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Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas

termos de ajustamento de conduta firmados com Ministério Público do Trabalho, as decisões do Supremo Tribunal Federal e a Súmula nº 363 do TST

Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas: termos de ajustamento de conduta firmados com Ministério Público do Trabalho, as decisões do Supremo Tribunal Federal e a Súmula nº 363 do TST

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A ADI nº 3.026-4/DF julgou todos os conselhos de fiscalização de profissões, autorizando a anulação dos termos de ajustamento de conduta e permitindo a flexibilização da aplicação da Súmula nº 363 do TST.

1.Introdução

O artigo versa sobre a natureza da personalidade jurídica dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Regulamentadas, que foram declarados autarquias especiais pelo STF, em consonância com pacífica doutrina, provocando, assim, a atuação do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público da União, a fim de que os empregados de tais autarquias, contratados sem concurso público, fossem demitidos, pois nulos são seus contratos de trabalho e, conseqüentemente, seus direitos trabalhistas, por ocasião da resilição do pacto laboral, estarão reduzidos a apenas o número de horas trabalhadas e aos depósitos do FGTS, nos termos da Súmula 363 do TST.

No entanto, em julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que produz efeitos erga omnes e vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e para a Administração Pública, o Pretório Excelso entendeu que a mais importante das autarquias corporativistas, segundo a doutrina, não é um ente da Administração Pública Indireta, o que afasta a atuação do TCU e do MPU, pondo a salvo os empregos dos funcionários admitidos pela entidade sem concurso público.

Analisaremos as duas decisões conflitantes do STF em face de uma mesma categoria de autarquias, considerando o emprego e os direitos trabalhistas dos funcionários desse setor de prestação de serviços públicos.


2.Pressuposto

O debate a seguir foi extraído das fls. 517 dos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.026-4/ DF, reproduzindo acalorada discussão entre o Ministro Sepúlveda Pertence e o Ministro Marco Aurélio Mello:

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Sr. Presidente, gostaria apenas de reafirmar que quando o Tribunal afirmou a exigência de concurso público para indiscutíveis entidades de Direito Privado da Administração Pública, vale dizer, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, afirmou também que o regime trabalhista não afasta, com relação a entes da administração, o concurso público. Por isso, neguei qualquer ambigüidade a um dispositivo que se limita a escolher o regime.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – É a prática que vem sendo adotada.

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Excelência, não estou julgando a OAB. Estou julgando uma ação direta de inconstitucionalidade.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Estou julgando o sistema. Não julgo a Ordem. Quem sou eu para julgar a Ordem, esse ente que se imagina soberano! (o grifo é meu).

Trouxe-o por ele conter um claro obiter dictum ("Estou julgando o sistema") e o pressuposto para colocar o tema abordado neste artigo em discussão na comunidade jurídica é, justamente, o de que as Ações Diretas de Inconstitucionalidade, pela natureza que possuem e mesmo que não tratando especificamente da matéria, permitem a extração de obiter dictum apto a fundamentar qualquer tese jurídica.

As teses jurídicas fundamentadas em obiter dicta exarados em autos de Ações Diretas de Inconstitucionalidade ou de Ações Declaratórias de Constitucionalidade poderão ser aceitas e julgadas procedentes pelo mesmo Órgão que deu origem à fundamentação da tese.

Nesse sentido, partes das ementas da Reclamação 2.475/MG (relatoria do Ministro Carlos Velloso) e da Reclamação 2.517/RS (relatoria do Ministro Joaquim Barbosa), ambas fundamentadas em obiter dictum proferido pelo Ministro Moreira Alves em Ação Declaratória de Constitucionalidade (os grifos são meus):

"A decisão proferida na ADC 1/DF, relatada pelo Ministro Moreira Alves, limitou-se a "conhecer em parte da ação, e, nessa parte, julgá-la procedente, para declarar, com os efeitos vinculantes previstos no parágrafo 2º do artigo 102 da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional nº 3/93, a constitucionalidade dos artigos 1º, 2º e 10, bem como da expressão ''A contribuição social sobre o faturamento de que trata esta lei complementar não extingue as atuais fontes de custeio da Seguridade Social'', contida no artigo 9º, e também da expressão ''Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do mês seguinte aos noventa dias posteriores, àquela publicação,...'', constante do artigo 13, todos da Lei Complementar nº 70, de 30.12.1991" (RTJ 156/722). A decisão, está-se a ver, não assentou ser a Lei Complementar 70/91 lei complementar simplesmente formal. É verdade que, no voto do Ministro Relator isso foi dito (RTJ 156/745). Trata-se, entretanto, de um obiter dictum. Também no meu voto expressei obiter dictum igual (RTJ 156/752). Assim, pelo menos ao primeiro exame, não vejo configurado o fumus boni juris que autorizaria o deferimento da liminar. Do exposto, indefiro a liminar."

"Pretende a reclamante conferir efeito vinculante a trecho do voto do Ministro Moreira Alves na ADC 1. É bem verdade que, no caso, o voto do Ministro Moreira Alves sagrou-se vencedor. Todavia, é certo que o efeito vinculante das decisões em Ações Declaratórias de Constitucionalidade não abrange os chamados obter dicta, proferidos em votos específicos. No caso da ADC 1, a afirmação do Ministro Moreira Alves de que a Lei Complementar 70/91 possui natureza de lei ordinária é um típico obiter dicutm. Isso porque, da análise do acórdão da ADC 1, não se percebe a afirmação citada como fundamento determinante da decisão - não alcançando, assim, o efeito vinculante. De fato, tudo leva a crer que o afirmado pelo Ministro Moreira Alves constitui-se um verdadeiro obiter dictum.

