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Exercício do direito de voto nas companhias: voto plural e voto múltiplo.

Alterações da Lei 6.404/1976 pela Lei 14.195/2021

Exercício do direito de voto nas companhias: voto plural e voto múltiplo. Alterações da Lei 6.404/1976 pela Lei 14.195/2021

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O texto cuida dos direitos de voto plural e de voto múltiplo dos acionistas das companhias, de acordo com as alterações da Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações) pela Lei 14.195/2021.

Direito ao voto plural.

A correspondência entre o número das ações e o número de votos que podem ser exercidos pelos seus titulares está estabelecida, basicamente, no artigo 110 da LSA.

Conforme estabelecido por este dispositivo, no silêncio do estatuto da companhia, cada ação confere ao seu titular o direito a um voto (art. 110, caput, da LSA). A despeito disso autoriza-se que o estatuto da companhia preveja limitações ao número de votos de cada acionista (art. 110, §1º da LSA).

A LSA, de outro lado, proibia expressamente a atribuição de voto plural, independentemente da natureza ou espécie de ação. Vedava-se, portanto, a criação de classes de ações com direito ao voto plural.

Essa proibição, contida no art. 110, §2º, da LSA, foi excluída pela Lei nº 14.195/2021, que revogou o dispositivo.  

A partir de agora, por previsão expressa do art. 110-A da LSA, as companhias fechadas poderão criar uma ou mais classe de ações ordinárias com atribuição de voto plural, desde que não se supere 10 (dez) votos por ação.[1]

A permissão também alcança as companhias abertas, mas desde que a classe de ações com voto plural, ou de títulos conversíveis em ações dessa natureza, seja criada antes da negociação dos títulos no mercado organizado de valores mobiliários.  Logo, nas companhias abertas a atribuição de voto plural deve ser feita sempre antes da negociação das próprias ações ou de títulos que possam ser convertidos nelas (e.g. uma debênture conversível em ação com direito de voto plural).

No que se refere ao consentimento dos sócios, a criação de classe de ações ordinárias com atribuição do voto plural condiciona-se à aprovação, cumulativa, de acionistas que representem, metade, no mínimo, do total de votos conferidos pelas ações com direito a voto e, metade, no mínimo, das ações preferenciais sem direito a voto (ou com restrição a direito de voto). A aprovação por ambas as classes de acionistas, pelo quórum mencionado, deverá ocorrer em uma única assembleia especial, convocada para esses fins, segundo as formalidades legais. É possível, a despeito disso, que o estatuto imponha quórum maior para essa deliberação.

O acionista dissidente, que não concordar com a criação da classe de ação com voto plural, terá direito de retirar da companhia e, por conseguinte, ser reembolsado do valor de suas ações, conforme os parâmetros assentados no art. 45 da LSA. O direito de retirada do dissidente não poderá ser exercido, no entanto, se a criação da classe de ações ordinárias com atribuição de voto plural já estiver prevista ou autorizada pelo estatuto.

As entidades responsáveis pela regulamentação do mercado, notadamente a Comissão de Valores Mobiliários deverá estabelecer regras que garantam transparência segurança jurídica das negociações relativas a companhias cujas ações atribuam direito ao voto plural. Para isso, além de outras medidas, será necessário providenciar mecanismos de oferta de informações atualizadas sobre as companhias que adotam voto plural e a admissão dos seus valores mobiliários nas listagens dos respectivos mercados organizados

Ainda como forma conferir mais segurança jurídica e estabilidade ao mercado, os direitos e condições atribuídas aos títulos com voto plural não podem ser ampliados depois que os títulos estiverem sendo negociados nos mercados organizados de valores mobiliários. A vedação, é claro, não se aplica à hipótese de reduzir de direitos e vantagens. Logo, mesmo que os títulos já estejam sendo negociados, poderá haver modificação de suas condições se essas alterações implicarem reduções das vantagens ou direitos relacionados ao voto plural.

Outra previsão interessante incluída na LSA é a faculdade de previsão estatutária de exclusão do direito de voto plural condicionada a evento futuro (certo ou incerto).

