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Considerações acerca da disciplina dos crimes de furto, roubo e extorsão no Código Penal Brasileiro

Considerações acerca da disciplina dos crimes de furto, roubo e extorsão no Código Penal Brasileiro

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O direito penal material, como é sabido, tem por uma de suas finalidades aquela que se refere à proteção da pessoa humana. Assim, é de se salientar que o fundamento básico de todas as sanções penais previstas encontra-se na Constituição Federal, em seu artigo 1º, III: a dignidade da pessoa humana. Mas não é só. O princípio basilar da dignidade da pessoa humana é o fundamento de todos os direitos e garantias fundamentais, de modo que estes, direta ou indiretamente, vão remontar a ele.

Quando tratamos de crimes contra o patrimônio, faz-se necessário colhermos na ordem constitucional brasileira aqueles direitos que dão fundamento à penalização ao desrespeito dirigido contra o patrimônio das pessoas. Mas antes, é preciso estabelecer-se o que vem a ser patrimônio.

Patrimônio é tudo aquilo que possui valor econômico, isto é, é o plexo das relações jurídicas de um sujeito apreciáveis economicamente, podendo ser direitos reais ou direitos obrigacionais. Assim, qualquer relação jurídica que gere efeitos econômicos (incluindo tanto elementos ativos como passivos) é denominada patrimonial, haja vista que tais efeitos afetarão (positiva ou negativamente) o patrimônio de pelo menos uma pessoa.

Quanto aos direitos presentes na Carta Constitucional, o principal é o direito à inviolabilidade da propriedade, presente no caput do artigo 5º. Há que se observar que a propriedade à qual se refere o texto constitucional é, por uma questão de interpretação sistemática, tanto a patrimonial como a extrapatrimonial. Nos delitos que analisaremos a seguir a propriedade deve ser entendida sob um viés patrimonial.

São crimes contra o patrimônio: o furto (artigos 155 e 156), o roubo (artigo 157), a extorsão (artigos 158, 159 e 160), a usurpação (artigos 161 a 162), o dano (artigos 163 a 167), a apropriação indébita (artigo 168 a 170), o estelionato e outras fraudes (artigos 171 a 179), a receptação (artigo 180) [01].

Há que se fazer algumas observações acerca dos artigos 181 a 183 do Código Penal, os quais são aplicáveis a todos os crimes previstos no título sobre Crimes contra o patrimônio (artigo 155 a 183).

O artigo 181 estabelece a escusa absolutória, confirmando a existência do crime, mas isentando de pena o sujeito ativo que cometa crime contra o patrimônio: de seu cônjuge, na constância da sociedade conjugal; de ascendente ou descendente seu, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.

O artigo 182, por sua vez, torna a ação pública de iniciativa pública incondicionada, que é a regra nos crimes contra o patrimônio, em ação pública de iniciativa pública condicionada à representação, caso o crime contra o patrimônio seja cometido em prejuízo: do cônjuge, consensual ou judicialmente separado; de irmão, legítimo ou ilegítimo; de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.

Por fim, o artigo 183 estabelece as exceções das exceções, de modo a prescreve que não serão aplicadas as regras postas pelos artigos 181 e 182 quando: o crime for de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando houver emprego de grave ameaça ou de violência à pessoa; quando o crime for praticado contra pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos. Também não serão aplicadas as regras dos artigos 181 e 182 ao estranho que participar do crime.

Estabelecidas tais regras, passamos à análise dos seguintes tipos penais conhecidos como Crimes contra o patrimônio: furto, roubo e extorsão.


FURTO

O furto simples, ou em seu tipo fundamental, encontra-se definido pelo artigo 155: subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Assim, o agente retira da vítima coisa qualquer. JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI afirma que na doutrina há três correntes sobre a tutela jurídica no delito de furto [02]. A primeira defende que a tutela é apenas em relação à propriedade da coisa. A segunda, que a tutela é apenas em relação à posse da coisa. E a terceira: a tutela jurídica se refere tanto à posse como à propriedade. Há ainda, a nosso ver, uma quarta corrente, a qual admite que a tutela jurídica abarca a posse, a propriedade e a detenção da coisa. BITENCOURT escreve que, além da posse e da propriedade da coisa, admite-se também "a própria detenção como objeto da tutela penal, na medida em que usá-lo, portá-lo ou simplesmente retê-lo representa um bem para o possuidor ou detentor da coisa [03]". A adoção de cada tese implicará principalmente no entendimento acerca da consumação do crime em estudo.

Acolhemos a quarta corrente, e entendemos que o crime se consumará mediante a subtração e conseqüente posse, direta ou indireta, propriedade ou detenção da coisa. Há doutrina que afirma que a consumação se dará mediante a presença de dois elementos: subtração e posse mansa e tranqüila da coisa. Data maxima venia, discordamos integralmente da necessidade da tal posse mansa e tranqüila da coisa, o legislador foi bem claro ao dizer que o crime de furto se dá com a subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel [04]. Note bem que as elementares estão bem claras: subtrair, coisa móvel alheia, para si ou para outrem; não faz o tipo penal qualquer outra exigência.

Basta, pois, o animus de subtrair a coisa, de modo que a posse, direta ou indireta, ou a propriedade sobre ela pode ter qualquer duração, mesmo que mínima, e, mesmo assim haverá o delito. É preciso notar que a subtração tem de ser feita em relação a uma coisa. Assim, preciso é que falemos acerca do momento consumativo do delito em epígrafe. BITENCOURT afirma que existem três correntes: a) para ocorrer consumação, basta o deslocamento da coisa; b) para ocorrer consumação, é preciso que a coisa seja afastada da esfera de vigilância da vítima; c) para ocorrer consumação, necessária se faz a posse mansa e tranqüila, mesmo que momentânea, da coisa [05].

Consideramos que o momento consumativo do delito de furto ocorrerá quando o agente passa a, pelo menos, deter a coisa, como se sua própria fosse [06]. Há, pois, uma inversão ilícita da detenção, posse ou propriedade da coisa. CAPEZ lista algumas hipóteses em que o delito de furto apresenta-se consumado: perda pelo agente do bem subtraído (é o caso em que o agente furta a coisa e, logo depois, a joga ao mar), prisão em flagrante, subtração de parte dos bens [07].

Surge, então, a questão da possibilidade da tentativa. Como se trata de delito material, a ilação é de que a tentativa é possível. Vislumbramos um exemplo: Tício, ao iniciar a execução do furto da bicicleta de Caio, é detido por Mélvio, vizinho de Caio. Isto é: a tentativa ocorrerá, haja vista que, por circunstâncias alheias à vontade de Tício, o furto não se consumou. A doutrina põe outras situações: produto com sistema antifurto, loja com fiscalização de seguranças, coisa com dispositivo antifurto, punguista que enfia a mão no bolso errado da roupa da vítima [08].

Situação interessante é aquela em que o agente furta a coisa, mas logo em seguida a lança ao mar: entendemos que o furto já se consumou. Ora, o agente subtraiu, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, ou seja, a situação fática se adequou ao substrato normativo: ocorreu o furto. Em suma: a consumação se dá com a subtração, seja para que fim for, seja por quanto tempo durar, desde que a conseqüência seja a inversão da posse, direta ou indireta, ou da propriedade da coisa.

Daí que a coisa, para que se configure o furto, deverá ser móvel. Necessário se faz apresentar o conceito legal de bem móvel: são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social, é o que prescreve o artigo 82 do Código Civil. Assim, fica clara a opção do legislador ao incluir o termo móvel como elementar do crime em epígrafe: se a coisa for imóvel, a sua subtração importará na alteração de sua substância, de sua estrutura ou de sua destinação econômico-social [09]. Estabelece BITENCOURT que, para o direito penal, coisa móvel tem a seguinte conceituação: "é todo e qualquer objeto passível de deslocamento, de remoção, apreensão, apossamento ou transporte de um lugar para outro", ao que complementa: os imóveis e os acessórios do imóvel, somente se, por qualquer meio, forem mobilizados, podem ser objeto de furto [10]. De forma geral, as coisas passíveis de furto são aquelas que são corpóreas e materiais.

Situação interessante é a do furto de energia. Estabelece o artigo 155, § 3º, do Código Penal: equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. Ao que melhor dispõe o artigo 83, I, do Código Civil: consideram-se móveis para os efeitos legais as energias que tenham valor econômico. Portanto, enxergando-se o ordenamento jurídico como um todo, as energias que tenham valor econômico não devem mais ser equiparadas às coisas móveis, haja vista que a lei já as considera coisas móveis. São energias que têm valor econômico: energia elétrica, energia nuclear, gás (por tubulação ou embotijamento), energia térmica, energia solar, energia mecânica, energia genética, energia intelectual exteriorizada, sinal de tv a cabo, dentre outros exemplos.

Surge um primeiro caso: ocorrência de furto de água. Há notícias de que o mesmo gato utilizado para furtar energia elétrica está sendo utilizado para furtar água. O tipo penal, neste caso de gato de água não é o de furto, e sim o de usurpação de águas (artigo 161, § 1º, I): desviar ou represar, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias [11].

Outro caso é aquele que se refere aos navios e às aeronaves. Os navios e as aeronaves não são bens imóveis [12], e também não há que se falar que são equiparados a bens imóveis quando sobre eles recai hipoteca: "hipoteca é um direito real, que recai sobre imóvel, navio ou aeronave, alheio, para garantir qualquer obrigação de ordem econômica [13]". Ora, há que se relembrar que a legislação atual prevê a hipoteca naval e a hipoteca de aeronaves. Estabelece o artigo 1.473, VI e VII, do Código Civil: podem ser objeto de hipoteca os navios e as aeronaves.

Portanto, já temos três elementares: subtração de coisa e coisa móvel. Apresentamos a quarta: a coisa, além de ser móvel, tem de ser alheia. Ora, se a coisa for própria, o delito será o de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no artigo 346: tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção. O conceito de coisa alheia é simples: coisa alheia é toda coisa que pertence a outrem.

Concordamos com NUCCI quando este argúi que a coisa que tem um valor meramente pessoal para a vítima não deva ser considerada objeto material do crime de furto [14]. Ora, a proteção dada pelo Código Penal gira em torno do patrimônio, ou seja, tudo aquilo que possui valor econômico, de modo que todas as outras coisas que, se subtraídas, não gerem qualquer grau de redução patrimonial para a vítima, não devem ser consideradas penalmente puníveis, cabendo apenas sua discussão em sede cível. Também não são abarcadas pelo Código Penal as situações que envolvam a subtração de coisas abandonadas (res derelicta), de coisas que não pertençam a ninguém (res nullius) e de coisas de uso comum (res commune omnium) como o sol e o ar, as quais não integram o patrimônio de vítima alguma.

O cadáver pode ser objeto material do crime em estudo caso tenha valor econômico e esteja na posse legítima de alguém. Inexistindo valor econômico, sobre a conduta de subtração de cadáver por incidir o artigo 211: crime contra o respeito aos mortos. Caso se trate de coisas perdidas (res deperdita), estas, se subtraídas, configuram o delito de apropriação, previsto no artigo 169, II.

Na hipótese de coisas de valor ínfimo, deve-se tomar bastante cuidado, para que não se confunda tal situação com aquela prevista no artigo 155, § 2º, em que a coisa deve ter pequeno valor [15]. Ora, no primeiro caso, trata-se da aplicação do princípio da insignificância (ou da bagatela); no segundo, de causa de diminuição de pena [16] – e isso faz uma imensa diferença. Pelo princípio da bagatela, infere-se que o direito penal não se ocupa de coisa de somenos importância. Por exemplo: Tício está em uma revendedora de automóveis e, ao assinar o contrato com o revendedor Mélvio, utiliza-se da caneta deste, mas, pensando pertencer-lhe, coloca-a em seu bolso.