O fato concreto, no entanto, em que pesem os votos dos Ministros Carlos Velloso e Joaquim Barbosa nas duas Reclamações, é que graças ao obiter dictum proferido na Ação Declaratória de Constitucionalidade, os contribuintes viram cair a Súmula 276 do STJ no julgamento do Recurso Extraordinário nº 419629/DF, que restou assim ementado:

EMENTA: III. PIS/COFINS: revogação pela L. 9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissão pela LC 70/91. 1. A norma revogada - embora inserida formalmente em lei complementar - concedia isenção de tributo federal e, portanto, submetia-se à disposição de lei federal ordinária, que outra lei ordinária da União, validamente, poderia revogar, como efetivamente revogou. 2. Não há violação do princípio da hierarquia das leis - rectius, da reserva constitucional de lei complementar - cujo respeito exige seja observado o âmbito material reservado pela Constituição às leis complementares. 3. Nesse sentido, a jurisprudência sedimentada do Tribunal, na trilha da decisão da ADC 1, 01.12.93, Moreira Alves, RTJ 156/721, e também pacificada na doutrina. (grifei)

Assim sendo, se obiter dictum proferido na ADC nº 1/DF foi capaz de derrubar uma Súmula do STJ, vigente por 15 anos, porque a matéria não está "pacificada na doutrina" (muito ao contrário), é possível que outros obiter dicta, proferidos em outras Ações Diretas de Inconstitucionalidade ou Declaratórias de Constitucionalidade, permitam, pela via judicial, o afastamento da atuação do TCU e do MPU sobre os Conselhos de Fiscalização de Profissões Regulamentadas e a anulação dos Termos de Ajustamento de Conduta que impõem demissão de seus empregados ou a flexibilização na aplicação da Súmula 363 do c. TST nas primeiras instâncias da Justiça do Trabalho.

O precedente, como se viu, já existe. Não se trata de inovação.


3.Serviços Públicos Outorgados e as Autarquias Especiais, segundo a doutrina

HELY LOPES MEIRELLES[1] nos ensina sobre a outorga de serviços públicos:

"Autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de Direito Público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas. São entes autônomos, mas não são autonomias. Inconfundível é autonomia com autarquia: aquela legisla para si; esta administra-se a si própria, segundo leis editadas pela entidade que a criou.

O conceito de autarquia é meramente administrativo; o de autonomia é precipuamente político. Daí estarem as autarquias sujeitas ao controle da entidade estatal a que pertencem, enquanto as autonomias permanecem livres desse controle e só adstritas à atuação política das entidades maiores a que se vinculam, como ocorre com os Municípios brasileiros (autonomias), em relação aos Estados-membros e à União.(grifei)

A autarquia é forma de descentralização administrativa, através da personificação de um serviço retirado da Administração centralizada. Por essa razão, à autarquia só deve ser outorgado serviço público típico, e não atividades industriais ou econômicas, ainda que de interesse coletivo." (grifei)

Mais adiante, na mesma obra, o autor[2] discorre a respeito das autarquias de regime especial:

"Algumas leis referem-se a autarquia de regime especial, sem definir seu conteúdo. Diante dessa imprecisão conceitual, é de dizer que autarquia de regime especial é toda aquela a que a lei instituidora conferir privilégios específicos e aumentar sua autonomia comparativamente com as autarquias comuns, sem infringir os preceitos constitucionais pertinentes a essas entidades de personalidade pública.

Bem por isso, Caio Tácito, referindo-se ao conceito de autarquia dado pelo art. 5º do Dec-lei 200/67, advertiu que: "Não se qualificou, porém, nessa lei orgânica da Administração Pública Federal, ou em qualquer outra, diferenciação entre autarquias comuns e autarquias de regime especial".

O que posiciona a autarquia como de regime especial são regalias que a lei criadora lhe confere para pleno desempenho de suas finalidades específicas, observadas as restrições constitucionais. Assim, são consideradas autarquias de regime especial o Banco do Brasil (Lei 4.595/64), a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Lei 4.118/62), a Universidade de São Paulo (Dec-lei 13.855/44 e Decs. 52.326/69 e 52.906/72), bem como as entidades encarregadas, por lei, dos serviços de fiscalização de profissões regulamentadas (OAB, CONFEA e congêneres), dentre outras que ostentam características próprias na sua organização, direção, operacionalidade e gestão de seus bens e serviços." (grifei)

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO[3] analisa a posição das autarquias em face do Poder Central que as institui e em face dos particulares (todos os grifos são do original):

"Exercendo a autarquia um serviço público descentralizado, é necessário analisar a sua posição perante a pessoa jurídica política que a instituiu; e sendo todo serviço público uma atividade de interesse geral da coletividade, importa verificar também a posição da autarquia perante os particulares.

Perante a Administração Pública centralizada, a autarquia dispõe de direitos e obrigações; isto porque, sendo instituída por lei para desempenhar determinado serviço público, do qual passa a ser titular, ela pode fazer valer perante a Administração o direito de exercer aquela função, podendo opor-se às interferências indevidas; vale dizer, que ela tem o direito ao desempenho do serviço nos limites definidos em lei. Paralelamente, ela tem a obrigação de desempenhar as suas funções; originariamente, essas funções seriam do Estado, mas este preferiu descentralizá-las a entidades às quais atribuiu personalidade jurídica, patrimônio próprio e capacidade administrativa; essa entidade torna-se responsável pela prestação do serviço; em conseqüência, a Administração centralizada tem que exercer controle para assegurar que a função seja exercida.

Esse duplo aspecto da autarquia – direito e obrigação – dá margem a outra dualidade: independência e controle; a capacidade de auto-administração é exercida nos limites da lei; da mesma forma, os atos de controle não podem ultrapassar os limites legais.

Perante os particulares, a autarquia aparece como se fosse a própria Administração Pública, ou seja, com todas as prerrogativas e restrições que informam o regime jurídico-administrativo".

E, finalmente, MARÇAL JUSTEN FILHO[4] assevera:

"As autarquias de regulação de categorias profissionais também apresentam perfil muito diferenciado. É o caso da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e dos diversos Conselhos federias e regionais, encarregados de disciplinar o exercício de profissões regulamentadas. Essas entidades são qualificadas como autarquias federais, mas não se sujeitam a qualquer tipo de interferência estatal. Seus administradores são eleitos pelos integrantes da categoria e não podem ser destituídos por ato de vontade dos governantes. Sua competência administrativa se limita ao exercício da profissão. Essas entidades não são propriamente integrantes da estrutura administrativa estatal, mas manifestações da própria sociedade civil. No entanto, exercitam competências tipicamente estatais, especialmente no tocante ao poder de polícia, a que corresponde a cobrança compulsória de contribuições. Daí a sua qualificação como autarquia. Mas o exemplo demonstra como o gênero "autarquia" comporta figuras muito diversas." (grifei)

Das lições da conceituada Doutrina, parece ser possível concluir que o "gênero autarquia" comporta várias "espécies de autarquias".


