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O combate ao contrabando de cigarros nas esferas administrativa e jurisdicional

O combate ao contrabando de cigarros nas esferas administrativa e jurisdicional

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Embora haja esforços para combater o tabagismo, a aplicação do princípio da insignificância enfraquece a efetividade da norma penal que tipifica o crime de contrabando de cigarros.

Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar se há alinhamento entre as políticas públicas sanitárias e os entendimentos jurisprudenciais que versam sobre o contrabando de cigarros para então ponderar se o combate ao tabagismo no Brasil tem efetividade. Para tanto, apresenta uma ampla visão das regras vigentes que normatizam a fabricação, comercialização e importação de produtos derivados de tabaco. Também são relacionadas as medidas em matéria de saúde que visam dissuadir o consumo dessa droga. É relacionada a doutrina, a evolução legal e jurisprudencial acerca do contrabando de cigarros, como também são lançados dados estatísticos. Verifica-se, então, que, atualmente, apesar do reduzido efetivo das forças de segurança, muitas apreensões de cigarros irregulares são registradas em todo território. Cabe ao órgão aduaneiro aplicar a pena de perdimento dessas mercadorias, lançar a multa por maço de cigarro apreendido e dar perdimento aos veículos utilizados no cometimento do crime. De outro lado, são identificadas correntes jurisprudenciais que esvaziam a efetividade da norma penal que tipifica o crime de contrabando. O princípio da insignificância vem sendo aplicado em vários casos concretos por se vislumbrar a atipicidade material da conduta. Contudo, os Tribunais Superiores têm adotado entendimento que está se encaminhando pela vinculação, reconhecendo a significativa reprovabilidade do crime de contrabando de cigarros, invocando a necessidade de proteção da saúde, da atividade industrial interna, da moralidade administrativa e da ordem pública. Por fim, é sustentada a ideia de que o Estado deve se preocupar precipuamente em investir nas políticas públicas de desestimulo ao fumo.

Palavras-chave: Cigarros; Contrabando; Princípio da Insignificância.


1. INTRODUÇÃO

O consumo de tabaco, embora permitido e socialmente aceito, é uma questão de saúde tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Diversas doenças têm relação íntima com o seu hábito, gerando perdas fatais e gastos vultosos com o sistema de saúde. A venda e o uso de cigarros clandestinos, produzidos sem as mínimas condições de controle, tornam ainda mais grave o cenário. Reconhecido o problema, pretendeu-se perquirir se há soluções tanto na esfera da prevenção ao tabagismo quanto da repressão dos cigarros contrabandeados.

Num primeiro momento, buscou-se levantar quais são as principais políticas públicas adotadas para o controle de segurança dos produtos derivados do tabaco a serem fabricados no Brasil ou importados. Para tanto, pesquisou-se as diretrizes da Organização Mundial da Saúde, a legislação infraconstitucional brasileira que baliza a atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e demais participantes do sistema de saúde. Também é apresentada a legislação que trata sobre a fiscalização tributária e aduaneira.

Superadas as exigências dos órgãos de controle, passou-se a analisar as implicações administrativas e penais caso verificado o cometimento de alguma infração legal relacionada a introdução irregular de cigarros no território nacional. A legislação fiscal é um sistema claro e ordenado, não suscitando maiores dúvidas do seu intérprete e aplicador. No entanto, o mesmo não foi verificado na esfera penal.

Assim, preliminarmente, entendeu-se necessário fazer a distinção entre os crimes de descaminho e contrabando e uma conceituação do princípio da insignificância para então se analisar o entendimento dos Tribunais Superiores sobre o tratamento dado à conduta de fazer ingressar cigarros de procedência estrangeira no território nacional sem o regular processo de importação.

Ao longo deste artigo foram mencionados estudos e pesquisas científicas que corroboraram com estatísticas para se analisar se há avanço positivo no cenário de combate ao tabagismo. É apresentada renomada literatura jurídica sobre os crimes de contrabando e descaminho e as construções jurisprudenciais correspondentes notadamente no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região Fiscal, do Superior Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal Federal.

