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Algumas linhas sobre a prenotação

Algumas linhas sobre a prenotação

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"Um princípio devem todos ter em vista, quer Oficial de Registro, quer o próprio Juiz: em matéria de Registro de Imóveis toda a interpretação deve tender para facilitar e não para dificultar o acesso dos títulos ao Registro, de modo que toda propriedade imobiliária, e todos os direitos sobre ela recaídos fiquem sob o amparo do regime do Registro Imobiliário e participem dos seus benefícios".
SERPA LOPES (1)


1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A PRENOTAÇÃO

Visando proteger o tráfego imobiliário do qual depende consideravelmente o desenvolvimento do país, o legislador estabeleceu o prazo de trinta dias para o registrador processar todos os atos pertinentes à efetivação do registro da propriedade imóvel, que vão da recepção do título ao registro da transmissão, oneração ou atos averbatórios. Nesse sentido expressamente dispõe o artigo 188 da Lei de Registros Públicos.

Art. 188. Protocolizado o título, proceder-se-á ao registro, dentro do prazo de trinta dias, salvo nos casos previstos nos artigos seguintes.

Essa gama de atividades não poderia ficar a livre critério do registrador, o que levaria a arbitrariedades e privilégios, com evidente ofensa à isonomia e bem por isso o legislador preventivamente fixou critério determinante, que resulta da ordem cronológica da apresentação do título e seu lançamento no Livro 1 - Protocolo, fixando assim a prioridade do título, à vista do número de ordem do protocolo, cujo número é dado no momento de entrada do título, por rigorosa numeração sucessiva. Assim é que dispõe o art. 182:

Art. 182. Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da seqüência rigorosa de sua apresentação.

Desde logo saliente-se que no momento da apresentação de um título na Serventia com pedido de registro, independentemente do estudo desse título ou de quaisquer exigências fiscais ou de dúvida, nos expressos termos do artigo 12, segue-se incontinenti o lançamento desse título no Livro 1 - Protocolo, não como opção do registrador, mas em atenção ao enunciado no artigo 174, gerando a partir desse lançamento direitos que terão repercussões externas e internas na transmissão ou oneração do imóvel. Os textos de referidos artigos facilitam o entendimento pela clareza:

Art. 12. Nenhuma exigência fiscal, ou dúvida, obstará a apresentação de um título e o seu lançamento no Protocolo com o respectivo número de ordem, nos casos em que da precedência decorra prioridade de direitos para o apresentante.

Parágrafo Único. Independem de apontamento no Protocolo os títulos apresentados apenas para exame e cálculo dos respectivos emolumentos.

Art. 174. O livro nº 1 - Protocolo - servirá para apontamento de todos os títulos apresentados diariamente, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 12 desta lei.

Permito-me repetir, face ao caráter eminentemente formalista do direito imobiliário registral, que a prenotação de todos os títulos ingressados na Serventia, ressalvados aqueles referidos no parágrafo único do artigo 12 - títulos recebidos para simples exame e cálculo de emolumentos a pedido dos interessados, não é mera opção do registrador, senão integra o elenco de deveres do oficial à publicizar uma situação jurídica que possibilita que os direitos reais sobre imóveis adquiram a plenitude dos efeitos que o ordenamento jurídico lhes concede de acordo com sua natureza, como disposto no artigo 534 do Código Civil que pela prenotação antecipa os efeitos do registro, revelando a transcendência desse instituto:

Art. 534. A transcrição datar-se-á do dia, em que se apresente o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.

Para conceituar prenotação tem autoridade JOSÉ LUIS PÉREZ LASALA: "El asiento de presentación es la expresión formal en el registro del principio de rogación". Tal é a importância que o jurista portenho dá ao assento de apresentação que ainda assinala: "La finalidade del asiento es hacer constar el momento de la presentación del título en el registro. Para determinar ese momento se consignará la fecha, hora y minuto en que se produce. El asiento ha de hacer-se inmediatamente, en el acto de recibir el título".(2)

A própria eficácia do princípio da publicidade exige que a informação verbal ou por certidão da matrícula descreva a verdadeira situação jurídica do imóvel pertinente, no momento da consulta, de modo que haja segurança jurídica e o público possa confiar plenamente na informação prestada. Conforme asseverou J. DO AMARAL GURGEL logo após a edição do Decreto nº 18.542/28: "A publicidade é a garantia dos contratantes; é ella que põe a coberto da fraude a boa fé de terceiros, impedindo as transmissões fraudulentas." (3)

A regra é o interessado apresentar o título objetivando o registro. Exceção é a apresentação do título apenas para exame e cálculo de emolumentos e sempre, repita-se, mediante pedido expresso do apresentante.

