60

R$ 1.104,61

R$ 78,01

1,4514

R$ 113,23

0,00

1,0266

mai/00

0,01

1,1047

R$ 1.026,60

R$ 1.104,72

R$ 78,12

1,4453

R$ 112,91

0,00

1,0266

jun/00

0,23

1,1073

R$ 1.086,23

R$ 1.107,26

R$ 21,03

1,4452

R$ 30,40

5,81

1,0862

jul/00

1,61

1,1251

R$ 1.086,23

R$ 1.125,09

R$ 38,86

1,4418

R$ 56,03

0,00

1,0862

ago/00

1,31

1,1398

R$ 1.086,23

R$ 1.139,83

R$ 53,60

1,4190

R$ 76,06

0,00

1,0862

set/00

0,23

1,1425

R$ 1.086,23

R$ 1.142,45

R$ 56,22

1,4007

R$ 78,75

0,00

1,0862

out/00

0,14

1,1441

R$ 1.086,23

R$ 1.144,05

R$ 57,82

1,3974

R$ 80,80

0,00

1,0862

nov/00

0,32

1,1477

R$ 1.086,23

R$ 1.147,71

R$ 61,48

1,3955

R$ 85,80

0,00

1,0862

dez/00

0,59

1,1545

R$ 1.086,23

R$ 1.154,48

R$ 68,25

1,3910

R$ 94,94

0,00

1,0862

13.º

0,59

1,1545

R$ 1.086,23

R$ 1.154,48

R$ 68,25

1,3910

R$ 94,94

0,00

1,0862

jan/01

0,57

1,1611

R$ 1.086,23

R$ 1.161,06

R$ 74,83

1,3829

R$ 103,49

0,00

1,0862

fev/01

0,46

1,1664

R$ 1.086,23

R$ 1.166,41

R$ 80,18

1,3750

R$ 110,24

0,00

1,0862

mar/01

0,38

1,1708

R$ 1.086,23

R$ 1.170,84

R$ 84,61

1,3687

R$ 115,81

0,00

1,0862

abr/01

0,58

1,1776

R$ 1.086,23

R$ 1.177,63

R$ 91,40

1,3636

R$ 124,63

0,00

1,0862

mai/01

0,41

1,1825

R$ 1.086,23

R$ 1.182,46

R$ 96,23

1,3557

R$ 130,45

0,00

1,0862

jun/01

0,52

1,1886

R$ 1.169,44

R$ 1.188,61

R$ 19,17

1,3502

R$ 25,88

7,66

1,1695

jul/01

1,33

1,2044

R$ 1.169,44

R$ 1.204,41

R$ 34,97

1,3432

R$ 46,98

0,00

1,1695

ago/01

0,7

1,2128

R$ 1.169,44

R$ 1.212,84

R$ 43,40

1,3255

R$ 57,54

0,00

1,1695

set/01

0,28

1,2162

R$ 1.169,44

R$ 1.216,24

R$ 46,80

1,3163

R$ 61,61

0,00

1,1695

out/01

0,83

1,2263

R$ 1.169,44

R$ 1.226,34

R$ 56,90

1,3127

R$ 74,68

0,00

1,1695

nov/01

0,71

1,2350

R$ 1.169,44

R$ 1.235,04

R$ 65,60

1,3019

R$ 85,40

0,00

1,1695

dez/01

0,65

1,2431

R$ 1.169,44

R$ 1.243,07

R$ 73,63

1,2927

R$ 95,18

0,00

1,1695

13.º

0,65

1,2431

R$ 1.169,44

R$ 1.243,07

R$ 73,63

1,2927

R$ 95,18

0,00

1,1695

jan/02

0,52

1,2495

R$ 1.169,44

R$ 1.249,53

R$ 80,09

1,2843

R$ 102,87

0,00

1,1695

fev/02

0,36

1,2540

R$ 1.169,44

R$ 1.254,03

R$ 84,59

1,2777

R$ 108,08

0,00

1,1695

mar/02

0,6

1,2616

R$ 1.169,44

R$ 1.261,56

R$ 92,12

1,2731

R$ 117,27

0,00

1,1695

abr/02

0,8

1,2716

R$ 1.169,44

R$ 1.271,65

R$ 102,21

1,2655

R$ 129,35

0,00

1,1695

mai/02

0,21

1,2743

R$ 1.169,44

R$ 1.274,32

R$ 104,88

1,2555

R$ 131,67

0,00

1,1695

jun/02

0,42

1,2797

R$ 1.277,18

R$ 1.279,67

R$ 2,49

1,2528

R$ 3,12

9,2

1,2770

jul/02

1,19

1,2949

R$ 1.277,18

R$ 1.294,90

R$ 17,72

1,2476

R$ 22,11

0,00

1,2770

ago/02

0,65

1,3033

R$ 1.277,18

R$ 1.303,32

R$ 26,14

1,2329

R$ 32,22

0,00

1,2770

set/02

0,72

1,3127

