Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/9268
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Controle de constitucionalidade e política judiciária

evolução histórica das súmulas no Supremo Tribunal Federal

Controle de constitucionalidade e política judiciária: evolução histórica das súmulas no Supremo Tribunal Federal

Publicado em . Elaborado em .

A súmula vinculante tem elementos para concretizar a celeridade processual, agilizando o julgamento de processos repetitivos, sem desrespeitar qualquer princípio da Constituição.

Resumo

A Súmula da Jurisprudência Dominante do Supremo Tribunal Federal evoluiu até a adoção do efeito vinculante pela Emenda Constitucional n. 45. O número excessivo de processos e a demora no julgamento são apontados como razões para o método. As críticas se concentram nas garantias constitucionais do acesso ao judiciário e a livre convicção do juiz. Entender a política judiciária adotada no STF e verificar os problemas na utilização das Súmulas são objetivos deste trabalho.


INTRODUÇÃO

A escolha do tema Controle de Constitucionalidade e Política Judiciária: evolução histórica e normativa das Súmulas no Supremo Tribunal Federal surgiu, em primeiro lugar, por uma motivação de natureza pessoal. Nascido em Resplendor-MG, a família do autor sempre gozou de amizade com diversos representantes da família "Nunes Leal", entre eles o Dr. Sylvio Nunes Leal, irmão do Ministro Victor Nunes Leal, idealizador das Súmulas da Jurisprudência Dominante do Supremo Tribunal Federal.

Em freqüentes contatos com o Ministro Sepúlveda Pertence, e em diversos debates com o professor Rafael Favetti (assessor do Ministro Sepúlveda Pertence), ficou evidente a expertise de Victor Nunes Leal no trato com o Direito. A proximidade com familiares do Ministro Victor Nunes proporcionou a viabilização de uma entrevista com o Dr. Sylvio Nunes Leal [01]. A partir deste momento, vislumbrou-se a necessidade de aprofundar o tema, pois, embora difundida em praticamente todos os tribunais brasileiros, a Súmula é pouco compreendida como método de trabalho jurídico.

Ao lado do fator motivação pessoal, causa perplexidade em todo o universo jurídico a considerável quantidade de processos que chegam, diariamente, a um gabinete de Ministro no Supremo Tribunal Federal. A inquietação de unir quantidade com qualidade de trabalho, a fim de ver respeitado o direito constitucional de acesso ao Judiciário, leva-nos a acreditar que o aperfeiçoamento dos métodos, mais que o aperfeiçoamento das leis processuais, é a solução para alcançar-se uma justiça igualitária. No Gabinete do Ministro Sepúlveda Pertence, auxiliando na análise de processos, principalmente nos inúmeros Agravos de Instrumento e Recursos Extraordinários – denominados processos de "massa" –, o autor percebeu o papel relevante das Súmulas como método de trabalho. A utilização deste mecanismo permite a simplificação dos procedimentos, sem perder em qualidade de fundamentação.

Objetivos

O presente trabalho não pretende discutir o conteúdo das Súmulas existentes. Apenas quando indispensável em exemplificações e somente como ilustração, este conteúdo será apresentado. Da mesma forma, o controle de constitucionalidade na via direta será evitado. Embora complementares, o foco é no sistema difuso, pois ainda representa, pelo menos em números, a clientela mais significativa do STF.

Segundo dados da Secretaria de Informática, o Supremo Tribunal Federal julgou, da sua criação até o dia 29/09/05, 415.084 agravos de instrumento e 322.700 recursos extraordinários. Os números são impressionantes.

O tema ganha projeção com a edição da Emenda Constitucional nº 45, de 8.12.2004, que alterou diversos dispositivos a respeito do judiciário brasileiro.

Em maio de 2003, o Governo Federal criou a Secretaria de Reforma do Poder Judiciário como forma de articular a sociedade na busca de um melhor funcionamento do Poder Judiciário. A EC 45 pode ser vista como o reflexo da articulação desta secretaria na parte responsável pelas sugestões de alterações à Constituição Federal.

A criação de uma Secretaria para a Reforma do Poder Judiciário enfrentou resistência por parte dos magistrados. O então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Maurício Corrêa, assim se manifestou na solenidade de abertura do 62º encontro do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça do Brasil, em 9/10/03:

Vamos apresentar as nossas sugestões. Estamos apresentando-as ao Poder competente que vai decidir sobre a Reforma no Poder Judiciário. Vários representantes do Judiciário já foram à Comissão Especial do Senado apresentar suas sugestões, mas não podemos aceitar que se institua no Ministério da Justiça uma Secretaria de Reforma do Poder Judiciário. Notem bem: "de Reforma do Poder Judiciário". Falo assim para lhes dizer que isso também é um atentado contra nós, porque temos condições de apresentar nossas idéias não como estão querendo fazer, ou já tentando fazer, reunir recursos com a iniciativa privada para melhorar a nossa Justiça. Que arrecade esse dinheiro o Governo Federal, aplique no Fome Zero, aplique para tapar os buracos das estradas brasileiras, faça o que bem entender com esses recursos, mas para o Judiciário não. Quem tem a obrigação, o dever de municiar o Poder Judiciário com recursos dignos para que seus Juízes possam cumprir sua missão institucional é o Tesouro Nacional, e não recursos de federação de bancos, da Companhia Vale do Rio Doce ou de quem quer que seja. Pegue o Executivo, fique com esse dinheiro e ponha no orçamento as verbas de que precisamos, e aí saberemos administrar perfeitamente as nossas carências e as nossas necessidades.

A Súmula vinculante foi um dos pontos mais polêmicos da Reforma da Constituição. Desembargadores, juízes, advogados, em sua maioria, se posicionaram contra a adoção do efeito vinculante.

Em que pesem as críticas, o uso da Súmula Vinculante pelo STF foi previsto de forma expressa na Constituição e, assim, assume papel principal no controle difuso.

Diante das inovações apresentadas, principalmente a possibilidade da adoção de efeitos vinculantes ao instituto das Súmula, o Supremo se encontra em momento favorável para afastar a imagem de morosidade do Poder Judiciário, sem diminuir a qualidade de seus julgamentos.

O trabalho não perde de vista o caráter científico da matéria. Cada proposição será verificada na prática já arraigada no STF em aplicar Súmulas. Mesmo a característica vinculante de decisões do STF já pode ser estudada ao se tangenciar efeitos do controle abstrato promovido no Tribunal.

No controle concentrado, a Constituição de 1988 admitiu explicitamente a adoção do efeito vinculante para a ADIn e ADC (desde a EC 3). Com a EC 45, o controle difuso pode alcançar o mesmo poder, equilibrando os sistemas que convivem no Brasil.

Desenvolvimento do trabalho

No capítulo 2 do presente trabalho, é feita uma análise da evolução histórico-normativa das Súmulas no Supremo Tribunal Federal. Em um primeiro momento, foi realizada uma pesquisa sobre a vida do Ministro Victor Nunes Leal. A biografia do idealizador das Súmulas reflete a qualidade do método por ele inventado.

O estudo das Súmulas da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, desde 1963, revela a semente que gerou a súmula vinculante. A parte normativa desta evolução é regatada no próprio texto desta pesquisa, haja vista o valor didático das mesmas, cuja leitura é indispensável para o entendimento da matéria. Certamente a colocação dessas normas em um anexo significaria o esquecimento de material importante para o trabalho.

Por fim, a transição para o modelo vinculante. A criação da Secretaria para a Reforma do Judiciário e a emenda Constitucional 45 são os assuntos em destaque. Evita-se previsões sobre o futuro do Tribunal com a adoção das súmulas vinculante, pois, diante da avalanche de críticas ao modelo, poderão ser inúteis, caso o método não seja difundido e utilizado na prática pelo Supremo Tribunal Federal.

O capítulo 3 concentra as críticas ao modelo das Súmulas Vinculantes. Evandro Lins e Silva, Celso de Mello, Sérgio Sérvulo, entre outros autores de renome, levantaram-se contra a Súmula Vinculante. A importância dos autores colocaria em risco o sistema, caso não houvesse defensores igualmente brilhantes, entre eles os Ministros Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes.

No capítulo 4, é feito um retrato atual do Supremo Tribunal Federal. O volume de processos e a relação entre classes processuais são demonstrados em tabelas e gráficos. Estudos de casos concretos ajudam na confirmação das críticas ao modelo da Súmula vinculante.

Por fim, no capítulo 5, é feita a conclusão da pesquisa, que focalizou a parte prática do método de trabalho idealizado por Victor Nunes Leal e sua evolução até o modelo vinculante.