Então há que se falar no furto famélico, o qual constitui estado de necessidade do agente, o qual subtrai gêneros alimentícios, os quais não representam qualquer acréscimo ao patrimônio do agente. É o famoso caso apresentado na literatura mundial por Victor Hugo, em sua célebre obra Os Miseráveis, em que Jean Valjean subtrai um pão para saciar a própria fome. A doutrina e a jurisprudência estão acordes, pelo menos em sua grande maioria, pela não-punibilidade do furto famélico.

Distinta situação é aquela da causa de diminuição de pena, prevista no artigo 155, § 2º, que reproduzimos: se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. O pequeno valor a que se refere o dispositivo legal, deve ser entendido como o valor da coisa, e não o valor do prejuízo sofrido, haja vista que, quando o legislador quer considerar o valor do prejuízo, traz isso expresso, como se pode depreender do artigo 171, § 1º: se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo. Assim, posiciona-se a corrente majoritária no sentido de que a coisa será considerada de pequeno valor quando for inferior ao salário mínimo vigente no país no momento do delito [17].

No caso do § 2º, para que o juiz, alternativamente, substitua a pena de reclusão pela pena de detenção, ou diminua de um a dois terços a pena de reclusão aplicada, ou ainda aplique apenas a pena de multa, é preciso que a equação prevista no dispositivo esteja completa. Portanto, o magistrado deve aplicar a diminuição, cabendo-lhe escolher apenas o modo de diminuição, desde que presentes duas variáveis: a coisa subtraída ser de pequeno valor e o criminoso ser primário.

Infere-se o conceito de primário negativamente: é primário aquele que não é reincidente. A reincidência é tratada pelo artigo 63: verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. De verificar-se que não se confunde a reincidência com os maus antecedentes, de modo que se o criminoso é primário, e tem maus antecedentes, haverá incidência do artigo 155, § 2º, desde que presente, também, o outro requisito.

Há, também, além da previsão de causas de diminuição, a previsão de causa de aumento, a qual é perfeitamente aplicável em concomitância com aquela [18]. Por exemplo: se o criminoso é primário, subtrai, durante o período de repouso noturno, coisa de pequeno valor econômico, o juiz deverá aumentar a pena de um terço e, simultaneamente, aplicar uma diminuição de pena, como a substituição da pena de reclusão pela pena de detenção.

Há que reproduzir a regra do § 1º: a pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno. Repouso noturno não é uma sinonímia de noite, trata-se de um elemento normativo do tipo, que vai incidir de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Vale reproduzir a lição de MAGALHÃES NORONHA, para o qual período de repouso noturno é aquele em que "a vida das cidades e dos campos desaparece, em que seus habitantes se retiram, e as ruas e as estradas se despovoam [19]".

O aumento da pena é válido, haja vista a diminuição da vigilância e dos meios de defesa daqueles que se encontram recolhidos à noite para repouso, mesmo que não estejam dormindo, de modo que a menor vigilância facilita o cometimento do delito de furto. Não consideramos, entretanto, o argumento de que aquele que comete o delito em estudo durante o período de repouso noturno mereça maior reprovabilidade. Ora, não foi essa a intenção do legislador ao prever tal causa de aumento de pena, isto porque, a legislação não surge da cabeça do legislador, e sim a partir de exemplos sociais concretos, e é patente que os crimes mais graves e cruéis estão sendo praticados à luz do dia: a temibilidade é maior, por óbvio, em relação àqueles que praticam crimes à luz do dia, em que o movimento é maior, assim como o policiamento [20].

Por fim, a quinta elementar: a subtração de coisa móvel alheia tem de ser efetuada para o próprio agente ou para outrem. Tal elementar traduz o desejo de o agente tomar posse ou tornar-se proprietário, mesmo que ilegitimamente, da coisa alheia: é, portanto, dolo específico, ou seja, vontade que o agente tem de subtrair coisa que não lhe pertence para proveito próprio ou de terceiro [21]. Com essa última elementar, fica auferido o elemento subjetivo do tipo delitual de furto: o dolo. Portanto, há o dolo geral, que é o animus de subtrair, e há o dolo específico, que é o animus de subtrair para si ou para outrem, ou seja, detenção, posse (direta ou indireta) e propriedade ilegítima.

Há uma situação interessante: o furto de uso, o qual consiste na retirada, pelo agente, para si ou para outrem, de coisa móvel alheia, para, ao depois, restituí-la ao proprietário ou possuidor. Há duas correntes: uma defende que o furto de uso é fato atípico e outra que o furto de uso é fato típico. LUIZ RÉGIS PRADO destaca que o legislador perdeu a oportunidade de tipificar o furto de uso, haja vista que é um comportamento de certo modo contumaz [22] e que tem recebido a devida atenção pelas legislações modernas [23].

O furto de uso ocorre quando o agente subtrai, indevidamente, coisa alheia móvel infungível, a fim de a utilizar momentaneamente, restituindo-a, ao depois, na íntegra, à vítima. Como é sabido, o delito de furto apresenta dois tipos de dolo, o dolo genérico, que é o de subtrair, e o dolo específico, que é o de pelo menos ter a detenção definitiva sobre a coisa. É preciso, pois, que esteja presente o animus sibi habendi ou animus furandi, o qual não se faz presente no conhecido furto de uso [24].

Somos levados a concordar com o posicionamento majoritário da doutrina, a qual há de concordar que o legislador quis ser omisso em relação à tipificação do furto de uso, haja vista que o natimorto Código Penal de 1969 tipificava tal conduta: se a coisa não fungível é subtraída para fim de uso momentâneo e, a seguir, vem a ser imediatamente restituída ou reposta no lugar onde se achava: Pena – detenção, até 6 (seis) meses, ou pagamento não excedente a 30 (trinta) dias-multa. Apesar da falha do legislador, temos de considerar a ausência de animus furandi na conduta daquele que subtrai coisa móvel alheia para uso temporário e logo a restitui, integralmente, ao sujeito passivo.

Assim, para que o furto de uso não seja tido como furto simples, é preciso que a coisa seja móvel, alheia e infungível; que a coisa seja integral e rapidamente devolvida ao sujeito passivo; que a coisa seja devolvida sem qualquer dano; que a devolução ocorra antes de a vítima dar-se conta da subtração; e que o agente tenha o fim exclusivo de uso. Portanto, assim podemos definir o furto de uso: subtrair coisa alheia móvel infungível, para exclusivo uso temporário, devolvendo-a, sem qualquer dano e tal qual se encontrava, ao seu real detentor, possuidor ou dono.

Diferente da situação apresentada acima é o erro de tipo. Quando o agente, por erro, toma posse de objeto alheio, supondo ser seu, há o erro de tipo, de modo que não há dolo e o fato reputa-se atípico. Note que não há o preenchimento das seguintes elementares: subtrair e para si ou para outrem, ou seja, inexiste o dolo específico. Figuremos um exemplo: Tício está sentado na sala de aula e deixa seu guarda-chuva ao lado do guarda-chuva, o qual é muito parecido com o seu, de Mélvio; ao sair, Mélvio, por achar que pegava o seu guarda-chuva, pegou o de Tício. Há que se observar que o erro de tipo só se faz possível e exclui a tipicidade do crime porque não há a previsão de furto culposo. Se houvesse furto culposo, Mélvio teria agido com culpa (imperícia, imprudência ou negligência), enquadrando-se perfeitamente a sua ação no tipo penal previsto na norma – se houvesse tal hipótese.

Assim, a subtração, para si ou para outrem, de coisa móvel e alheia, é tipificada pelo Código Penal como crime de furto simples. A pena cominada em abstrato é de reclusão de um a quatro anos cumulativamente com multa. Qualifica-se o furto nos termos dos §§ 4º e 5º. Crime qualificado, vale esclarecer, é aquele em que a pena prevista em abstrato para o tipo simples sofre dilação, aumentando-se.

De acordo com a redação do § 4º, temos que a pena em abstrato será de reclusão de dois a oito anos, cumulativa com multa, caso a subtração de coisa alheia móvel, para si ou para outrem, seja cometida com algum dos seguintes meios:

Destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa. Destruir é aniquilar algo; romper é fazê-lo em pedaços, estragá-lo; obstáculo é aquilo que dificulta ou impede o acesso à coisa. Vamos estabelecer casos concretos: 1) Tício quebra vidro do carro de Mélvio para subtrair o toca-fitas; 2) Tício quebra vidro do carro de Mélvio para subtrair o carro. No primeiro caso, quebra-se o vidro para roubar o toca-fitas, de modo que incide a qualificadora, haja vista que foi destruído obstáculo para que a coisa fosse subtraída. No segundo caso, quebra-se o vidro para roubar o carro, de modo que não incide a qualificadora, posto que foi destruída parte da coisa, para que a mesma fosse subtraída. Entendemos que, no caso, incide, não a qualificadora do inciso I, e sim a qualificadora do inciso II (destreza).

Abuso de confiança. Confiança não se presume, e sim se adquire com o tempo, com o relacionamento. Haverá abuso sempre que o agente, utilizando-se da credibilidade que lhe é dada por determinada pessoa, extrapola e viola o sentimento de segurança estabelecido com esta pessoa. Quando não há a credibilidade, não há se falar na incidência da qualificadora. NUCCI entende que é preciso que seja analisada a forma de contratação: o empregador que contrata alguém com base em referências, tomando todas as cautelas possíveis e buscando uma relação de confiança; cometida subtração, incidirá a qualificadora [25].

Não há que se confundir a figura típica de furto qualificado por abuso de confiança com o delito de apropriação indébita. No caso em estudo, o agente, valendo-se da credibilidade que possui face à vítima, aproveita-se, da ausência desta, para retirar-lhe objeto – ou seja, o agente age sem o consentimento da vítima. No caso do artigo 168 (apropriação indébita), a participação da vítima é fundamental, de modo que ela confia no agente, transferindo licitamente a posse da coisa a este, o qual passa a agir como se dono dela fosse.

Mediante fraude. Fraude é aquela manobra consistente em iludir alguém, de modo a fazer com que a vítima incorra em engano. Exemplo bastante conhecido de fraude é aquele em que o agente, passando-se por funcionário de determinada drogaria, entra em edifício, mediante o consentimento do porteiro, o qual foi ludibriado, e subtrai pertences de um dos moradores.

Não se pode confundir a forma qualificada de furto mediante fraude com o delito de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal. Apesar de ambos fundarem-se na fraude, no estelionato a participação da vítima é imprescindível, enquanto que no furto mediante fraude a não participação da vítima é que é imprescindível, ou seja, o agente age sem o conhecimento da vítima.

Mediante escalada. Escalada é ter acesso anormal a um lugar por via anormal. Não se trata da escalada em sentido estrito, isto é: subir ou galgar alguma coisa; pode-se passar por uma galeria subterrânea, utilizar uma escada ou uma corda, passar pelo esgoto, dentre outras possibilidades. O exemplo mais comum é o do famoso homem-aranha, o qual furta as pessoas escalando prédios. Outro exemplo é o do já famoso, no Brasil, furto ao Banco Central de Fortaleza, em que os criminosos utilizaram-se de um túnel para chegar ao cofre do banco.

Mediante destreza. Destreza é uma habilidade incomum, peculiar. O exemplo clássico é o do punguista (batedor de carteira), o qual consegue, sem que a vítima perceba, retirar-lhe a carteira. Importante estabelecer que caso a vítima note que está sendo furtada, não há que se falar na incidência da qualificadora.

Com emprego de chave falsa. Chave falsa é qualquer instrumento utilizado para abrir fechaduras ou para fazer com que determinados aparelhos funcionem. A denominada chave falsa não tem de ter o aspecto de chave. Assim, configuram-se como chave falsa: a chave cópia da verdadeira, a chave mestra e a gazua.

A doutrina muito discute se a chave verdadeira, perdida ou obtida mediante fraude, poderia ser considerada chave falsa. Entendemos que aquele que subtrai a chave verdadeira não tem sobre sua ação a incidência da qualificadora, haja vista que não se trata de chave falsa, e sim da verdadeira [26].