R$ 1.277,18

R$ 1.312,70

R$ 35,52

1,2250

R$ 43,51

0,00

1,2770

out/02

1,31

1,3299

R$ 1.277,18

R$ 1.329,90

R$ 52,72

1,2162

R$ 64,11

0,00

1,2770

nov/02

3,02

1,3701

R$ 1.277,18

R$ 1.370,06

R$ 92,88

1,2005

R$ 111,50

0,00

1,2770

dez/02

2,1

1,3988

R$ 1.277,18

R$ 1.398,83

R$ 121,65

1,1653

R$ 141,76

0,00

1,2770

13.º

2,1

1,3988

R$ 1.277,18

R$ 1.398,83

R$ 121,65

1,1653

R$ 141,76

0,00

1,2770

jan/03

2,25

1,4303

R$ 1.277,18

R$ 1.430,30

R$ 153,12

1,1413

R$ 174,76

0,00

1,2770

fev/03

1,57

1,4528

R$ 1.277,18

R$ 1.452,76

R$ 175,58

1,1162

R$ 195,98

0,00

1,2770

mar/03

1,23

1,4706

R$ 1.277,18

R$ 1.470,63

R$ 193,45

1,0989

R$ 212,59

0,00

1,2770

abr/03

0,97

1,4849

R$ 1.277,18

R$ 1.484,89

R$ 207,71

1,0856

R$ 225,49

0,00

1,2770

mai/03

0,61

1,4940

R$ 1.277,18

R$ 1.493,95

R$ 216,77

1,0752

R$ 233,07

0,00

1,2770

jun/03

-0,15

1,4917

R$ 1.528,92

R$ 1.491,71

-R$ 37,21

1,0686

-R$ 39,76

19,71

1,5287

jul/03

0,2

1,4947

R$ 1.528,92

R$ 1.494,70

-R$ 34,22

1,0703

-R$ 36,63

0,00

1,5287

ago/03

0,34

1,4998

R$ 1.528,92

R$ 1.499,78

-R$ 29,14

1,0681

-R$ 31,13

0,00

1,5287

set/03

0,78

1,5115

R$ 1.528,92

R$ 1.511,48

-R$ 17,44

1,0645

-R$ 18,57

0,00

1,5287

out/03

0,29

1,5159

R$ 1.528,92

R$ 1.515,86

-R$ 13,06

1,0563

-R$ 13,80

0,00

1,5287

nov/03

0,34

1,5210

R$ 1.528,92

R$ 1.521,01

-R$ 7,91

1,0532

-R$ 8,33

0,00

1,5287

dez/03

0,52

1,5289

R$ 1.528,92

R$ 1.528,92

R$ 0,00

1,0496

R$ 0,00

0,00

1,5287

13.º

0,52

1,5289

R$ 1.528,92

R$ 1.528,92

R$ 0,00

1,0496

R$ 0,00

0,00

1,5287

jan/04

0,76

1,5405

R$ 1.528,92

R$ 1.540,54

R$ 11,62

1,0442

R$ 12,14

0,00

1,5287

fev/04

0,61

1,5499

R$ 1.528,92

R$ 1.549,94

R$ 21,02

1,0363

R$ 21,78

0,00

1,5287

mar/04

0,47

1,5572

R$ 1.528,92

R$ 1.557,22

R$ 28,30

1,0300

R$ 29,15

0,00

1,5287

abr/04

0,37

1,5630

R$ 1.528,92

R$ 1.562,99

R$ 34,07

1,0252

R$ 34,92

0,00

1,5287

mai/04

0,51

1,5710

R$ 1.598,16

R$ 1.582,11

-R$ 16,05

1,0163

-R$ 16,31

4,53

1,5980

jun/04

0,71

1,5821

R$ 1.598,16

R$ 1.582,11

-R$ 16,05

1,0163

-R$ 16,31

0,00

1,5980

jul/04

0,91

1,5965

R$ 1.598,16

R$ 1.596,51

-R$ 1,65

1,0091

-R$ 1,67

0,00

1,5980

Fonte:

IBGE

Soma

R$ 87.414,37

R$ 91.298,30

R$ 3.883,93

1,0000

R$ 5.046,37

A coluna a contém os meses em que os proventos foram recebidos; a coluna b relaciona os índices de variação mensal do IPCA; a coluna c o número índice acumulado do IPCA no período, tomando-se como base inicial o mês de dezembro de 1998, até julho/2004; a coluna d contém os proventos mensais efetivamente recebidos; a coluna e contém os proventos mensais caso fossem corrigidos mensalmente pela variação do IPCA; a coluna f é a diferença entre os proventos efetivamentes