Metodologia Utilizada

O presente trabalho partiu de uma descrição histórica do tema. Estudar a vida e obra de Victor Nunes Leal impressiona pela atualidade dos ensinamentos deixados. Em seguida, analisa as alterações normativas relativas às súmulas. A emenda regimental que introduziu a Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal descreve, de forma precisa, o método de trabalho pretendido por Victor Nunes Leal.

A abordagem focou tanto o plano das normas quanto o plano dos agentes envolvidos, especialmente em relação ao Ministro Victor Nunes Leal. Aliás, percebe-se que há pouca referência histórica a este na doutrina brasileira, pelo menos quanto a sua importância para a viabilização do Supremo Tribunal Federal por meio de racionalização dos trabalhos do STF.

O livro mais relevante, no presente estudo, é "Problemas de Direito Público e Outros Problemas" de Victor Nunes Leal, v. 2. Assombra a simplicidade das respostas de Victor Nunes Leal às críticas sofridas pelo método da Súmula. Hoje, as súmulas pensadas por Victor estão difundidas no Supremo Tribunal Federal e em todos os Tribunais do Brasil.

Os críticos da Súmula Vinculante defendem que o melhor sistema é o atualmente praticado, pois não obriga o magistrado a seguir a jurisprudência dos Tribunais Superiores. Os defensores do efeito vinculante, por sua vez, aplaudem a EC 45, vista – na parte das súmulas vinculantes – como uma evolução natural do método tradicional. Como se vê, as Súmulas pensadas por Victor Nunes Leal são unanimidade entre os pensadores do direito.


1.evolução das súmulas

Conhecer a vida de Victor Nunes Leal é essencial para entender o surgimento da Súmula. Sempre inovando em todos os ramos de suas atividades, Victor Nunes surpreende por sua simplicidade no agir, em busca da eficiência. A súmula, em sua época, nasceu de anotações em um caderno durante as sessões do pleno. Este caderno encontra-se em exposição na Biblioteca "Victor Nunes Leal" no Supremo Tribunal Federal.

1.1.Victor Nunes Leal

Victor Nunes Leal nasceu no dia 11 de novembro de 1914, na cidade de Carangola, Minas Gerais. Filho de um fazendeiro português e uma professora, viveu em um ambiente rico em valores éticos e culturais.

Conforme destacou Rafael Thomaz Favetti em texto publicado em sítio da internet:

"Essa convivência de seu pai com a organização rural no interior do Brasil, que teve grande impacto em sua infância, foi fato fundamental para seu futuro trabalho de análise. O cenário interiorano vivido em sua infância, com os episódios políticos típicos do interior, marcadamente fundados no coronelismo do interior mineiro, desenvolveram uma sensibilidade teórica inigualável, em Victor Nunes, para analisar e explicar os mecanismos e engrenagens deste fenômeno social." [02]

Quando jovem, sua família foi obrigada a mudar para o Município de Resplendor, MG. Victor, entretanto, preferiu seguir para o Rio de Janeiro, onde encontrou apoio em Pedro Batista Martins, advogado e amigo de seu pai. Colou grau em 1936 e auxiliou Pedro Batista Martins na redação do anteprojeto do Código de Processo Civil de 1939, fato registrado em menção honrosa no livro Comentários ao Código de Processo Civil.

Polivalente, atuou em diversas frentes, como destacou Rafael Favetti:

"Além de jurista e jornalista, atuou como tradutor. Dentre os livros de maior impacto, traduziu "Poder Político", de Hermann Heller (Revista Forense, 1946), um livro essencial para a Teoria Geral do Estado. Traduziu, também, "O Novo Código de Processo Civil Italiano", de Piero Calamandrei (Revista Forense, 1945), que é considerado um clássico da literatura processual civil do mundo.

No plano das relações exteriores, representou o Brasil na IV Reunião do Conselho Interamericano de Jurisconsultos da OEA (Chile, 1959) e integrou as missões de observadores estrangeiros às eleições da República Dominicana, em 1962, e da Nicarágua, em 1963. Lembra-se que todos esses encontros eram marcados pelo cenário mundial da guerra fria, fato que dificultava a inserção dos observadores internacionais, mas que não foi óbice para a participação ativa do Brasil, através de Victor Nunes.

No campo o jornalismo, Victor Nunes Leal está no rol das figuras mais importantes para a história do jornalismo brasileiro. Foi redator de O Jornal, do Diário da Noite e do Diário de Notícias; redator da Agência Nacional, do DIP, redator-chefe da Rádio Tupi (que era um dos maiores veículos de comunicação da América Latina) e diretor da Agência Meridional, dos Diários Associados de Assis Chateubriand.

Participou, indicado por Olímpio Guilherme, da equipe de Gustavo Capanema no Ministério da Educação, cuja chefia de gabinete era de responsabilidade do poeta Carlos Drummond de Andrade." [03]

À chefia do Gabinete Civil do Presidente Juscelino Kubitscheck, foi assim registrada em suas próprias palavras:

"A Casa Civil foi um turbilhão na minha vida, a começar pela falta de rotina do Presidente, que às seis horas, freqüentemente, já estava trabalhando e chamava seus auxiliares imediatos a qualquer momento do dia ou da noite. Dotado de memória invulgar, cobrava os encargos imprevistamente, com uma cordial censura para os nossos esquecimentos. Só perdia a calma excepcionalmente, sobretudo com os mais íntimos. De qualquer modo, era um fiscal incansável das nossas tarefas.". [04]

Victor Nunes ainda teve efetiva atuação como professor universitário. Diz Rafael Favetti:

"A história tem início na Universidade do Distrito Federal, que foi extinta e incorporada à Universidade do Brasil. O titular da Cadeira de ciência política era o professor André Gros. A Guerra levou Gros a participar do Movimento da França Livre (depois da guerra, Gros foi ser Juiz da Corte Internacional de Haia).

Com a vacância da Cadeira, Victor Nunes foi indicado. Nota-se que ciência política era uma matéria oferecida pelo Departamento de Filosofia, pois ainda não existia curso autônomo de ciência política no Brasil. Neste período, dedicou-se integralmente ao magistério, largando a advocacia e preparando a tese do concurso para professor titular (3 anos), cujo título era "O Município e o Regime Representativo no Brasil – Contribuição ao Estudo do Coronelismo".

A banca de exame para a titulação na Cadeira foi formada por Djacir Menezes (de economia política), Josué de Castro (da geografia humana) e três professores do direito (que não eram da Universidade do Brasil) : Pedro Calmon, Bilac Pinto (o único da banca a tentar aplicar o "coimbrão", que era uma série de perguntas a fim de "quebrar" a tese) e Oscar Tenório.

Victor Nunes Leal, sem fugir dos árduos questionamentos de Bilac Pinto, foi aprovado com o grau máximo e exerceu o magistério até 1960, como professor de ciência política na Faculdade Nacional de Filosofia." [05]

A passagem de Victor Nunes Leal pelo Supremo Tribunal Federal foi relevante. Além das Súmulas, que significaram a "democratização" da jurisprudência do Tribunal, bem como sua atuação no sentido de preservar a independência da corte, lhe custou o cargo de Ministro. Victor Nunes foi um dos Ministros aposentados compulsoriamente pelo regime militar em janeiro de 1969, pelo Ato Institucional n. 5.

1.2.A Súmula do Supremo Tribunal Federal

Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal é o enunciado no qual o Tribunal inscreve o seu entendimento sobre as questões mais controvertidas na jurisprudência e sobre as quais o STF chegou a uma opinião firme, em face da sua composição contemporânea. É o pensamento dominante do Supremo em determinada época. Método de trabalho que visa simplificar os julgamentos no STF e divulgar a jurisprudência.

A súmula do Supremo Tribunal Federal foi instituída por Emenda ao Regimento do Supremo Tribunal Federal, publicada em 30/8/63. Entrou em vigor no início de 1964, com 370 enunciados, aprovados em 13 de dezembro de 1963.

Tal emenda acrescentava o Capítulo XX, no Título III, do Regimento, com a seguinte redação (DJ, 30/6/63):

"Da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Art. 1º. É criada, no Supremo Tribunal Federal, a Comissão de Jurisprudência, integrada por três Ministros, designados pelo Presidente.

Art. 2º. Compete à Comissão de Jurisprudência:

(...)

IV – Velar pela publicação e atualização da Súmula de Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, a que se referem os artigos seguintes.

Art. 4º Será publicada, como anexo do Regimento, com as atualizações que se fizeram necessárias, a Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, que poderá ser citada abreviadamente como Súmula do Supremo Tribunal Federal, ou simplesmente Súmula.