A praxe que se estabeleceu da protocolização do título no momento do registro é herança de desvirtuada interpretação de disposições do sistema anterior, corroborada pela incômoda (?) exclusividade da escrituração do protocolo pessoalmente pelo oficial(4) que era determinada pelo artigo 201 do Decreto 4.857/39, com raríssimas exceções. A Lei 6.015/73, a exemplo do regulamento anterior, em nenhum momento sequer sugere aquela prática, pelo contrário, na opinião de AFRÂNIO CARVALHO "apresentado ao cartório o título, entra este imediatamente no protocolo".(5)

Esse costume contra legem cria uma situação de insegurança jurídica incompatível com a instituição registral e com os importantes efeitos que resultam do lançamento do título no Protocolo. É o que se pode notar na preocupação de WALDEMAR LOUREIRO que faz a seguinte advertência: "E porque a prenotação de um título é o ato garantidor da prioridade dêsses direitos, não pode o oficial recusar-se a anotá-lo no protocolo, ainda que o mesmo lhe pareça nulo ou falso, ou não estejam pagos os impostos devidos".(6)

Logo após entrar em vigor o Código Civil, J. M. DE AZEVEDO MARQUES em comentário ao parágrafo único do artigo 833 assim se expressava: "É de intuitiva necessidade esse princípio, que impede abusos. ... É o que se chama prenotação.(7) "

Protocolizado assim o título é direito do interessado receber desde logo documento comprobatório da prenotação de seu título onde constem dentre outros dados, o valor do depósito prévio, a data prevista para entrega do título ou para seu comparecimento na Serventia, bem como especialmente o número recebido por esse título no Protocolo e a data do assento.

Merece destaque que face ao princípio da igualdade dos usuários perante o serviço público, segundo o qual, conforme magistério de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, "desde que a pessoa satisfaça às condições legais, ela faz jus à prestação do serviço, sem qualquer distinção de caráter pessoal",(8) todos os títulos ingressados na Serventia, quer sejam prenotados ou simplesmente recepcionados para exame e cálculo dos emolumentos, são examinados segundo a precedência, para o que o oficial deve adotar o melhor regime interno atendendo ao disposto no artigo 11 da Lei de Registros Públicos que assim dispõe:

Art. 11. Os oficiais adotarão o melhor regime interno de modo a assegurar às partes a ordem de precedência na apresentação dos seus títulos, estabelecendo-se, sempre, o número de ordem geral.

Ensina CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que "a igualdade é princípio que visa a duplo objetivo, a saber: de um lado propiciar garantia individual (não é sem razão que se acha insculpido em artigo subordinado à rubrica constitucional "Direitos e Garantias Individuais") contra perseguições e de outro, tolher favoritismos".(9)

Bem por isso, com vista a garantir a precedência de exame dos títulos, bem como a assegurar o efetivo controle dos títulos em tramitação e do prazo legal, a E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo instituiu o Livro de Recepção de Títulos.


2. A PRENOTAÇÃO E O TEXTO DO REGISTRO

A publicidade material do registro exige que na escrituração dos atos no Livro 2, aos requisitos formais constantes do art. 176, § 1º, III, da Lei nº 6.015/73, seja somado o do art. 534 do Código Civil, qual seja, a data do dia em que o título foi apresentado ao oficial do registro e este o prenotou no protocolo.

O registro deve estampar a duração dos efeitos das situações jurídicas ali inscritas, pena de permitir diferentes interpretações que não são determinantes de seu conteúdo, limitando dessa forma o campo da segurança jurídica que é produzida pela publicidade registral.