Mediante concurso de duas ou mais pessoas. Está abrangida tanto a co-autoria quanto a participação, de modo que não importa o modo como o agente concorre para a produção do resultado criminoso, havendo a incidência da qualificadora em qualquer caso. A doutrina majoritária e o Supremo Tribunal Federal zelam pela necessidade de os agentes (sejam co-autores, sejam partícipes) encontrarem-se no local do crime. CAPEZ assim escreve: "argumenta-se na jurisprudência que se a execução material do delito é feita apenas por uma pessoa, embora outras estejam envolvidas, a possibilidade de defesa da res é a mesma do furto simples [27]".

Há que se observar que, em regra, o delito de furto é monossubjetivo, não sendo necessária a participação de mais de uma pessoa, ou seja, o concurso é eventual. A razão de ser da qualificadora é a da maior reprovabilidade, seja o crime cometido com co-autoria seja com participação [28]. Por exemplo: Tícia e Caio planejam furtar a bolsa de Mélvia; Caio vai pedir informações a Mélvia, enquanto Tícia furta-lhe a bolsa. Seguindo a orientação do Supremo Tribunal Federal, é necessário que os agentes estejam presentes no local do crime, a fim de que incida a qualificadora.

As formas qualificadas do artigo 155, § 4º são passíveis de tentativa, devendo-se ter em mente, sempre, a disposição do artigo 14, II: diz-se o crime tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Além disso, há que prestar atenção, também, ao artigo 15, o qual prevê a hipótese de desistência voluntária: o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

Interessante notar, como bem lembra PIERANGELI, que o Código Penal não prevê o furto calamitoso dentre as formas qualificadas [29]. Furto calamitoso é aquele que ocorre em situações de incêndio, naufrágio, inundação, calamidade pública ou de desgraça particular da vítima. Prevê o artigo 184, § 3º, I, do Anteprojeto de Lei de 1999 o furto calamitoso como espécie de furto qualificado.

A Lei nº 9.426/96 acrescentou outra figura típica de furto qualificado, de modo que o § 5º encontra-se assim redigido: a pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. Veículo automotor, de acordo com o Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), é todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. Assim, quem subtrai, para si ou para outrem, veículo automotor (que é coisa móvel) alheio, incorre na pena de furto qualificado estabelecida pelo § 5º, desde que o leve para outro Estado da Federação ou para o exterior.

Note bem que a expressão para outro Estado, permite a interpretação de que o veículo automotor deverá ser levado de um Estado para outro Estado da Federação. Assim, de Município para Município, desde que dentro de um mesmo Estado, ou do Distrito Federal para um Município ou Estado, desde que não se passe por outro Estado, ou vice-versa, não haverá furto qualificado pelo § 5º. A doutrina majoritária considera que o Distrito Federal não é Estado federado, assim entendemos haja vista que o Distrito Federal apresenta natureza jurídica complexa, de forma que se pode alegar, em conformidade com o artigo 32 da Lei Fundamental, que o Distrito Federal é entidade federativa que acumula as competências legislativas reservadas pela Constituição aos Estados e aos Municípios [30].

Situação interessante é a de que se o veículo automotor for desmontado, e suas peças levadas para o exterior, não haverá a incidência da qualificadora. Deve-se observar que para a consumação do delito de furto qualificado pelo § 5º do artigo 155 é necessário o efetivo transporte do veículo; desta forma, a tentativa será possível se, por circunstâncias alheias à vontade do agente, o delito não se consumar, ou seja, subtraído o veículo, o agente for pego quando fazia a travessia de um Estado para o outro, ou de um Estado-federado para outro País.

NUCCI põe a seguinte situação: Caio furta veículo automotor mediante a destruição de obstáculo, de forma a incidir, a priori, na figura do § 4º, mas, ao depois, decide levar o veículo para fora do País. Neste caso, e assim também entende o citado autor, haverá a incidência da qualificadora mais gravosa. Descordarmos do autor quando este diz que a qualificadora preponderará sobre a causa de aumento de pena do § 1º, de modo que, caso o veículo seja furtado durante o repouso noturno e, ao depois, venha a sair do País, haverá não só a qualificadora como também a causa de aumento de pena [31].

Estabelecidas as figuras típicas do furto comum, com as respectivas causas de aumento e de diminuição de pena, e dos furtos qualificados, resta fazermos alguns apontamentos finais, no que tange aos sujeitos passivo e ativo e ao concurso de crimes.

Quanto ao concurso de crimes, este também é perfeitamente possível, tanto material como formalmente. Há que se atentar, no entanto, para aqueles crimes que constituem meio para a prática do furto [32], como é o caso da violação de domicílio, previsto no artigo 150, quando se tratar, por exemplo, de crime de furto qualificado pela escalada: tais crimes serão absorvidos pelo delito de furto.

É válido lembrar que o concurso material de crimes ocorrerá quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes, idênticos ou não. Em poucas palavras: há pluralidade de condutas e pluralidade de crimes. A punição consiste na soma das penas.

Concurso formal é aquele em que o agente, mediante uma única ação ou omissão, dá ensejo a dois ou mais resultados típicos. Em poucas palavras: há unidade na conduta e pluralidade de crimes. A pena aplicada é aquela do mais grave com o aumento que o legislador determinar.

Quanto aos sujeitos passivo e ativo, por se tratar de crime comum, podem ser quaisquer pessoas. Situação interessante é aquela que desfaz o adágio popular: se Tício subtrai, para si, coisa móvel de Mélvio, e Caio subtrai a mesma coisa de Tício, tanto Caio quanto Tício incorrem no delito de furto, haja vista que a proteção penal apenas circunscreve a posse, a propriedade e a detenção legítimas da coisa.

Estabelece o artigo 181 que é isento de pena quem comete furto em prejuízo do cônjuge (na constância da sociedade conjugal) ou em prejuízo de ascendente ou descendente (seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural). Há o crime, no entanto este não é punível. Trata-se, pois, de imunidade penal absoluta, nas palavras de NUCCI [33]. Se o delito for cometido em prejuízo de cônjuges (judicial ou consensualmente separados), de irmão (legítimo ou ilegítimo), ou de tio ou sobrinho com quem o agente coabita, a ação penal não será pública incondicionada, e sim condicionada à representação do ofendido (artigo 182). No entanto, estabelece o artigo 183, III que se o crime for praticado contra pessoa de sessenta anos ou mais, o crime é de ação pública incondicionada e punível; o inciso II do mesmo artigo estabelece que as regras dos artigos 181 e 182 não serão aplicadas ao estranho que participa do crime.

Não podem ser sujeitos ativos aqueles que têm a posse ou a detenção legítimas da coisa, haja vista que não a poderão subtrair de outrem; no caso de haver a inversão da natureza da posse ou da detenção, o possuir ou detentor, respectivamente, não praticará o crime de furto, e sim o crime de apropriação indébita (artigo 168).

Também não pode ser sujeito ativo, o proprietário da coisa, mesmo se for em relação ao possuidor, haja vista que não haverá a presença da elementar alheia, o Código Penal não trata acerca do furto de coisa própria, de modo que o máximo que poderá acontecer é incidir o tipo delitual do artigo 346. Nesta mesma esteira encontram-se os condôminos, os co-herdeiros e os sócios.


FURTO DE COISA COMUM

Aproveitando o ensejo, o artigo 156 prevê o delito de furto de coisa comum: subtrair o condômino, co-herdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, coisa comum: pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa. Do caput do artigo podemos extrair os seguintes elementos: a ação nuclear é a mesma do furto comum, subtrair; trata-se de crime próprio; o objeto jurídico tutelado é a detenção legítima da coisa; o dolo genérico é o de subtrair, e o dolo específico é o de subtrair para si ou para outrem; não há os requisitos de que a detenção tenha de ser mansa e tranqüila, nem de que tenha de ser definitiva; trata-se de crime de menor potencial ofensivo, podendo a demanda correr em Juizado Especial Criminal (Leis nº 9.099/95 e nº 10.259/01).

Por tratar-se de crime próprio, só podem figurar, basicamente, tanto em um como em outro pólo: condôminos, co-herdeiros ou sócios [34]. Lembra PIERANGELI que no pólo ativo haverá a comunicação das elementares: condômino, co-herdeiro e sócio, aos co-partícipes que não têm a disponibilidade da coisa comum [35]. O mesmo autor afirma que no pólo passivo podem figurar, além dos condôminos, co-herdeiros e sócios, o terceiro que tenha a posse legítima da coisa comum, como é o caso, por exemplo, do testamenteiro [36].

NUCCI entende que no furto de sócio contra a sociedade não há se falar em furto de coisa comum, e sim em furto simples [37]. CAPEZ afirma que há duas correntes para esta discussão [38]: a) a corrente que defende que se trata de crime de furto simples, argúi que a propriedade, a posse ou a detenção da coisa pertence ao patrimônio da pessoa jurídica, e não ao patrimônio de seus sócios, de modo que o sócio que subtrair bens de pessoa jurídica, estará se apropriando de bens de terceiro; b) a corrente que defende se tratar de furto de coisa comum, advoga no sentido de que o patrimônio que serve ao fim social da sociedade é de propriedade (em sentido amplo) de todos os sócios. PIERANGELI, afirma, no entanto, que, apesar dessas duas correntes, há posicionamentos mais modernos que entendem que é preciso fazer-se uma valoração individual em cada caso concreto [39]. Portanto, as correntes são três, de modo que não há um consenso nem na doutrina, nem na jurisprudência. Concordamos com a terceira, vislumbrando que será preciso analisar o caso concreto a fim de que se possa dizer se o crime é de furto simples ou de furto comum (de coisa comum).

Assim, consuma-se o delito quando o agente subtrai (dolo genérico), em proveito próprio ou de outrem (dolo específico), coisa comum. Note que a coisa deve ser comum, e não alheia. Ou seja: comum é aquela coisa que pertence a mais de uma pessoa, inclusive ao agente. Apesar de o dispositivo não apresentar em sua redação o termo móvel, necessário é dizer que a coisa comum furtada deve ser móvel, haja vista, no Brasil, não existir furto de coisa imóvel. A tentativa é definitivamente possível, por tratar-se de crime material, de modo que deve ser observado o artigo 14, II: diz-se o crime tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

É de se observar a redação do § 2º: não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente. Portanto, estabelecemos que, para haver punição ao crime, a coisa, além de ser comum, ou seja, pertencer aos sujeitos ativo e passivo, deve ser infungível, ou, se fungível, seu valor deve exceder a quota a que tem direito o agente. Relevante estabelecer que, no caso do § 2º há o crime, o qual, no entanto, não é punível.

No caso de o condômino subtrair, para si ou para outrem, coisa comum fungível, cujo valor ultrapasse a quota a que tem direito, e, ao depois, terceiro vir a subtrair-lhe a coisa; haverá, no primeiro caso, o furto de coisa comum, e, no segundo caso, o furto simples. Bem lembra BITENCOURT que para que haja o tipo delitual do artigo 156, faz-se necessário que a coisa comum se encontre legitimamente na detenção de outrem, "encontrando-se, contudo, na posse do agente, o crime será de apropriação indébita (art. 168) [40]".

Deve-se observar que, da mesma forma, haverá crime, só que este não será punível, quando o agente cometer o delito em prejuízo do cônjuge (na constância da sociedade conjugal) ou em prejuízo de ascendente ou descendente (seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural). Não incidirá essa isenção de pena prevista pelo artigo 181, se estranho participar do crime, ou se este for cometido contra pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos (artigo 183, II e III).

Estabelece o artigo 156, § 1º, que a ação penal é pública condicionada à representação do ofendido. Nesta esteira, o artigo 182 prevê que se o crime for cometido em prejuízo do cônjuge (judicial ou consensualmente separado), em prejuízo de irmão (legítimo ou ilegítimo), ou em prejuízo de tio ou de sobrinho com quem o agente coabita, também se procederá mediante representação. Neste caso entendemos não ser aplicável o disposto no artigo 183, incisos II e III, haja vista que, originariamente, o crime se procede mediante representação.