Art. 5º Serão inscritos na Súmula enunciados correspondentes:

I – As decisões do Tribunal, por maioria qualifica que tenham concluído pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público (Reg., art. 87, §6º).

II – A jurisprudência que o Tribunal tenha por predominante e firme embora com votos vencidos.

Art. 6º A inscrição de enunciado na Súmula será decidida pelo Plenário, por proposta da Comissão de Jurisprudência, ou de qualquer dos Ministros, com o parecer da Comissão.

Parágrafo único. O enunciado será sucinto e mencionará as normas constitucionais, legais, regimentais ou de regulamento, a que se refira.

Art. 7º Qualquer dos Ministros por iniciativa própria ou atendendo a sugestão constante dos autos, poderá propor ao Tribunal a revisão de enunciado constante da Súmula quando surgir a oportunidade em processo ou incidente processual, observando-se, em matéria constitucional, o disposto no art. 87, §6º, do Regimento.

Art. 8º Sempre que o Plenário decidir em contrário ao que constar da Súmula:

I – Será concelado o respectivo enunciado até que de novo se firme a jurisprudência no mesmo ou em outro sentido.

II – Em matéria constitucional será substituído o enunciado pelo que resultar do voto da maioria qualificada (art. 87, §§ 1º e 2º).

Art. 9º (...)

Art. 10º (...)

Art. 11º - Permanecerão vagos, para o caso de eventual restabelecimento, os números dos enunciados que forem cancelados, e estes, para efeito de confronto, serão publicados em apêndice, na edições sucessivas da Súmula.

Art. 12º A Súmula terá um índice de matérias, divido em capítulos, correspondentes aos grandes ramos do direito, sem prejuízo de índices auxiliares a critério da Comissão de Jurisprudência.

(...)

Art. 13. (...)

Art. 14. A citação da Súmula será feita pelos números correspondentes e dispensará perante o Supremo Tribunal Federal a citação complementar de outros julgados no mesmo sentido.

Art. 15 (...)

Art. 16 (...)"

Em notas ditadas ao jornalista Edísio Gomes de Matos, em 4/8/64, Victor Nunes apontava dois problemas graves nos trabalhos do Supremo Tribunal Federal. O primeiro era o desconhecimento de suas decisões, causado pela divulgação falha de seus julgamentos. O segundo era o acumulo de serviço, principalmente de processos com questões jurídicas repetitivas. Na época, os Ministros julgavam cerca de 7.000 processos por ano.

Como integrante da comissão de jurisprudência, Victor Nunes atacou o primeiro problema aperfeiçoando as publicações oficiais dos julgamentos do Tribunal. Seu trabalho, além de facilitar a consulta por meio de índices, reduziu o tempo entre o julgamento e a publicação, que era de três anos, para um mês e meio.

Para solucionar o acúmulo de serviço, os estudiosos apontavam duas direções. Alguns defendiam a adoção de um sistema similar aos "assentos" expedidos pela Casa de Suplicação de Lisboa. Outros defendiam os prejulgados. A excessiva rigidez dos "assentos" e a ineficiência dos prejulgados levaram o Supremo Tribunal Federal a adotar medida intermediária denominada Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal.

A Súmula nasce para expressar a orientação dominante do Tribunal acerca de tema controvertido na jurisprudência e eliminar divergências anteriores. Cumpre com eficiência os dois objetivos almejados: divulgar a jurisprudência e acelerar os julgamentos.

Victor Nunes não vislumbrava, na súmula, qualquer ameaça à atividade criadora dos juízes de 1º grau, nem ao contraditório dos advogados. Pelo contrário, acreditava que eles seriam aliados no desenvolvimento do método de trabalho. Afirmava o seguinte:

"A Súmula também não é obrigatória para o próprio Supremo Tribunal: os advogados, quando surgir a oportunidade em algum processo, poderão pedir-lhe que reveja a orientação lançada na Súmula, mas também deles se espera que estudem mais aprofundadamente o assunto para que, em face de argumentação nova ou de novos aspectos do problema, ou de apresentação mais convincente dos argumentos anteriores, possa o Tribunal render-se à necessidade ou conveniência de alterar sua orientação.

Essa exigência do mais acurado estudo para se obter modificação da Súmula contribuirá para o aperfeiçoamento do trabalho profissional dos advogados, muitos dos quais anteriormente interpunham seus recurso com quem joga na loteria, na esperança de composição eventual do Tribunal que os favorecesse por ocasião do julgamento." [06]

Acreditava que somente naqueles casos em que o advogado, por seu esforço profissional, tivesse a esperança de mudar o próprio entendimento do Tribunal, é que se animariam a pedir a revisão da Súmula, insistindo nos recursos.

A introdução da Súmula, no Supremo Tribunal Federal, atraiu juristas do mundo inteiro, dada a simplificação proporcionada nos julgamentos. Embora pudesse prejudicar advogados retardatários, a Súmula era uma vitória para as partes, pois garantiam que os processos iniciados em uma mesma época teriam o desfecho homogêneo. Este fato, na visão de Victor Nunes, contribui para o prestígio da Justiça, pois, as partes muitas vezes não compreendem as mudanças de orientação dos tribunais.

Em 1966, em artigo publicado na Revista do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Victor Nunes Leal já respondia algumas críticas direcionadas as Súmulas. Atribuía este fato a uma compreensão errônea do método e insistia em sua eficácia. Para os que alertavam que nosso sistema jurídico romano não comportava a utilização de súmulas, assim respondia:

"É sabido que não são idênticos os sistemas jurídicos dos dois países. Não damos aos precedentes judiciais a mesma força que têm nas nações de origem britânica. E seus juristas, afeiçoados a uma prestigiosa tradição de direito pretoriano, teriam de ser mais hostis do que nós às codificações, princípio de organização do Direito a que sempre fomos habituados.

Mas a atenuação progressiva dessa diferença vai assemelhando cada vez mais os problemas judiciários que eles e nós enfrentamos. De uma parte, vai-se ampliando, dia a dia, nos Estados Unidos, a área coberta pela legislação (stature); de outra, entre nós, o lento ritmo das codificações não dá vazão à nossa pletora de leis extravagantes, o que transpõe o seu ordenamento sistemático para o plano da jurisprudência. Partimos, assim, de pontos distanciados, mas estamos percorrendo caminhos convergentes, sendo aconselhável a comparação dos métodos que uns e outros vamos imaginando para espancar o pesadelo da sobrecarga judiciária, que nos é comum." [07]

Victor Nunes estava ciente que a adoção mecânica ou a pura imitação dos métodos adotados nos países da common law seria improdutiva no Direito brasileiro. A sistematização de precedentes, por imperativo lógico, sempre foi mais avançada no sistema da common law, sem falar nos avanços tecnológicos em computação nos Estados Unidos. Porém, as semelhanças entre as Súmulas do Supremo Tribunal Federal e os Restatement of the Law permitiam uma comparação saudável.

Os Restatement se impunham pela autoridade dos doutrinadores. Não tem caráter oficial e se assemelham a uma consolidação da jurisprudência dominante. Porém, é mais que a simples compilação de julgados, pois sofrem uma análise apurada dos princípios que regem a matéria julgada. Sofriam duas criticas. A primeira pela ausência de autoridade legislativa e judiciária. Por último, por se tratar de trabalho expositivo de direito vigente, não contribuíam para a evolução do mesmo.

Nesse ponto, a superioridade da Súmula era evidente, pois, por se tratar de jurisprudência autorizada pelo Supremo Tribunal apresentava efeitos processuais relevantes. Embora não obrigatória para os outros Tribunais, vinculava as partes na medida em que o interessado poderia fazê-la observar por meio de recurso.