recebidos e aqueles que seriam devidos caso houvesse correção mensal pelo IPCA; a coluna g contém os fatores acumulados do IPCA, tomando-se como data de início nov/1998 (aposentadoria do trabalhador) até julho/2004; a coluna h representa os valores das diferenças mensais apuradas e atualizadas até julho/2004; a coluna i contém os índices efetivos de correção dos proventos e, finalmente, a coluna j os índices efetivos acumulados, iniciando-se em novembro/1998 até julho/2004.

Observe-se o efeito corrosivo da inflação mensal nos proventos: caso a correção dos proventos fosse mensal, mantendo a paridade com a inflação corrigida pelo IPCA, chegar-se–ia em julho/2004 com o mesmo valor de proventos oficialmente corrigidos (a diferença entre o IPCA acumulado, de 1,5965, e o índice acumulado de correção oficial, de 1,5980, de 0,09% (nove centésimos percentuais), deve-se a erros de aproximação nos cálculos).

Ao mesmo tempo, sendo anual a correção dos proventos, conforme mostrado na coluna j, as perdas sofridas, mês a mês, estão evidenciadas na coluna h, chegando a R$ 5.046,37 (cinco mil quarenta e seis reais e trinta e sete centavos). Isso sem levar em conta os juros de mora.


DA PERDA INTERCORRENTE RESULTANTE DA CORREÇÃO ANUAL DOS PROVENTOS

A maneira mais objetiva e direta de explicitar o que se está chamando de perda intercorrente dos proventos pode ser visualizada no gráfico a seguir, onde estão plotados os proventos ao longo dos meses e o respectivo efeito mensal sobre os mesmos em função da inflação.

Consideremos dois períodos sucessivos de 12 meses, cujos proventos fixos são p1 e p2.

Ao longo do 1.º período, os proventos são fixos durante 12 (doze) meses, mas a inflação não, ou seja, a cada mês que passa, para se manter o poder aquisitivo de p1, seria necessário que o mesmo sofresse um acréscimo correspondente à inflação acumulada no período. Por exemplo, no mês n, para que o valor de p1 recuperasse o seu poder aquisitivo, seria necessário que sofresse um acréscimo de a tal que (p1 + a) seria o valor equivalente a p1, no instante 0. E assim sucessivamente.

Ao chegar no mês 12, e estando a inflação acumulada no valor de d, o valor do provento equivalente a p1, no instante 0, é (p1 + d ), o qual é, também, o novo valor dos proventos a vigorar no 2.º período, conforme determina a Lei 8.213/91, art. 41, I.

Veja-se, então que, na verdade, a manutenção do poder aquisitivo não está sendo preservado permanentemente e sim intermitentemente, a cada 12 meses, momento em que os proventos do período anterior são reajustados com a inflação passada. Mas, durante estes mesmos 12 meses, a inflação corroeu mensalmente os proventos e esta perda não é reposta para os inativos. A perda acumulada está graficamente representada pelo triângulo amarelo.