A omissão do número e da data da prenotação no texto do registro na matrícula do imóvel, exige do usuário que estuda um negócio jurídico mediante certidão de inteiro teor da matrícula, outra certidão complementar tendo como fonte o Livro 1 – Protocolo, onde constem o número e a data da prenotação, porque a exteriorização constante da matrícula – realidade registrada, é aparência semi-desconectada da realidade jurídica, tendo-se em conta a retroatividade dos efeitos do registro à data da prenotação.

Isto resulta em uma publicidade parcial, totalmente incompatível com a natureza e os efeitos erga omnes dos direitos reais que exigem a exteriorização continuada e organizada das situações jurídicas publicadas no caderno imobiliário.

Para melhor compreensão do problema, pensemos nas informações prestadas por Oficiais Registradores em requisições judiciais ou administrativas (SRF, INSS) sobre bens imóveis que nos últimos cinco anos foram alienados ou adquiridos por determinada pessoa. Porventura algum oficial recorre ao Livro 1 – Protocolo para prestar essas informações, tomando assim como base a data da prenotação do título que deu causa à transmissão, para o efeito de fixar a data da aquisição ou alienação, face ao efeito retroativo da prenotação, ou são essas informações prestadas unicamente com base nas datas dos registros?

A reflexão proposta nos leva ao encontro de uma situação de caráter mais sério, ao constatarmos que a omissão desse dado, dá origem a que proliferem excessivamente ações e recursos que poderiam ser evitados em seus nascedouros, exatamente porque as postulações, assim como as decisões jurisdicionais, são calcadas nessas informações, no que tange a fixação de termos prescritivos e decadenciais, relembrado que mesmo quando as datas são extraídas diretamente da matrícula, não correspondem à realidade jurídica.

Convencido da clareza e atualidade das disposições do art. 534 do Código Civil, permito-me insistir em definitivo que o texto do registro no Livro 2 deve incluir o número e a data da prenotação do título, cuja simplificação macula o sistema registral.


3. CANCELAMENTO DA PRENOTAÇÃO

O legislador estabeleceu que pelo simples transcurso do tempo cessarão os efeitos da prenotação caso não seja efetivado o registro dentro do lapso de tempo estabelecido por omissão do interessado em atender às exigências legais, salvo exceções legalmente discriminadas (caso de 2ª hipoteca do artigo 189; da dúvida do artigo 198; de loteamento e desmembramento da Lei 6766/79 e do bem de família, face a publicação de editais com prazos para impugnação), conforme dispõe o art. 205:

Art. 205. Cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos trinta dias do seu lançamento no Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais.

Flui como conseqüência inevitável que a exceção a que se refere o artigo 188 permitindo ultrapassar o prazo fixado de trinta dias para o registrador proceder a todos os atos do registro, deve ser interpretada do ponto de vista hermenêutico, de forma estrita, ou seja: essa exceção não pode ser ampliada a outras situações, a não ser àquelas expressamente previstas pela legislação, cabendo, assim, ao intérprete, observar o marco fixado pelo legislador, não podendo ultrapassá-lo.

A despeito de respeitáveis opiniões em contrário, penso que o termo estabelecido pelo artigo 205 é improrrogável e peremptório, cujo prazo se conta a partir da data do assento de apresentação do título no Livro 1 de Protocolo, culminando com a extinção definitiva de seus efeitos jurídicos pela caducidade.

Decorrido o trintídio sem o registro por omissão do interessado em atender as exigências formuladas, deve o oficial cancelar (10) a prenotação?

Minha opinião é de que o oficial não deve cancelar a prenotação, por falta de expressa previsão legal. O lançamento permanece no Protocolo e a extinção de seus efeitos se produz de pleno direito. Analisando a extinção dos efeitos do ato, AUGUSTIN A. GORDILLO em sua obra Tratado de Derecho administrativo assim leciona:

"Por lo demás, debe advertirse que, puesto que lo esencial del acto administrativo es su calidad de producir efectos jurídicos, es sobre éstos que opera la extinción: si por cualquier circunstancia se extinguen definitivamente los efectos jurídicos de un acto, él debe también considerar-se extinguido, desde el punto de vista jurídico, aunque de hecho la materialidad misma del acto no haya sido sometida a tal processo extintivo".(11)