ROUBO

Roubar é subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência, de acordo com o caput do artigo 157. Interessante notar que o roubo é um delito complexo, haja vista que, da tipificação do artigo retrotranscrito, pode-se identificar os elementos constitutivos de dois crimes distintos: o furto (artigo 155) e a ameaça (artigo 147). Daí o porquê de a figura do roubo ter sido, durante muito tempo, tratada como se furto fosse [41].

Além de ser um delito complexo, é, também, pluriofensivo, isto é, provoca ofensa a mais de um bem jurídico [42], de forma que a tutela jurídica se dá em relação à proteção do patrimônio (inviolabilidade do patrimônio) e da liberdade individual e da integridade corporal.

O caput do artigo 157 traz a figura do roubo próprio. Já discutimos quando tratamos do furto acerca das elementares: subtração, coisa, coisa móvel, coisa alheia, para si ou para outrem. Rememoremos: a) dolo genérico: subtração; b) dolo específico: para si ou para outrem, por qualquer espaço de tempo e definitivamente; c) coisa alheia: coisa que não pertence ao agente; d) coisa móvel: qualquer coisa que possa ser retirada do seu lugar, sem que perca suas características básicas.

Mas não é só. Além das elementares acima apresentadas, é preciso que a subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel seja feita mediante grave ameaça ou violência contra a vítima, ou que seja feita depois de ter, por qualquer meio, tornado impossível a resistência da vítima. Caso em que haverá roubo próprio. Ou, no caso de roubo impróprio, quando a subtração, para si ou para outrem, de coisa alheia móvel antes do emprego da violência ou da grave ameaça à vítima.

O roubo próprio pode ser cometido pelos seguintes meios: violência própria, a qual pode ser física ou ser moral, e violência imprópria, também chamada presumida ou ficta. A violência física, ou vis corporalis, consiste na ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem (artigo 129). A violência moral, dita grave ameaça ou vis compulsiva, é definida pela promessa de causar mal injusto e grave a alguém (artigo 147). A violência presumida é aquela cometida contra vítima que: a) não é maior de quatorze anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente disto sabia; c) não pode, por qualquer causa, oferecer resistência (artigo 224). De acordo com a redação do artigo 157, a violência imprópria pode ser cometida por qualquer meio, o que, conforme já sabemos, dá a oportunidade de que o exegeta utilize a interpretação analógica. No entanto, conforme lição de LUIZ RÉGIS PRADO, "se a própria vítima ou a pessoa que esteja vigiando o bem se colocam em estado de incapacidade de resistir" não há que se falar em violência imprópria, nem em violência própria, de modo que o que haverá é furto e não roubo [43].

Observando-se o caput do artigo 157, extraímos o conceito de roubo próprio: subtrair, para si ou para outrem, durante ou após o uso de violência, coisa alheia móvel. Assim é que podemos extrair a ilação de que o momento consumativo ocorre com o efetivo apossamento da coisa, mesmo que por tempo curto. De se observar que deve haver a elementar violência, para que haja efetivamente o delito de roubo, e que esta seja praticada durante ou após a subtração, para que o roubo seja próprio. Ora, se não houver a violência, só a subtração, haverá furto (artigo 155); se não houver a subtração, só a violência, haverá lesão corporal (artigo 129). A tentativa é plenamente possível, haja vista que se iniciada a execução do delito, e este não se consumar por circunstâncias alheias à vontade do agente, haverá o roubo próprio tentado. Na mesma esteira, a hipótese de haver violência, e, ao depois o agente tentar subtrair a coisa do sujeito passivo: haverá roubo próprio tentado.

Quando, alhures, nós destacamos o conceito de roubo próprio, como sendo, em linhas gerais, a subtração durante ou após a violência, iniciamos uma distinção importantíssima, qual seja: entre o roubo próprio e o roubo impróprio. O § 1º do artigo 157 traz a seguinte redação: na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra a pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro. Ou seja, incorre na mesma pena de roubo próprio aquele que, logo após subtrair a coisa, emprega violência física ou violência moral contra a vítima, com a finalidade de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para outrem.

Então, devemos, também, destacar o conceito de roubo impróprio: subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, e, para assegurar a impunidade deste crime ou a detenção da coisa para si ou para outrem, empregar, ao depois, violência ou grave ameaça contra o sujeito passivo. A distinção de elevada importância que estabelecemos é a de que: no roubo próprio, a violência é cometida durante ou antes da subtração; enquanto que no roubo impróprio, a violência é cometida depois da subtração. Assim, podemos dizer que todo roubo impróprio inicia-se com furto (artigo 155) e completa-se com violência física (artigo 129) ou com grave ameaça (artigo 147).

Segunda distinção importante, entre as espécies de roubo é a de que a violência imprópria só pode ocorrer no roubo próprio, uma vez que o § 1º não prevê o elemento uso de outros meios para reduzir a vítima à impossibilidade de resistência. Assim, como não há previsão legal, e não é possível a analogia in malam partem no direito penal, reputa-se o roubo impróprio, cometido com violência imprópria, fato atípico. Assim, caso haja uma situação fática em que se faça presente o roubo impróprio com emprego de violência imprópria, teríamos o delito de furto (artigo 155).

Terceira e última distinção importante entre as duas espécies tange o aspecto do momento consumativo: enquanto no roubo próprio a consumação se dá com a subtração da coisa, no roubo impróprio, a violência própria é que caracteriza a consumação, desde que haja a subtração anterior. A tentativa é plenamente possível, haja vista que uma vez já subtraída a coisa móvel alheia, o agente, por circunstâncias alheias à sua vontade, não consegue fazer emprego da violência própria, configura-se o roubo impróprio tentado [44]. É de se observar que, na prática, a tentativa só se faz admissível se a violência intentada for a física, haja vista que, na prática, é de difícil configuração a tentativa de ameaça [45].

Interessante situação é aquela em que o agente já tendo subtraído a coisa, é surpreendido com ela, de modo que emprega violência própria para fugir, contudo, sem a coisa. Há duas correntes: a primeira identifica a hipótese como roubo impróprio tentado; a segunda qualifica a ação como furto tentado em concurso com crime contra a pessoa. Neste caso, devemos acolher a segunda corrente, uma vez que o § 1º do artigo 157 prevê que, além da violência empregada logo depois da subtração, esta tem de ter a finalidade e assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa [46].

Estabelecida a diferença entre as duas espécies de roubo simples, passemos à qualificação do tipo penal de roubo, para, em seguida, tratarmos sobre as causas de aumento de pena, sobre o roubo qualificado por lesão corporal e sobre o roubo qualificado por morte (também denominado latrocínio).

Como se trata de crime comum, o sujeito ativo, bem como o sujeito passivo, pode ser qualquer pessoa. Atente-se para o fato de que o proprietário não pode ser sujeito ativo, haja vista a presença da elementar alheia, de modo que se o proprietário figurar como sujeito ativo, o delito poderá ser o do artigo 345 (exercício arbitrário das próprias razões), além das penas correspondentes à violência (artigo 129), de modo a haver concurso material (artigo 69). Sobre a figura do sujeito passivo, este é, em geral, o proprietário, o detentor ou o possuidor da coisa subtraída. Entretanto, pode ser sujeito passivo do delito de roubo, terceiro, o qual possa estar perto da vítima – mesmo que com ela não tenha qualquer vínculo –, caso em que haverá a incidência do § 1º (roubo impróprio).

A doutrina ainda qualifica o delito de roubo como sendo crime comissivo, doloso, de forma livre, instantâneo, unissubjetivo ou de concurso eventual, plurissubsistente.

O § 2º apresenta causas que aumentam a pena de um terço até metade. Tais causas tanto servem ao delito de roubo próprio quanto ao delito de roubo impróprio. Vejamos:

Se a violência própria é exercida com emprego de arma. O emprego de arma imputa maior temor à vítima, diminuindo-lhe a capacidade de resistência. Arma, deve-se salientar, não é apenas aquele instrumento destinado ao ataque ou à defesa (arma própria), mas também qualquer outro instrumento que possa ser utilizado com o fim de diminuir a capacidade de resistência da vítima (arma imprópria). O emprego de arma, mesmo que não efetue disparo, propicia ao agente maior êxito na ação delituosa, acentuando a gravidade do injusto, bastando, pois, que o sujeito ativo porte a arma ostensivamente, isto é, não é preciso que faça uso da arma.

Questão tormentosa é a das armas de brinquedo e das armas desmuniciadas. O problema do porte se estende ao Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03), o qual revogou expressamente a Lei nº 9467/97, a qual previa como crime o porte de arma de brinquedo ou de simulacro, lei esta que era coadunada pela Súmula 174 do Superior Tribunal de Justiça: nos crimes de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena, tal Súmula foi, todavia, revogada pelo mesmo Tribunal, de modo que se operou a abolitio criminis em relação à arma de brinquedo. Duas são as correntes para a questão da arma de brinquedo e da arma desmuniciada.

A corrente minoritária, defendida por CAPEZ (2005: 295), entende que "se o porte é ostensivo, usado com o propósito de infundir medo, ocorre a majorante". Isto é: no caso da arma de brinquedo, mesmo que o porte desta não seja mais previsto como crime, se ela for utilizada para infundir medo na vítima, ocorre a majorante do § 1º. Ora, há que se observar a redação do artigo 157, § 2º, I: se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma. De acordo com esta redação, tanto faz se a arma é própria ou imprópria, e tanto faz se a violência é física ou moral, o importante é que a violência própria seja provocada mediante o emprego de arma, de modo a, idoneamente, facilitar a finalidade de subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem. BITENCOURT (2003: 86-87), apesar de não fazer coro ao posicionamento de CAPEZ, faz importante ponderação: "a simulação de estar armado ou a utilização de arma de brinquedo, quando desconhecida ou não percebida pela vítima, constituem grave ameaça, suficientemente idônea" para poder reduzir o sujeito passivo à impossibilidade de resistência. Ora, não se pode exigir da vítima, que esta saiba ou não que a arma é de brinquedo, ou que a arma esteja desmuniciada.

A corrente francamente majoritária argumenta que a razão de ser da qualificadora está sedimentada na potencialidade lesiva e no perigo que a arma real causa, e não no maior temor infligido à vítima. O Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto no julgamento do RHC 81.057 (25/ 05/ 2004 – Informativo 385, Supremo Tribunal Federal), afirma que a teoria moderna do direito penal, partindo dos princípios da necessidade da incriminação, da lesividade e da ofensividade, mesmo que o crime seja de mera conduta (para a sua configuração não é necessário resultado material exterior à ação), não se pode admitir a existência de delito sem que haja lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado. Para que haja a ofensividade típica (aquela reprovável pela norma penal), é preciso que estejam aliadas a danosidade real do objeto (arma real – no sentido de não ser de brinquedo – e municiada, ou com possibilidade real de ser municiada) e a conduta criadora de risco proibido relevante (isto é, o dolo do agente).

Assim, podemos depreender que, para a corrente francamente majoritária, a inaptidão da arma (seja ela de brinquedo, seja ela desmuniciada) proporciona a atipicidade da conduta, haja vista que não há potencialidade lesiva da arma de fogo simulada, de brinquedo ou desmuniciada. Além disso, o sistema penal brasileiro tem por escopo punir a culpa lato sensu do agente, e, como no delito sob estudo só há a forma dolosa, a análise deverá recair sobre o dolo do agente, ou seja, sobre a conduta criadora de risco proibido relevante do agente, risco este que inexiste quando o agente porta arma de brinquedo ou arma desmuniciada, haja vista que tais armas não produzem a ofensividade típica definida alhures.

São dois posicionamentos que apresentam argumentos fortes, de modo que, por ora, nos posicionamos favoráveis à linha de entendimento majoritária.