É um esquema sutil e cruel mediante o qual os Poderes da República, notadamente os Poderes Executivo e o Legislativo, cumprem, formalmente, o mandamento constitucional de preservação "permanente" do poder aquisitivo dos salários, mas, materialmente, engendram, maliciosamente, uma violação expressa do mesmo mandamento, o qual passa despercebido pelos desafortunados inativos da Previdência Social.


DA VINCULAÇÃO DOS PODERES PÚBLICOS AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988

Inicialmente é preciso destacar que o Princípio fundante da nossa República é o da Dignidade da Pessoa Humana, expresso em todas as letras no art. 1.º, inciso III da Carta Política.

Encerra este Princípio, na lição de Miguel Reale, citado pelo Prof. Daniel Sarmento que "... a pessoa humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte do ordenamento jurídico, sendo a defesa e a promoção da sua dignidade, em todas as suas dimensões, a tarefa primordial do Estado Democrático de Direito."

Desta forma, como salienta o Prof. Sarmento, "...é lícito afirmar que todo e qualquer ato normativo, administrativo ou jurisdicional que se revelar atentatório à dignidade humana será inválido e desprovido de eficácia jurídica, ainda que não colida frontalmente com qualquer dispositivo constitucional."

Continuando assevera que :

O Estado tem não apenas o dever de se abster de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, como também o de promover esta dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. O homem tem a sua dignidade aviltada não apenas quando se vê privado de algumas de suas liberdades fundamentais, como também quando não tem acesso à alimentação, educação básica, saúde, moradia etc.

O fato acima descrito subsume-se aos seguintes princípios constitucionais :

1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, art. 1.º, III da CRFB/88:

Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
(...)
III. a dignidade da pessoa humana;
(...)

2. Princípio da Irredutibilidade dos Benefícios, art. 7.º, IV, in fine c/c art. 201, § 4.º.

Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
IV. salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo...". (grifamos)
Art. 201.
(...)
§ 4.º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.

Ou seja, os poderes públicos estão vinculados aos direitos fundamentais e, no magistério do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet [2], colhe-se o ensinamento de que:

(...) em nosso direito constitucional, o postulado da aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais (art. 5.º, § 1.º, da CF) pode ser compreendido como um mandado de otimização de sua eficácia, pelo menos no sentido de impor aos poderes públicos a aplicação imediata dos direitos fundamentais, outorgando-lhes, nos termos desta aplicabilidade, a maior eficácia possível. Assim, por exemplo, mesmo em se tratando de norma de eficácia inequivocamente limitada, o legislador, além de obrigado a atuar no sentido da concretização do direito fundamental, encontra-se proibido (e nesta medida também está vinculado) de editar normas que atentem contra o sentido e a finalidade da norma de direito fundamental.

A lição cabe como uma luva ao caso presente.

O legislador editou a Lei 8.213/91 que, em seu art. 41, na atual redação, estabelece que:

Art. 41. Os valores dos benefícios em manutenção serão reajustados a partir de 2004, na mesma data de reajuste do salário mínimo, pro rata, de acordo com suas respectivas datas de início ou do seu último reajustamento, com base em percentual definido em regulamento, observados os seguintes critérios: (Nova redação dada pela Lei nº 10.699 de 9/07/2003)
I - é assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real da data de sua concessão;
(...)

Veja-se que o reajuste dos proventos e outros benefícios é anual, "na mesma data de reajuste do salário mínimo", em cumprimento ao Princípio Constitucional de Irredutibilidade dos Benefícios.

E o Poder Executivo regula a aplicação desta Lei através de Portarias Ministeriais que, anualmente, fixa o índice de reajuste dos benefícios previdenciários a vigorar para os próximos 12 (doze) meses.

Entretanto, analisando-se o gráfico acima apresentada, constata-se que, embora o reajuste anual tenha por escopo repor a perda do poder aquisitivo dos benefícios concedidos pela Previdência Social nos últimos 12 (doze) meses anteriores, o fato é que o efeito da inflação é mensal e, mensalmente, é apurada, medida e controlada. E assim é porque, constatado que a inflação mensal (e sua projeção nos próximos 12 meses) afasta-se das metas estabelecidas pelo Governo, são tomadas providências para ajuste na economia, o que seria inócuo se se aguardasse a sua mensuração posteriormente, quando já não se teria tempo hábil para tais ajustes econômicos conjunturais.

