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Uma nova concepção acerca do conceito de prescrição na legislação civil brasileira

Uma nova concepção acerca do conceito de prescrição na legislação civil brasileira

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SUMÁRIO: 1- Introdução. 2- Visão histórica. 3- A prescrição como perda do direito material. 4- A prescrição como perda da ação ou do direito de agir. 5- A prescrição como extinção da pretensão. 6- Uma nova concepção sobre o conceito de prescrição: fator que impede judicialmente o reconhecimento e efetivação de uma pretensão. 7- Arguição e reconhecimento da prescrição. 8- Conclusão. Referências.


RESUMO

            A prescrição é considerada pela legislação civil como fator extintivo da pretensão do autor. Uma análise reflexiva sobre a pretensão e o reflexo das conseqüências quanto ao reconhecimento da prescrição em determinado processo, permite a apresentação de uma nova visão acerca do conceito de prescrição, não como fator extintivo da pretensão, conforme aceito atualmente, mas como fator impeditivo do reconhecimento judicial acerca de determinada pretensão.


1 INTRODUÇÃO

            Uma era, um momento, um período, uma ocasião. São diversas as interpretações e as concepções acerca da palavra tempo. Uma expressão que representa um acontecimento natural que, independente da vontade de todos os seres humanos, simplesmente faz parte do nosso dia a dia.

            O tempo é testemunha de todos os fatos da vida humana: glórias, desafios, vitórias, derrotas, esperanças. Ao serem relembrados pelos memoriais da história, os fatos vivenciados pelo ser humano no decorrer da sua existência afloram a imaginação, o conhecimento e a curiosidade em relação a tudo que já foi uma realidade um dia e que hoje ilustra cada página da história humana.

            Conforme citou Rilke, no livro Sonetos a Orfeu (apud NEVES, 2003, p. 427),

            A nós, nos cabe andar.

            Mas o tempo, os seus passos,

            São os mínimos pedaços

            Do que há de ficar.

            Mas o tempo não foi capaz de criar na mente humana um ideal fraterno, solidário. Um dia os ideais iluministas sonharam em substituir o homem das trevas pelo homem da luz, da razão, o que levaria a uma maior possibilidade dos problemas serem resolvidos com base na razão e sabedoria humana, todavia, esse ideal não passou de uma mera utopia.

            Mas as controvérsias não persistem apenas no âmbito das relações econômicas. Vivemos em um mundo caracterizado pela diversidade, pela complexidade das relações sociais onde cada cidadão busca incessantemente a realização dos seus ideais. Nesse contexto, a tentativa de efetivação de interesses individuais acaba gerando conflitos entre os cidadãos.

            Entretanto, na mente de cada um existe o sentimento de Justiça que aflora diante de uma lesão ao Direito, que instiga a luta, que dá margem à manifestação de uma vontade incessante de fazer valer o que lhe é moralmente legítimo. E a partir do momento em que o Estado monopolizou a prestação jurisdicional, proibindo a justiça privada, a solução para os conflitos passou a depender do exercício do direito de ação por parte do interessado, que tem a faculdade de levar a pretensão à apreciação do poder judiciário. E o cidadão, que anseia uma solução para o conflito, fundamenta no Direito sua esperança, deposita no judiciário seu meio e instrumento de luta, acreditando na certeza de que existe um tempo também de lutar por Justiça e que nenhuma luta nunca é em vão.

            E o tempo, que consolida amizades, que ampara o desconsolo, que acalma as tempestades, não deixa de interferir nas relações jurídicas que, assim como todas as coisas na vida, nascem, se modificam, se consolidam e um dia chegam ao fim.

            É sempre tempo de sonhar com Justiça e de lutar pelo direito, mas não seria admissível a perpetuação de relações conflituosas. A sociedade exige uma estabilidade nas relações jurídicas, e isso implica na necessidade de se limitar, restringir a possibilidade de discussão em juízo acerca de uma pretensão caso o interessado se mantenha inerte por um determinado período. Visualiza-se, portanto, o sentido da prescrição, que fundamenta sua existência na própria segurança jurídica.