Cancelar implica atividade ou ação do oficial, como nos casos dos cancelamentos das prenotações quando a dúvida é julgada procedente (art. 203, I) e na impugnação do registro de bem de família (art. 264). Daí o preceito do artigo 248, da Lei de Registros Públicos, sobre o modo de efetuar-se cancelamento:

Art. 248. O cancelamento efetuar-se-á mediante averbação, assinada pelo oficial, seu substituto legal ou escrevente autorizado, e declarará o motivo que o determinou, bem como o título em virtude do qual foi feito.

Sob esse aspecto, no sistema registral anterior, o decreto nº 4.857/39, no art. 288, preceituava que o cancelamento devia ser feito, "mediante certidão escrita na coluna de averbações do livro competente".

Deve ser ressaltado que decorrido o prazo de trinta dias sem o registro do título, por omissão do interessado em atender as exigências legais,(12) o processo pelo qual cessam os efeitos da prenotação é "automático", ou seja, "por si mesmo", de sorte que não há ato de cancelamento da prenotação a ser praticado pelo oficial, senão que simplesmente cessam seus efeitos.

E quais são os efeitos da prenotação?

A prioridade, determinada pelo número de ordem de lançamento do título no Protocolo, assim como a preferência dos direitos reais determinada pela prioridade.


4. OPÇÃO ADMINISTRATIVA

Não se pode todavia negar lacunas existentes na Lei 6.015/73 com relação ao prazo destinado ao registrador para qualificação do título, bem como a definição do que seja a omissão do interessado em atender às exigências legais, como implemento que automaticamente põe termo aos efeitos da prenotação e outras situações igualmente importantes.

A E. Corregedoria Geral da Justiça com vistas à padronização de procedimentos nos serviços registrais sob seu poder censório, poderá, data maxima venia, normatizar a matéria, prestando relevante contribuição aos usuários dos serviços registrais ao se adiantar à alteração da Lei de Registros Públicos, que depende de moroso processo legislativo. É desejável a alteração na Lei nº 6015/73, para a uniformização do procedimento em todo o território nacional. Entretanto, as propostas originárias deste estudo atendem desde já à legalidade e podem ser implementadas em cada uma das unidades da federação, por comando administrativo.

Sob o aspecto prático, porém, sem rupturas aos princípios norteadores do registro imobiliário, é que se impõe compatibilizar o artigo 205 da Lei de Registros Públicos com:

a) prazo razoável para a qualificação do título pelo registrador;

b) prazo para cumprimento de exigências pelo interessado e reapresentação do título;

c) prazo para a requalificação e efetivação do registro.

É dentro desse contexto que apresento as seguintes sugestões:

a) DO PRAZO PARA QUALIFICAÇÃO DO TÍTULO

Como parâmetro podemos observar que o antigo Regulamento de Registros Públicos - Decreto nº 4.857 de 09/11/1939, fixava no parágrafo 1º, do artigo 215, o prazo improrrogável de 5 dias para que o oficial procedesse a qualificação do título e formulação das exigências legais. A Lei 6.015/73, como se sabe, foi omissa a respeito.

Por seu turno, a Lei nº 4.591, de 16/12/1964, fixou no parágrafo 6º, do artigo 32, o prazo de 15 dias para o exame e formulação de exigências nos pedidos de registros de condomínios e incorporações, de onde se deduz que o prazo para qualificação de outros títulos, de menor complexidade, deverá ser ainda menor.

A E. Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, visando cumprir os propósitos da Lei nº 6.830/80, já fixou em 5 dias o prazo para que em registro de penhora ou de arresto decorrentes de execuções fiscais o oficial proceda ao exame do título e comunique eventuais exigências ao Juízo da execução, a fim de que intimada possa diretamente a Fazenda Pública cumprir as exigências ou requerer suscitação de dúvida (item 37.1, cap. XX, NSCGJ).