De acordo com o §6º do art. 110-A da LSA, os acionistas poderão estabelecer no estatuto social que o direito de voto plural seja submetido a condição ou termo: “É facultado aos acionistas estipular no estatuto social o fim da vigência do voto plural condicionado a um evento ou a termo [...]. ”

Se consideramos que o dispositivo se refere ao “fim da vigência do voto”, deve-se entender que a autorização recai apenas sobre uma condição resolutiva ou a um termo final.

Enquanto a condição (suspensiva ou resolutiva) se expressa por uma cláusula que, derivada exclusivamente da vontade das partes, subordinaria o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto (art. 121 do Código Civil), o termo subordina o exercício do direito a um evento certo.

Pela interpretação literal do art. 110-A, §6º, estaria afastada a possibilidade de estipulação de uma condição suspensiva, que subordinaria a aquisição do direito de voto à superveniência de um evento futuro e incerto[2], ou de um termo inicial, que suspenderia o exercício (não a aquisição) do direito de voto a um evento futuro e certo.[3]

Como o artigo citado refere-se “ao fim da vigência de voto”, admite-se que os acionistas prevejam no estatuto social uma condição resolutiva, que, enquanto não realizada, assegura a plena vigência do direito de voto plural.[4] Sobrevindo a condição resolutiva, no entanto, o direito de voto plural será extinto para todos os efeitos.[5] No que concerne ao termo final, extinção do direito de voto poderia ser condicionada à superveniência de um evento futuro e certo, de modo semelhante ao que se passa com a condição resolutiva.[6]

Não obstante a possibilidade condicionar a exclusão do direito de voto plural a evento futuro, por condição resolutiva ou termo final, o §7º do art. 110-A define que, no caso das ações ordinárias, inexistindo previsão em sentido diverso, o voto plural terá vigência inicial de até 7 (sete) anos, prorrogável por qualquer prazo, desde que observados os quóruns de aprovação indicados acima. Além disso, nas deliberações sobre prorrogações de prazos não será admitida a participação de titulares de ações cujos direitos de voto plural seriam abrangidos pela dilação. Essa regra visa impedir que os acionistas diretamente interessados na aprovação participem das deliberações sobre a prorrogação dos prazos.

 Mesmo que observadas as formalidades assinaladas, se houver prorrogação dos prazos de vigência dos direitos ao voto plural, os acionistas dissidentes, exceto no caso de prévia autorização estatutária, poderão se retirar da companhia e, em virtude do exercício do direito de retirada, exigir o reembolso do valor das ações[7], conforme os parâmetros definidos no art. 45 da LSA.[8]

Referência estatutária acerca do direito de voto plural.  

Para garantir o equilíbrio e a segurança jurídica das relações societárias, além do número de ações de cada espécie e classe da companhia, de acordo com o capital social, o estatuto deve indicar, se for o caso, ao menos o número de votos atribuído a cada ação ordinária, conforme a classe a que pertencer, o prazo de duração do voto plural, o eventual quórum qualificado para deliberar sobre as prorrogações e as eventuais condições estabelecidas para o fim da vigência do voto plural.    

Perda do direito de voto plural.

 O legislador impôs algumas regras de conversão compulsória de ações com direito a voto plural, conforme a orientação disposta no art. §8º do art. 110-A. Configurada alguma das hipóteses assinaladas, as ações com direito ao voto plural serão automaticamente convertidas em ações ordinárias sem esse direito. Isso ocorrerá, em primeiro lugar, quando acionistas com direito de voto plural, juntamente com acionistas sem esse direito, estabelecerem regras, em acordo com contrato, que conferem exercício conjunto do direito de voto. Nesse caso, os acionistas titulares das ações com voto plural perderão esse direito.

Em segundo lugar, como regra, os acionistas perderão o direito do voto plural quando as ações forem transferidas a terceiros, independentemente da forma de transferência. No caso de transferência, o direito ao voto plural só será mantido em três situações:  i) se o alienante permanecer como titular e se mantiver no controle dos direitos políticos relativos ao título; ii) se o terceiro adquirente figurar como titular de ações com voto plural da mesma classe dos títulos transferidos; ou   ii) se a transferência for realizada sob o regime de titularidade fiduciária, para fins de constituição do depósito centralizado. 