Victor Nunes abominava a estratificação da jurisprudência pelas súmulas. Aos críticos, respondia o seguinte:

"A Súmula não é estática, nem estratificada, porque está previsto no Regimento do Supremo Tribunal, não só o seu acréscimo continuado, como também o mecanismo da sua modificação. Portanto, o que nela mais importa, como solução duradoura, não é propriamente o contudo dos seus enunciados (contra os quais é que se rebela boa parte dos seus críticos); o que mais importa na Súmula é ser um método de trabalho, um instrumento de autodisciplina do Supremo Tribunal, um elemento de racionalização da atividade judiciária, que simplifica a citação de precedentes, elimina afanosas pesquisas e dispensa referência especial, tanto aos julgados que lhe servem de base, como aos posteriores que se limitarem a aplicar a Súmula." [08]

Em discurso proferido no Instituto dos Advogados de Santa Catarina, em 4/9/81, publicado na Revista de Direito Administrativo, nº. 145, jul./set. 1981, Victor Nunes viu como um êxito, após 17 anos de vigência, a adoção da Súmula. Apontava o nascimento do neologismo Direito Sumular, obra do Ministro e Professor José Pereira Lira, usado como título na obra do Dr. Roberto Rosas. Enfatizava a Súmula como método de trabalhado em detrimento do seu conteúdo. Discorreu, com satisfação, sobre a adoção do método em diversos tribunais e em áreas administrativas. Afirmava:

"Importante ressaltar a difusão que teve a Súmula, como método de trabalho, pois este parece ser o seu aspecto de maior eficácia, suplantando mesmo a sua condição de repertório oficial de jurisprudência da Alta Corte. Em certo sentido, pode-se dizer que o conteúdo da súmula passa para segundo plano, quando o comparamos com a sua função de método de trabalho, revestido de alguns efeitos processuais, que contribuem para o melhor funcionamento da Justiça." [09]

A revisibilidade das Súmulas por meio de alterações legislativas e pela receptividade do Supremo nas propostas de sua revisão afastaram o receio de engessamento da jurisprudência, crítica constante à época. Acreditava que a Súmula alcançara o ideal do meio-termo entre a rigidez dos "assentos" e a inoperância dos prejulgados.

Victor Nunes explicou, com maestria, a impossibilidade de se interpretar os enunciados das Súmulas. Para ele, sempre que fosse necessário esclarecer algum aspecto do enunciado, era um sinal para o cancelamento do mesmo para que nova regra fosse inscrita de modo a não permitir dubiedades. Afirmava ser a lei o objeto da interpretação, e a Súmula o resultado dessa interpretação promovida pelo Supremo Tribunal Federal. Por isso, defendia a clareza e precisão na redação dos enunciados de Súmulas. Criticava a alteração de palavras ou de sentido na interpretação de Súmulas sem o devido cancelamento da numeração e inscrição de um novo texto. Certa passagem do Ministro, sobre o tema, esclarece que:

"Tive ocasião, no STF, de contrariar essa tentativa de interpretar a Súmula. Dizia eu (RTJ 45/73 e segs.):

‘A Súmula não é norma autônoma, não é lei, é uma síntese de jurisprudência (...). Em alguns casos, interpretar a Súmula é fazer interpretação de interpretação. Voltaríamos à insegurança que a Súmula quis remediar. Quando o enunciado for defeituoso, devemos riscá-lo e redigir outro. Este é que é o método adequado previsto no Regimento.’

A isso replicou o Ministro Elói da Rocha:

‘Se tenho, como juiz, o poder de interpretar a mesma Constituição, poderei interpretar a Súmula.’

‘V. Exa. – insisti – tem, evidentemente, o poder de interpretar qualquer decisão nossa, e, portanto, a nossa jurisprudência sintetizada na Súmula. Mas a Súmula é um método de trabalho, através do qual esta Corte tem procurado eliminar dúvidas da interpretação. Se a Súmula, por sua vez, for passível de várias interpretações, ela falhará, como método de trabalho, à sua finalidade. Quando algum enunciado for imperfeito, devemos modifica-lo, substituí-lo por outro mais correto, para que ele não seja, contrariamente à sua finalidade, uma fonte de controvérsia." [10]

Victor Nunes acreditava que o número de enunciados de Súmula chegariam a 2 ou 3 mil. Propugnava que o Supremo deveria adotar uma rotina constante de produção e reformulação de enunciados para agilizar o julgamento dos processos.

Como apontado por Victor Nunes a criação da Súmula arrancou elogios de juristas do mundo inteiro. A inovação decorreu de características próprias do sistema judicial brasileiro: de um lado um excessivo número de processos na Suprema Corte e de outro a deficiência no sistema de informática do Brasil em 1964, aliado ao nosso sistema de civil law, sem tradição na adoção de precedentes.

Somente a adoção da urna eletrônica, também fruto de características próprias do judiciário brasileiro, encontra paralelo à súmula de Victor Nunes. Além de elogiada em todo o mundo, a urna eletrônica racionalizou o sistema eleitoral brasileiro e permitiu uma nova dimensão na democracia em nosso país.

Em 1970, as normas foram simplificadas e hoje está em vigência o texto de 15 de outubro de 1980. São estas as normas atualmente em vigor:

Art. 7º. Compete ainda ao Plenário:

VII – deliberar sobre a inclusão, alteração e cancelamento de enunciados da Súmula da Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal.

Art. 11. A Turma remeterá o feito ao julgamento do Plenário independente de acórdão e de nova pauta:

III. – quando algum Ministro propuser revisão da jurisprudência compendiada na Súmula.

Art. 21. São atribuições do Relator:

§2º. Poderá ainda o Relator, em caso de manifesta divergência com a Súmula, prover, desde logo, o recurso extraordinário.

Art. 32. São atribuições da Comissão de Jurisprudência:

IV – velar pela expansão, atualização e publicação da Súmula.

Art. 99. São repositórios oficiais da jurisprudência do Tribunal:

I- o Diário da Justiça, a Revista Trimestal de Jurisprudência, a Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal, e outras publicações por ele editadas, bem como as de outras entidades, que venham a ser autorizadas mediante convênio.

Art. 102. A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal.

§1º A inclusão de enunciados na Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento, serão deliberados em Plenário, por maioria absoluta.

§2º Os verbetes cancelados ou alterados guardarão a respectiva numeração com a nota correspondente, tornando novos números os que forem modificados.

§3º Os adendos e emendas à Súmula, datados e numerados em séries separadas e sucessivas, serão publicados três vezes consecutivas no Diário da Justiça.

§4º A citação da Súmula, pelo número correspondente, dispensará, perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido.

Art. 103. Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário.

Art. 321. (..)

§5º Ao recurso extraordinário interposto no âmbito dos Juizados Especiais Federais, instituídos pela Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, aplicam-se as seguintes regras:

I – verificada a plausibilidade do direito invocado e havendo fudnado receio da ocorrência de dano de difícil reparação, em especial quando a decisão recorrida contrariar Súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, poderá o Relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, ad referendum do Plenário, medida liminar para determinar o sobrestamento, na origem, dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida, até o pronunciamento desta Corte sobre a matéria

Art. 325. nas hipóteses da alíneas a e d do inciso III do artigo 119 da Constituição Federal, cabe recurso extraordinário:

II – nos casos de divergência com a Súmula do Supremo Tribunal Federal;

Art. 358. São atribuições dos Assessores de Ministros:

IV – selecionar, dentre os processos submetidos ao exame do Ministro, aqueles que versem questões de solução já compendiada na Súmula, para serem conferidos pelo Ministro;

1.3.A transição para o modelo vinculante

Em 1964, início da aplicação das Súmulas no Supremo Tribunal, o Supremo Tribunal Federal recebeu 8.960 (oito mil novecentos e sessenta) processos, 7.849 (sete mil oitocentos e quarenta e nove) deles foram julgados naquele ano. Este número já era alarmante.

A Constituição Federal de 1988 reduziu a competência do Supremo Tribunal Federal ao atribuir, no art. 105, diversas competências em matéria de legislação federal ao recém criado Superior Tribunal de Justiça. Naquele ano, o STF recebeu 21.328 (vinte e um mil trezentos e vinte e oito) processos, 16.313 (dezesseis mil trezentos e treze) foram julgados.

A evolução em quantidade de julgamentos demandava uma evolução no método de Victor Nunes. Assim, no ano de 1994, na revisão constitucional, surgiu a primeira proposta de adoção da súmula vinculante. Neste ano, não houve um aumento significativo no número de processos recebidos – pouco mais de 24 mil – ao contrário do número de processos julgados 28.221(vinte e oito mil duzentos e vinte um). Foram julgados 9.419 (nove mil quatrocentos e dezenove) agravos de instrumento e 16.344 (dezesseis mil trezentos e quarenta e quatro) recursos extraordinários.

A seguir, um gráfico ilustra a evolução da quantidade de processos no Supremo Tribunal Federal.

GRÁFICO 1 – Evolução decenal do número de processos julgados

Fonte: Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.gov.br)

Em 2 de abril de 1997, o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Sepúlveda Pertence, debateu, em Audiência Pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, a adoção do efeito vinculante nas súmulas do Supremo Tribunal Federal.