Face a eficácia no controle da tramitação de títulos na serventia e à facilidade de pesquisa nos indicadores real e pessoal por sistema de processamento de dados, aliadas a profissionalização do registrador e seus prepostos como operadores do Direito, penso que 10 dias se afigura como um prazo razoável para o exame do título e formulação de exigências, tanto para as pequenas quanto para as serventias de maior porte.

 b) DO PRAZO PARA CUMPRIMENTO DAS EXIGÊNCIAS E REAPRESENTAÇÃO DO TÍTULO

A legislação anterior permitia que o oficial concedesse ao apresentante prazo razoável para que o mesmo colocasse o documento em conformidade com a lei. A Lei de Registros Públicos em vigor é omissa no tocante a essa circunstância, o que representa uma sensível lacuna que pode dar origem a muitos conflitos.

Tenho que o interessado poderá se utilizar dos dias restantes para cumprir as exigências formuladas, reapresentando seu título com as exigências cumpridas até o trigésimo dia.

A nota de devolução deveria trazer advertência do prazo restante para cumprimento das exigências, com a observação de que decorrido esse prazo sem que seja o título reapresentado e cumpridas as exigências, cessarão automaticamente os efeitos da prenotação nos termos do art. 205.

Essa advertência seria salutar, visto que, na maioria das vezes, o interessado desconhece os rigorosos prazos previstos em lei. Além disso, a nota de devolução seria documento hábil para solicitar apressamento na expedição de documentos perante outras repartições.

Grande parte das exigências são feitas com vistas ao aperfeiçoamento dos títulos através de re-ratificações, aditamentos ou complementações de dados por meio de certidões.

Parece ser razoável o prazo dos vinte dias restantes concedido ao apresentante, ao considerar-se que a Lei nº 9.051, de 18-5-95, que dispõe sobre a expedição de certidão, fixa o prazo de quinze dias para atendimento do pedido (art. 1º). A Constituição Paulista em seu artigo 114, obriga a administração a fornecer certidão a qualquer interessado no prazo máximo de dez dias, sob pena de responsabilização da autoridade ou servidor que retardar sua expedição. Nos serviços notariais e registrais as certidões são expedidas no prazo improrrogável de cinco dias (art. 19, LRP).

c) DO PRAZO PARA REQUALIFICAÇÃO E EFETIVAÇÃO DO REGISTRO 

Reapresentado o título dentro do trintídio, fica evidente a diligência do interessado em atender às exigências legais, excluída por isso sua omissão, que determinaria o fim dos efeitos da prenotação, devendo o registrador em seguida proceder ao registro.

O reexame do título será facilitado visto que o conferente dispõe da nota de devolução com as exigências então formuladas.

E se o interessado reapresentar o título no trigésimo dia?

O oficial deverá então diligenciar para que o registro seja efetivado, se possível, até o primeiro dia útil seguinte. O suporte deste raciocínio decorre das indicações constantes dos artigos 190 e 191, que tratam do registro dos títulos pelos quais se constituam direitos contraditórios sobre o mesmo imóvel, e da regra do artigo 10, segundo a qual todos os títulos apresentados no horário regulamentar e que não forem registrados até a hora de encerramento do serviço aguardarão o dia seguinte, quando serão registrados preferencialmente aos apresentados nesse dia, a não ser que o oficial opte pela prorrogação do expediente constante do artigo 208.

Prorrogar a vigência dos efeitos da prenotação vencido o trintídio é a parte nevrálgica da questão. De pronto atente-se que a prorrogação do prazo dos efeitos da prenotação deverá ser por mais trinta dias ou pelo prazo que for fixado. Uma prorrogação indefinida sine die, ou muito prolongada, pode se constituir em burla aos princípios registrais.

A prorrogação do prazo dos efeitos da prenotação ou a repristinação (13) desses efeitos, sob a alegação da ocorrência de força maior ou de fato inevitável, imprevisível ou estranho à vontade do interessado, que o impossibilitou de cumprir as exigências legais dentro do prazo do artigo 205, deverá ser apurada em procedimento próprio, visto que pelas repercussões jurídicas que produz não permite que venha basear-se em vagas lembranças pessoais do oficial e em outros elementos desse tipo. Mas é de rigor a devida formalização, legitimando assim seus resultados, e ainda porque serão analisados aspectos intrínsecos que determinarão se houve omissão ou negligência por parte do interessado.