Se há concurso de duas ou mais pessoas. Está abrangida tanto a co-autoria quanto a participação, de modo que não importa o modo como o agente concorre para a produção do resultado criminoso, havendo a incidência da qualificadora em qualquer caso. A doutrina majoritária e o Supremo Tribunal Federal zelam pela necessidade de os agentes (sejam co-autores, sejam partícipes) encontrarem-se no local do crime; assim não entendemos, porque o Código quando quer que os agentes se encontrem no local do crime utiliza-se da expressão se o crime é cometido por duas ou mais pessoas ou da expressão para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas. Há que se observar que, em regra, o delito de roubo é monossubjetivo, não sendo necessária a participação de mais de uma pessoa, ou seja, o concurso é eventual. A razão de ser da qualificadora é a da maior reprovabilidade, seja o crime cometido com co-autoria seja com participação [47].

Se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhecia tal circunstância. O Estatuto Penal protege, aqui, aqueles que têm por ofício o transporte de valores. Valores são aqueles representados por dinheiro, ou qualquer outro bem valioso que se costuma transportar. Deve-se observar que o sujeito ativo deve conhecer a circunstância de o sujeito passivo estar em serviço de transporte de valores.

Se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. Veículo automotor, de acordo com o Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), é todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. Assim, quem subtrai, para si ou para outrem, veículo automotor (que é coisa móvel) alheio, incorre no aumento da pena, dês que o leve para outro Estado ou para o exterior.

Note bem que a expressão para outro Estado, permite a interpretação de que o veículo automotor deverá ser levado de um Estado para outro Estado da Federação. Assim, de Município para Município, desde que dentro de um mesmo Estado, ou do Distrito Federal para um Município ou Estado, desde que não se passe por outro Estado, ou vice-versa, não haverá aumento de pena. A doutrina majoritária considera que o Distrito Federal não é Estado, assim entendemos haja vista que o Distrito Federal apresenta natureza jurídica complexa, de forma que se pode alegar, em conformidade com o artigo 32 da Lei Fundamental, que o Distrito Federal é entidade federativa que acumula as competências legislativas reservadas pela Constituição aos Estados e aos Municípios [48].

Situação interessante é a de que se o veículo automotor for desmontado, e suas peças levadas para o exterior, não haverá a incidência da causa de aumento de pena. Deve-se observar que é necessário o efetivo transporte do veículo; desta forma, a tentativa será possível se, por circunstâncias alheias à vontade do agente, o delito não se consumar, ou seja, subtraído o veículo, mediante violência própria ou imprópria, o agente for pego quando fazia a travessia de um Estado para o outro, ou de um Estado para outro País.

Se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. O inciso leva ao entendimento de que a vítima mencionada deve ser a do roubo, uma vez que se for diferente, haverá o concurso material entre os crimes de roubo e de seqüestro. Se os agentes do roubo privarem da liberdade a vítima com desígnio autônomo, o crime será o de extorsão mediante seqüestro (artigo 159). Assim, a restrição da liberdade deve concorrer com o roubo, liberando-se a vítima depois de cometido o roubo. O inciso V deste § 2º do artigo 157 é uma das possíveis hipóteses que se pode denominar de "seqüestro-relâmpago".

Por fim, o § 3º apresenta dois tipos de roubo qualificado: o primeiro qualifica-se pela lesão corporal grave, de modo que a pena em abstrato será de reclusão sete a quinze anos, além de multa; o segundo qualifica-se pela morte e é chamado de latrocínio, de forma que a pena em abstrato será de reclusão de vinte a trinta anos e multa. As duas formas qualificadas se aplicam tanto ao roubo próprio quanto ao roubo impróprio, e, além disso, tratam acerca de delitos preterdolosos, isto é, dolo no antecedente culpa no conseqüente, ou dolosos. Alguns autores [49] afirmam que a violência a que se refere o § 3º é a vis corporalis, não concordamos com tal entendimento, haja vista que, como o roubo qualificado pode ser preterdoloso, se o agente ameaçar de forma grave o sujeito passivo e este vier a sofrer um infarto e morrer logo em seguida, haverá a incidência do § 3º, e a violência empregada terá sido a moral. Vejamos cada tipo qualificado:

Roubo qualificado por resultado lesão corporal grave. A lesão corporal que qualifica o roubo é aquela prevista pelo artigo 129, §§ 1º e 2º, de modo que, necessariamente, deve o resultado qualificador decorrer pelo menos de conduta culposa do agente (artigo 19). O sujeito ativo só responde pelo roubo qualificado pelo resultado lesão corporal, se esta for grave, independentemente de a ter produzido mediante conduta culposa (caso em que o delito seria preterdoloso) ou mediante conduta dolosa.

Latrocínio. Latrocínio, ou, como denomina o Código, roubo qualificado pelo resultado morte. BITENCOURT pondera que não ocorre latrocínio quando há a morte de co-autor ou partícipe do delito de roubo, uma vez que a morte do comparsa "não é meio, modo ou forma de agravar a ação desvalisosa do latrocínio"; ora, o tipo penal exige que a violência seja cometida contra o sujeito passivo, e não contra um dos sujeitos ativos [50]. Deve-se, contudo, conforme lembra o citado autor, tomar cuidado com o erro quanto à pessoa (artigo 20, § 3º): se o agente, pretendendo matar a vítima, acabar matando o co-autor, responde pelo crime de latrocínio, como se tivesse atingido quem realmente queria atingir. Quando há a morte de terceiro resultante da troca de tiros entre policiais e assaltantes, para que haja latrocínio, deve-se comprovar que um dos assaltantes foi quem efetuou o disparo da bala que atingiu o terceiro; entretanto, havendo dúvida, os assaltantes não podem ser responsabilizados, em virtude do princípio in dubio, pro reo [51].

A doutrina muito discute acerca da consumação e da tentativa no latrocínio. O entendimento só é pacífico em duas situações: quando há morte e subtração consumadas, há o latrocínio consumado; quando há morte e subtração tentadas, há latrocínio tentado. No entanto, duas situações apresentam diversas correntes: quando há morte consumada e subtração tentada; e quando há morte tentada e subtração consumada.

No primeiro caso, quando há morte consumada e subtração tentada, há cinco correntes, a saber:

a) há latrocínio consumado, conforme estabelece a Súmula 610, do Supremo Tribunal Federal: há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima. É o entendimento que prevalece;

b) há latrocínio tentado, haja vista que "o crime complexo decorre da combinação de delitos que formam um novo, ou seja, mesmo que consumado o crime-meio, e não consumado o crime-fim, não há consumação [52]";

c) há homicídio qualificado consumado em concurso formal com tentativa de furto. O homicídio reputa-se qualificado em virtude do artigo 121, § 2º, V, haja vista que se consumou para assegurar a vantagem de outro crime, o qual, todavia, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não veio a se consumar. O furto, por seu turno, ocorreria na forma tentada, uma vez que inexistiu o emprego de violência para sua prática;

d) há homicídio qualificado consumado em concurso material com roubo tentado. O homicídio apresenta-se qualificado graças ao artigo 121, § 2º, V, tendo-se consumado para assegurar a vantagem de outro crime, o de roubo, o qual, contudo, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não veio a se consumar. Há, pois, roubo tentando porque houve emprego de violência para sua prática;

e) há homicídio tentado qualificado pelo artigo 121, § 2º, V.

Apesar de haver divergências doutrinárias e jurisprudenciais, optamos pela primeira corrente, acompanhando o atual entedimento do Supremo Tribunal Federal. Ora, trata-se de crime complexo, o qual não pode ser cindido em sua unidade; assim entende a Egrégia Corte: "para o § 3º do artigo 157 do Código Penal é irrelevante que a subtração patrimonial tenha ocorrido ou não; o que importa é, exclusivamente, a nota de violência contra a pessoa, durante a tentativa ou consumação do roubo [53]".

No segundo caso, quando há morte tentada e subtração consumada, há duas correntes, a saber:

a) há latrocínio tentado. É o posicionamento do STF e o nosso;

b) há homicídio tentado qualificado pelo artigo 121, § 2º, V.

Por fim, há que se estabelecer que o latrocínio é crime hediondo, de acordo com o artigo 1º, II, da Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos): são considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados: II – latrocínio (art. 157, § 3º, in fine).


EXTORSÃO

A exemplo do delito de roubo, a extorsão apresenta-se também como crime complexo, de modo que a tutela jurídica abarca a liberdade individual, o patrimônio e a integridade física e psíquica da pessoa. É também delito comum: o sujeito passivo e o sujeito ativo podem ser quaisquer pessoas. Podem figurar no pólo passivo aquele que sofre lesão patrimonial, aquele que não sofre lesão patrimonial, e, ainda, a pessoa jurídica, de modo que seus representantes legais podem ser coagidos, nos ditames do artigo 158 pelo sujeito ativo. Observe-se que se o crime for praticado por funcionário público, em razão de sua função, o delito será o de concussão (artigo 316).

Assim como no roubo, é possível na extorsão haver dois sujeitos passivos: um que sofre a lesão patrimonial e outro que é vítima da violência. Deve-se destacar que a conduta do agente é uma só, isto é, o seu desígnio é autônomo: ele constrange alguém a fazer, a tolerar que se faça ou a deixar de fazer alguma coisa, mediante o emprego de violência física ou moral, com a finalidade de obter para si ou para outrem vantagem econômica indevida. Portanto, o sujeito ativo responderá por extorsão em relação aos dois sujeitos passivos, isto é, mesmo que constraja um e provoque dano material a outrem.

Do exposto, faz-se necessário apresentarmos o conceito de extorsão. O artigo 158 dispõe que extorqüir é constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Assim, temos as seguintes elementares: constranger alguém a fazer/tolerar que se faça/deixar de fazer algo (artigo 146), mediante violência (artigo 129) ou grave ameaça (artigo 147), com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica. A pena em abstrato é de reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

A finalidade do constragimento (dolo genérico), no delito sob estudo, é o de obter indevida vantagem econômica, para si ou para outrem (especial fim de agir). Conforme destaca BITENCOURT: "a extorsão é muito semelhante ao crime de roubo, oferecendo, inclusive, grande dificuldade prática para definir, in concreto, se determinado fato pode ser classificado como roubo ou como extorsão [54]". Assim, temos de procurar uma característica que possibilite a distinção entre os dois delitos: tal caracterísitica se refere à obtenção de indevida vantagem patrimonial, para si ou para outrem, a qual não se restringe a apenas a coisa alheia móvel, mas também a qualquer interesse ou direito patrimonial alheio.

Estabelecemos acima que a obtenção de indevida vantagem econômica, para si ou para outrem, não é objeto do dolo, e sim elemento subjetivo especial do tipo, isto é, especial fim de agir. Objeto do dolo é a consciência e vontade de constranger alguém, a fazer/tolerar que se faça/deixar de fazer alguma coisa. A obtenção de indevida vantagem econômica, para si ou para outrem é, pois, uma especificadora do dolo, e, a grave ameaça ou a violência física é o meio de constranger alguém.

A extorsão apresenta o comportamento da vítima como o seu momento consumativo, de modo que se torna desnecessária a obtenção de indevida vantagem econômica, de modo que é suficiente que seja insinuada [55]. Assim, estabelecemos mais uma premissa do delito de extorsão: é necessária a participação da vítima coagida; e diferenciamos, a extorsão do roubo: "neste, o autor toma a coisa pessoalmente", "naquela, faz com que ela lhe seja entregue ou colocada à sua disposição [56]".

A Súmula 76 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que o crime de extorsão consuma-se independentemente da vantagem indevida. Ora, isto importa dizer que o crime de extorsão é de natureza formal, devido, sobremaneira, à expressão presente no caput do artigo 158: com o intuito de. Ocorrendo a indevida obtenção de vantagem econômica, ter-se-á apenas o exaurimento da extorsão, a qual já se encontrava consumada [57]. Portanto, para que possamos diferenciar o delito de extorsão do delito de constrangimento ilegal, é preciso restar comprovada a intenção de o sujeito passivo obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica: havendo a intenção, o tipo é o do artigo 158, caso inexista a intenção, o tipo é o do artigo 146. NUCCI ensina que há três fases para o cometimento da extorsão. Na primeira, o agente constrange o sujeito passivo, mediante violência própria. Na segunda, o sujeito passivo, constrangido, se sente coagido a fazer/tolerar que se faça/deixar de fazer alguma coisa. Na terceira, o sujeito ativo obtém a indevida vantagem econômica [58].