Exclusão da incidência das regras que versam sobre o voto plural.

A empresas públicas, as sociedades de economia mista, ou suas subsidiárias, e as sociedades controladas direta ou indiretamente pelo poder público não se submetem às regras definidas na LSA sobre o voto plural.[9]   

O voto plural também não poderá ser adotado nas deliberações que versem sobre a remuneração dos administradores ou sobre a celebração de transações com partes relacionadas, segundo os critérios de relevância definidos pela Comissão de Valores Mobiliários[10].    

Limites ao exercício do direito de voto plural.

Ainda que haja classe de ações que assegurem o direito ao voto plural, nos casos em que a lei estabelecer quóruns específicos com base em percentual de ações (ou com base no percentual do capital social), sem fazer referência expressa ao número de votos conferidos pelas ações, para cálculo do quórum serão desconsiderados os votos plurais das ações. Nessas hipóteses considera-se a regra geral de que cada ação confere direito a um voto.[11]  

Proibição de exclusão do direito do voto plural em algumas operações societárias.

Para garantir o emprego adequado do voto plural, o legislador estabeleceu algumas regras especialmente destinadas às operações societárias. Nesse sentido, de acordo com o art. 110-A, § 11, será proibida a realização de operações de incorporação, de incorporação de ações e de fusão de companhia aberta que não adote voto plural, e cujas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações sejam negociados em mercados organizados, em companhia que adote voto plural. Também será vedada a realização de operação de cisão de companhia aberta que não adote voto plural, e cujas ações ou valores mobiliários conversíveis em ações sejam negociados em mercados organizados, para constituição de nova companhia com adoção do voto plural, ou incorporação da parcela cindida em companhia que o adote.  

São essas, portanto, as particularidades mais importantes acerca do direito ao voto plural.

Voto múltiplo.

Não se esqueça que o voto múltiplo já era admitido antes mesmo das recentes alterações legislativas acerca do voto plural. 

O legislador já permitia que, observadas algumas condições, nos termos do art. 141 da LSA, o titular de uma única ação votasse mais uma vez nas eleições para preenchimento de cargos da administração.

De acordo com a nova redação do art. 141 da LSA, conferida pela Lei nº 14.195/2021, na eleição dos conselheiros, os acionistas que representem, no mínimo, 10% (dez por cento) do capital social com direito a voto (independentemente de previsão no estatuto), podem solicitar a doção do processo de voto múltiplo.

Pelo processo de voto múltiplo o número de votos de cada ação será multiplicado pelo número de cargos a serem preenchidos.

Nesse caso, ao exercer o direito do voto múltiplo o acionista poderá cumular os votos em um só candidato ou distribuí-los entre vários[1].   


[1] Art. 141. Na eleição dos conselheiros, é facultado aos acionistas que representem, no mínimo, 10% (dez por cento) do capital social com direito a voto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a adoção do processo de voto múltiplo, por meio do qual o número de votos de cada ação será multiplicado pelo número de cargos a serem preenchidos, reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos em um só candidato ou distribuí-los entre vários.    (Redação dada pela Lei nº 14.195, de 2021). Redação anterior: Art. 141. Na eleição dos conselheiros, é facultado aos acionistas que representem, no mínimo, 0,1 (um décimo) do capital social com direito a voto, esteja ou não previsto no estatuto, requerer a adoção do processo de voto múltiplo, atribuindo-se a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do conselho, e reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos num só candidato ou distribuí-los entre vários.


[1] Art. 110. A cada ação ordinária corresponde 1 (um) voto nas deliberações da assembléia-geral. § 1º O estatuto pode estabelecer limitação ao número de votos de cada acionista. § 2º É vedado atribuir voto plural a qualquer classe de ações. (Revogado pela Lei nº 14.195, de 2021)

[2] Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa. Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.

[3] Art. 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.

[4] Código Civil: Art. 127. Se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.

[5] Aplicam-se as regras do art. 128 do Código Civil: Art. 128. Sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe; mas, se aposta a um negócio de execução continuada ou periódica, a sua realização, salvo disposição em contrário, não tem eficácia quanto aos atos já praticados, desde que compatíveis com a natureza da condição pendente e conforme aos ditames de boa-fé.