Ou seja, havendo inflação mensal, há perda do poder aquisitivo mensal dos proventos, da forma como demonstrado (representado pelo triângulo amarelo do gráfico acima).

Para, realmente, cumprir com o mandamento constitucional de irredutibilidade permanente dos benefícios seria preciso que, a cada período de reajuste, houvesse a reposição das perdas intercorrentes dos proventos. Aí, sim, estaria sendo fielmente cumprida o ordem constitucional, DE FORMA PERMANENTE e não INTERMITENTEMENTE.

Mas, da maneira como são procedidos os reajustes dos benefícios anuais, há, apenas, o cumprimento FORMAL da norma constitucional, DE FORMA INTERCORRENTE, uma vez que, a cada 12 (doze) meses, recupera-se o valor dos proventos, reajustando-o em função da inflação passada, mas simplesmente "esquece-se das perdas mensais que ocorreram nos mesmos últimos 12 meses".

Ou seja, a Lei 8213/91 e as portarias ministeriais que regulam a sua aplicação aparentemente cumprem o "mandado de otimização da eficácia" do Princípio da Irredutibilidade dos Benefícios, porém, de maneira insidiosa e sutil, não o cumprem na sua extensão material, deixando de recompor, aos já parcos benefícios dos proventos, as parcelas que foram, mês a mês, corroídas pela inflação.

Interessante notar que, em se tratando de quaisquer tributos cobrados pelo Estado, em havendo recolhimento em atraso, incontinenti são cobradas as respectivas atualizações monetárias, via imposição da taxa SELIC. Muito justo, aliás, se fosse um critério adotado sempre, em mão dupla, não só no momento de cobrar, mas também no de pagar.

O citado Mestre Ingo Sarlet, ao analisar a questão da vinculação do legislador aos direitos fundamentais, assevera que:

Se, por um lado, apenas o legislador se encontra autorizado a estabelecer restrições aos direitos fundamentais, por outro, ele próprio encontra-se vinculado a eles, podendo mesmo afirmar-se que o art. 5.º, § 1.º, da CF traz em seu bojo uma inequívoca proibição de leis contrárias aos direitos fundamentais, gerando a sindicabilidade não apenas do ato de edição normativa, mas também de seu resultado, atividade, por sua vez, atribuída à Jurisdição Constitucional. Isto significa, em última ratio, que a lei não pode mais definir autonomamente (isto é, de forma independente da Constituição) o conteúdo dos direitos fundamentais, o qual, pelo contrário, deverá ser extraído exclusivamente das próprias normas constitucionais que os consagram.

Desta forma, não há nenhuma dúvida de que não se está cumprindo com as normas consagradoras dos direitos fundamentais, quando se permite a edição de leis e atos normativos que, ao invés de promover e garantir tais direitos, são omissos em regular situações nas quais, inequivocamente, tais direitos são violados de forma permanente.

Continuando com suas considerações, o citado jurista esclarece que:

(...) o efeito vinculante , dos direitos fundamentais alcança não apenas cada pessoa jurídica de direito público mas também as pessoas jurídicas de direito privado que, nas suas relações com os particulares, dispõem de atribuições de natureza pública, assim como pessoas jurídicas de direito público na sua atuação na esfera privada. Neste contexto, assume relevo a lição de Vieira de Andrade, para quem o critério decisivo reside na "existência (ou inexistência), na relação jurídica em causa, de entidades com poderes públicos, com privilégios ou prerrogativas de autoridade."

(...)

No que diz com a relação entre os órgãos da administração e os direitos fundamentais, no qual vigora o princípio da constitucionalidade imediata da administração, a vinculação aos direitos fundamentais significa que os órgãos administrativos devem executar apenas as leis que àqueles sejam conformes, bem como executar estas leis de forma constitucional, isto é, aplicando-as e interpretando-as em conformidade com os direitos fundamentais"

(..)