A extorsão tentada é admissível, de modo que se estiverem presentes todas as demais elementares, mas a vítima, em virtude do constrangimento sofrido, não ceder à vontade do autor, não há que se falar em consumação do delito (artigo 14, II). Observe-se que, como o crime é formal, a tentativa só será possível se o crime for cometido por escrito. Ora, o uso da violência própria, a qual não seja idônea para constranger o indivíduo, não produz a consumação do crime: se a ameaça foi enviada por escrito o sujeito passivo, e, por circunstâncias alheias à vontade do sujeito ativo, não veio a chegar às mãos da vítima, haverá a tentativa; de outro modo, se o sujeito ativo enviou a ameaça ao sujeito passivo e esta chegou às mãos deste, o delito terá se consumado; terceira e última hipótese: se a ameaça por escrito chega às mãos do sujeito passivo e este não se sente ameaçado: entendemos que haverá tentativa, porque o elemento constrangimento (núcleo do tipo) não foi atingido por motivos alheios à vontade do agente.

A pena prevista no caput do artigo 158 será aumentada de um terço até metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas ou se for cometido com o emprego de arma. Portanto, vejamos cada causa de aumento da pena:

Extorsão cometida por duas ou mais pessoas. Note que a redação do § 1º não faz menção ao concurso de duas ou mais pessoas, de modo que, na extorsão, a co-autoria é causa de aumento de pena, enquanto a participação não provoca tal aumento. Portanto, faz-se indispensável a participação efetiva e presencial na execução material do tipo penal, mesmo que um dos co-autores seja inimputável. Com isto, estabelecemos que o delito de extorsão é de natureza jurídica monossubjetiva, ou de concurso eventual

Extorsão cometida com o emprego de arma. O emprego de arma imputa maior temor à vítima, diminuindo-lhe a capacidade de resistência. Arma, deve-se salientar, não é apenas aquele instrumento destinado ao ataque ou à defesa (arma própria), mas também qualquer outro instrumento que possa ser utilizado com o fim de diminuir a capacidade de resistência da vítima (arma imprópria). O emprego de arma, mesmo que não efetue disparo, propicia ao agente maior êxito na ação delituosa, acentuando a gravidade do injusto, bastando, pois, que o sujeito ativo porte a arma ostensivamente, isto é, não é preciso que faça uso da arma.

Questão tormentosa é a das armas de brinquedo e das armas desmuniciadas. O problema do porte se estende ao Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03), o qual revogou expressamente a Lei nº 9467/97, a qual previa como crime o porte de arma de brinquedo ou de simulacro, lei esta que era coadunada pela Súmula 174 do Superior Tribunal de Justiça: nos crimes de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena, tal Súmula foi, todavia, revogada pelo mesmo Tribunal, de modo que se operou a abolitio criminis em relação à arma de brinquedo. Duas são as correntes para a questão da arma de brinquedo e da arma desmuniciada.

A corrente minoritária, defendida por CAPEZ (2005: 295), entende que "se o porte é ostensivo, usado com o propósito de infundir medo, ocorre a majorante". Isto é: no caso da arma de brinquedo, mesmo que o porte desta não seja mais previsto como crime, se ela for utilizada para infundir medo na vítima, ocorre a majorante do § 1º. Ora, há que se observar a redação do artigo 157, § 2º, I: se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma. De acordo com esta redação, tanto faz se a arma é própria ou imprópria, e tanto faz se a violência é física ou moral, o importante é que a violência própria seja provocada mediante o emprego de arma, de modo a, idoneamente, facilitar a finalidade de subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem. BITENCOURT (2003: 86-87), apesar de não fazer coro ao posicionamento de CAPEZ, faz importante ponderação: "a simulação de estar armado ou a utilização de arma de brinquedo, quando desconhecida ou não percebida pela vítima, constituem grave ameaça, suficientemente idônea" para poder reduzir o sujeito passivo à impossibilidade de resistência. Ora, não se pode exigir da vítima, que esta saiba ou não que a arma é de brinquedo, ou que a arma esteja desmuniciada.

A corrente francamente majoritária argumenta que a razão de ser da qualificadora está sedimentada na potencialidade lesiva e no perigo que a arma real causa, e não no maior temor infligido à vítima. O Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto no julgamento do RHC 81.057 (25/ 05/ 2004 – Informativo 385, Supremo Tribunal Federal), afirma que a teoria moderna do direito penal, partindo dos princípios da necessidade da incriminação, da lesividade e da ofensividade, mesmo que o crime seja de mera conduta (para a sua configuração não é necessário resultado material exterior à ação), não se pode admitir a existência de delito sem que haja lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado. Para que haja a ofensividade típica (aquela reprovável pela norma penal), é preciso que estejam aliadas a danosidade real do objeto (arma real – no sentido de não ser de brinquedo – e municiada, ou com possibilidade real de ser municiada) e a conduta criadora de risco proibido relevante (isto é, o dolo do agente).

Assim, podemos depreender que, para a corrente francamente majoritária, a inaptidão da arma (seja ela de brinquedo, seja ela desmuniciada) proporciona a atipicidade da conduta, haja vista que não há potencialidade lesiva da arma de fogo simulada, de brinquedo ou desmuniciada. Além disso, o sistema penal brasileiro tem por escopo punir a culpa lato sensu do agente, e, como no delito sob estudo só há a forma dolosa, a análise deverá recair sobre o dolo do agente, ou seja, sobre a conduta criadora de risco proibido relevante do agente, risco este que inexiste quando o agente porta arma de brinquedo ou arma desmuniciada, haja vista que tais armas não produzem a ofensividade típica definida alhures.

São dois posicionamentos que apresentam argumentos fortes, de modo que, por ora, nos posicionamos favoráveis à linha de entendimento majoritária.

A extorsão apresenta-se qualificada ou por lesão corporal grave ou por morte. Vejamos cada qualificadora:

Extorsão qualificada por resultado lesão corporal grave. Se a extorsão for praticada mediante violência física, e desta resultar lesão corporal grave, a pena será de sete a quinze anos de reclusão e multa. A lesão corporal que qualifica a extorsão é aquela prevista pelo artigo 129, §§ 1º e 2º, de modo que, necessariamente, deve o resultado qualificador decorrer pelo menos de conduta culposa do agente (artigo 19). O sujeito ativo só responde pela extorsão qualificada pelo resultado lesão corporal, se esta for grave, independentemente de a ter produzido mediante conduta culposa (caso em que o delito seria preterdoloso) ou mediante conduta dolosa.

Extorsão qualificada por resultado morte. Se a extorsão for praticada mediante violência própria, e desta resultar morte, a pena será de vinte a trinta anos de reclusão e multa. Não há extorsão qualificada pelo resultado morte quando há a morte de co-autor do delito de extorsão, uma vez que a morte do co-autor "não é meio, modo ou forma de agravar a ação desvalisosa" do delito qualificado; ora, o tipo penal exige que a violência seja cometida contra o sujeito passivo, e não contra um dos sujeitos ativos [59]. Deve-se, contudo, tomar cuidado com o erro quanto à pessoa (artigo 20, § 3º): se o agente, pretendendo matar a vítima, acabar matando o co-autor, responde pelo crime de extorsão qualificada, como se tivesse atingido quem realmente queria atingir. Quando há a morte de terceiro resultante da troca de tiros entre policiais e assaltantes, para que haja a qualificadora, deve-se comprovar que um dos assaltantes foi quem efetuou o disparo da bala que atingiu o terceiro; entretanto, havendo dúvida, os assaltantes não podem ser responsabilizados, em virtude do princípio in dubio, pro reo [60].

Ainda na extorsão qualificada pelo resultado morte, há duas observações a fazer. A Lei nº 8.072/1990, em seu artigo 1º, III, assim dispõe: são considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.84º, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados: III – extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º). A segunda observação a fazer se refere à consumação e tentativa: não se pode aplicar a Súmula 610 do Supremo Tribunal Federal (há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima) ao crime de extorsão qualificado pelo resultado morte, haja vista que é crime formal, o qual independe da obtenção de vantagem econômica indevida (caso em que seria crime material) para a sua consumação, de modo que devemos aplicar, portanto, a Súmula 96 do Superior Tribunal de Justiça: o crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida.

Além do artigo 157, § 2º, V, podemos dizer que o artigo 158, caput, é um dos exemplos de seqüestro-relâmpago, figura atípica, mas que encontra três exemplos no Código Penal, de modo que o terceiro é o do caput do artigo 159. A doutrina cita o exemplo de Tício que, encontra-se na agência de certo Banco, às 20h00 de um sábado, sacando dinheiro e é surpreendido por Mélvio, o qual o constrange, mediante uso de arma, a entregar-lhe o cartão magnético e lhe fornecer a senha do mesmo, de modo a acompanhar Mélvio a vários caixas eletrônicos existentes na Cidade, para sacar dinheiro, para si, da conta de Tício.


EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO

A exemplo dos delitos dos artigos 157 e 158, o delito de extorsão mediante seqüestro é crime complexo e pluriofensivo. Pluriofensivo porque os bens jurídicos tutelados são o patrimônio do indivíduo, a liberdade pessoal e a integridade física e psíquica da pessoa. Complexo porque engloba os crimes de extorsão (artigo 158) e de seqüestro (artigo 148). Deste modo, temos de prestar atenção ao nomen iuris dado pelo legislador ao tipo previsto no artigo 159: extorsão mediante seqüestro, ou seja, a definição trazida pelo caput do artigo 159 deve ser interpretada com cautela [61].

Verifica-se, de plano, com o aludido nomen iuris do tipo penal, que se trata de modalidade especial do delito de extorsão: muda-se o verbo constranger pelo verbo seqüestrar, de modo que a finalidade é a mesma: obter, para si ou para outrem, indevida vantagem econômica. De se ressaltar que tal vantagem serve como condição ou como preço do resgate do seqüestrado.

Na extorsão mediante seqüestro o momento consumativo ocorre com o seqüestro da vítima, de modo que se torna desnecessária a obtenção de indevida vantagem econômica, de modo que é suficiente que seja insinuada. Reproduzimos, assim, a Súmula 76 do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que o crime sob estudo é modalidade especial do delito de extorsão: o crime de extorsão consuma-se independentemente da vantagem indevida, o que importa dizer que se trata de crime formal (basta observar a expressão no caput do artigo 159: com o fim de, a qual é a mesma do caput do artigo 158, com o intuito de). Ocorrendo a indevida obtenção de vantagem, ter-se-á apenas o exaurimento do delito, o qual já se encontrava consumado. Portanto, para que possamos diferenciar o delito de extorsão mediante seqüestro do delito de seqüestro/cárcere privado, é preciso restar comprovada a intenção de o sujeito passivo obter, para si ou para outrem, indevida vantagem: havendo a intenção, o tipo é o do artigo 159, caso inexista a intenção, o tipo é o do artigo 148. A priori, a tentativa faz-se possível, embora, in concreto, seja difícil sua configuração, uma vez que seqüestrada a pessoa, o crime já terá se consumado, a não ser que o agente inicie a execução do crime e, por circunstâncias alheias à sua vontade, o delito não se consuma.

Reproduzimos a lição dada quando tratamos de crimes contra a liberdade pessoal, mas especificamente quando tratamos de seqüestro e de cárcere privado. O artigo 148, que trata do delito de seqüestro e de cárcere privado, tutela a liberdade física individual, de modo que, como a liberdade é um bem jurídico disponível, não haverá crime quando, para o cerceamento da liberdade, houver consentimento válido da vítima, mas, se em algum momento houver dissentimento da vítima, restará configurada a liberdade cerceada e o tipo penal em questão. O seqüestro consiste, segundo a lição doutrinária, na privação da liberdade de locomoção do sujeito passivo, não implicando em seu confinamento.