Consideremos assim três hipóteses:

1ª - Suponhamos que não existam prenotações posteriores de títulos que instrumentem direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel. Nesse caso, mediante requerimento ao oficial, o interessado poderá aduzir as razões da demora em cumprir as exigências, dispensada a prova do motivo alegado a critério do oficial, responsabilizando-se entretanto o requerente, por suas declarações.

Aceita a justificativa, prorroga-se o prazo ou repristinam-se os efeitos da prenotação, conforme o caso, devendo o oficial arquivar o requerimento com o despacho por ele proferido. Em caso de indeferimento, sempre com despacho fundamentado, (14) não se conformando o apresentante, caberá recurso ao Corregedor Permanente e ao Corregedor Geral da Justiça.

2ª - Existindo prenotações de títulos pelos quais se constituam direitos reais contraditórios sobre o imóvel, caberá ao interessado diligenciar tempestivamente no sentido da manutenção dos efeitos da prenotação.

A justificativa deverá ser feita perante o Judiciário pela propositura de ação declaratória ou de outra natureza cabível na espécie, dentro do trintídio. O Judiciário examinará os pressupostos do fato e as provas de sua ocorrência. A medida, repita-se, deverá ser proposta e comunicada ao oficial dentro do trintídio. Nesse caso suspendem-se os prazos e os efeitos da prenotação até decisão final.

Se o interessado não fizer isso, ou se o fizer fora do trintídio, não poderá beneficiar-se dos efeitos da prenotação, efeitos que terão cessado irremediavelmente pela sua inércia ou negligência. É que segundo se deduz das disposições dos artigos 190 e 191, um dia útil após o perecimento dos efeitos da prenotação, ou em dias seguintes, o oficial terá qualificado e registrado os títulos prenotados posteriormente.

3ª - Outra hipótese a ser considerada é a da demora do oficial. Pode ocorrer que o oficial deixe de proceder ao registro dentro do prazo de trinta dias contados da prenotação por negligência, má fé ou até por acúmulo de trabalho ou outras circunstâncias alheias à sua vontade. Pode ocorrer também que o interessado cumpra as exigências e o oficial formule outras (15) . A solução que me parece viável é a prorrogação ou repristinação dos efeitos da prenotação, sempre mediante procedimento que será microfilmado ou ficará arquivado em pasta própria na serventia.

a) Inexistindo prenotações de títulos pelos quais se constituam direitos contraditórios, fará o oficial certidão circunstanciada, declinando os fatos que motivaram a demora e fixando novo prazo, que não excederá a trinta dias, para efetivar o registro, cujo prazo fluirá a partir do vencimento do trintídio.

b) Caso haja prenotações de títulos que instrumentem direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel, o oficial deverá dirigir representação ao Juiz Corregedor Permanente, declinando os fatos que motivaram a demora. O juiz prorrogará o prazo por despacho, ou, caso já excedido o trintídio, repristinará os efeitos da prenotação fixando novo prazo, que não excederá a trinta dias para o oficial efetivar o registro. Do indeferimento caberá recurso ao Corregedor Geral da Justiça.


5. CONCLUSÕES FINAIS

1. O legislador fixou o prazo de trinta dias para o registrador processar todos os atos pertinentes ao registro da propriedade imóvel, que vão da recepção do título ao registro da transmissão ou oneração do imóvel ou ainda atos averbatórios, até porque presume-se que todos os títulos que aportam ao Protocolo, estão em condições de acesso à tábua predial. (art. 188 LRP).

2. A regra é o lançamento de todos os títulos apresentados no Livro de Protocolo, salvante os títulos exibidos com pedido expresso de exame e cálculo de emolumentos. O lançamento incontinentemente de todos os títulos no protocolo não é mera opção do oficial, senão integra o elenco de deveres do registrador da propriedade imóvel, com vistas à publicidade.

3. O interessado tem o direito de receber no momento da apresentação de seu título no Registro, um documento onde conste dentre outros dados, a data e o número da prenotação do título.