No caso em questão, não basta o Poder Executivo cumprir o que estabelece a Lei 8.213/91 quanto à recuperação permanente do poder aquisitivo dos proventos da aposentadoria; é necessário, também, que se preocupe com as perdas intercorrentes que sabe existir (já que as regula com perfeição quando se trata de cobrar tributos) e que deterioram de maneira impiedosa os parcos proventos dos aposentados.

A lição da doutrina parece que foi buscar inspiração nos procedimentos do Poder Executivo no tratamento dado aos reajustes dos proventos da aposentadoria.

Clássica é a lição de Celso Antonio Bandeira de Melo [3]:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofender não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais...

Como bem ressalta o insigne Mestre Ingo Sarlet, "a não-observância destes postulados poderá, por outro lado, levar à invalidação judicial dos atos administrativos contrários aos direitos fundamentais", ou seja, cabe ao Poder Judiciário exercer a fiscalização dos atos da administração pública ofensores aos direitos fundamentais, lembrando ainda, que tal fiscalização, "no caso da administração, é mais ampla que em relação ao legislador, já que este dispõe de liberdade de ação e, portanto, de margem de arbítrio bem maior".


O NEOCONSTITUCIONALISMO E A INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

Entre várias acepções da expressão neoconstitucionalismo uma delas é utilizada para se referir o modelo jurídico que representa o Estado Constitucional de Direito de alguns países europeus, desenvolvido após a 2.ª Guerra Mundial, notadamente em países como Itália, Alemanha e Espanha [4].

Este movimento doutrinário designado por neoconstitucionalismo, na expressão de Fioravanti, citado por Ariza, "representan el intento de recomponer la gran fractura entre democracia y constitucionalismo." [5]

A expressão denota a direção deste movimento doutrinário, ou seja, a busca de novos modelos jurídicos para representar os Estados surgidos após os adventos das guerras mundiais, uma vez que as configurações do Estado Liberal Burguês e do Estado Social mostraram-se esgotadas em suas possibilidades de dar respostas efetivas às novas necessidades sociais.

Tais movimentos refletiram-se no espírito do constituinte de 1988, de forma que a Constituição Brasileira é, nas palavras do Prof. Lenio LUIZ Streck [6], "densa de valores, compromissária e voltada para a transformação das estruturas econômicas e sociais".

Mas, ao mesmo tempo, (con)vivemos com uma tradição positivista que cria uma série de barreiras, principalmente na interpretação das leis e na concretização material dos direitos fundamentais.

Nas palavras do Mestre Lenio Luiz Streck [7]:

O positivismo abre espaço para a discricionariedade judicial, que tanto pode dar-se na análise da lei como da Constituição. Desse modo, o que deve ser considerado como superado no positivismo – nas suas mais variadas formas – é a análise que deve ser feita não apenas sobre a vigência da lei, mas sobre a sua validade substancial. E isto faz a diferença, exatamente porque é na diferença – que é ontológica – entre texto e norma e entre vigência e validade, que se encontra o ponto de superação da lei plenipotenciária, "blindada" pelas posturas positivistas contra os valores substanciais da Constituição e da intervenção da jurisdição constitucional.

Até parece que esta percuciente observação foi feita a partir da análise acima descrita sobre a sistemática de reajustes dos proventos dos inativos e pensionistas da Previdência Social.

A tradição positivista centra-se em posições que o citado professor [8] identifica como sendo:

a) norma em vez de valor;

b) subsunção em vez de ponderação;

c) independência do direito ordinário em vez de onipresença da Constituição;

d) autonomia do legislador democrático dentro do marco da Constituição em vez da onipotência judicial apoiada na Constituição.

No caso delineado acima exposto, há a preponderância do texto da lei, em vez da busca efetiva do valor da dignidade da pessoa humana, ínsita numa lei que objetiva manter o poder aquisitivo dos inativos da Previdência Social.

Da mesma forma, não há que se falar em ponderação, uma vez que a lei está sendo aplicada tal como foi elaborada, não dando margem para se efetuar uma ponderação de valores ou de princípios na sua efetivação.