4.A Lei 9.649/98 e a ADI n° 1.717-6/DF proposta pelo PT, PC do B e PDT

Aos 27 de maio de 1.998, contrariando a doutrina e a jurisprudência, foi publicada a Lei n° 9.649, dispondo que as entidades fiscalizadoras de profissões regulamentadas possuíam natureza privada, com meus grifos e nestes termos:

Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa.

§ 1o A organização, a estrutura e o funcionamento dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas serão disciplinados mediante decisão do plenário do conselho federal da respectiva profissão, garantindo-se que na composição deste estejam representados todos seus conselhos regionais.

§ 2o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, dotados de personalidade jurídica de direito privado, não manterão com os órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.

§ 3o Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta.

§ 4o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas e jurídicas, bem como preços de serviços e multas, que constituirão receitas próprias, considerando-se título executivo extrajudicial a certidão relativa aos créditos decorrentes.

§ 5o O controle das atividades financeiras e administrativas dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas será realizado pelos seus órgãos internos, devendo os conselhos regionais prestar contas, anualmente, ao conselho federal da respectiva profissão, e estes aos conselhos regionais.

§ 6º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, por constituírem serviço público, gozam de imunidade tributária total em relação aos seus bens, rendas e serviços.

§ 7o Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas promoverão, até 30 de junho de 1998, a adaptação de seus estatutos e regimentos ao estabelecido neste artigo.

§ 8o Compete à Justiça Federal a apreciação das controvérsias que envolvam os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, quando no exercício dos serviços a eles delegados, conforme disposto no caput.

§ 9º O disposto neste artigo não se aplica à entidade de que trata a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994.

Vê-se que a lei, expressamente, excetuava a Ordem dos Advogados do Brasil, que, se não tinha caráter privado", mantinha, então, a sua natureza autárquica, já que o legislador dispôs que o artigo 58 da Lei nº 9.469/98 não se aplicava à Lei n° 8.906/94, conhecida por Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil.

O regime jurídico dos demais Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas passavam a ser de natureza privada.

O Partido dos Trabalhadores – PT, o Partido Comunista do Brasil – PC do B, e o Partido Democrático Trabalhista – PDT, insurgiram-se contra a nova ordem e ingressaram com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 1.717-6/DF), na qual pretendiam a impugnação do caput do artigo 58 e dos parágrafos 1° ao 8°.

Esses partidos políticos fundamentaram o pedido ao STF nos seguintes dispositivos constitucionais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Art. 21. Compete à União:

XXIV - organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Aos 07 de novembro de 2002 o Plenário do STF julgou procedente o pedido dos partidos políticos, por votação unânime, declarando a inconstitucionalidade do caput do art. 58 e dos parágrafos 1°, 2°, 4°, 5°, 6°, 7° e 8°, da Lei n° 9.649/98, em decisão que restou assim ementada:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime.

A partir de 28 de março de 2003, data da publicação da decisão no Diário Oficial da União, os Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas deixaram de ser entidades de regime jurídico privado.


5.Efeitos da ADI n° 1.717-6/DF e Danos aos Trabalhadores

O art. 28 e seu parágrafo único, da Lei 9.868/99, cuidavam dos efeitos das Ações Diretas de Inconstitucionalidade e, após a Emenda Constitucional n° 45, tais efeitos passaram a integrar o texto Constitucional:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Entendendo, o STF, na ADI nº 1.717-6/DF, que os serviços públicos típicos do Estado não podem ser delegados aos particulares, acabou por declarar que os Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas têm, então, conforme a doutrina, natureza de autarquias.

Tal entendimento criou a necessidade de os trabalhadores dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas serem contratados apenas por concurso público, já que, em tese, seriam autarquias especiais, entes da Administração Pública Indireta e, portanto, sujeitar-se-iam às regras do artigo 37, II e § 2º, da Constituição Federal, que dispõem:

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

§ 2º A não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei.

A questão da necessidade de concurso público tem enorme relevância para o Direito do Trabalho e, em especial, para os empregados dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, tais como CREA, CRM, CRQ, CRO, CRECI, OAB, etc, haja vista o c. TST haver sumulado a matéria, restringindo direitos desses trabalhadores, nos seguintes termos:

Súmula 363. Contrato nulo. Efeitos. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitando o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS. (grifei)

Quando se trata de restringir direitos dos trabalhadores, "o sistema", nas palavras do e. Ministro Marco Aurélio, precisa ser profundamente discutido.


6.O Problema dos Termos de Ajustamento de Conduta (TAC)

Como se sabe, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) se constitui em título exeqüível diretamente na Justiça do Trabalho e, para desespero dos empregados, não foram poucos os Conselhos de Fiscalização das Profissões Legalmente Regulamentadas que, pressionados pelo poder constituído, firmaram TACs com o Ministério Público da União, resolvendo demitir os funcionários que haviam sido contratados sem concurso público.

Além disso, alguns TACs dispõem que tais demissões atingirão os funcionários que foram contratados após a data de 05 de outubro de 1988, muito embora a dúvida a respeito da natureza jurídica das entidades de regulamentação de categorias profissionais só fora sanada em 28 de março de 2003, data da publicação da decisão na ADI nº 1.717-6/DF.

Vê-se, desde logo, que empregados de boa-fé, que há mais de dez anos laboram para os Conselhos Fiscais de Profissões Legalmente Regulamentadas, ao serem demitidos, terão direito apenas às horas trabalhadas e aos depósitos de FGTS, nos termos da Súmula 363 do TST.

Ao restante das verbas rescisórias não têm direito, porque, na época em que procuraram emprego, não sabiam que só poderiam ser contratados por concurso público!