4. É necessário constar do texto do registro o número e a data da prenotação (art. 534 CC), bem como estampar no título esses mesmos dados (art. 183 LRP).

5. Segundo o princípio da igualdade dos usuários perante o serviço público, o oficial deverá adotar regime de qualificação dos títulos, rigorosamente de acordo com a precedência da apresentação.

6. A publicidade material do registro exige que dos atos escriturados no Livro 2 constem o número e a data da prenotação do título, para o efeito informativo da realidade jurídica inscrita, tendo-se em conta a retroatividade dos efeitos do registro à data da prenotação, cuja simplificação macula o sistema registral.

7. Mesmo decorridos trinta dias sem a efetivação do registro, o oficial não deve cancelar a prenotação por falta de expressa previsão legal. O lançamento permanece no Protocolo e a extinção de seus efeitos por si mesmo se produz de pleno direito.

8. Face a lacunas existentes na Lei 6.015/73, impõe-se compatibilizar o art. 208, com prazos razoáveis para a qualificação do título pelo registrador; para cumprimento das exigências pelo interessado e reapresentação do título, e ainda prazo para requalificação e efetivação do registro, sugerindo-se nesse compasso, alteração das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça, com vista a padronização do procedimento no âmbito estadual, e elaboração de anteprojeto de alteração da LRP, propondo-se os seguintes prazos:

a) de 10 dias para qualificação do título e elaboração de exigência pelo registrador;

b) dos 20 dias restantes para cumprimento das exigências e reapresentação do título;

9. Reapresentado o título, o registro deverá ser efetuado dentro do trintídio, prorrogando-se para o primeiro dia útil, em caso de reingresso do título no trigésimo dia.

10. Em caso de devolução com exigências, a nota deverá trazer advertência expressa alertando o interessado quanto ao prazo restante para o cumprimento das exigências formuladas, pena de caracterizar sua omissão, extinguindo-se consequentemente os efeitos da prenotação.

11. O prazo de duração dos efeitos da prenotação poderá se prorrogado, ou repristinados seus efeitos, sempre por tempo certo e mediante procedimento formal, que deverá ser microfilmado ou arquivado na serventia em pasta própria, facilitando assim a fiscalização, face as repercussões jurídicas que produzem.

11.1. Não existindo prenotações de títulos constitutivos de direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel, o interessado formalizará requerimento aduzindo as razões de sua demora em cumprir as exigências formuladas, dispensada a prova do motivo alegado, a critério do oficial. Aceita a justificativa, prorrogam-se o prazo ou repristinam-se os efeitos da prenotação. Em caso de indeferimento, caberá recurso ao Corregedor Permanente e ao Corregedor Geral da Justiça.

11.1.1. O despacho que deferir ou indeferir o pedido deverá sempre ser fundamentado, em atenção ao princípio da motivação.

11.2. Existindo prenotações de títulos que instrumentem direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel, caberá ao interessado diligenciar, antes do encerramento do trintídio, para manutenção dos efeitos da prenotação, através de propositura de medida judicial cabível, comunicado o oficial antes do encerramento do trintídio, suspendendo-se prazos e efeitos da prenotação até decisão final.

11.3. Na hipótese do encerramento do trintídio sem registro por demora do oficial, a este caberá, sob pena de responsabilização, adotar as providências com vistas a regularização da situação por ele criada.

11.3.1. Inexistindo prenotações de títulos pelos quais se constituam direitos reais contraditórios sobre o mesmo imóvel, bastará o oficial elaborar certidão circunstanciada, declinando os fatos que motivaram sua demora e fixar novo prazo para efetivar o registro, que não excederá a trinta dias.

11.3.2. Caso existam prenotações posteriores, o oficial representará ao Juiz Corregedor Permanente, declinando os fatos que motivaram a demora, o qual por despacho prorrogará o prazo, ou caso já encerrado o trintídio, repristinará os efeitos da prenotação, fixando novo prazo, que não excederá a trinta dias. Em caso de indeferimento, caberá recurso ao Corregedor Geral da Justiça.