A independência do direito ordinário ao invés da onipresença da Constituição é notória: a lei é regulada e aplicada independentemente de se ponderar ou de se avaliar os seus efeitos concretos na vida dos trabalhadores aposentados. Ou seja, a principiologia constitucional não vincula o direito ordinário e muito menos condiciona a sua aplicação.

O legislador ordinário atua dentro dos parâmetros fixados pela Constituição, com a autonomia inerente à independência dos poderes; entretanto para uma efetividade material da Constituição é inegável que a jurisdição constitucional impõe-se como marco necessário para a efetiva concretização dos direitos fundamentais.

Para superar as trincheiras do positivismo, o professor [9] elenca três frentes de discussão doutrinária nas quais o neopositivismo desenvolve seu novo instrumental jurídico: na teoria das fontes, na teoria da norma e no plano da interpretação.

Na teoria das fontes, com o entendimento de que a lei já não é a única fonte do direito, uma vez que a Constituição aparece como tal e auto-aplicativa. Na teoria da norma, com o surgimento dos princípios com o seu valor normativo de ordem superior com reflexos na própria teoria das fontes. E, em especial, no plano da interpretação, onde o neoconstitucionalismo propicia o que se tem convencionado chamar de "revolução copernicana", em virtude da profundidade das novas técnicas de interpretação, contrapostas às da hermenêutica clássica, característica do positivismo jurídico, ou seja, um novo paradigma hermenêutico-interpretativo em contraposição ás clássicas estruturas rígidas e indissolúveis entre norma e texto e entre vigência e validade.

Em apertada síntese, a superação do positivismo ocorre com o que a doutrina chama de "constitucionalização do ordenamento jurídico" que, nas palavras de Riccardo Guastini [10]:

"...propongo entender um proceso de transformación de un ordenamiento al término del cual el ordenamiento en cuestión resulta totalmente "impregnado" por las normas constitucionales. Um ordenamiento jurídico constitucionalizado se caracteriza por una Constitución extremadamente invasora, entrometida (pervasiva, invadente), capaz de condicionar tanto la legislación como la jurisprudência y el estilo doctrinal, la acción de los actores políticos, así como las relaciones sociales."

A Constituição do Brasil de 1988 apresenta esta característica de "invasora" do ordenamento jurídico,com vistas à criação de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3.º, I), mediante o desenvolvimento de um amplo conjunto de medidas de intervenção na ordem social cuja finalidade é a de garantir o pleno desenvolvimento da dignidade da pessoa humana, dentro de um processo de respeito à ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (art. 170, caput).

Nas palavras de Lenio Luiz Streck [11]

"Ou seja, de um direito meramente reprodutor da realidade, passa-se a um direito com potencialidade de transformar a sociedade, como, aliás, consta no texto da Constituição do Brasil. O direito, nos quadros do Estado Democrático (e Social) de Direito, é sempre "um instrumento de mudança social. O direito é produzido pela estrutura econômica mas, também, interagindo em relação a ela, nela produz alterações. A economia condiciona o direito, mas o direito condiciona a economia. (Cfe Grau, O direito posto, op. cit. p. 59)"

Significa dizer que a Constituição do Brasil de 1988 tem um elevado potencial de transformação da sociedade, de forma a garantir o desenvolvimento nacional e, ao mesmo tempo, erradicar a pobreza e a marginalização em que ainda vivem milhões de brasileiros.

Para tanto, e sob os auspícios do chamado neoconstitucionalismo, é impensável que tais objetivos sejam alcançados sem superar as "velhas teses do positivismo acerca da interpretação" [12] na quais destacam-se a liberdade do Poder Legislativo e a discricionariedade do Poder Executivo na imposição e interpretação de leis desatreladas dos princípios constitucionais que regem o ordenamento jurídico.