Disse Pertence:

Qual a diferença entre a súmula vinculante e a súmula do meu saudoso mestre Victor Nunes Leal? Ou a atual decisão da ADIN? A diferença é puramente processual. Hoje, se a administração não observa uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que declarou inconstitucional uma norma tributária e permanece lançando tributos declarados inconstitucionais, ou exigindo tributos declarados inconstitucionais, ou recusando-se a devolução, vai o cidadão para um mandado de segurança, se ainda tiver prazo, ou a uma ação ordinária em primeiro grau. Se vai juntar as cinco mil, sete mil, doze mil, conforme a Vara Federal em que for parar, segue a um Tribunal Regional Federal atopetado, alguns levando um ano para distribuir os recursos; e dois a três anos para admitir o recurso extraordinário para o Supremo. E um dia chegará ao Supremo.

A solução do efeito vinculante que, num primeiro momento, provavelmente, assoberbará mais o Supremo do que hoje é o da utilização da reclamação.

Hoje, declarada inconstitucional uma lei à falta de efeito vinculante, o que sucede se o juiz continua a aplicá-la? O juiz apenas cometeu uma ilegalidade. Era como se aplicasse uma lei não vigente. E para isso – diz a doutrina assente do Supremo Tribunal – não cabe a reclamação, que visa assegurar autoridade das decisões do Tribunal.

O efeito vinculante visa exatamente enquadrar a hipótese naquelas que pelo processo absolutamente sumário da reclamação possam ser coibidas imediatamente. Na esperança, é claro, de que o tempo, a prática, a convivência com o Estado de Direito Efetivo vá tornando excepcionais essas recalcitrâncias a uma força vinculante emprestada pela própria Constituição."

Após 10 anos (2004), o STF recebeu 83.667 (oitenta e três mil seiscentos e sessenta e sete) processos, julgando 101.690 (cento e um mil seiscentos e noventa). Assim, de 1940 até 04/06/2006, o STF recebeu 687.467 (seiscentos e oitenta e sete mil quatrocentos e sessenta e sete processos), julgando 637.346 (seiscentos e trinta e sete mil trezentos e quarenta e seis).

Do início de 2006 até 04.06.2006, 25.317 (vinte e cinco mil trezentos e dezessete) agravos de instrumento foram julgados e 16.712 (dezesseis mil setecentos e doze) recursos extraordinários. A média, somente nestas duas classes processuais é de 28,01 processos por dia, durante trinta dias, nos cinco primeiros meses deste ano para cada ministro.

A tabela abaixo ilustra o número de julgamentos por classe processual.

TABELA 1 – Evolução decenal do número de processos julgados

Fonte: Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.gov.br)

Conforme apontado pelo Min. Gilmar Mendes [11],

"Vê-se, pois, que a Súmula do Supremo Tribunal Federal, que deita raízes entre nos nos assentos da Casa de Suplicação, nasce com caráter oficial, dotada de perfil indiretamente obrigatório. E, por conta dos recursos, constitui instrumento de autodisciplina do Supremo Tribunal Federal, que somente deverá afastar da orientação nela preconizada de forma expressa e fundamentada.

Essas diretrizes aplicam-se também à súmula vinculante consagrada na Emenda n. 45/2004. É evidente, porém, que a súmula vinculante, como o próprio nome está a indicar, terá o condão de vincular diretamente os órgãos judiciais e os órgãos da Administração Pública, abrindo a possibilidade de que qualquer interessado faça valer a orientação do Supremo, não mediante simples interposição de recurso, mas mediante apresentação de uma reclamação por descumprimento de decisão judicial (art. 103-A)."

Por isso, a adoção de efeito vinculante para Súmulas do Supremo Tribunal Federal é mais que uma homenagem ao método de trabalho instituído por Victor Nunes Leal. Entretanto, impressiona a semelhança das críticas atuais às críticas sofridas na época da criação das Súmulas. As respostas à maioria delas foi apresentada por Victor Nunes Leal em seus trabalhos. Tanto antes como hoje são feitas diversas projeções acerca dos efeitos canhestros dos enunciados. Esquece-se do método e ataca-se o possível conteúdo. Para os indivíduos comuns, em busca de respostas rápidas do judiciário, essas discussões são tão inteligíveis quanto uma decisão divergente em um processo com a mesma causa de pedir, ainda mais se for provocada por um carimbo de protocolo de interposição de agravo ilegível [12].


2.AS CRÍTICAS

Em audiência pública, realizada em 23/4/97, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, o Ministro Evandro Lins e Silva, realizou sérias críticas à adoção do efeito vinculante nas Súmulas do Supremo Tribunal Federal, afirmando:

Não vejo como seja possível ficar o juiz coarctado, sem poder decidir de acordo com a sua convicção e consciência jurídica. Então, suprimamos a primeira instância e levemos logo todos os casos instruídos para o Supremo decidir se são constitucionais ou inconstitucionais, porque, do contrário, a Justiça perde inteiramente.

Percebe-se logo a absoluta inverdade de se introduzir o instituto do precedente absolutamente vinculante nos sistemas da família romano-germânica como a nossa.

Nesses, como sabido, a fonte primária do Direito é sempre a lei, isto é, a norma geral e abstrata, emanada do poder competente, o qual, no regime democrático, é o próprio povo, diretamente, ou os seus representantes legitimamente eleitos, que formam o órgão estatal legislativo.

Os juízes não têm legitimidade democrática para criar o Direito, porque o povo não lhes delegou esse poder. A sua função precípua, na organização estatal, é a de funcionarem como árbitros supremos dos conflitos de interesse na aplicação da lei.

Ademais, o efeito vinculante dos precedentes judiciais afrontaria duas garantias maiores, ou seja, institutos postos na Constituição para garantir os direitos fundamentais do cidadão. O primeiro deles é a separação de poderes, inscrita no art. 2º da Constituição.

A independência recíproca dos Poderes pressupõe, como é óbvio, que cada um deles exerça uma função exclusiva, caso contrário, haveria superposição funcional. A função precípua e exclusiva do Poder Legislativo, como estabelecido, desde os primórdios, no regime democrático moderno, é a de editar as leis, entendidas como expressão da vontade geral do povo.

Ora, a súmula com efeito vinculante absoluto para os juízes de primeira instância significa a introdução em nosso sistema jurídico de um sucedâneo da lei, que produzirá a superposição ou conflito de atribuições entre os Poderes Legislativo e Judiciário.

A segunda garantia institucional afrontada pelas súmulas vinculantes é a da liberdade de poder de todos os magistrados de decidir litígios segundo a lei e de acordo com o seu convencimento pessoal.

Essa independência da Magistratura não pode ser suprimida, nem mesmo reduzida, não só pelos demais Poderes, como é óbvio, mas também pelos Tribunais Superiores, órgãos dirigentes do Poder Judiciário.

Os juízes de primeira instância ficariam proibidos de julgar livremente os casos abrangidos pelo pronunciamento prévio dos tribunais superiores, com a supressão do princípio do duplo grau de jurisdição."

Em 24/6/97, também em audiência pública no Senado Federal, o Ministro Celso de Mello, afirma:

Se o juiz não tiver a liberdade para decidir e se também não dispuser do necessário grau de autonomia funcional e independência intelectual para dirimir, segundo a Constituição e as leis com ela compatíveis, os conflitos e interesses, notadamente aqueles que se estabelecem em função de comportamentos abusivos do Poder Público, tornar-se-á nulo, em nossa organização política, o sistema das franquias constitucionais.

O magistrado, para legitimar-se em sua função essencial de arbitrar os conflitos, dirimindo-os, deve ser essencialmente livre no desempenho de seu ofício jurisdicional. Á medida que o juiz perde autonomia decisória, limitado em sua independência intelectual, diminui, com notável e com preocupante extensão, o coeficiente de liberdade dos cidadãos e dos grupos sociais.

Tenho para mim que o juiz não pode ser despojado de sua independência, e o Estado não pode pretender impor ao magistrado o veto da censura intelectual, que o impeça de pensar, que o impeça de refletir, que o impeça de decidir com liberdade."

Entre os críticos da adoção do efeito vinculante, destacamos Sérgio Sérvulo, que deixou a chefia de Gabinete do Ministério da Justiça, no primeiro mandato do Presidente Lula, em razão da posição adotada pela bancada do Partido dos Trabalhadores sobre a matéria. Eis o teor da carta de demissão [13]

"Excelentíssimo Senhor

Márcio Thomaz Bastos

DD. Ministro de Estado da Justiça

Prezado senhor e caríssimo amigo,

Na semana que passou, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, no âmbito da mal-designada "reforma do judiciário", aprovou a adoção da súmula vinculante.