            A importância da segurança jurídica foi muito bem descrita por Herkenhoff (2001, p. 100), ao afirmar que:

            A Justiça e segurança jurídica são dois valores essenciais a ser preservados na ordem jurídica. O ideal seria que um sistema jurídico proporcionasse o máximo de justiça e o máximo de segurança. A segurança jurídica é um bem devido aos cidadãos por imperativo de justiça. De outro lado, a plenitude da justiça exige segurança jurídica.

            Mais uma vez, o tempo opera no âmbito do Direito. Ao tratar sobre o tema prescrição e decadência, preleciona o mestre Rodrigues (2003, p. 323):

            Aqui encontramos a influência do elemento tempo no âmbito do direito. Nessa matéria, mais do que em qualquer outra relação jurídica, a interferência desse elemento é substancial, pois existe um interesse da sociedade em atribuir juridicidade àquelas situações que se prolongaram no tempo. De fato, dentro do instituto da prescrição, o personagem principal é o tempo.

            A legislação cuidou, portanto, de definir prazos prescricionais e decadenciais com o intuito de limitar, no tempo, o exercício de uma pretensão.

            Uma questão sempre muito polêmica entre os doutrinadores é a tentativa de conceituar prescrição. Definir as suas conseqüências práticas não é tarefa difícil visto que caracteriza, para o titular de um direito, a impossibilidade de sua efetivação. Para alguns doutrinadores, a prescrição representa a perda do direito de ação, para outros, a perda do direito, para outros a perda da pretensão, enfim, são várias as tentativas de se definir qual a dimensão desse fenômeno jurídico que vai refletir diretamente no direito do cidadão.


2 VISÃO HISTÓRICA

            O instituto da prescrição, suas funções e fundamentos tiveram origem romana. No direito romano primitivo, o interessado poderia pleitear um direito a qualquer tempo. As ações, portanto, eram perpétuas. No direito pretoriano surgiu a idéia de prescrição, já considerando seus dois requisitos básicos: a inércia do titular do direito e o lapso temporal que, naquela época, era de apenas um ano (annus utilis). Após esse prazo, o réu poderia alegar a chamada exceção de praescriptio temporis, considerada hipótese de carência de ação por parte do autor por não ter ajuizado em tempo hábil a demanda. (RODRIGUES, 2003).

            Na época do império, conforme explica Rodrigues (2003), surgiu a chamada praescriptio longum tempum, aplicável nos casos de ações reais sobre imóveis cujos prazos eram de dez anos entre ausentes e vinte anos entre presentes. Posteriormente, uma constituição de Teodósio determinava que todas as ações, independente da pretensão, prescreveriam em trinta anos.

            A lei das XII Tábuas já previa a figura da prescrição aquisitiva, que permitia aos cidadãos romanos e, somente a estes, a aquisição de propriedade mediante usucapião após um certo lapso temporal. Justiniano foi o primeiro a destacar a dupla face do instituto, visualizando-a na forma aquisitiva e extintiva e considerando a extintiva como "meio pelo qual alguém se libera de uma obrigação pelo decurso do tempo". (MONTEIRO, 1978, p. 285).

            Quanto às legislações atuais, afirma Monteiro (1978, p. 285) que a prescrição "figura indiscriminadamente em todas as legislações contemporâneas pro bono publico, havida como filha do tempo e da paz."


3 PRESCRIÇÃO COMO PERDA DO DIREITO MATERIAL

            Existem juristas respeitados, citados por Rodrigues (2003, p. 326-327) como o escritor Savigny e os autores modernos Colin e Capitant, assim como Coviello, Roberto de Ruggiero, Baudry, e o nosso Carvalho de Mendonça que defenderam que a prescrição gera a perda do próprio direito material, já que, a partir de sua ocorrência, o titular do direito não pode mais exercê-lo.

            Até mesmo a presunção da satisfação de uma pretensão foi cogitada como argumento para fundamentar a idéia da prescrição como fator extintivo do direito:

            A prescrição liberatória funda-se na presunção de que quem cessa de exercer um direito, remanescendo na inação por muitos anos, foi dele despojado por alguma justa causa de extinção; que o credor que permanece tão longamente sem exigir seu crédito é porque foi pago ou o remitiu. ( MOURLON, apud, RODRIGUES, 2003, p. 327)

            Tal posicionamento praticamente equipara prescrição e decadência como sendo o mesmo fenômeno jurídico, já que é aceita atualmente a tese de que decadência é que corresponde à perda do próprio direito. Na visão de Nery Júnior (2003, p. 266), decadência é "causa extintiva de direito pelo seu não exercício no prazo estipulado pela lei".