Para haver, efetivamente, o seqüestro, é preciso que o agente atue com a intenção de seqüestrar, ou seja, é necessária a presença do dolo específico de privar a pessoa de sua liberdade. De acordo com MIRABETE, "se tal elemento subjetivo estiver ausente, ou seja, se o agente atua por outro intento que não o de seqüestrar a vítima, não se configura o seqüestro", o mesmo se dando em relação ao cárcere privado, de modo que o crime será de constrangimento ilegal [62]. Na mesma esteira, ensina HELENO FRAGOSO: a privação da liberdade mediante seqüestro ou cárcere privado é espécie subsidiária ao delito de constrangimento ilegal, já que se impede a liberdade de locomoção do sujeito passivo [63]. Ao que aduz CAPEZ: se "a finalidade for coagir outrem para que faça ou deixe de fazer algo, o crime será de constrangimento ilegal [64]".

Depreendemos, pois, que se o agente não tiver o dolo de seqüestrar, e sim o de coagir outrem para que faça/tolere que se faça/deixe de fazer alguma coisa, haverá o crime de extorsão (artigo 158), e não o de extorsão mediante seqüestro (artigo 159).

Difere-se o delito do artigo 159 do delito do artigo 148 pela seguinte razão: no crime de seqüestro/cárcere privado, o agente tem o dolo de privar a liberdade da vítima, sem disso pretender auferir qualquer vantagem patrimonial; no crime de extorsão mediante seqüestro, o agente tem o especial fim de obter vantagem econômica indevida. Assim, temos o que corriqueiramente se chama seqüestro-relâmpago, em um de seus exemplos no Código Penal.

Como se trata de crime comum, o sujeito passivo, bem como o sujeito ativo, pode ser qualquer pessoa. Repetimos a lição dada alhures de que todo crime complexo pode apresentar dois sujeitos passivos: aquele que sofre a lesão patrimonial e aquele que sofre o seqüestro. A pessoa jurídica pode figurar como sujeito passivo da lesão patrimonial, mas não do seqüestro.

Em sua forma simples, a extorsão mediante seqüestro apresenta como pena in abstrato a reclusão de oito a quinze anos. Pena esta que poderá ser qualificada de acordo com uma das situações seguintes: a) a pena será de reclusão de doze a vinte anos, se o seqüestro durar mais de vinte e quatro horas, se o seqüestrado for menor de dezoito anos, se o seqüestrado for maior de sessenta anos, ou se o crime for cometido por bando ou quadrilha; b) a pena será de reclusão de dezesseis a vinte e quatro anos se do seqüestro cuja finalidade seja a extorsão resultar lesão corporal de natureza grave; c) a pena será de reclusão de vinte e quatro a trinta anos se do seqüestro cuja finalidade seja a extorsão resultar morte. Vejamos cada qualificadora:

Se o seqüestro durar mais de vinte e quatro horas. A duração do seqüestro por mais de um dia aumenta o sofrimento da vítima, bem como de seus familiares.

Se o seqüestrado for menor de dezoito anos. A lei presume que o menor de dezoito tem sua resistência diminuída em relação ao sujeito ativo do crime. Deve-se ter em mente que o sujeito passivo deve ser menor de dezoito anos e maior de quatorze anos, haja vista que a Lei nº 8.072/90, traz a previsão de aumento da pena de metade se o sujeito passivo for menor de quatorze anos de idade. Assim, a qualificadora só incidirá se o sujeito for maior de quatorze anos e menor de dezoito anos na data do delito; se for menor de quatorze anos, incidirá o caput do artigo com aumento de metade da pena prevista.

Se o seqüestrado for maior de sessenta anos. A lei presume que o maior de sessenta anos tem sua resistência diminuída em relação ao sujeito ativo do crime. A inclusão do idoso nesta qualificadora decorre do Estatuto do Idoso.

Se o crime for cometido por bando ou quadrilha. A definição de quadrilha ou bando encontra-se no artigo 288: associação de mais de três pessoas, com a intenção de formar bando ou quadrilha, para o fim de cometer crimes. Deve-se prestar atenção ao objetivo da quadrilha ou do bando ser o de cometer mais de um crime, de modo que se mais de três pessoas tiverem como objetivo a prática de um único crime, não há que se falar em bando ou quadrilha, e, por conseguinte, na incidência da qualificadora.

Se do crime resultar lesão corporal de natureza grave. A doutrina tem entendido que tal situação pode ser tanto preterdolosa quanto dolosa, de modo que é indiferente para a cominação da pena se o resultado mais grave foi produzido por culpa (involuntariamente) ou por dolo (voluntariamente) do agente. E mais: se o resultado mais grave decorreu do seqüestro ou da extorsão. Em qualquer desses casos incidirá a qualificadora.

Se do crime resultar morte. O resultado morte resultante do seqüestro ou da extorsão no crime em apreço, produz o tipo penal mais severamente punido, in abstrato, no Código Penal brasileiro. Repetimos que é indiferente para a cominação da pena se o resultado adveio de culpa (caso preterdoloso) ou de dolo (caso doloso).

O § 4º, por fim, apresenta uma causa de diminuição de pena (minorante), apresentando a seguinte redação: se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. Para a concessão da minorante, são necessários três requisitos: a) o crime deve ser cometido em concurso de pessoas (artigo 29); b) um dos concorrentes deve denunciar o crime à autoridade; c) a denúncia deve facilitar a libertação do seqüestrado. Trata-se do instituto da delação premiada. Como se pode depreender dos requisitos, o escopo da delação premiada, a despeito do nome que lhe é dado, é o de facilitar a libertação da vítima seqüestrada e punir os demais criminosos, e não o de premiar o delator.


EXTORSÃO INDIRETA

A extorsão indireta ocorre quando o sujeito ativo exige (ordena) ou recebe (aceita), como garantia de dívida, abusando da situação do sujeito passivo, um documento que pode dar causa a procedimento criminal contra o próprio sujeito passivo ou contra terceiro.

O delito em tela tem dois momentos consumativos, a depender do verbo do tipo que é praticado. Se o agente exigir que a vítima lhe dê, como garantia de dívida, um documento, a simples exigência já é apta para consumar o delito de extorsão indireta, de modo que a entrega de documento é mero exaurimento da consumação. Se o agente receber documento como garantia de dívida, a consumação só ocorrerá com a entrega do documento.

Na primeira situação, o sujeito ativo faz com que a vítima lhe entregue um documento. Como se trata de crime de ação livre, o agente pode coagir o sujeito passivo de diversas formas: mediante grave ameaça, mediante violência física, mediante violência imprópria, mediante fraude, dentre outras possibilidades. A tentativa só será possível se a exigência for feita por escrito. Na segunda situação, o agente apenas aceita uma proposição de iniciativa do próprio sujeito passivo [65], o qual entrega o documento. A tentativa é perfeitamente possível, pois o agente nada exige, apenas recebe. Tanto para uma como para a outra situação, é preciso que concorra o abuso da situação de alguém, ou seja, o agente deve se valer da situação de necessidade da vítima para exigir ou para aceitar o documento que garanta a dívida [66].

Portanto, há que se compreender que o crédito devido tanto pode ser lícito quanto ilícito, de modo que, o que o Código Penal criminaliza é a obtenção (mediante exigência ou recebimento) de documento, por parte do agente, que possa dar, mesmo que não dê, causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro. Assim, ilícito é o documento exigido ou recebido, uma vez que chega às mãos do sujeito ativo, mediante abuso por este da situação de necessidade da vítima. Assim, no caso de obrigação natural, resultante de dívida de jogo, haverá, na exigência ou no recebimento, por parte do agente, de documento, como garantia de dívida, caso de extorsão indireta.

Portanto, é crime comum [67], praticado pelo sujeito ativo contra o sujeito passivo, de modo que a garantia de dívida, recebida ou exigida, pode advir de contrato, de título extrajudicial ou de qualquer outra forma de obrigação [68]. É, também, a exemplo dos outros tipos de extorsão e do roubo, crime pluriofensivo, em que o objeto jurídico sob tutela é o patrimônio e a liberdade pessoal da vítima.


Notas

01 CEZAR ROBERTO BITENCOURT (Tratado de direito penal: parte especial. 1.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, volume 3, p. 3) faz uma ponderação que acertada: "nos chamados crimes pluriofensivos (ofensa a mais de um bem jurídico), como o roubo e a extorsão, os códigos anteriores (Criminal do Império, de 1830, e o republicano, de 1890) os classificavam, a nosso juízo com acerto, em Título autônomo, ‘Crimes contra a Pessoa e contra a Propriedade’".

02 PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte especial (arts. 121 a 234). 1.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 330.

03 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 3.

04 Nesta mesma acepção: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). 5.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, volume 2, p. 374. A corrente atualmente majoritária, adotada inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça, defende que é necessário que além da subtração haja a posse mansa e tranqüila da coisa, ou seja, que o agente retenha a coisa fora do alcance e da vigilância da vítima, ainda que por pouco tempo.

05 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 16; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro..., pp. 339-340.

06 DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS (Código penal anotado. 8.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1998, p. 491) assim escreve: "o furto atinge a consumação no momento em que o objeto material é retirado da esfera de posse e disponibilidade do sujeito passivo, ingressando na livre disponibilidade do autor, ainda que este não obtenha a posse tranqüila".

07 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal..., volume 2, p. 375.

08 Neste caso do punguista, não há se falar em crime impossível, haja vista que a intenção do agente era furtar, a execução do crime foi iniciada, mas, no entanto, a consumação não se deu por circunstância alheia à sua vontade. Só há que se falar em crime impossível quando houver absoluta ineficácia do meio ou absoluta impropriedade do objeto (artigo 17).

09 Entre os bens imóveis estão considerados os semoventes (artigo 82, do Código Civil), de modo que há se atentar para o fato de os animais silvestres não poderem ser objeto de furto. No entanto, se apreendidos pode ocorrer a incidência de algum dos crimes contra a fauna, de acordo com a Lei nº 9.605/98.

10 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 8.

11 No entanto, se o Anteprojeto de Lei que prevê alterações na Parte Especial do Código Penal for aprovado, o "gato de água" constituirá crime de furto: "equipara-se à coisa móvel a energia que tenha valor econômico, bem como o gás e a água fornecidos por empresa pública ou privada" (artigo 184, §1º).

12 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 8.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 920.

13 BEVILAQUA, Clovis. Direito das coisas. Edição histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976, p. 529.

14 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 5.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 619.

15 Deve-se atentar para o pequeno valor isolado e para o pequeno valor acumulado. Pequenos valores acumulados podem gerar quantias volumosas, de modo que o crime em tela será de tipologia continuada, conforme o artigo 71.

16 A doutrina define crime privilegiado como aquele em que há a redução da pena em abstrato, ou seja, muda-se a pena em abstrato. Quando não há mudança na pena em abstrato, fala-se em causa de diminuição de pena.

17 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado..., p. 626.

18 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado..., p. 627.

19 NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. 13.ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1977, volume 2, p. 242.

20 BITENCOURT (Tratado de direito penal..., volume 3, pp. 21-22) observa que: "jurisprudência e doutrina dominantes, com acerto, reconhecem a inaplicabilidade da majorante do repouso noturno quando o furto é praticado em lugar desabitado (estabelecimento comercial, por exemplo) ou na ausência dos moradores. O acerto dessa orientação reside no fato de que a majorante está diretamente ligada à cessação ou afrouxamento da vigilância. Ora, em lugar desabitado ou na ausência dos moradores não pode cessar ou diminuir algo que nem sequer existe".

21 Neste sentido: NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado..., p. 619; CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal..., volume 2, p. 373.

22 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial – arts. 121 a 183. 5.ed São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, volume 2, p. 405.