Trago à colação partes do Termo de Ajustamento de Conduta firmado em 08/02/2006 entre o MPT e o CREA[5]:

O MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO, por intermédio dos Procuradores que abaixo subscrevem, no exercício de suas funções institucionais, conferidas pela Constituição da Republica e Lei Complementar n. 75/93, e o CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA, ARQUITETURA E AGRONOMIA DO ESTADO DE SAO PAULO, autarquia Federai instituída pelo Decreto nº 23. 569/33, regulado pela Lei nº 5.194/66, CNPJ nº 60.985.017.0001/77, com endereço Avenida Brigadeiro Faria Lima, nº 1.059 - Pinheiros, CEP 01452-900, São Paulo-SP e:

CONSIDERANDO que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (CF, art. 37, II);

CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que os Conselhos Fiscais de Profissões Regulamentadas têm natureza jurídica de autarquias federais; (grifei)

CONSIDERANDO que, afirmada a natureza de autarquia dos Conselhos fiscais, uma das primeiras sujeições do regime jurídico administrativo que deve cumprir é a realização de concurso público para a admissão de seu pessoal; (grifei)

RESOLVEM

Celebrar o presente TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA (TAC), visando regularizar a situação dos empregados admitidos sem concurso público após o dia 05 de outubro de 1988, em função da decisão judicial liminar prolatada nos autos do processo nª 2000.61.008524-9, bem como atender ao principio da obrigatoriedade do concurso público, nos seguintes termos:

Conduta (TAC) compromete-se a, no prazo de 12 meses, realizar concurso publico para selecionar empregados concursados, que servirão para substituir os empregados que foram admitidos sem concurso público após 05 de outubro de 1988:

Parágrafo 3°. Ficam dispensados de concurso publico, nos termos do art 37. V da Constituição Federal, os trabalhadores contratados para ocupar cargos de livre provimento e exoneração, desde que, nos termos constitucionais, se referiam exclusivamente às funções de direção, chefia e assessoramento no nível hierárquico superior.

CLÁUSULA 2ª.Dentro do prazo fixado nas clausula 1ª, parágrafo 1ª, os empregados irregulares, que foram admitidos sem concurso público depois de 05 de outubro de 1988, deverão ser demitidos e substituídos pelos aprovados no concurso, pelo Conselho signatário. (grifei)

Daí se notar que o e. Ministro Marco Aurélio tinha razão ao dizer que estava julgando o sistema na ADI nº 3.026-4/DF, pois, se houver alguma autarquia de regulação de categoria profissional que não precise contratar seus funcionários por meio de concursos públicos, pode não haver razões para que todos os outros Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas sejam obrigados a demitir seus funcionários e, muito menos, para que os funcionários demitidos tenham direito apenas às horas trabalhadas e aos depósitos do FGTS.

O sistema precisa ser debatido com mais rigor, porque se colocar lado a lado, no mesmo plano, tratando igualmente entidades como, por exemplo, o Banco do Brasil, a Comissão Nacional de Energia Nuclear, a Universidade de São Paulo, autarquias genuínas, e os Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, é algo um pouco exagerado, senão ilógico.

Simplesmente, por pertencerem ao "gênero autarquia", o parágrafo 2º do art. 37 da Constituição Federal está sendo aplicado a todas as "espécies de autarquias", indistintamente, sem qualquer flexibilização.

A aplicação da letra fria da lei induz a incidência da Súmula 363 do TST sobre os trabalhadores dos Conselhos de Fiscalização das Profissões Legalmente Regulamentadas, porque o referido § 2º do art. 37 da CF diz que "a não observância do disposto nos incisos II e III implicará a nulidade do ato."

Na visão do homem médio, um Conselho de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas não aparece como se fosse a própria Administração Pública, ou seja, com todas as prerrogativas e restrições que informam o regime jurídico-administrativo.

Todos sabem que para se trabalhar no Banco do Brasil, na Comissão Nacional de Energia Nuclear, no INSS e para se ocupar alguns cargos na USP, é necessário que se seja "concursado", nos dizeres do homem médio.

Mas qual homem médio saberia que para se trabalhar no Conselho Regional de Química, por exemplo, como atendente de tele-marketing, seriam necessários a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, caso contrário, seu contrato de trabalho seria nulo?

Ora, se soubesse, aceitaria o emprego?

Ao que parece, a lei está dando tratamento igual a coisas que são desiguais, a começar pelas disposições das leis instituidoras das autarquias genuínas, que mostram distinção entre elas e os Conselhos de Fiscalização de Profissões Regulamentadas.

Vejamos (todos os grifos são meus):

a) Lei Instituidora do Banco Central do Brasil e do Banco do Brasil:

Art. 8º A atual Superintendência da Moeda e do Crédito é transformada em autarquia federal, tendo sede e foro na Capital da República, sob a denominação de Banco Central da República do Brasil, com personalidade jurídica e patrimônios próprios este constituído dos bens, direitos e valores que lhe são transferidos na forma desta Lei e ainda da apropriação dos juros e rendas resultantes, na data da vigência desta lei, do disposto no art. 9º do Decreto-Lei número 8495, de 28/12/1945, dispositivo que ora é expressamente revogado.

Art. 9º Compete ao Banco Central da República do Brasil cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Art. 19. Ao Banco do Brasil S. A. competirá precipuamente, sob a supervisão do Conselho Monetário Nacional e como instrumento de execução da política creditícia e financeira do Governo Federal:

I - na qualidade de Agente, Financeiro do Tesouro Nacional, sem prejuízo de outras funções que lhe venham a ser atribuídas e ressalvado o disposto no art. 8º, da Lei nº 1628, de 20 de junho de 1952:

§ 1º - O Conselho Monetário Nacional assegurará recursos específicos que possibilitem ao Banco do Brasil S. A., sob adequada remuneração, o atendimento dos encargos previstos nesta lei.

b) Lei Instituidora da Comissão Nacional de Energia Nuclear:

Art. 3º Fica criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear (C.N.E.N.), como autarquia federal, com autonomia administrativa e financeira.

Art. 6º A Comissão Nacional de Energia Nuclear poderá contratar os serviços de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas para a execução das medidas previstas nos itens II e V do art. 4º desta lei, exceto para a operação de reatores de potência, mantendo em todos os casos a fiscalização e controle de execução.

c) Lei Estadual (São Paulo) nº 11.164, de 26 de junho de 2002 – referente à USP:

Artigo 1º - Ficam criados, na Parte Permanente (PP) do Quadro de Pessoal Docente da Universidade de São Paulo - USP, os seguintes cargos:

I - 1300 (um mil e trezentos) cargos de Professor Doutor, referência MS-3, da escala de vencimentos aplicável aos docentes das Universidades Públicas do Estado de São Paulo;

II - 400 (quatrocentos) cargos de Professor Titular, referência MS-6, da escala de vencimentos aplicável aos docentes das Universidades Públicas do Estado de São Paulo.

Artigo 2º - As despesas resultantes da aplicação desta lei correrão à conta das dotações próprias consignadas no orçamento da Universidade de São Paulo - USP.

É de se notar que a Administração Pública, nos três casos acima, ou declarou que se tratavam de autarquias federais, ou incluiu-as no Orçamento Público, ou, ainda, tratou de definir cargos ou de proibir determinadas contratações para determinadas áreas.