            Mas Rodrigues (2003, p. 324) esclarece que: "o que perece, portanto, através da prescrição extintiva, não é o direito. Este pode, como ensina Bevilaqua, permanecer por longo tempo inativo, sem perder sua eficácia. O que se extingue é a ação que o defende".


4 A PRESCRIÇÃO COMO PERDA DA AÇÃO OU DO DIREITO DE AGIR:

            Existem aqueles que defendem a tese de que a prescrição se caracteriza pela própria perda da ação. O mestre Rodrigues (2003, p. 325) afirma que a prescrição "consiste na perda da ação conferida a um direito pelo seu não exercício num intervalo dado". Também cita outros renomados juristas que defendem tal pensamento, dentre eles Clóvis Beviláqua, Espínola e Carpenter.

            O renomado jurista Beviláqua (apud RODRIGUES, 2003, p. 324), definiu prescrição como sendo "a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo."

            Ao examinar o conceito de Beviláqua, Rodrigues (2003, p. 324) conclui que a ocorrência da prescrição está ligada à inércia do credor ante a violação de um direito por determinado período de tempo fixado em lei que "conduz à perda da ação de que todo o direito vem munido, de modo a privá-lo de qualquer capacidade defensiva."

            Também Câmara Leal, ao tentar distinguir prescrição de decadência, defendeu a idéia de que a prescrição extingue a ação, enquanto a decadência extingue o direito, entretanto, segundo Nery Júnior (2003) essa não é a fórmula suficiente para explicar a complexidade do fenômeno.

            Câmara Leal (apud. RODRIGUES, 2003 p. 325) discorda da tese de que a prescrição extingue o direito e fundamenta seu pensamento no sentido de que a mesma extingue a ação, ao afirmar que:

            Se a inércia do titular é causa eficiente da prescrição, esta não pode ter por objeto imediato o direito, pois este, uma vez adquirido, entra para o domínio da vontade do adquirente, que pode deliberadamente não utilizá-lo, o que, de resto, é compatível com sua conservação. Todavia, se tal direito é violado por terceiro, surge uma situação antijurídica, que é removível pela ação conferida ao titular. Se este não usa tal remédio, se se mantém longamente inerte perante a situação nova, o ordenamento jurídico priva-o da ação referida, porque há um interesse social em que essa situação de incerteza e instabilidade não se prolongue indefinidamente.

            Monteiro (1978, p. 286) também era adepto da mesma linha de pensamento, considerando a prescrição extintiva como perda da ação. Ao diferenciar a forma aquisitiva da extintiva, observa a existência de uma força geradora e de uma força extintora, ao afirmar que

            na prescrição aquisitiva predomina a força que cria, na extintiva a força que extermina. Opera aquela criando o direito em favor de um novo titular e por via oblíqua extinguindo a ação que, para defesa do direito, tinha o titular antigo; na prescrição extintiva, a força extintora extermina a ação que tem o titular e, por via de conseqüência, elimina o direito pelo desaparecimento da tutela legal. Na primeira, nasce o direito e pelo nascimento do direito, fenece a ação; na segunda, fenece a ação e, pelo fenecimento da ação, desaparece o direito. (grifo nosso)

            O Código Civil Brasileiro de 1916 também considerava a prescrição como a perda da ação. Apesar de não apresentar o conceito claramente, ao definir os prazos prescricionais determinava, por exemplo, em seu artigo 177, com redação dada pela lei 2.437/55 que:

            as ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes, em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas.

            Numa concepção jurídica, o agir seria atuar em juízo. A visão de que a prescrição pode ser considerada como a perda da ação não se concilia com o conceito de ação, vista como um direito público, subjetivo, abstrato, autônomo e instrumental.

            A própria Constituição Federal determina, em seu artigo 35 que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito." (VADEMECUM, 2006, p. 50).

            Assim, devido à sua autonomia, o direito de ação pode ser exercitado mesmo se a parte não estiver amparada pelo direito que discute, não se confundindo, portanto, ação com o próprio direito material e, pelo fato de ser abstrato, independe da existência do direito material controvertido. (THEODORO JÚNIOR, 2006).