[6] Art. 135. Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva e resolutiva.

[7] Art. 110-A, § 2º. Nas deliberações de que trata o § 1º deste artigo, será assegurado aos acionistas dissidentes o direito de se retirarem da companhia mediante reembolso do valor de suas ações nos termos do art. 45 desta Lei, salvo se a criação da classe de ações ordinárias com atribuição de voto plural já estiver prevista ou autorizada pelo estatuto.

[8] Art. 45. O reembolso é a operação pela qual, nos casos previstos em lei, a companhia paga aos acionistas dissidentes de deliberação da assembléia-geral o valor de suas ações. § 1º O estatuto pode estabelecer normas para a determinação do valor de reembolso, que, entretanto, somente poderá ser inferior ao valor de patrimônio líquido constante do último balanço aprovado pela assembléia-geral, observado o disposto no § 2º, se estipulado com base no valor econômico da companhia, a ser apurado em avaliação (§§ 3º e 4º). § 2º Se a deliberação da assembléia-geral ocorrer mais de 60 (sessenta) dias depois da data do último balanço aprovado, será facultado ao acionista dissidente pedir, juntamente com o reembolso, levantamento de balanço especial em data que atenda àquele prazo. Nesse caso, a companhia pagará imediatamente 80% (oitenta por cento) do valor de reembolso calculado com base no último balanço e, levantado o balanço especial, pagará o saldo no prazo de 120 (cento e vinte), dias a contar da data da deliberação da assembléia-geral. § 3º Se o estatuto determinar a avaliação da ação para efeito de reembolso, o valor será o determinado por três peritos ou empresa especializada, mediante laudo que satisfaça os requisitos do § 1º do art. 8º e com a responsabilidade prevista no § 6º do mesmo artigo. § 4º Os peritos ou empresa especializada serão indicados em lista sêxtupla ou tríplice, respectivamente, pelo Conselho de Administração ou, se não houver, pela diretoria, e escolhidos pela Assembléia-geral em deliberação tomada por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco, cabendo a cada ação, independentemente de sua espécie ou classe, o direito a um voto.  § 5º O valor de reembolso poderá ser pago à conta de lucros ou reservas, exceto a legal, e nesse caso as ações reembolsadas ficarão em tesouraria. § 6º Se, no prazo de cento e vinte dias, a contar da publicação da ata da assembléia, não forem substituídos os acionistas cujas ações tenham sido reembolsadas à conta do capital social, este considerar-se-á reduzido no montante correspondente, cumprindo aos órgãos da administração convocar a assembléia-geral, dentro de cinco dias, para tomar conhecimento daquela redução. § 7º Se sobrevier a falência da sociedade, os acionistas dissidentes, credores pelo reembolso de suas ações, serão classificados como quirografários em quadro separado, e os rateios que lhes couberem serão imputados no pagamento dos créditos constituídos anteriormente à data da publicação da ata da assembléia. As quantias assim atribuídas aos créditos mais antigos não se deduzirão dos créditos dos ex-acionistas, que subsistirão integralmente para serem satisfeitos pelos bens da massa, depois de pagos os primeiros. § 8º Se, quando ocorrer a falência, já se houver efetuado, à conta do capital social, o reembolso dos ex-acionistas, estes não tiverem sido substituídos, e a massa não bastar para o pagamento dos créditos mais antigos, caberá ação revocatória para restituição do reembolso pago com redução do capital social, até a concorrência do que remanescer dessa parte do passivo. A restituição será havida, na mesma proporção, de todos os acionistas cujas ações tenham sido reembolsadas.

[9] 110-A, § 14.

[10] 110-A, § 12.

[11] Art. 110-A, § 9º. Quando a lei expressamente indicar quóruns com base em percentual de ações ou do capital social, sem menção ao número de votos conferidos pelas ações, o cálculo respectivo deverá desconsiderar a pluralidade de voto.   


Autor

  • Antonio Evangelista de Souza Netto

    Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA NETTO, Antonio Evangelista de. Exercício do direito de voto nas companhias: voto plural e voto múltiplo. Alterações da Lei 6.404/1976 pela Lei 14.195/2021. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6673, 8 out. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/93540. Acesso em: 28 mar. 2024.