Mas essa interferência e regulamentação não acontecem quando se trata dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentas.

Vejamos, por exemplo, a Instituição do Conselho Federal de Regulação da profissão de Representante Comercial (também com meus grifos):

Art.6º São criados o Conselho Federal e os Conselhos Regionais dos Representantes Comerciais, aos quais incumbirá a fiscalização do exercício da profissão, na forma desta Lei.

Art. 7º O Conselho Federal instalar-se-á dentro de noventa (90) dias, a contar da vigência da presente Lei, no Estado da Guanabara, onde funcionará provisoriamente, transferindo-se para a Capital da República, quando estiver em condições de fazê-lo, a juízo da maioria dos Conselhos Regionais.

§ 1º O Conselho Federal será presidido por um dos seus membros, na forma que dispuser o regimento interno do Conselho, cabendo lhe, além do próprio voto, o de qualidade, no caso de empate.

§ 2º A renda do Conselho Federal será constituída de vinte por cento (20%) da renda bruta dos Conselhos Regionais.

Art. 8º O Conselho Federal será composto de representantes comerciais de cada Estado, eleitos pelos Conselhos Regionais, dentre seus membros, cabendo a cada Conselho Regional a escolha de dois (2) delegados.

Art. 10. Compete privativamente, ao Conselho Federal:

a) elaborar o seu regimento interno;

b) dirimir as dúvidas suscitadas pelos Conselhos Regionais;

c) aprovar os regimentos internos dos Conselhos Regionais;

d) julgar quaisquer recursos relativos às decisões dos Conselhos Regionais;

e) baixar instruções para a fiel observância da presente Lei;

f) elaborar o Código de Ética Profissional;

g) resolver os casos omissos.

Art. 13. Os mandatos dos membros do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais serão de três (3) anos.

§ 1º Todos os mandatos serão exercidos gratuitamente.

Art. 16. Constituem renda dos Conselhos Regionais as contribuições e multas devidas pelos representantes comerciais, pessoas físicas ou jurídicas, neles registrados.

Nesse caso, está-se a ver, que se tal Conselho for um ente da Administração Pública Indireta, goza de liberdade até para resolver casos omissos, ou seja, quase legisla para si próprio.

Evidentemente que, se pertence ao "gênero autarquia", como decidiu o STF, não é da mesma "espécie" daquelas autarquias vistas anteriormente.

Seus empregados, então, mereceriam tratamento idêntico aos das outras autarquias?


7.A ADI Nº 3.026-4/DF E A LEI Nº 8.906/94 – ESTATUTO DA OAB

Assim como a ADC nº 1/DF foi proposta para cuidar dos arts. 1º, 2º, 9º, 10 e 13 da Lei Complementar 70/91, não sendo seu objeto o art. 6º, II, que cuida da isenção da COFINS às Sociedades Civis de Prestação de Serviços, mas, por obiter dictum proferido pelo Ministro Moreira Alves acabamos vendo revogada tal isenção, que se encontrava até sumulada pelo STJ (Súmula 276), a ADI nº 3.026-4/DF também não tinha por objeto principal a realização de concursos públicos para o provimento de empregos em todos os Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas.

Aos 28 de outubro de 2003, apenas sete meses após a publicação da decisão que impunha concurso público aos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, o Procurador-Geral da República ingressou no STF pedindo para que fosse declarado inconstitucional o trecho final do § 1º da Lei nº 8.906/94, cujo teor é o seguinte:

Art. 79. Aos servidores da OAB (sic), aplica-se o regime trabalhista.

§ 1º Aos servidores da OAB, sujeitos ao regime da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, é concedido o direito de opção pelo regime trabalhista, no prazo de noventa dias a partir da vigência desta lei, sendo assegurado aos optantes o pagamento de indenização, quando da aposentadoria, correspondente a cinco vezes o valor da última remuneração.

Mas, ao contrário do que ocorreu na ADC nº 1/DF, em não houve pedido de manifestação sobre o art. 6º, II, da Lei Complementar 70/91, na ADI nº 3.026-4/DF o Procurador-Geral da República pediu para que o STF interpretasse conforme o inciso II do art. 37 da CF/88 o caput do art. 79 da Lei nº 8.906/94, para que fosse firmado o seguinte entendimento: o provimento dos cargos da Ordem dos Advogados do Brasil deve ocorrer por meio de concurso público.

Daí a razão dessa ADI nº 3.026-4/DF ser tão importante, posto que até seu julgamento, a OAB, tal e qual os outros Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, era uma autarquia de regulação de categoria profissional para todos os efeitos, erga omnes e vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública.

O verbo foi usado no tempo passado, porque, aos 08 de junho de 2006, o Plenário do STF julgou a questão e, aos 29 de setembro de 2006, há menos de três meses, portanto, foi publicada no Diário Oficial da União a ementa do julgamento da ADI 3.026-4/DF:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 1º DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8.906, 2ª PARTE. "SERVIDORES" DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO PELO REGIME CELESTISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE. CATEGORIA ÍMPAR NO ELENCO DAS PERSONALIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A Lei n. 8.906, artigo 79, § 1º, possibilitou aos "servidores" da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria. 2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências". 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. 7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. 8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. 9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB. 10. Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB. 11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. 12. Julgo improcedente o pedido.(todos os grifos são meus)

A OAB foi declarada categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.

A OAB, que o legislador fez questão de, expressamente, excluir da Lei 9.649/98, em seu § 9º, ressaltando a natureza autárquica da entidade, tanto que não foi alvo da ADI nº 1.717-6/DF proposta pelos partidos políticos, passou a ser categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.

Como visto alhures, a doutrina de Hely Lopes Meirelles, de Maria Sylvia Zanella de Pietro e de Marçal Justen Filho, não dá sustentação à fundamentação dos Ministros do STF na ADI nº 3.026-4/DF, mas, por ser uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, tal fundamentação poderá ser aplicável a todas as outras entidades de regulação de categoria profissional.

De fato, antes do julgamento da ADI n° 3.026-4/DF, a OAB e as demais entidades de regulação de categoria profissional possuíam as seguintes características em comum:

a)Todas prestam serviços públicos, que lhes foram outorgados pelo Estado;

b)Todas são autônomas, sem que sejam autonomias;

c)Todas podem fazer valer perante a Administração o direito de exercer as funções para as quais foram criadas, podendo opor-se às interferências indevidas;

d)Todas têm seus administradores eleitos pelos integrantes da categoria, que não podem ser destituídos por ato de vontade dos governantes;

e)Nenhuma delas é propriamente integrantes da estrutura administrativa estatal, mas manifestações da própria sociedade civil.