            Esclarece o ilustre Wambier (2005, p. 126) que:

            podemos conceituar o direito de ação como o direito público, subjetivo e abstrato, de natureza constitucional, regulado pelo Código de Processo Civil, de pedir ao Estado-juiz o exercício da atividade jurisdicional no sentido de solucionar determinada lide

            Desta forma, o interessado pode pleitear em juízo determinada demanda na qual o direito esteja prescrito e, mesmo assim, terá exercido o seu direito de ação. A perda da ação ocorrerá nos casos em que não ficar evidenciada uma das condições da ação, ou seja, possibilidade, legitimidade e interesse de agir, do contrário, a parte simplesmente não terá logrado êxito em seus pedidos pleiteados em determinada ação.


5 A PRESCRIÇÃO COMO EXTINÇÃO DA PRETENSÃO

            A concepção mais aceita atualmente surgiu a partir do artigo publicado por Agnelo Amorim Filho, no qual apresentou distinções entre prescrição e decadência e afirmou que estarão sujeitas à prescrição as pretensões exercitáveis mediante ações condenatórias. Assim, identificou que a prescrição está ligada a direitos a uma prestação, que podem ser violados, fazendo surgir uma pretensão e, consequentemente, um poder e faculdade de exigir em juízo a prestação. Todavia, para o jurista a prescrição extinguiria a pretensão, já que esta deixaria de ser exigível em juízo. (AMORIM FILHO, 1960).

            O novo código civil adotou claramente esse critério, ligando a prescrição à pretensão. Define o artigo 192 que "violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206." (VADEMECUM, 2006, p. 234).

            Nery Júnior (2003, p. 259), conceitua a prescrição como "causa extintiva da pretensão de direito material pelo seu não exercício no prazo estipulado pela lei." O referido jurista afirma que o melhor critério utilizado para distinguir prescrição de decadência é o proposto por Agnelo Amorim Filho.

            Pereira (2005, p. 682) afirma que "pela prescrição, extingue-se a pretensão, os prazos que a lei estabelece"

            A palavra pretensão sempre é vista nos nossos dicionários no sentido de desejar, querer, solicitar, almejar a efetivação de um direito, prevalecendo sempre um caráter subjetivo do termo. Ferreira (2001, p. 592) apresenta o significado da expressão pretensão como "ato ou efeito de pretender. Direito suposto e reivindicado". No mesmo sentido, Diniz (2005, p. 822) conceitua a expressão como "invocação pelo titular de um direito violado, da prestação que lhe é devida, em juízo, exigindo sua tutela jurisdicional. Trata-se do pedido ou objeto da ação em sentido material exarado na petição inicial."

            Assim, pretensão constitui a aspiração da parte, manifestada através do pedido, do requerimento que constituirá o objeto da ação judicial.

            O professor Pinho (2006, p. 2), de forma brilhante, afirma que a pretensão consiste no poder de exigir de alguém, seja judicial ou extrajudicialmente, o cumprimento de uma obrigação. Afirma o professor que:

            Pretensão, por sua vez, é o poder conferido a alguém que seja titular de um direito, de exigir uma conduta comissiva ou omissiva de outrem. O conceito de pretensão vem intimamente ligado ao do direito subjetivo. Este termo tem maior relevância no aspecto processual, na medida em que a pretensão, se não é atendida voluntariamente, acaba por ser deduzida em juízo, dando causa à instauração de uma lide, ou seja, um conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida.

            A pretensão, portanto, passa a existir a partir do momento em que alguém se sentir injustiçado com determinada situação, o que pode ensejar a tentativa de solução do problema por meios extrajudiciais ou judiciais, entretanto, mesmo antes da propositura de uma demanda, já existe a pretensão de ver solucionada a questão e, mesmo após a propositura de uma demanda, independente da decisão, pode prevalecer a pretensão.