Esse fato - melhor dizendo, as circunstâncias em que ocorreu, com o fechamento da questão pela bancada do Partido dos Trabalhadores - toma-me pessoalmente incompatibilizado para continuar servindo ao governo.

Em livro modestamente publicado em 1999 (O efeito vinculante e os poderes do juiz, Saraiva) creio ter demonstrado o nexo entre a súmula vinculante e o exercício autoritário da jurisdição, assim como os riscos que representa para o equilíbrio dos poderes, o controle difuso de constitucionalidade, a independência dos juízes e a liberdade dos cidadãos.

A súmula vinculante – e o mesmo acontece com a grotesca súmula impeditiva de recursos – agride os direitos fundamentais de ampla defesa e de livre acesso à prestação jurisdicional, inscritos no art. 5° da Constituição.

Peço licença para reproduzir o que escrevi na introdução à edição brasileira da obra "Jurisdição constitucional", de Hans Kelsen (Martins Fontes, 2003): ´´´´Não é possível, sem dano à Constituição, evitar que as pessoas possam defender, no juízo do seu domicílio, direitos feridos por ato inconstitucional: o controle difuso de constitucionalidade decorre da natureza das coisas." E renovo a esperança manifestada por Jean Cruet: "A tendência racional para reduzir o juiz a uma função meramente automática apesar da infinita variedade dos casos submetidos ao seu diagnóstico, tem sempre e por toda parte soçobrado ante a fecundidade persistente da prática judicial".

Não creio que a súmula vinculante venha a diminuir o número de recursos perante o STF, a não ser que este imponha às partes multas draconianas. A diferença está em que os recorrentes deixarão de discutir seus direitos, e passarão a discutir a constitucionalidade dos atos cerceadores dos seus recursos. E o Supremo, que já pouco julga Direito material, se enredará cada vez mais em questiúnculas processuais.

Devo deixar, portanto, o cargo de chefe do gabinete do Ministro, que venho ocupando por honrosa designação de Vossa Excelência. Faço-o com o coração partido pela interrupção deste convívio cívico com a maravilhosa equipe do Ministério da Justiça, sob a sábia e segura orientação de Vossa Excelência; e pela impossibilidade de continuar participando, dessa forma, do notável esforço do governo Lula pela construção do Brasil.

Com amizade e respeito,

Sérgio Sérvulo da Cunha

Brasília, 30 de abril de 2004"

Sérgio Sérvulo sugere que a adoção da Súmula vinculante impede que a parte discuta suas pretensões em juízo. Afirma, ainda, o seguinte:

"A súmula vinculante criada pela EC n. 45/2004 vai além dos assentos, e coloca-se acima da lei. Primeiro, porque é próprio da lei ser interpretada, mas é da natureza pervertida da súmula proibir a própria interpretação; segundo, porque a lei pode ser mudada ou revogada por outra lei, mas a súmula não. O poder legislativo poderá sem dúvida disciplinar de modo diferente a matéria objeto de uma súmula, mas só o Supremo Tribunal Federal poderá revê-la, ou dizer que ficou prejudicada com a nova disciplina normativa. Um dia vai cair a ficha do Congresso – particularmente do Senado – que abdicou de sua competência constitucional.

Não tem constituição o país em que qualquer pessoa, natural ou jurídica, ferida (ou acreditando-se ferida) em seus direitos constitucionais, não pode ser ouvida pelo juiz do lugar. Regimes de controle concentrado não se estabelecem para a guarda da Constituição, mas para a preservação do poder. O controle de constitucionalidade é meio de defesa do povo contra o governo, e o sistema de controle, estabelecido em defesa de si própria pela Constituição, não pode ser alterado sem ruptura constitucional." [14]

Também Lenio Luiz Streck alertou que:

"devemos refletir profundamente antes da aprovação de qualquer reforma em nosso sistema. Filiado à família romano-germânica, nosso sistema tem a lei como corolário. Ninguém nega que aos tribunais Superiores – em especial ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição e ao Superior Tribunal de Justiça, unificador do direito federal –cabe a última em uma ação. Porém, parafraseando o Juiz Dirceu Aguiar Cintra, se estes impedirem o juiz (ou os tribunais inferiores) de dar a primeira palavra, que nasce da dialética do cotidiano, da sangria da sociedade e do calor dos fatos, as discussões na base do Judiciário estarão imobilizadas! Então, do crime de hermenêutica da que falava Rui, ao crime de porte ilegal da fala (Bourdieu), faltará muito pouco!" [15]

Como se vê, a Súmula vinculante sempre provocou duras críticas por parte importante dos pensadores brasileiros.


3.A SITUAÇÃO ATUAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A simples crítica ao sistema da súmula não apresenta benefícios para o direito brasileiro. O efeito vinculante não descaracteriza a proposta de Victor Nunes. Gilmar Ferreira Mendes aduz que:

"Como se sabe, a Súmula do Supremo Tribunal Federal constitui uma das mais significativas inovações em termos de racionalização do processo de decisão por parte de nossas Cortes Superiores, tendo sido adotada por norma regimental em 1963." [16]

Antes de criticar, é preciso estar atento para a evolução. O autor complementa:

"Quando se diz que um recurso pode ser provido ou desprovido monocraticamente, com base na jurisprudência dominante, revela-se idéia de decisão com efeito vinculante. Todavia, não há negar que a súmula cria maior clareza e segurança em torno do tema.

Verifica-se, assim, que a legislação processual civil, de certa forma, já admitia a obrigatoriedade das súmulas dos tribunais superiores, ao estabelecer que os recursos que se fundamentassem em tese jurídica contrária às súmulas dos Tribunais Superiores seriam inadmitidos pelo relator." [17]

Quando percebemos a proporção de RREE e AAGG frente aos outros processos, começam a ruir as críticas ao modelo vinculante. A tabela a seguir ilustra este volume.

TABELA 2 – Relação percentual entre AAII/RREEE e processos distribuídos

Fonte: Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.gov.br)

Nos últimos seis anos, 96,3 % de todos os processos julgados no Supremo Tribunal Federal foram RREE e AAGG. A Súmula vinculante vai reduzir este volume de trabalho, pois vai impedir a proliferação de processos repetidos.

Além disso, o uso da Súmula simplifica o julgamento dos recursos. Vejam a Decisão do Ministro Sepúlveda Pertence no AI 587.411:

DECISÃO : Agravo de instrumento de decisão que inadmitiu RE, a, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que negou provimento a agravo regimental de decisão do Presidente daquele Tribunal, assim ementado (f. 30):

"Pedido de Seqüestro – Precatório submetido a Emenda Constitucional nº 30/2000 – Não pagamento da complementação do décimo vencido – Agravo improvido".

Alega o RE violação do art. 78, § 4º, do ADCT.

Inviável o RE. O objeto da decisão recorrida tem natureza administrativa -, incide a Súmula 733 (‘Não cabe recurso extraordinário contra decisão proferida no processamento de precatórios’).

Nego provimento ao agravo.

Ao analisar um caso similar ao mostrado acima, qualquer assessor de Ministro ou analista judiciário saberia com precisão apontar a aplicação da Súmula 733 ao caso em concreto. O Regimento do Supremo Tribunal Federal já atribui a esses funcionários a missão de auxiliar os ministros em processos e causas repetitivas. O efeito vinculante não afasta a discussão da matéria, apenas sua repetição.

3.1.Sumula vinculante e atuação do Magistrado de 1ª Grau

A adoção da Súmula não impede a atividade renovadora do Juiz de primeiro grau. A questão está posta de maneira equivocada pelos críticos do método de trabalho. A renovação da jurisprudência pode ocorrer de formas diversas. Tentar renovar jurisprudência decidindo de forma contrária aos tribunais superiores é a forma que mais prejudica o jurisdicionado, pois, ao lado da convicção o magistrado deve agir com responsabilidade.

O texto da EC 45 enumera um rol de legitimados a pedir diretamente ao STF uma alteração de Súmula Vinculante vigente. O texto não exclui a possibilidade de lei ordinária aumentar o rol dos legitimados. Seria interessante que a legislação expandisse este rol. Porém, a experiência demonstra que o juiz realmente atuante muda a jurisprudência do STF sem necessidade de se voltar contra o Tribunal e prejudicar as partes. Evidente que é mais trabalhoso buscar audiência com cada ministro e discutir a matéria, porém, o esforço, quando coerente, é reconhecido. É o que vemos no julgamento do CC 7208, no voto do Ministro César Peluzo:

VOTO

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Senhor Presidente, peço vênia aos eminentes Ministros, especialmente aos que me antecedem, tendo em conta que, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 438.639/MG, julgado no dia 9 de março último, insisti muito sobre a conclusão que, afinal, foi adotada pela Corte, contra os votos dos eminentes Ministros Relator e Marco Aurélio.

