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A Lei nº 11.382/06 e a prevenção contra a fraude à execução

A Lei nº 11.382/06 e a prevenção contra a fraude à execução

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É indiscutível que as etapas já transcorridas da reforma do texto processual civil, cujos objetivos sempre foram o de atender ao clamor pela modernização da sistemática vigente, merecem uma análise mais detalhada de todas as suas nuances, a fim de que possa ser compreendida, na íntegra, a mens legis, ou seja, a destinação daquilo que, efetivamente, se pretendeu, e se pretende, alcançar com as respectivas mudanças.

Não se busca, porém, nestas singelas linhas, esgotar o exame de todos os dispositivos legais já modificados (até porque a interpretação de novos textos sempre gera um grande número de dúvidas e de críticas), mas, tão-somente, ressalvado o mais do que louvável esforço da Comissão de Reforma do Código de Processo Civil, da Escola Nacional da Magistratura e do Instituto Brasileiro de Direito Processual, tecer alguns comentários acerca de mecanismo de extremada valia inserido no artigo 615-A e parágrafos, consistente na possibilidade de prevenção contra a fraude à execução, por meio do registro público.

Já se mencionou que o foco maior das reformas pontuais, cuja extensa lista de projetos remanesce no Congresso Nacional, é o de conferir a tão decantada "feição moderna" à legislação vigente, não podendo se perder de vista, todavia, que, prioritariamente, e para que surta algum tipo de resultado, mister atacar as verdadeiras causas dos problemas que conduzem ao chamado "descrédito de prestação da jurisdição". E é justamente adotando esta linha de raciocínio, que se deve enaltecer a inserção do dispositivo abordado no presente estudo, vez que constitui elemento de vital significado para coibir a fraude por parte do executado, permitindo ao exeqüente, por outro lado, se assentar numa maior possibilidade da garantia de efetividade daquilo que postula. Sobre a efetividade das decisões, aliás, pondera Cândido Rangel Dinamarco em sua obra "A instrumentalidade do processo", Editora Malheiros, 10ª edição, 2002, páginas 364/365 :

"O coroamento de toda atividade desenvolvida com vista a certos objetivos bem definidos e até mesmo individualizada em função deles há de ser representado, naturalmente, pela plena realização dos objetivos eleitos. Falar em efetividade do processo e ficar somente nas considerações sobre o acesso a ele, sobre o seu modo-de-ser e a justiça das decisões que produz significaria perder a dimensão teleológica e instrumental de todo o discurso. Propugna-se pela admissão do maior número possível de pessoas e conflitos ao processo (universalidade da jurisdição), indicam-se caminhos para a melhor feitura do processo e advertem-se os riscos de injustiça, somente porque de tudo isso se espera que possam advir resultados práticos capazes de alterar substancialmente a situação das pessoas envolvidas. Não é demais realçar uma vez mais a célebre advertência de que o processo precisa ser apto a dar a quem tem um direito, na medida do que for praticamente possível, tudo aquilo a que tem direito e precisamente aquilo a que tem direito"

Pois bem. Tornando ao exame dos diplomas legislativos que recentemente vêm modificando a carta processual civil, mais especificamente em relação ao processo de execução, tem-se que, em seqüência à Lei nº 11.232/05, que reformulou a execução de título judicial, e na mesma esteira de pensamento do legislador que demonstra querer tornar mais célere e efetiva a execução por expropriação, adveio a Lei nº 11.382/06, cuja publicação se deu no DOU de 7.12.2006, com vacatio legis de 45 (quarenta e cinco) dias, tendo como principal alvo o aprimoramento da execução do título extrajudicial.

A primeira legislação citada no parágrafo anterior, já se sabe, teve como ponto crucial a eliminação da separação entre o processo de conhecimento e o processo de execução, quando este último tenha por base a sentença, cujo conceito, inclusive, e em decorrência do sincretismo que se instalou, restou alterado junto ao parágrafo 1º, do artigo 162, do Código de Processo Civil, para que se assimilasse a idéia de que não seria razoável entender que se tratava de ato decisório de extinção do processo (como proclamava a legislação anterior), até porque teria início, então, a fase executiva.

Já a segunda legislação, e que deu azo ao tema ora abordado, se pautou, na essência, pela firme idéia de que as partes devem ter mais poderes e deveres no pleito executivo, cabendo a elas a tentativa de escolha do melhor caminho para que o litígio chegue a uma solução o mais rápido possível. Apontam-se, como exemplos de mudança assaz significativos, dentre outros, a iniciativa do exeqüente de nomear bens à penhora, bem como sua opção pela melhor forma de expropriação dos bens penhorados, além da ampliação das possibilidades de substituição da penhora e da inexistência de prévia penhora para que o executado possa se defender por meio dos embargos.

Indubitavelmente, porém, tem chamado a atenção de grande parte da doutrina o fato de ter sido conferida a faculdade ao exeqüente de prevenir a consumação da fraude, por parte do executado, mediante sua atitude de providenciar a simples averbação em registro público, da distribuição do respectivo feito. Se usada com a devida prudência, mesmo porque se trata de medida com conteúdo eminentemente acautelatório, não resta dúvida alguma de que a inovação será de enorme utilidade para que a fase executiva alcance os seus propósitos.