Ao final foi feita uma análise crítica à legislação que trata sobre as regras de segurança, ao controle da publicidade e à política tributária. As ações e resultados dos órgãos de segurança mereceram destaque, uma vez que expressivos apesar do cenário de esvaziamento do Estado nas fronteiras. Ao término é enaltecida a atuação dos Tribunais Superiores por não esvaziar o alcance da legislação penal e manter motivados os agentes de segurança.


2. CONTROLES ADMINISTRATIVOS

2.1. Controle Sanitário

O uso do tabaco no Brasil é de origem secular. Agrega tanto aspectos religiosos quanto culturais. No entanto, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é a principal cauda de morte evitável no planeta, sendo, assim, considerado um grave problema de saúde pública. Felizmente os dados são no sentido de que a cultura que enaltece o tabagismo está em queda: em 1989 o percentual de fumantes no Brasil era de 34,8% (Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição), índice que caiu ao longo dos anos chegando ao percentual de 12,6% de fumantes no Brasil no ano de 20191.

A produção e venda de produtos derivados de tabaco são permitidas desde que atingidos requisitos mínimos de segurança em termos de saúde. Com certa periodicidade, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA - publica a Relação de Marcas de Cigarros permitidas no Brasil. A mais recente2, atualizada em 13 de junho de 2022, relaciona apenas oito empresas aptas a comercializarem cigarros em território nacional, uma vez que seriam as únicas a observar as diretrizes de observância obrigatória produzidas por essa agência reguladora.

A ANVISA frisa ser proibida a importação, a exportação e a comercialização no território nacional de qualquer marca de produto fumígeno que não esteja devidamente regularizado junto àquela agência. Seguem os comandos legais:

Lei n° 9.782, de 26 de janeiro de 1999:

...

Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

...

XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;

...

Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.

...

X - cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco; ...

O processo para a solicitação do devido registro como também as demais exigências atuais estão descritas na RDC n°559, de 30 de agosto de 20213.

Por outro lado, cada vez mais a ANVISA cerca a divulgação e promoção recreativa deste produto com regras que visam expor claramente os malefícios do seu uso quanto que dão o caráter atraente, em atendimento a comando constitucional:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

...

§ 3º Compete à lei federal:

...

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

§ 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

No dia 15 de julho de 1996 foi publicada a Lei n° 9.294, considerada um marco na restrição da propaganda e uso dos produtos fumígeros. Temos de mais recente a Resolução RDC n°195, de 14 de dezembro de 2017, que atualizou as advertências sanitárias que são obrigatórias nas embalagens dos produtos derivados de tabaco de uso permitido, como cigarros, cigarrilhas, charutos, fumo para narguilé.

Ainda no cenário de dissuasão ao consumo de tabaco, temos atuante, dentre outros institutos e programas, o Instituto Nacional do Câncer – INCA –, órgão do Ministério da Saúde que coordena o Programa Nacional de Controle do Tabagismo. Seu trabalho se dá desde a prevenção do uso de tabaco até programas de incentivo à cessação do vício:

Desde 1997 o INCA é Centro Colaborador da OMS para o Controle do Tabaco e realiza estudos populacionais cujos resultados contribuem para monitorar as tendências do consumo de produtos de tabaco no Brasil assim como conhecimento, crenças e atitudes da população frente às diferentes medidas da Política Nacional de Controle do Tabaco.4

Por fim, já em compasso ao cenário mundial, as políticas sanitárias internas também devem observar as diretrizes da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco da Organização Mundial da Saúde (CQCT) à qual o Brasil é signatário desde 2003. A internalização no país ocorreu por meio do Decreto n° 5.658, de 02 de janeiro de 2006.

2.2. Controle tributário e aduaneiro

A legislação brasileira é farta de dispositivos legais que visam o controle da produção e importação legal de cigarros no Brasil como também o combate do contrabando de cigarros.

No cenário do comércio internacional, o Decreto-Lei n° 399, de 30 de dezembro de 1968, que versa sobre questões de fiscalização de mercadorias de procedência estrangeira, nos art. 2º e 3º prevê o especial controle sobre o desembaraço alfandegário, a circulação, a posse e o consumo de cigarros de procedência estrangeira:

Art 2° O Ministro da Fazenda estabelecerá medidas especiais de controle fiscal para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro de procedência estrangeira.

Art 3º Ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem qualquer dos produtos nele mencionados.