Se for verdade que a Ordem dos advogados do Brasil é categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro, por conta de ter, também, uma função institucional, qual seja, defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas, não é menos verdade que possui, tal e qual os demais Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentas, a função de regulação de categoria profissional.

Uma coisa não deveria excluir a outra e, por conta de um acúmulo de funções, a personalidade jurídica não poderia deixar de ser uma das existentes e definidas em lei.

E é de se destacar que os Conselhos de Fiscalização de Profissões Regulamentadas, assim como a OAB, se regem ora por normas de Direito Público, ora por normas de Direito Privado, e isso não quer dizer, nem poderia significar, que tais entidades sejam híbridas, pois, caso contrário, como o Estado outorgaria serviços típicos a uma entidade híbrida, meio de direito público, meio de direito privado?

Categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro, não pode significar que a entidade portadora tal personalidade jurídica ímpar tenha, também, natureza privada, porque as Ações Diretas de Inconstitucionalidade produzem efeito vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e para o próprio Estado.

Ora! Na ADI nº 1.717-6/DF os efeitos vinculantes e erga omnes foram: A interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. Decisão unânime.

Afasta-se, portando, entendimento de categoria ímpar possuir caráter privado.

Daí que o que importará para o Direito do Trabalho e, em especial, para os trabalhadores dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, não será a ementa da ADI n° 3.026-4/DF, nem o conceito acerca da personalidade jurídica da OAB, pois, nem a ementa, nem a categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas, que se aplica à OAB, afastam a natureza de autarquia desses conselhos, em razão dos efeitos produzidos pela ADI n° 1.717-6/DF.

O que importará de fato para o Direito do Trabalho, serão os obiter dicta exarados durante o julgamento da ADI n° 3.026-4/DF pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, pois eles podem ter julgado novamente, e indiretamente, os demais Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, ou seja, podem ter julgado o sistema e não apenas a OAB.

Aqui estamos para colocar em discussão esse possível efeito "colateral" que emana do julgamento da ADI nº 3.026/DF, qual seja, o de que somente são conferidos aos trabalhadores dos Conselhos de Fiscalização das Profissões Legalmente Regulamentadas, quando da demissão, que será obrigatória, o direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitando o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

Se aos empregados da OAB não se aplica a Súmula 363 do TST, nem a OAB se vê pressionada a firmar Termos de Ajustamento de Conduta com o MPU - OAB que tem também por função defender a Constituição - a Súmula 363 do TST e as demissões obrigatórias seriam aplicáveis aos empregados dos demais Conselhos de Fiscalização de Profissões?


8.Os Obiter Dicta na ADI Nº 3.026/DF

Sem qualquer inovação, apenas utilizando o mesmo raciocínio jurídico que foi aplicado na ADC nº 1/DF e, posteriormente, usado no RE 419629, das 120 folhas do julgamento da ADI nº 3.026/DF encontradas no site do STF extraem-se obiter dicta que podem permitir a flexibilização da Súmula 363 do TST na Justiça do Trabalho.

Vejamos cada um dos obiter dictum em questão (todos os grifos são meus):

8.1.Fls. 483 – MINISTRO RELATOR EROS GRAU – "Tenho contudo que o simples fato da entidade ter sido criada por lei (decreto com força de lei) não induz que a mesma tenha natureza jurídica – caráter jurídico, dizendo de modo correto – de autarquia. Não é isso o quê importa, mesmo porque a União cria ou autoriza a criação de entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado (CB art. 37, XIX e XX)."

8.2.Fls. 498 – MINISTRO MARCO AURÉLIO – "Pelo texto, Senhor Presidente, temos a adoção do regime dito celetista de forma abrangente, e aí, evidentemente, não há concurso público para se ingressar numa pessoa jurídica de direito privado que não integra a administração, porque há pessoas jurídicas de direito privado que a integram, refiro-me às sociedades de economia mistas e às empresas públicas. O que surge da própria redação do art. 79 é a visão do regime da Consolidação das Leis Trabalhos como um grande todo, ou seja, viabilizando a arregimentação de prestadores de serviço sem concurso público."

8.3.Fls. 501 – MINISTRO MARCO AURÉLIO – "Agora, é um tabu, Senhor Presidente, discutir-se o que ressoa como verdadeira soberania desse Conselho, quando no cenário nacional não se tem apenas esse Conselho. Precisamos julgar, presente um sistema, sob pena de ele ficar capenga, porque teremos de adotar, aqui - se entendermos que se trata de uma pessoa jurídica de direito privado -, a mesma ótica quanto a dezenas de conselhos existentes no Brasil."

Fls. 501 – MINISTRO CARLOS BRITTO – "Sob esse aspecto, gostaria de ponderar que nenhum outro conselho mereceu da Constituição menção expressa. Nenhum outro.

Fls. 502 – MINISTRO MARCO AURÉLIO – "Está acima do próprio Estado? Que órgão todo-poderoso teremos no Brasil!!!

8.4.Fls. 505 – MINISTRO MARCO AURÉLIO – "Então, qual é a natureza jurídica, senão é uma autarquia especial? Eu diria, sem demérito, Senhor Presidente, uma autarquia corporativista, como são os demais conselhos que congregam categorias profissionais, criados por lei, com poder de polícia e a possibilidade de impor contribuições e, mais do que isso, de excluir, no caso concreto, a capacidade postulatória, o que implica dizer: de inviabilizar o exercício de uma garantia constitucional."

8.5.Fls. 511 – MINISTRO CEZAR PELUSO – " Sr. Presidente, com o devido respeito, conheço do pedido, porque entendo que há dúvida, e esta nasce exatamente da fundamentação, que a suscita sobre a natureza jurídica da OAB, ensejando duas interpretações: uma, que a OAB é entidade de Direito Privado, e, outra, que seria de Direito Público. No primeiro caso, não seria exigido concurso público para preenchimento de cargo; e, no segundo, exigir-se-ia, a despeito de o regime de pessoal ser celetista."

8.6.Fls. 514 – MINISTRO MARCO AURÉLIO – "No processo em mesa, o Supremo tem oportunidade de lançar entendimento, como guarda-maior da Carta da República, de forma linear e considerado, como convém, o fator tempo. Por isso, já disse, aqui, na bancada, que vejo o processo objetivo com uma flexibilidade maior, quer considerados os legitimados para ingressarem com ações, que deságuam nesse processo, quer o objeto da própria ação."