Significa, como enfatiza Lenio Luiz Streck [13]:

"Dito de outro modo, a superação do positivismo – exegético e dedutivista – pelo neoconstitucionalismo implica um salto sobre as concepções hermenêuticas que entendem o processo interpretativo como parte de um processo em que o intérprete "extrai o exato sentido da norma" (sic), como se fosse possível,isolar a norma de sua concretização, sem considerar, ademais, que esse tipo de entendimento – característico do paradigma de direito formal burguês – ignora a parametricidade constitucional!" Ora, não há pura interpretação; não há hermenêutica "pura". Hermenêutica é faticidade; é vida; é existência, é realidade. É condição de ser no mundo. A interpretação não se autonomiza da aplicação. Por isto, Gadamer supera as "três subtilitas" pela applicatio, cujo resultado é a coisa mesma (Sache selbst), o caso em sua singularidade, enfim, "o caso decidendo". "

Desta forma, se a Constituição estabelece o Princípio da Irredutibilidade dos Benefícios, art. 7.º, IV, in fine c/c art. 201, § 4.º, tal princípio vincula os Poderes da República, na imposição de leis pelo Poder Legislativo, na sua aplicação pelo Poder Executivo e na sua interpretação pelo Poder Judiciário, devendo este Poder, por força do que lhe impõe a Constituição, afastar do ordenamento jurídico qualquer legislação e/ou normas administrativas emanadas de sua aplicação que afrontem este princípio norteador que traz em sua essência o princípio basilar de Justiça.

Ao se propor o reajuste dos proventos dos inativos e pensionistas da Previdência Social nos termos do art. 41 da Lei 8.213/91, mediante reajustes anuais, na mesma época do reajuste do salário mínimo, ao mesmo tempo em que se reconhece o efeito deletério, mês a mês, da inflação nos setores da economia, ignorando-o na perda mensal do poder aquisitivo dos proventos dos inativos e pensionistas da Previdência Social, os Poderes Executivo e Legislativo, de mãos dadas, afrontam diretamente a Constituição, violando o Princípio da Irredutibilidade dos Benefícios.

Enquanto os preços estão livres e ditados pelas forças do mercado (os agentes econômicos se defendem, de inúmeras formas, da perda do poder aquisitivo do capital), os inativos e os pensionistas ficam totalmente na dependência daqueles que receberam a outorga do poder do povo para, respeitando a Lei Maior, lhes fazer justiça.

Mas, desafortunadamente, o que vem ocorrendo é que a "baixa constitucionalidade" resulta numa "baixa compreensão e aplicação" da Constituição.

E se não houver uma mudança de paradigma no entendimento, por parte dos atores políticos e jurídicos, do significado da nossa Constituição dificilmente iremos superar a visão liberal-burguesa-positivista-normativista-individualista que (ainda) mantém refém da pobreza e da marginalização uma parte considerável da população brasileira.


Notas

  1. STRECK, Lenio Luiz. Págs. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 216/220.
  2. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4. ed., rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, p. 352.
  3. BANDEIRA DE MELO, Celso Antonio. Elementos de Direito Administrativo. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 817/818.
  4. ARIZA, Santiago Sastre. La Ciência Jurídica ante ao Neoconstitucionalismo. In CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editorial Trotta, 2005, p. 239.
  5. FIORAVANTI, M. Constitución. De la antigüedad a nuestros dias [1999], trad. M. Martinez Neira, Trotta, Madrid, 2001, p 163, apud ARIZA, Santiago Sastre. La Ciência Jurídica ante ao Neoconstitucionalismo. In CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editorial Trotta, 2005, p. 239.
  6. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 18.
  7. STRECK, Lenio Luiz. A hermenêutica filosófica de superação do positivismo pelo (neo)constitucionalismo. in ROCHA, Leonel Severo e STRECK, Lenio Luiz (Org.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 157/158.
  8. Idem, p. 159.
  9. Idem, ibidem.
  10. GUASTINI, Riccardo. La "Constitucionalización" del Ordenamiento Jurídico: el caso Italiano. In CARBONELL, Miguel (Org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editorial Trotta, 2005, p.49.
  11. STRECK, Lenio Luiz. A hermenêutica filosófica de superação do positivismo pelo (neo)constitucionalismo. In ROCHA, Leonel Severo e STRECK, Lenio Luiz (org.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 161.
  12. Idem, ibidem.
  13. Idem, ibidem.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASQUES, Marcos Barbosa. (Mais um) um exemplo de "baixa constitucionalidade" e a decorrente ofensa aos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1100, 6 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8607. Acesso em: 18 abr. 2024.