Parágrafo único. Sem prejuízo da sanção penal referida neste artigo, será aplicada, além da pena de perdimento da respectiva mercadoria, a multa de R$ 2,00 (dois reais) por maço de cigarros ou por unidade dos demais produtos apreendidos. (Redação dada pela Lei n° 10.833, de 29.12.2003).

Por sua vez, o Decreto n° 6.759, de 05 de fevereiro de 2009 – Regulamento Aduaneiro – dispõe sobre as medidas de controle fiscal de importação de cigarros nos art. 599. a 602:

Art. 599. A importação de cigarros classificados no código 2402.20.00 da Nomenclatura Comum do Mercosul será efetuada com observância do disposto nesta Seção, sem prejuízo de outras exigências, inclusive quanto à comercialização do produto, previstas em legislação específica.

Parágrafo único. A importação a que se refere o caput será efetuada exclusivamente por empresas que mantiverem registro especial na Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Art. 600. É vedada a importação de cigarros de marca que não seja comercializada no país de origem.

Art. 601. No desembaraço aduaneiro de cigarros importados do exterior deverão ser observados:

I - se as vintenas importadas correspondem à marca comercial divulgada e se estão devidamente seladas, com a marcação no selo de controle do número de inscrição do importador no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica e do preço de venda a varejo;

II - se a quantidade de vintenas importadas corresponde à quantidade autorizada; e

III - se na embalagem dos produtos constam, em língua portuguesa, todas as informações exigidas para os produtos de fabricação nacional.

Art. 602. O Ministro de Estado da Fazenda estabelecerá medidas especiais de controle fiscal para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro de procedência estrangeira.

A importação de cigarros estrangeiros somente pode ser feita por pessoa jurídica cadastrada em registro especial na Receita Federal do Brasil. A exigência é determinada no § 3º e no caput do art. 1º do Decreto-Lei n° 1.593, de 21 de dezembro de 1977:

Art. 1º A fabricação de cigarros classificados no código 2402.20.00 da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados - TIPI, aprovada pelo Decreto no 2.092, de 10 de dezembro de 1996, será exercida exclusivamente pelas empresas que, dispondo de instalações industriais adequadas, mantiverem registro especial na Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.

...

§ 3º O disposto neste artigo aplica-se também à importação de cigarros, exceto quando destinados à venda em loja franca, no País.

A determinação legal de selo de controle e a marcação no selo do número do CNPJ do importador para cada maço importado está prescrita no § 4º do art. 49. da Lei n° 9.532, de 10 de dezembro de 1997:

§ 4° Os selos de controle serão remetidos pelo importador ao fabricante no exterior, devendo ser aplicado em cada maço, carteira, ou outro recipiente, que contenha vinte unidades do produto, na mesma forma estabelecida pela Secretaria da Receita Federal para os produtos de fabricação nacional.

O art. 50. do mesmo dispositivo legal reforça a necessidade de aplicação de selo de controle aos cigarros importados e acrescenta a obrigação de a embalagem estar em língua portuguesa:

Art. 50. No desembaraço aduaneiro de cigarros importados do exterior deverão ser observados:

I - se as vintenas importadas correspondem à marca comercial divulgada e se estão devidamente seladas;

II - se a quantidade de vintenas importada corresponde à quantidade autorizada;

III - se na embalagem dos produtos constam, em língua portuguesa, todas as informações exigidas para os produtos de fabricação nacional.

Parágrafo único. A inobservância de qualquer das condições previstas no inciso I sujeitará o infrator à pena de perdimento.

A exigência de informações em língua portuguesa também é imposta pelo caput do art. 6°-A, do Decreto-Lei n° 1.593, de 21 de dezembro de 1977:

Art. 6°-A. Sem prejuízo das exigências determinadas pelos órgãos federais competentes, a embalagem comercial dos produtos referidos no art. 1º conterá as seguintes informações, em idioma nacional:

I - Identificação do importador, no caso de produto importado;

Há também uma série de Instruções Normativas de autoria da Receita Federal do Brasil que versam sobre as exigências legais às quais estão obrigados os fabricantes e importadores de cigarros, sendo a mais importante a Instrução Normativa RFB nº770, de 21 de agosto de 2007.