23 O Código Penal italiano assim dispõe sobre o furto de uso: se o autor do furto "agiu apenas com o objetivo de fazer uso momentâneo da coisa subtraída, e esta, após o uso momentâneo, foi imediatamente restituída". O Código Penal espanhol prescreve que "aquele que subtrair um veículo motor ou ciclomotor alheio, cujo valor exceda a cinqüenta mil pesetas, sem ânimo de apropriar-se, será castigado com a pena de prisão de dez a vinte e quatro fins de semana ou multa de três a oito meses, se o restitui, direta ou indiretamente, em um prazo não superior a quarenta e oito horas, sem que em nenhum caso a pena imposta possa ser igual ou superior à que corresponderia à que se apropriasse definitivamente do veículo".

24 BITENCOURT (Tratado de direito penal..., volume 3, pp. 62-63), citando FLAVIO MARTINS, destaca que "a restituição da coisa subtraída, portanto, depois do uso momentâneo, é elemento indispensável para a configuração do furto de uso. Mas não basta; deve ser imediata. Isso porque, se a coisa não for imediatamente devolvida, demonstrará o animus do agente em exercer qualidades de proprietário sobre a coisa, fato que caracteriza o furto propriamente dito". E complementa com GUILHERME DE SOUZA NUCCI: "o modo que o autor possui de demonstrar a sua franca intenção de dispor da coisa como se não pertencesse a outrem. Além disso, é preciso haver imediata restituição, não se podendo aceitar lapsos temporais exagerados". O próprio BITENCOURT destaca que "havendo subtração de um veículo para dar uma volta, sendo devolvido, pouco tempo depois, batido ou danificado, ou ainda, com razoável consumo de combustível, não se pode negar que houve diminuição no patrimônio da vítima; nesses casos, caracterizou-se o crime de furto". PIERANGELI (Manual de direito penal brasileiro..., p. 333) escreve que "no delito de furto, subtração não é unicamente a tirada de uma coisa do lugar onde se encontrava (animo detinendi), pois, após o apossamento, reclama, num momento posterior, a sujeição dela ao restrito poder de disposição do agente. Este atua com a finalidade de ter a coisa definitivamente para si (animus rem sibi habendi), ou para terceiro". Se fizermos um esforço intelectual, podemos encontrar o dolo específico no furto de uso: se a tutela jurídica recai sobre a posse ou a propriedade da coisa subtraída, o que permite a ilação de que o agente se apropria ou se apossa de modo ilegítimo da coisa, mesmo que haja a devolução posterior da coisa, do modo como esta se encontrava antes de ser subtraída, já terá se configurado a dolo específico de subtração para si de coisa alheia móvel. Ora, não há dentre as elementares do tipo delitual de furto a menção ao animus definitivo de o agente ter a coisa para si; basta, a nosso ver, que o agente provoque uma inversão ilícita pelo menos na detenção da coisa, a fim de que se configure a detenção ilegítima da coisa, conforme já dissemos alhures. Assim, a detenção ilegítima não precisa ser definitiva, bastando que seja temporária para que haja a consumação do delito. Concordaríamos com o autor, se, por outro lado, a redação do artigo 155, caput, fosse a seguinte: "subtrair, para si ou para outrem, definitivamente, coisa móvel alheia".

25 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado..., p. 629.

26 PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro..., p. 360; NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado..., p. 631; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 35; CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal..., volume 2, p. 392.

27 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal..., volume 2, p. 393.

28 Caso o agente preste auxílio após a consumação do crime, sem que tenha havido qualquer acordo anterior ao momento de execução/consumação do furto, o agente que prestou o auxílio responderá por crime de favorecimento real (artigo 349). Por exemplo: Mélvio furta aparelho de tv da casa de Tício e pede ao seu amigo, Caio, que guarde o objeto do crime em sua casa. Observe-se que haverá furto qualificado, caso tenha existido o acordo prévio entre os agentes.

29 PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro..., p. 347.

30 Não se pode argüir que, pelo artigo 22 parágrafo único da Constituição Federal, Lei Complementar poderia autorizar os Estados a legislar sobre matéria penal; entretanto, observe-se que pela redação do citado dispositivo, a competência delegada é para legislar sobre questões específicas sobre matéria penal.

31 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado..., p. 632.

32 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal..., volume 2, p. 381.

33 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado..., p. 731.

34 O condomínio é o igual direito que várias pessoas têm sobre uma mesma coisa, ainda que não haja uma divisão. A herança é a universalidade de bens, que, com a morte de seu titular, sofrerá partilha entre os herdeiros legítimos e os testamentários. A sociedade é a reunião de no mínimo duas pessoas para a realização de um objetivo de interesse comum. Ver: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal..., volume 2, pp. 398-399; SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. 13.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997, pp. 197, 394 e 764; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 73.

35 Dispõe o artigo 30: não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

36 PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro..., pp. 364-365.

37 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado..., p. 633.

38 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal..., volume 2, p. 399.

39 O próprio autor mostra-se favorável a esse entendimento: "entendemos que não se pode confundir o patrimônio social com o dos sócios, mesmo porque a pessoa jurídica regularmente constituída tem existência distinta de seus membros. Os móveis que formam o patrimônio social e que podem constituir objeto material de furto não são coisas comuns, mas da pessoa jurídica, daí constituit a sua subtração pelo sócio furto comum. Todavia, em relação àquelas coisas que formam o patrimônio da sociedade destituída de personalidade jurídica, existe simplesmente comunhão de bens e interesses, e a subtração da coisa leva ao furto comum, razão, portanto, tem Pecorella ao afirmar que se deve atentar para as peculiaridades de cada caso concreto" (Manual de direito penal brasileiro..., p. 365).

40 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 73.

41 BITENCOURT (Tratado de direito penal..., volume 3, pp. 80 e 82-83) faz a seguinte afirmação: "durante longo período da história o roubo foi tratado como furto, embora, na essência, não deixe de ser uma espécie de ‘furto agravado’ pelo modus operandi, isto é, distingue-se do furto apenas pelo emprego da ‘violência ou grave ameaça contra a pessoa’ ou ainda pela utilização de qualquer outro meio que impossibilite a resistência da vítima". "O roubo nada mais é que o furto ‘qualificado’ pela violência à pessoa. Por mais que se queira inovar na definição do crime de roubo, a despeito do nomen iuris próprio e de pena autônoma, não se pode negar sua similitude com um furto qualificado pelo emprego de violência ou grave ameaça à pessoa ou de qualquer outro meio para impossibilitar sua resistência. Esse já era o magistério do velho Carrara, para quem ‘o roubo vem a ser uma forma mais odiosa que o furto cometido na presença do dono, e essa odiosidade decorre da maior audácia ao sacar-lhe os objetos, não apenas à sua vista, mas dele próprio ou de suas mãos’. Aliás, não constituiria nenhum paradoxo científico-dogmático se o legislador optasse pela criação de uma qualificadora especial do crime de furto, cominandolhe a sanção correspondente à violência a pessoa. Com efeito, a opção do legislador brasileiro pela concepção autônoma do crime de roubo tem fundamento mais político-criminal que científico, embora facilite didaticamente sua compreensão, estudo e aplicação. Não era outra a orientação de Hungria, que preconizava: ‘à parte o meio violento ou impeditivo de reistência da vítima, coincide o roubo com o furto, pois é, também, subtração de coisa alheia móvel, com o fim de tê-la o agente para si ou para outrem’".

42 Ver nota de número 2.

43 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro..., volume 2, p. 419. GUILHERME DE SOUZA NUCCI (Código penal comentado..., p. 636), aproveitando o ensejo, afirma que não existe roubo de uso, "pois o agente, para roubar – diferentemente do que ocorre com o furto –, é levado a usar violência ou grave ameaça contra a pessoa, de forma que a vítima tem imediata ciência da conduta e de que seu bem foi levado embora".

44 A doutrina, no entando, tem provocado controvérsia quanto à admissibilidade ou não da tentativa. LUIZ RÉGIS PRADO (Curso de direito penal brasileiro..., volume 2, p. 420) escreve que "o crime não comporta o conatus, porque a tentativa de usar a violência ou a grave ameaça é juridicamente irrelevante nessas circunstâncias. Consumada a subtração e, em seguida, a violência ou grave ameaça, ter-se-á o roubo impróprio. Caso contrário, se apenas se tiver a subtração, desprovida da violência ou grave ameaça, caracterizado estará o delito de furto. Não é admissível, pois, a tentativa".

45 Ver o capítulo sobre os crimes contra e liberdade pessoal.

46 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 2, p. 89.

47 Caso o agente preste auxílio após a consumação do crime, sem que tenha havido qualquer acordo anterior ao momento de execução/consumação do furto, o agente que prestou o auxílio responderá por crime de favorecimento real (artigo 349). Por exemplo: Mélvio furta aparelho de tv da casa de Tício e pede ao seu amigo, Caio, que guarde o objeto do crime em sua casa. Observe-se que haverá furto qualificado, caso tenha existido o acordo prévio entre os agentes.

48 Não se pode argüir que, pelo artigo 22 parágrafo único da Constituição Federal, Lei Complementar poderia autorizar os Estados a legislar sobre matéria penal; entretanto, observe-se que pela redação do citado dispositivo, a competência delegada é para legislar sobre questões específicas sobre matéria penal.

49 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 111. Reproduzimos o que escreve o autor: "a morte de qualquer dos participantes do crime (sujeito ativo) não configura latrocínio. Assim, se um dos comparsas, por divergências operacionais, resolve matar o outro durante um assalto, não há falar em latrocínio, embora o direito proteja a vida humana, independentemente de quem seja seu titular, e não apenas a da vítima do crime patrimonial. Na realidade, a morte do comparsa, nas circunstâncias, não é meio, modo ou forma de agravar a ação desvalisosa do latrocínio, que determina sua maior reprovabilidade. A violência exigida pelo tipo penal está intimamente relacionada aos sujeitos passivos naturais (patrimonial ou pessoal) da infração, sendo indispensável essa relação cuasal para configurar o crime preterdolosos especialmente agravado pelo resultado".

50 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 112.

51 JESUS, Damásio Evangelista de. Código penal anotado..., p. 528.

52 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro..., volume 2, p. 426.

53 STF, HC 75006-1/SP, 2ª Turma, Ministro Relator Maurício Corrêa, DJU 27/06/1997.

54 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 118.

55 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 121.

56 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro..., volume 2, p. 435.

57 CAPEZ (Curso de direito penal..., volume 2, p. 429) afirma que há outra corrente, a qual defende ser a extorsão crime material, o qual se consuma com a produção do resultado obtenção indevida de vantagem econômica. Trata-se de posição minoritária e vencida, haja vista que o verbo do tipo não é obter, e sim constranger com a finalidade de obter.

58 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado..., p. 648.

59 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 112.

60 JESUS, Damásio Evangelista de. Código penal anotado..., p. 528.

61 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 136.

62 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal..., volume 2, p. 187.

63 Citado por: MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal..., volume 2, p. 185.

64 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal..., volume 2, p. 310.

65 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal..., volume 3, p. 153.

66 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal..., volume 2, p. 446.

67 Há doutrina que o caracteriza como crime próprio, em que o sujeito passivo é o devedor e o sujeito ativo, o credor.

68 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado..., p. 653.


Autor

  • Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira

    Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira

    Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Diretor Secretário-Geral da Academia Brasileira de Direitos Humanos (ABDH). Membro do Comitê de Pesquisa da Faculdade Estácio de Sá, Campus Vitória (FESV). Professor de Introdução ao Estudo do Direito, Direito Financeiro, Direito Tributário e Processo Tributário, no Curso de Direito da FESV. Pesquisador vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da FDV. Consultor de Publicações; Advogado e Consultor Jurídico sócio do Escritório Homem de Siqueira & Pinheiro Faro Advogados Associados. Autor de mais de uma centena de trabalhos jurídicos publicados no Brasil, na Alemanha, no Chile, na Bélgica, na Inglaterra, na Romênia, na Itália, na Espanha, no Peru e em Portugal.

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SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro Homem de. Considerações acerca da disciplina dos crimes de furto, roubo e extorsão no Código Penal Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1302, 24 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9420. Acesso em: 20 abr. 2024.