            A impossibilidade de exigir judicialmente um direito não significa extinguir uma pretensão. O resultado alcançado através do processo não vai interferir na existência da pretensão, já que esta está ligada ao campo subjetivo do direito material. Após a propositura de uma ação e a instauração do processo, mesmo que seja reconhecida a prescrição de ofício pelo magistrado, continua existindo a pretensão, apesar de não poder mais ser exigida nenhuma atitude estatal no sentido de reconhecer um direito e ver efetivada determinada pretensão. Também, o próprio reconhecimento judicial de um direito não garante a efetivação de uma pretensão. Caso seja julgado procedente um pedido, havendo o inadimplemento por parte do sucumbente, o vencedor poderá requerer o cumprimento da sentença, nos termos do novo artigo 475-J do Código de Processo Civil; entretanto, caso não existam bens em nome do executado, não será efetivada a pretensão do credor, apesar de garantida judicialmente.

            A pretensão, portanto, pressupõe a existência de um direito e de uma vontade manifesta de exigi-lo. Como preleciona Bollman (2006, p. 3): "a "Pretensão" poderia ser definida como o poder exigir de outrem, mesmo que extrajudicialmente, uma prestação."


6 UMA NOVA CONCEPÇÃO SOBRE O CONCEITO DE PRESCRIÇÃO: FATOR QUE IMPEDE JUDICIALMENTE O RECONHECIMENTO E EFETIVAÇÃO DE UMA PRETENSÃO.

            Uma análise reflexiva sobre o instituto da prescrição, levando-se em consideração sua ocorrência e suas conseqüências no que se refere à possibilidade de ver uma pretensão garantida em juízo, nos permite apresentar uma nova visão sobre o conceito de prescrição.

            O fato de existir um dispositivo legal prevendo a ocorrência da prescrição em determinado lapso temporal não impede a propositura de uma ação em juízo, discutindo acerca daquela situação controvertida. Assim, se é possível ingressar em juízo para discutir o mérito da causa, mesmo que o juiz reconheça de ofício a prescrição, foi exercido o direito de ação e, na ocorrência dessa provocação judicial, foi manifestada em juízo a pretensão.

            A pretensão está voltada para um caráter subjetivo, um anseio, uma aspiração, uma vontade, que não será simplesmente extinta a partir do momento que o juiz reconhecer a prescrição. A pretensão, portanto, prevalece; entretanto, não poderá ser exercido o direito material decorrente de determinada pretensão, por ter transcorrido o lapso temporal que permitia sua efetivação.

            Após a propositura da ação será instaurado o processo, que será formado por um conjunto de atos e fatos processuais. Os atos de obtenção praticados pelas partes, por sua vez, visam sempre a satisfação de uma pretensão manifestada nos autos. O autor, em determinada ação, busca a efetivação de um direito a partir do momento em que deduz em juízo uma pretensão, uma vontade, um direito do qual acredita ser detentor.

            Tanto é verdade que a prescrição não é a perda da pretensão que, caso o juiz reconheça a prescrição e a parte devedora de determinada obrigação se disponha a cumpri-la espontaneamente terá, portanto, sido satisfeita a pretensão. Se dois inimigos, por exemplo, que litigavam sobre um direito de crédito, após a sentença que reconheça a prescrição, o devedor venha a pagar o credor, a pretensão terá sido satisfeita.

            Teodoro Júnior (2006, p. 71) esclarece sobre direito material, ação e pretensão, ao concluir que a pretensão só será acolhida se, após o exercício do direito de ação e a instauração do processo, ficar comprovado o direito material pleiteado. Afirma o jurista que "o exercício do direito de ação revela a pretensão do autor, por meio da qual este quer subjugar um interesse antagônico do réu" e complementa:

            O direito de ação é abstrato: isto é, não depende do direito subjetivo material do autor. O juiz se pronunciará sobre o mérito e comporá a lide, tenha ou não o autor o direito substancial invocado, bastando para tanto a concorrência das condições ou pressupostos do direito de ação. Mas, a pretensão (traduzida no processo pelo pedido formulado na petição inicial) só será acolhida se se provar, nos autos, que o autor realmente detém o direito subjetivo substancial oposto ao réu." ( THEODORO JÚNIOR, 2006, p. 71).

            O autor, portanto, ao ajuizar uma demanda, nada mais faz do que "deduzir perante o órgão judicial a pretensão que não foi voluntariamente atendida pelo réu", que será ou não acolhida dependendo do direito material do mesmo (Theodoro Júnior, 2006, p. 71).