Recebi, depois, um trabalho muito bem fundamentado e muito bem documentado de um juiz do TRT de Minas Gerais, Dr. Sebastião Geraldo de Oliveira, cujas considerações levaram-me a rever aquela posição. E tal posição, que teve modesta influência no teor do acórdão, baseou-se no princípio fundamental da chamada unidade de convicção, segundo o qual, por conta dos graves riscos de decisões contraditórias, sempre ininteligíveis para os jurisdicionados e depreciativas para a Justiça, não convém que causas, com pedidos e qualificações jurídicos diversos, mas fundadas no mesmo fato histórico, sejam decididas por juízos diferentes. O princípio, a meu ver, é irretocável e ainda é o que deve presidir a solução da questão da competência neste caso.

Mas parece-me que, conforme propôs o eminente Ministro-Relator, deva ser outra a resposta que promana daquele princípio.

É que a revisão do tema me convenceu de que tanto as ações acidentárias, evidentemente oriundas de relação de trabalho, como, sem exceção, todas as demais ações resultantes de relação de trabalho, devam, em nome do mesmo princípio, ser atribuídas à Justiça do Trabalho. A especialização e a universalidade desta já recomendariam, quando menos em teoria, tal solução, por razões mais que óbvias, como acabou de demonstrar o voto do eminente Ministro Carlos Britto.

Pesaram-me, sobretudo, duas outras ordens de consideração.

A primeira, porque o que dava suporte constitucional à jurisprudência da Corte quanto à competência da Justiça estadual para as ações de acidente do trabalho, à luz da Constituição atual, era menos o fato de nesta já não constar norma expressa equivalente às prescrições do art. 123, § 1º, da Constituição de 1946, e do art. 142, § 2º, da Constituição de 1967, os quais atribuíam aquelas causas à Justiça ordinária dos Estados, do que o fato de tirar-se do artigo 109, caput, da Constituição vigente, por exclusão hermenêutica, igual conseqüência normativa.

Antes da Emenda nº 45, parecia deveras consistente a leitura de que, se estavam excetuadas da competência da Justiça Federal as causas de acidente do trabalho, em que sempre é interessada autarquia federal, só podiam elas caber na competência da Justiça dos Estados, porque a mesma norma as excluía das que eram, por outras regras, sujeitas à Justiça do Trabalho.

Mas, de lá para cá, a evolução da legislação acidentária, sobretudo com a equiparação dos valores dos benefícios acidentários e previdenciários, e a disseminação dos órgãos da Justiça trabalhista, competentes para tantas outras causas ligadas à própria segurança do trabalho, desenharam nova realidade judiciária, que as próprias exigências da unidade de convicção e da especialização de conhecimentos não poderiam deixar de considerar nas perspectivas da revisão daquela exceção constitucional. Isso, sem cogitar da necessidade de coerência axiológica que impunha a vigente Constituição da República, ao conceber a indenização acidentária como direito típico da condição jurídica do empregado e, portanto, como irradiação da relação de trabalho, como se vê ao art. 7º, inc. XXVIII, da mesma Constituição.

É, portanto, dentro desse quadro, que há de interpretar-se a Emenda nº 45, quando, explicitando, no inc. I do art. 114, o caráter geral da competência da Justiça do Trabalho, nela incluiu todas as ações oriundas da relação de trabalho.

Suposto não tenha sido essa a intenção do constituinte derivado, a cujo olhar atento não poderia escapar a necessidade de, para guardar congruência com o eventual propósito de submissão das causas de acidente de trabalho àquela Justiça especializada, dar nova redação ao artigo 109, caput - para evitar dúvidas -, de modo algum pode esquivar-se, diante do papel precário e relativo do material histórico e das correlatas intenções do legislador, a conclusão de que outra há de ser a leitura da norma que excepciona as ações acidentárias da competência da Justiça Federal.

O que com isso pretendo dizer é que, perante a novidade representada pelos termos da Emenda nº 45, em particular pela redação introduzida no inc. I do art. 114, deve o art. 109, caput, significar apenas que as ações de acidente do trabalho não são da competência da Justiça Federal e, por conseguinte, que a sede dessa competência deve buscar-se alhures, agora designadamente no próprio art. 114, que a açambarcou.

Essa interpretação acomoda ambas as cláusulas constitucionais, reverencia a especialização e a funcionalidade da Justiça do Trabalho, alivia a Justiça estadual e sustenta-se na necessária unidade de convicção, sem esvaziar o disposto no inc. VI, onde apenas se divisa a positivação, mediante relevo destinado a superar todas as dúvidas, da jurisprudência desta Corte, que, sob a redação original do art. 114, caput, entendia - a meu ver, com indiscutível acerto - que, para efeito dessa competência distribuída com apoio em vários princípios, entre os quais o da unidade de convicção, era e é irrelevante a província taxinômica das normas aplicáveis ao caso, se direito trabalhista ou civil, e, pois, também a natureza mesma da responsabilidade, se negocial ou aquiliana.

Essa conjugação conduz, portanto, a meu ver, ao seguinte resultado prático: são, agora, da competência exclusiva da Justiça do Trabalho todas as ações oriundas da relação de trabalho, sem exceção alguma, trate-se de ações acidentárias típicas ou de indenização de outra espécie e de outro título.

Senhor Presidente, a única objeção que me ocorreria, na hipótese, é que tal exegese poderia, eventualmente, implicar sobrecarga à Justiça do Trabalho. Mas as considerações daquele eminente Juiz trabalhista mineiro provaram que, sobretudo depois da equiparação dos valores dos benefícios acidentários e dos benefícios previdenciários, cuja diferença justificava que os empregados recorressem às ações acidentárias, estas são hoje raras, e a sua transferência não vai agravar a Justiça do Trabalho.

Com essa proposta, acompanho o voto do eminente Relator, para declarar que todas as ações de indenização resultantes de relação do trabalho, inclusive as acidentárias típicas, são da competência da Justiça do Trabalho.

Como vimos acima, no julgamento do RE 438.639, a matéria de competência trabalhista estava pacificada no Supremo Tribunal Federal. Poucos dias depois e um trabalho atuante de um magistrado de primeiro grau, o Supremo modificou a posição. Era esta a atuação esperada por Victor Nunes Leal nas primeiras súmulas e esta atuação impede que uma Súmula Vinculante sufoque a atividade criadora dos juízes de primeiro grau.

3.2.Súmula vinculante à atividade do advogado

No julgamento da medida cautelar no HC 86864, o Supremo Tribunal Federal afasta de vez a possibilidade de uma Súmula suplantar direitos constitucionais. Vejamos o voto do Ministro Carlos Velloso, na parte pertinente à discussão:

Fui dos primeiros, nesta Casa, a sustentar o não-cabimento de habeas corpus contra decisão de relator que, nos Tribunais Superiores, denega habeas corpus. Sempre sustentei, entretanto, que, em caso de flagrante violação à liberdade de locomoção, o writ seria cabível.

No voto que proferi ao despachar o HC 80.288-MC/RJ, escrevi:

"(...)

Tenho sustentado, a partir da decisão que proferi no HC 79.924-RJ, em 24.12.99, entendimento que manifestei, em seguida, por exemplo, nos HHCC 80.316-RS e 80.287-RS, de que não cabe, de regra, deferir liminar em habeas corpus impetrado contra a decisão do Relator que, no Superior Tribunal de Justiça, denega medida liminar em pedido de habeas corpus. Ter-se-ia, com o deferimento da liminar, forma de subtrair do Superior Tribunal de Justiça competência constitucional para apreciar e julgar habeas corpus contra decisões de Tribunais de 2º grau (C.F., art. 105, I, c, redação da E.C. 22/99). Admito que, em casos excepcionais, em que esteja ocorrendo flagrante violação à liberdade de locomoção, seria possível entendimento diverso, vale dizer, entendimento no sentido da possibilidade do deferimento, no Supremo Tribunal Federal, de pedido de habeas corpus que objetivasse, na hipótese mencionada, a desconstituição da decisão proferida pelo Relator, no S.T.J., indeferitória da liminar. O caso, repita-se, haveria de ser excepcional, ocorrente, inclusive, a possibilidade de irreparabilidade do direito.

(...)."

A jurisprudência do Supremo Tribunal acabou consolidada na Súmula 691, a expressar que "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior indefere liminar."