8.7.Fls. 531 – MINISTRO CARLOS BRITTO – "Sr. Presidente, realmente o Ministro Peluso traz à baila um vício de que todos padecemos, que deita raízes em Atistóteles, o qual, como todos sabem, era um lógico por excelência, achava que cada coisa devia ficar em seu lugar e projetou essa influência nossa de tentar adaptar realidades diferenciadas em escaninhos conceituais preexistentes, antigos. Deixei-me impressionar muito bem por essa observação dele e, sobretudo, por uma outra achega: é que o Ministro Cezar Peluso, ao dizer que pouco importa a natureza jurídica da OAB, o fato é que a Instituição efetivamente se rege ora por normas de Direito Público, ora por normas de Direito Privado. Ele me impressionou quando lembrou que os cargos da OAB não são criados por lei. Ele não disse isso, mas acrescento: não têm seus vencimentos fixados em lei. De outra parte, no contexto global do meu voto, queria ter ensejo de dizer que, realmente, o pensamento jurídico ortodoxo sobre a OAB encontra sérias dificuldades pela heterodoxia da natureza da OAB, que eminentemente é uma instituição da sociedade civil, não é uma instituição da sociedade estatal, daí porque aparelhada pela própria Constituição, "n" vezes a fim de exercer um múnus que a coloca ao lado da Imprensa como as duas grandes instituições da sociedade civil. E, por natureza infensas, ambas, Imprensa e OAB, a controles estatais. Vou reconsiderar meu voto."

8.8.Fls. 566 – MINISTRO JOAQUIM BARBOSA – "Ministro Carlos Britto, em que a OAB se distingue dos demais conselhos fiscalizadores de profissões?"

MINISTRO EROS GRAU – "Entra com ação direta de inconstitucionalidade."

MINISTRO JOAQUIM BARBOSA – "Qual a distinção essencial entre a OAB e esses conselhos?"

MINISTRO CARLOS BRITTO – "Basta lembrar que a Constituição não fala de nenhum outro conselho nenhuma vez, em nenhuma outra oportunidade. Da OAB a Constituição fala numerosas vezes."

MINISTRO JOAQUIM BARBOSA – "Daí podemos tirar a conclusão de que a OAB tem direito a um status privilegiado?"

MINISTRO CARLOS BRITTO – "Digo que há diferenças a partir da consideração de que a OAB congrega profissionais, chamados advogados, que desempenham uma função que a própria Constituição rotula como essencial à jurisdição. À Justiça."

MINISTRO JOAQUIM BARBOSA – Isso, ao meu ver, é indicativo de que a ela é confiada uma missão no serviço público e não o contrário.

8.9.Fls. 585 – MINISTRO GILMAR MENDES – "Não acho que devamos nos aferrar, inclusive, às formas jurídicas existentes, senão seria muito fácil perfilar a tese do caráter autárquico e, a partir daí, assumir todas as conseqüências desse modelo. Não estamos a falar nisso, até porque não se trata disso. Agora, é inegável, a Ordem, como os demais conselhos que fiscalizam profissões, exerce poder estatal inequívoco."

8.10.Fls. 588 – MINISTRO CARLOS BRITTO – "Vossa Excelência me permite? A OAB é tão especial na sua configuração jurídica que, mesmo se a considerássemos uma autarquia especial, nem com as autarquias especiais de que trata a doutrina ela se confunde. Quais são as autarquias especiais em nosso sistema jurídico? O Banco Central do Brasil e as Agências Reguladoras. A OAB não se insere em nenhum desses esquadros de autarquia especial. Depois, as suas verbas, ainda que consideradas públicas, quanto às anuidades recolhidas de seus filiados, não entram no orçamento. Não são verbas orçamentárias do Estado. Ou seja, se toda verba orçamentária é pública, nem toda verba pública é orçamentária. Estamos diante de um estudo eminentemente heterodoxo. Por isso chamei de anti-aristotélico, já que ninguém mais ortodoxo do que Aristóteles. A OAB se insere nesse quadro"

8.11.Fls. 594 – MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – "Senhora Presidente, de minha parte faço votos para que, por deliberação própria da entidade ou da sua lei orgânica, a Ordem venha, sim, a submeter-se à regra do concurso público. No campo interno da Ordem, é indiscutível que a ausência do concurso público pode, sim, comprometer o caráter de impessoalidade, enfatizado no antológico voto do Ministro Cezar Peluso, a que Sua Excelência se remeteu. Agora, não consegui me convencer, sem embargo do brilho dos votos dissidentes dos Ministros Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes, de que essa necessidade decorra da Constituição Federal. Acompanho o eminente Ministro-Relator, para julgar inteiramente improcedente a ação".

8.12.Fls. 595 – MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE) – "Senhores Ministros, também eu, com vênia aos Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, julgo improcedente a ação, fazendo por adotar, também, os bons votos e bons augúrios agora manifestados pelo Ministro Sepúlveda Pertence de que a Ordem, voluntariamente, venha a se curvar à regra democrática do concurso público".

Está-se a ver que o STF não julgou apenas a OAB, mas o sistema de um modo geral e, conseqüentemente, todos os demais Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas.

A importância desse julgamento é o de que seus efeitos podem recair sobre todos os trabalhadores dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, não apenas resguardando os empregos dos funcionários da OAB, coisa que se pôde sentir antes mesmo da publicação da ementa da ADI nº 3.026-4/DF na Imprensa Oficial.

Deveras, o Conselho Regional de Odontologia do Mato Grosso do Sul impetrou no próprio Supremo Tribunal Federal o Mandado de Segurança nº 26.150/DF, contra determinação do Tribunal de Contas da União que lhe impunha a demissão de todos os empregados e realização de concurso público.