            A pretensão não pode ser considerada como perda da pretensão por um outro argumento simples e objetivo: a prescrição pode ser suspensa ou interrompida, nos termos da nossa legislação civil. Não é razoável aceitar que haveria uma hipótese de suspensão ou interrupção de uma pretensão. Assim, a prescrição deve ser vista como um fenômeno processual impeditivo de apreciação judicial acerca de determinada pretensão e não como extinção desta.

            Pereira (2005, p. 683) afirma que "no campo doutrinário há que se estabelecer por que motivo um direito subjetivo deixa de ser exigível por haver perdido o titular a pretensão judicialmente exigível". Apesar do jurista ora mencionado afirmar ser a prescrição a perda da pretensão, colabora significativamente para a tese ora defendida neste texto ao fazer referência à expressão exigibilidade. A não exigibilidade não pressupõe necessariamente perda do direito, assim como não significa perda da pretensão, mas sim, perda da possibilidade de se ver garantida em juízo determinada pretensão a partir do reconhecimento de um direito manifestado através do exercício do direito de ação.

            Como a prescrição não pressupõe a perda do direito, também não pressupõe a perda da pretensão, que somente deixa de ser exigível judicialmente. Nader(1996, p. 367), também demonstra o mesmo entendimento ao afirmar que "com ela, o direito não desaparece, mas fica sem meios de se obter a proteção judicial, em decorrência da inércia de seu titula, que não movimentou o seu interesse em tempo hábil."

            Também Diniz (2003), aceitando a tese defendida por Câmara Leal, entende ser a prescrição a perda da ação, mas dá valorosa contribuição para a argumentação da presente tese defendida afirmando que a existência desta constitui um dos requisitos da prescrição e esclarecendo acerca da origem e natureza da pretensão, deixando bem evidente que a existência da pretensão não pressupõe necessariamente uma ação judicial:

            "deveras, violado o direito pessoal ou real nasce a pretensão (ação material) contra o sujeito passivo; com a recusa deste em atender a pretensão, nasce a ação processual, com a qual se provoca a intervenção estatal, que prescreverá se o interessado não a mover." (DINIZ, 2003, p. 340).

            É importante salientar que a prescrição não anula ou extingue a obrigação do devedor, mas poderia apenas impedir a responsabilização do mesmo, já que a fase de execução no ordenamento jurídico brasileiro é patrimonial. A prescrição também não extingue a pretensão do credor, já que será válido o pagamento voluntário da dívida prescrita, cuja restituição não pode vir a ser reclamada em juízo conforme determina o art. 882 do Código Civil Brasileiro. (VADEMECUM 2006, p. 279).

            Não se pode, entretanto, confundir pretensão e direito. A existência de uma pretensão pressupõe a existência de um direito, mas não fica adstrito a este. A prescrição, portanto, não extingue direitos.

            A pretensão de direito material existe muito antes da ação e antes de qualquer processo. A impossibilidade de se valer da prestação jurisdicional não impede ou elimina a pretensão material, mas pode impedir o prosseguimento de determinada ação, o direito de continuar agindo ou a existência de uma relação jurídica processual.

            Assim, é proposto um novo conceito de prescrição: a perda da possibilidade de se ter, judicialmente reconhecida uma pretensão ou garantida a efetivação de uma pretensão, devido à inércia do titular durante um período de tempo previamente definido em lei.


7 ARGÜIÇÃO E RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO

            O instituto da prescrição é importante, pois contribui para a segurança jurídica. Como afirmou Dantas (1977, p. 397, apud CASSALES, 2004, p.13):

            A prescrição assegura que, daqui a diante, o inseguro é seguro; quem podia reclamar não mais pode. De modo que, o instituto da prescrição tem suas raízes numa das razões de ser da ordem jurídica: estabelecer a segurança nas relações sociais – fazer com que o homem possa saber com o que conta e com o que não conta.

            Com o advento da nova lei 11.280/06 que alterou o art. 219, parágrafo 5º do Código de Processo Civil e revogou o art. 194 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil Brasileiro, a prescrição poderá ser reconhecida de ofício pelo juiz, a qualquer tempo e em qualquer situação, sendo ou não direitos patrimoniais. Dispõe a nova redação dada ao parágrafo 5 º do art. 219 do Código de processo Civil que: "o juiz pronunciará, de ofício, a prescrição." (BRASIL, 2006, p. 2).