A Súmula 691 admite, entretanto, abrandamento, ao que entendo: diante de flagrante violação à liberdade de locomoção, não pode a Corte Suprema, guardiã-maior da Constituição, guardiã-maior, portanto, dos direitos e garantias constitucionais, fechar os olhos, quedar-se inerte.

De fato, a discussão não abrange uma Súmula Vinculante. Porém, a sistemática durante o julgamento será a mesma. É pedagógico o voto do Ministro Sepúlveda Pertence no mesmo processo. O Supremo não é insensível a qualquer violação aos direitos individuais, porém, não atentar para os métodos de trabalho desenvolvidos na Corte gera confusão e incerteza, fato que prejudica a prestação jurisdicional. Vejamos:

V O T O

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Senhora Presidente, a sessão de hoje confirma, exatamente, o que tive oportunidade de assinalar quando da rediscussão da Súmula nº 691, no julgamento do HC 85185. Como, então, antevi, teria sido muito melhor cancelá-la do que submetê-la a este exercício que estamos a praticar: primeiro, examinamos se há ilegalidade, para, depois, conhecer, ou não, do habeas corpus.

Não conheço do habeas corpus, conforme a Súmula nº 691. Mas o certo é que já que discutimos o caso, houve sustentação oral e se reviram os fatos do processo e as decisões anteriores, que negaram sucessivamente a liminar. Aí, já não posso fechar os olhos aos dados do caso.

Então, não conheço da impetração, nos termos da Súmula 691 e continuarei a aplicá-la sem examinar o caso e sem trazê-lo ao Plenário; mas, ciente, na espécie, da ilegalidade, concedo de ofício a ordem. E não a liminar: não tem objeto conceder a liminar. Para quê? Para confirmarmos, depois, essa liminar? Porque o que se pede é a liminar. Não foi julgado o habeas corpus no Tribunal Regional Federal.

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Relator) - O julgamento já ocorreu, no TRF. Os jornais noticiaram.

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Agora já foi? Ainda bem - menos mal.

Senhora Presidente, o meu voto, embora pareça paradoxal, é coerente com o meu entendimento das razões que justificam a Súmula nº 691: a pretensão de muita jurisdição leva a nenhuma jurisdição.

Nós estamos, realmente, é nos dando o direito de avocar habeas corpus em início de tramitação, em qualquer lugar do Brasil, para lhe examinarmos o mérito.

Agora, não posso, realmente, fingir que não ouvi, no caso concreto, as razões pelas quais, efetivamente, não há justificativa para a prisão preventiva.

Então concedo de ofício a ordem, como a concederia se tivesse tido conhecimento disso num agravo de instrumento em matéria de ICM, pois o certo é que conheci de uma ilegalidade.


CONCLUSÃO

Não há como dissociar de forma completa a Súmula criada por Victor Nunes Leal e a Súmula Vinculante instituída na EC 45. Criticar uma e elogiar outra é uma contradição, haja vista que, em essência, são institutos semelhantes.

Súmula é método de trabalho. Não é direito, não é lei, e, por isso, não pode engessar a evolução normativa brasileira, nem frear a capacidade criativa dos magistrados de primeiro grau. É um método democrático, pois, permite que a posição vencedora nos tribunais superiores prevaleça para todos os jurisdicionados. O acesso aos Ministros no Supremo Tribunal Federal permite que advogados e juízes sugiram a alteração da jurisprudência do Supremo de modo dinâmico.

Não podemos esquecer que a Emenda Constitucional 45 trouxe diversas mudanças na Constituição, entre elas, o seguinte dispositivo do art. 5º: "LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

A celeridade no trâmite dos processos é princípio explícito na Constituição. Por isso, deve ser conjugada com a independência dos poderes, contraditório e acesso ao judiciário.

A Súmula Vinculante tem elementos para concretizar a celeridade processual sem desrespeitar qualquer princípio da Constituição. Ao acelerar o julgamento de processos repetitivos e eliminar a proliferação dos mesmos, transformará o Supremo Tribunal Federal em verdadeiro guardião da Constituição brasileira e os juizes em instrumento de pacificação social.

Da maneira como está redigida a Emenda Constitucional n. 45, nenhuma matéria será sumulada sem antes passar por todas as instâncias do judiciário brasileiro. Eis a redação na Constituição:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

Ora, se, somente após reiteradas decisões em matéria constitucional, o STF poderá editar uma Súmula, sabendo que uma matéria constitucional, em regra, só alcança o STF após esgotados todos os recursos nas instâncias inferiores, seria impossível a imposição de uma Súmula por vontade unilateral do Supremo.

Ademais, a súmula terá como objetivo interpretação de normas determinadas, o que afasta a criação de súmulas genéricas com características de lei, impossibilitando o conflito de atribuições entre o judiciário e o legislativo.

Enfim, conforme afirmou o Ministro Sepúlveda Pertence:

"O efeito vinculante teve o grande valor de realizar a isonomia, às vezes contra o cidadão, muitas vezes a favor do cidadão desarmado, desinformado de seus direitos e sem capacidade para postular perante uma jurisdição cara e, sobretudo, tão demorada. Certo é que, muitas vezes e em certas conjunturas, o controle difuso amplo parece ser mais democrático, mais é ilusório porque, no final das contas, apenas vai expor o usuário a uma das duas possibilidades: ou a correr por anos as vias da jurisdição originária até chegar à solução já prevista, e já imposta erga omnes, ou, o que é pior, ficar pelo caminho entre uma perda de prazo na preclusão de um recurso, enfim, entre acidentes processuais."


Referências Bibliográficas

BOTTINI, Pierpaolo; RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (coord.). Reforma do judiciário. São Paulo: Saraiva, 2005.

COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

FAVETTI, Rafael. Brevíssima Introdução aos principais conceitos utilizados em corone-lismo, enxada e voto, de Victor Nunes Leal. Disponível em . Acesso em 7 de julho de 2006.

LEAL, Victor Nunes. Problemas de Direito Público e outros Problemas. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, v. 1 e v. 2.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996.

SAMPAIO, José Adércio Leite. Jurisdição Constitucional e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1988.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim Wambier et al. Reforma do Judiciário: Primeiros ensaios críticos sobre a EC n. 45/2000. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.


NOTAS

01 Disponível no sítio http://www.victornunesleal.pro.br.

02 FAVETTI, Rafael. Brevíssima Introdução aos principais conceitos utilizados em coronelismo, enxada e voto, de Victor Nunes Leal. Disponível em . Acesso em 7 de julho de 2006.

03 FAVETTI, Rafael. Op. Cit.

04 LEAL, Victor Nunes. Problemas de Direito Público e outros Problemas. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, v. 2, p. 331.

05 FAVETTI, Rafael. Op. Cit.

06 LEAL, Victor Nunes. Op. Cit., p. 52.

07 LEAL, Victor Nunes. Op. Cit., p.59.

08 LEAL, Victor Nunes. Op. Cit., p.63.

09 LEAL, Victor Nunes. Op. Cit., p.283.

10 LEAL, Victor Nunes. Op. Cit., p.293.

11 RENAUT, Sérgio Rabello Tamm/Pierpaolo Bottini (coord.) Livro Reforma do Judiciário, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 344.

12 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite o Agravo de Instrumento quando o carimbo do protocolo de interposição RE está ilegível na cópia juntada no traslado (AI-AgR 506593, Cezar Peluso, DJ 30-06-2006; AI-AgR 587017, Joaquim Barbosa, DJ 16-06-2006; AI-AgR 569505, Gilmar Mendes, DJ 20-04-2006; AI-AgR 549763, Sepúlveda Pertence, DJ 16-12-2005, este último, assim ementado: "EMENTA: Agravo de instrumento: traslado deficiente: carimbo com a data de protocolo do RE ilegível, impossibilitando a verificação da tempestividade do recurso pelo Supremo Tribunal: incidência das Súmulas 288 e 639"

13 (http://www.mj.gov.br/noticias/2004/abril/RLS300404-carta.htm, acesso em 5/6/06:

14 RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (coord.) Livro Reforma do Judiciário/Pierpaolo Bottini, São Paulo: Saraiva, 2005, p.51.

15 STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no Direito brasileiro: eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1988, p.286.

16 RENAUT, Sérgio Rabello Tamm (coord) Livro Reforma do Judiciário/Pierpaolo Bottini, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 328/329.

17 RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (coord.) Livro Reforma do Judiciário/Pierpaolo Bottini, São Paulo: Saraiva, 2005, p.330.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Marcus Gil Barbosa. Controle de constitucionalidade e política judiciária: evolução histórica das súmulas no Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1276, 29 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9268. Acesso em: 26 abr. 2024.