NOTAS

(1) Miguel Maria Serpa Lopes, in "Tratado dos registros públicos", 3ª ed., Freitas Bastos, 1955, v. II, p. 346

(2) José Luis Péres Lasala, "Derecho Inmobiliario Registral", Ediciones Depalma Buenos Aires, 1965, p. 141

(3) J. do Amaral Gurgel, "Registros Públicos", Livraria Acadêmica, São Paulo, 1929, p. 21

(4) No antigo regime do Decreto nº 370, de 05-05-1890 (art. 10) e do Decreto nº 18542, de 24-12-1928 (art. 193), a escrituração do protocolo (livro 1) era incumbência exclusiva e pessoal do oficial do Registro, que não podia delegá-la ao seu substituto, mesmo nos impedimentos e ausências ocasionais. Nessas circunstâncias recorria-se à nomeação de um oficial "ad-hoc".

(5) Afrânio de Carvalho, "Registro de Imóveis", 2ª ed., Forense, 1977, p. 371

(6) Waldemar Loureiro, "Registro da Propriedade Imóvel", 5ª ed, Forense, 1957, v. I, p. 42

(7) J. M. de Azevedo Margues, "A Hypotheca", Casa Espíndola, São Paulo, 1919, p. 98

(8) Maria Sylvia Zanella Di Pietro, "Direito Administrativo", 8ª ed., Atlas, 1997, p. 87

(9) Celso Antônio Bandeira de Mello, "O conteúdo jurídico do princípio de igualdade", 2ª ed., RT, 1984, p.30

(10) Cancelar: 1. Riscar, inutilizar (o que está escrito), com traços em cruz ou de outra maneira. 2. Declarar ou dar como nulo, ou sem efeito, cf "Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa", 2ª ed., Editora Nova Fronteira

(11) Augustin A. Gordillo, "Tratado de Derecho Administrativo", Tomo 3, capítulo XIII-1, Ediciones Macchi, 1987

(12) Cessam igualmente os efeitos da prenotação no caso da dúvida julgada improcedente, se o interessado por omissão sua, não reapresentar no prazo de trinta dias contados da data do trânsito em julgado da decisão da dúvida, os documentos, com o respectivo mandado ou certidão da sentença para que o oficial proceda ao registro.

(13) A repristinação diz respeito à eficácia de certa regra ou ato, já posta à margem, e que se revigorou, direta ou indiretamente. (vide Vocabulário Jurídico, De Plácido e Silva, 13ª ed., Forense, 1997, p. 705)

(14) Maria Sylvia Zanella Di Pietro, "Direito ... cit"., p. 73 explica muito bem que a Constituição Paulista, pôs fim, no âmbito estadual, à discussão doutrinária sobre a necessidade ou não de a Administração Pública motivar os atos administrativos, ou seja, indicar motivos, de fato e de direito, que a levaram a adotar determinada decisão, conforme vem mencionado no artigo 111. Precisa a observação do Professor Inocêncio Mártires Coelho, in Interpretação Constitucional, safE, Porto Alegre, 1997, p. 48, a nos dizer que à míngua de fundamentação, todo ato decisório tem-se como objetivamente inválido, senão mesmo incompatível com a idéia do direito, enquanto instrumento de ordenação justa e racional da convivência humana.

(15) É bom que se tenha presente que as exigências devem ser formuladas de uma única vez, articuladamente, de forma clara e objetiva, com indicação dos suportes normativos em que se apoiou o oficial no momento da qualificação do título, visto que o registrador está adstrito aos limites fixados pela legislação - princípio da legalidade, pena de incorrer em responsabilidade. São reprovadas as exigências em doses homeopáticas, ou sem fundamentação legal, ou baseadas em hipóteses. Além de causar insegurança, leva ao descrédito a atividade registrária e macula a qualidade do serviço público prestado em delegação. A ressalva que se faz é apenas na especialíssima hipótese de, cumpridas as exigências, surgirem novos elementos obrigando o registrador a formular outras exigências.


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Informações sobre o texto

Este estudo é dedicado aos eminentes colegas registradores paulistas Ademar Fioraneli e Ulysses da Silva, como expressão de amizade e admiração.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Flauzilino Araujo dos. Algumas linhas sobre a prenotação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 24, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/930. Acesso em: 25 abr. 2024.