O relator decidiu o Mandado de Segurança nº 26.150/DF favoravelmente ao impetrante, fundamentando a decisão em voto que proferiu na ADI nº 3.026-4/DF, acórdão que restou assim ementado:

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo Conselho Regional de Odontologia do Mato Grosso do Sul contra ato do Tribunal de Contas da União, que determinou ao impetrante a realização de concurso público para admissão de pessoal, no prazo de 180 dias, rescindindo todos os contratos trabalhistas firmados a partir de 18.05.2001. 2. O impetrante alega que os conselhos federais e regionais de fiscalização do exercício profissional são entidades sui generis, não se lhes aplicando todos os preceitos que regem a Administração Pública Direta e Indireta. 3. Afirma que essas entidades não recebem repasse de verbas públicas, mantendo suas atividades tão somente por meio das contribuições arrecadadas dos profissionais inscritos em seus quadros. 4. Enfatiza que os empregados que trabalham no CRO-MS não são servidores públicos, uma vez que os salários são pagos pela própria entidade e os postos de trabalho não são criados por lei. 5. Requer, liminarmente, a suspensão dos efeitos do Acórdão n. 1.212/2004, confirmado pelo Acórdão n. 845/2006, do Tribunal de Contas da União e, no mérito, a concessão da segurança para declarar a sua nulidade. 6. É o relatório. Decido. 7. A concessão de medida liminar em mandado de segurança pressupõe a coexistência da plausibilidade do direito invocado e do risco de dano irreparável pela demora na concessão da ordem. 8. No voto que proferi na ADI n. 3.026, de que fui Relator [acórdão pendente de publicação], observei que a OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União, enquadrando-se como serviço público independente, categoria singular no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 9. Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, assim como a OAB, não constituem autarquias, eis que diferentemente do que ocorre com elas, não estão sujeitos à tutela da Administração. Os conselhos sustentam-se por meio de contribuições cobradas de seus filiados, inclusive no que se refere ao pagamento de funcionários, não recebendo quaisquer repasses do Poder Público. 10. Note-se que o Tribunal já afastou a possibilidade de exercício da supervisão ministerial sobre as entidades fiscalizadoras de profissões liberais [RMS n. 20.976, Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 16.02.1990], evidenciando o não recebimento do parágrafo único do art. 1º do decreto-lei n. 968/69 ["As entidades de que trata este artigo estão sujeitas à supervisão ministerial prevista nos artigos 19 e 26 do Decreto-lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967, restrita à verificação da efetiva realização dos correspondentes objetivos legais de interesse público"]. 11. O art. 1º do decreto-lei n. 968/69 determina que "as entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais, que sejam mantidas com recurso, próprios e não recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento da união regular-se-ão pela respectiva legislação específica, não se lhes aplicando as normas legais sobre pessoal e demais disposições de caráter geral, relativas à administração interna das autarquias federais" [Grifou-se]. Esse preceito foi recebido pela Constituição do Brasil. 12. Há plausibilidade jurídica do pedido liminar. 13. O periculum in mora faz-se presente na medida em que a imediata rescisão dos contratos de trabalho celebrados a partir de 18.05.2001 pode comprometer o desempenho dos serviços prestados pelo impetrante, com graves conseqüências para os seus afiliados. Ante o exposto, defiro a medida liminar, para suspender os efeitos dos Acórdãos TCU n. 1.212/2004 e n. 845/2006, até o julgamento final do presente writ. Intime-se a autoridade coatora para prestar informações no prazo do art. 1º, "a", da Lei n. 4.348/64. Após, dê-se vista dos autos à Procuradoria Geral da República. Intime-se o impetrante para que apresente o instrumento de procuração original, no prazo de 10 dias, sob pena de nulidade do feito [art. 13, I, do CPC]. Publique-se. Brasília, 19 de setembro de 2006. Ministro Eros Grau – Relator. (grifos meus)

Em que pesem os efeitos produzidos por Medida Liminar em sede de Mandado de Segurança serem interpartes, e não erga omnes e vinculante, relativamente aos demais órgão do Poder Judiciário e à Administração Pública, reconheceu-se que os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, assim como a OAB, não constituem autarquias, eis que diferentemente do que ocorre com elas, não estão sujeitos à tutela da Administração.

Quero crer, então, que, se não existir a possibilidade de se evitar as demissões dos empregados dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, existirá a real possibilidade de se flexibilizar a aplicação da Súmula 363 do TST nas primeiras instâncias da Justiça do Trabalho, mesmo que a matéria lhes seja apresentada sob a forma de Termos de Ajustamento de Conduta firmados com o Ministério Público do Trabalho.


9.Conclusão

O que se depreende do presente estudo é que, em Ações Diretas de Inconstitucionalidade e em Ações Declaratórias de Constitucionalidade, por meio de obiter dictum, o Supremo Tribunal Federal pode julgar, indiretamente, matérias que não fazem parte do objeto principal daquelas ações.

As matérias julgadas indiretamente aproveitam os demais órgãos do Poder Judiciário e a própria Administração Pública, em especial, quando os obiter dicta disserem respeito a todo um sistema e causarem impacto sobre direitos sociais e trabalhistas.

A ADI nº 3.026-4/DF julgou todos os Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas e, por isso, autoriza a anulação dos Termos de Ajustamento de Conduta, firmados entre tais entidades e o Ministério Público do Trabalho, e permite a flexibilização da aplicação da Súmula 363 do c. TST nas primeiras instâncias da Justiça Especializada.


10.Bibliografia

[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros Editores. 29ª Edição. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 2004. p. 333 e 334.

[2] Op. Cit. p. 342 e 343.

[3] DE PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Editora Atlas. 15ª Edição. 2003. p. 369

[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Editora Saraiva. 2ª Edição. 2006. p. 121.

[5] site do Sindicato dos Trabalhadores das Autarquias de Fiscalização do Exercício Profissional e Entidades Coligadas no Estado de São Paulo (www. sinsexpro. org. br).

Artigo de autoria de Alcio Antonio Vieira, advogado autônomo, pós-graduando em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados da Brasil – Secção São Paulo.

O autor concluiu pela PUC/SP os módulos de especialização em Processo Administrativo Fiscal e em Mandado de Segurança em Matéria Tributária.

Artigos publicados:

"A Súmula 337 do TST em face da nova Lei nº 11.341/2006", disponível no Suplemento Trabalhista nº 114 da Editora LTR e na revista eletrônica Jus Navigandi em http://jus.com.br/artigos/8910.

"A "lista negra" da OAB à luz do Direito Administratvo", disponível na revista eletrônica Jus Navigandi em http://jus.com.br/artigos/9162.


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VIEIRA, Alcio Antonio. Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas: termos de ajustamento de conduta firmados com Ministério Público do Trabalho, as decisões do Supremo Tribunal Federal e a Súmula nº 363 do TST. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1274, 27 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9330. Acesso em: 24 abr. 2024.