            Antes da nova lei, somente para beneficiar absolutamente incapaz é que o juiz poderia reconhecer a prescrição sem a provocação do interessado, independente da matéria ser relacionada a direito disponível ou indisponível.

            Prevalece a possibilidade da mesma ser argüida e/ou reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, conforme determina o código civil em seu artigo 193 (VADEMECUM, 2006, p. 235).

            Em qualquer hipótese, sendo reconhecida a prescrição em juízo, o magistrado resolverá a lide com apreciação do mérito, nos termos do artigo 269 do código de processo civil (VADEMECUM, 2006), não permitindo, portanto, após o trânsito em julgado, a reapreciação da demanda por parte do órgão jurisdicional.


8 CONCLUSÃO

            A pretensão não pode ser vista como ação, mas esta sim, representaria a manifestação daquela através dos pedidos.

            A não exigibilidade de um direito material não pressupõe necessariamente perda do direito, assim como não significa perda da pretensão, mas sim, perda da possibilidade de ver garantida em juízo determinada pretensão a partir do reconhecimento de um direito manifestado através do exercício do direito de ação.

            Assim, a prescrição não pode ser vista como extintiva da pretensão, mas sim, apenas como fator que impede o reconhecimento e a efetividade de um direito pela via judicial. Nesse contexto, a prescrição não seria a perda do direito material, nem do direito de ação, nem da pretensão, mas seria definida como a perda da possibilidade de se ver garantida em juízo a efetivação de uma pretensão devido à inércia do titular durante um período de tempo previamente definido em lei.

            O tempo, que faz nascer relações e situações jurídicas, muitas vezes impera em desfavor do titular de um direito, que deve exercer seu direito de ação em certo tempo previsto em lei, sob pena de não poder mais exigir um provimento jurisdicional.

            Uma pretensão demonstra a mais sincera aspiração do ser humano, que nasce pelo senso individual de justiça e vigora pelo vivo e constante sentimento de esperança. E esses elementos fazem nascer a luta por um direito. Como dizia Ihering (2004, p. 41) o direito é uma luta e "a luta pelo direito é um dever do titular para consigo mesmo". Lutar por um direito enaltece o ser humano e é essa luta que vai manter viva a esperança de se efetivar uma pretensão e de se alcançar justiça.


REFERÊNCIAS

            AMORIM FILHO, A. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais. Ano 49, vol. 300. São Paulo: RT, 1960.

            BRASIL. Lei 11.280 de 16 de fevereiro de 2006. Congresso Nacional. Brasília, fev. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/ Ato2004-2006/2006/Lei/L11280.htm>. Acesso em: 08 abr. 2006

            ______. Lei 3.071 de 1 de janeiro de 1916. Brasília, jan. 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil 03/L3071.htm> Acesso em: 07 abr. 2006

            BOLLMANN. V. E SEVERO, G. P. Prescrição e decadência no direito previdenciário: a inconstitucionalidade do caput do art. 103 da lei nº 8.213/91. Ajufe. Brasília, set. 2003. Disponível em: <http://www.ajufe.org.br/index.php?ID_MATÉRIA=637> Acesso em: 05 abr. 2006.

            CASSALES, L. D. Da prescrição, perempção e decadência administrativas. Revista de Doutrina 4ª Região. Rio de Janeiro, out. 2004. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/administrativo/luiza_cassales.htm> Acesso em: 05 abr. 2006.

            COSTA, G. R. Critério distintivo da prescrição e decadência. Justilex. Brasília, ano IV, nº 41, p. 39-40, maio 2005.

            DINIZ. M. H. Dicionário jurídico. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v.1.

            ______. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v.1.

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Autor

  • Luciano Souto Dias

    Luciano Souto Dias

    Professor titular de Direito Processual Civil e Prática de Processo Civil na Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce – FADIVALE e de pós-graduação em Minas Gerais, Espírito santo e Bahia. Mestre em Direito Público, especialista pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil. Conciliador-Orientador do TJMG. Palestrante e autor de diversos artigos e ensaios jurídicos. Advogado civilista.

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DIAS, Luciano Souto. Uma nova concepção acerca do conceito de prescrição na legislação civil brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1282, 4 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9352. Acesso em: 23 abr. 2024.