Não é demais lembrar que, anteriormente, havia previsão de registro de penhora de bens imóveis (parágrafo 4º, do artigo 659, do Código de Processo Civil, alterado e ampliado em sua redação pela Lei nº 10.444/02), para divulgá-la erga omnes, e conseqüentemente tornar inoponível a alegação de boa-fé por parte de quem quer que fosse o seu futuro adquirente.

O que se amealhou com a inserção do artigo 615-A e parágrafos, no entanto, foi um ganho excepcional na busca da realização prática das atividades executivas, pois já não se prevê a fraude à execução apenas depois de aperfeiçoada a penhora. De fato, desde a simples distribuição da petição inicial embasadora de ação executiva de título extrajudicial, fica autorizado o exeqüente a obter certidão (não há necessidade de mandado judicial e o seu conteúdo encontra-se explicitado no caput do artigo 615-A) daquele ajuizamento para fins de averbação no registro público, averbação ponderada, sem exageros, e que represente a efetividade que se busca com a execução proposta. É a averbação da própria execução no registro de qualquer bem passível de penhora e que pertença ao executado, não havendo qualquer delimitação sobre quais bens possa incidir a medida.

Quanto aos abusos e desvios que eventualmente advenham das referidas averbações, ensina Humberto Theodoro Júnior, em sua obra "A reforma da execução do título extrajudicial", Editora Forense, 2007, página 34 :

"O uso desarrazoado e desproporcional das averbações pode, eventualmente causar ao executado prejuízos injustos e desnecessários. Por exemplo : se já existe bem sobre o qual o credor exerce direito de retenção ou garantia real, seria, em princípio, abusiva a averbação sobre outros bens do executado, a não ser que a garantia disponível seja manifestamente insuficiente para cobrir todo o crédito aforado"

O ordenamento em questão dispõe, ainda, que, concretizadas as averbações, o exeqüente tem a responsabilidade de comunicá-las ao juízo da execução, tudo no prazo de 10 (dez) dias contados da efetivação (parágrafo 1º, do artigo 615-A). Pode ocorrer, porém, de serem realizadas várias averbações em datas diferentes, ocasião em que, não obstante a lei seja silente a respeito, o prazo de 10 (dez) dias contar-se-á da data de cada averbação realizada.

Aperfeiçoada a penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, subsistirá somente aquela averbação correspondente ao bem que, efetivamente, tenha sido constrito (parágrafo 2º, do artigo 615-A), cabendo ao exeqüente que promover averbação manifestamente indevida, aquela excessiva ou com o único propósito de prejudicar o executado, indenizar a parte contrária, nos termos do que dispõe o parágrafo 2º, do artigo 18, da mesma Carta Processual Civil, ou seja, indenizar em decorrência de litigância de má-fé (parágrafo 3º, do artigo 615-A).

É evidente, portanto, que, após as averbações, os bens então afetados não poderão ser livremente alienados pelo executado, pois a novel legislação estabelece a presunção de fraude à execução (parágrafo 3º, do artigo 615-A). Trata-se de presunção relativa e que não se confunde com a presunção de fraude à execução descrita no artigo 593 do mesmo diploma processual civil. Lá, há a previsão, em seu inciso II, de que a fraude restará caracterizada se a alienação ou oneração de bens pelo executado tenha ocorrido ao tempo em que contra este último pendia demanda capaz de conduzi-lo à insolvência. Aqui, ao revés, basta a alienação ou oneração do bem sobre o qual tiver sido averbada a certidão de distribuição de ação executiva para que se presuma que o executado tenha agido com o propósito de fraudar a execução.

Há que se mencionar, ainda, que o legislador permitiu que os tribunais adotassem instruções sobre o cumprimento das disposições do artigo 615-A, a fim de racionalizar a aplicação do instituto e solucionar questões que eventualmente surjam a respeito, como, por exemplo, como se daria a emissão da referida certidão, se haveria cobrança de emolumentos para tanto etc. (parágrafo 5º).

Com efeito, é possível afirmar que o exeqüente dispõe de relevante mecanismo na busca de uma maior efetividade da ação executiva por ele proposta, cabendo a ele próprio, portanto, e como consignado no início, procurar o melhor meio para tanto. A emissão de certidão para as conseqüentes averbações, além de outras medidas que poderão será adotadas pelo exeqüente neste sentido, como, por exemplo, a nomeação de bens à penhora quando do ajuizamento da inicial, contém, acima de tudo, razoável aspecto psicológico que poderá contribuir sobremaneira para que se alcance o resultado final tão almejado. Por fim, não se pode deixar ao largo o fato de que, subsidiariamente, se aplicam as disposições inerentes à execução de título extrajudicial, no que couber, ao cumprimento de sentença, ex vi do disposto no artigo 475-R do mesmo texto processual civil.


BIBLIOGRAFIA

THEODORO JUNIOR, Humberto. A reforma da execução do título extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. 6ª edição. São Paulo: Manole, 2007.

CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de; SACCO NETO, Fernando; MELLO, Rogério Licastro Torres de; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; HOFFMAN, Paulo; PALHARINI JÚNIOR, Sidney. Nova execução de título extrajudicial. São Paulo: Método, 2007.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Maurício Ferreira; MENDES, Márcia Maria Santos. A Lei nº 11.382/06 e a prevenção contra a fraude à execução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1379, 11 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9722. Acesso em: 24 abr. 2024.