A implementação do Sistema de Controle e Rastreamento da Produção de Cigarros (Scorpios) tem sido uma importante ferramenta para o controle integral de todas as linhas de produção de cigarros no território brasileiro. Segundo estudos do INCA:

Após dois anos de implantação do Scorpios, o Governo Brasileiro conseguiu reduzir a participação do comércio ilegal dos produtos fabricados em território nacional do crescente índice de 17% para 11%. Aliado ao cancelamento de licenças de fabricantes de cigarros pela prática predatória da evasão de impostos, essas medidas acarretaram uma redução de 250 milhões de carteiras de cigarros produzidas em território brasileiro no ano de 2008, e 430 milhões de carteiras de cigarros no ano de 2009, que juntos representam cerca de R$ 700 milhões em impostos que deixaram de ser sonegados.5

As estatísticas tornam claro que o uso da tecnologia tem sido fundamental para tornar mais eficientes os trabalhos de fiscalização dos órgãos de controle e repressão no que diz respeito aos produtos derivados de tabaco fabricados no Brasil apesar da constante diminuição do quadro funcional dos referidos órgãos.

2.2.1. Apreensões de cigarros

Constantemente são veiculadas na imprensa notícias sobre vultuosas apreensões de cigarros contrabandeados feitas pela Receita Federal do Brasil e outros órgãos de segurança, notadamente Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal. Os números impressionam:

Sem uma solução adequada para o problema do contrabando de cigarros no Brasil, as apreensões dos produtos ilegais continuam sendo feitas pela Receita Federal. Somente nos dois primeiros meses deste ano, o órgão apreendeu 18.755.834 maços, que representam cerca de R$ 94,8 milhões. Para evitar a comercialização ilegal, os cigarros apreendidos são destruídos. Em 2021, o órgão bateu recorde ao inviabilizar para consumo cerca de 307 milhões de maços, que correspondem a 710 carretas lotadas de cigarros.

Na comparação entre 2021 com o ano anterior, o número de toneladas de cigarros ilícitos destruídos cresceu 35%. Foram 9,2 mil toneladas contra 6,9 mil. O número de apreensões por ano oscila pouco desde 2017, ou seja, anualmente, mais de 200 milhões de maços são apreendidos, o que mostra que o mercado ilícito do produto no Brasil é um problema regular.6

Convém ressaltar que os cigarros apreendidos no Brasil não são apenas aqueles oriundos de outros países como o Paraguai, por exemplo. Organizações criminosas têm fabricado cigarros fora das exigências legais, seja de saúde como fiscais, em solo pátrio alcançando lucros expressivos sem arrecadar os impostos correspondentes.

A título de exemplo, menciona-se a Operação Tavares, fruto do trabalho conjunto entre a Polícia Federal e a Receita Federal no Brasil desenvolvida em três estados no ano de 2021. Conforme dados apresentados à grande imprensa, o grupo criminoso combatido foi responsável pela circulação de 50% de todo o cigarro ilegal em território gaúcho nos anos investigados. Quando da deflagração da operação, 20.000 caixas de cigarros foram apreendidas. Se tivessem sido regularmente fabricadas, importariam somente em tributos federais a importância de R$30 milhões7.

Como consequência, é recorde o histórico de destruição de maços de cigarros pela Receita Federal do Brasil8: em 2021 foram destruídas mais de 9,2 mil toneladas de cigarros apreendidos, o que importa no aumento de 35% em relação ao ano anterior. Veja-se o gráfico elaborado pelo órgão fiscalizador:

Gráfico 1 9

2.2.2. Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) da OMS e a política tributária de preços

A Convenção-Quadro da OMS para o Controle de Tabaco já mencionada em tópico anterior entende que o aumento dos impostos e dos preços do cigarro seria uma importante ferramenta para dissuadir o consumo da droga:

Artigo 6 - Medidas relacionadas a preços e impostos para reduzir a demanda de tabaco

1. As Partes reconhecem que medidas relacionadas a preços e impostos são meios eficazes e importantes para que diversos segmentos da população, em particular os jovens, reduzam o consumo de tabaco.

2. Sem prejuízo do direito soberano das Partes em decidir e estabelecer suas respectivas políticas tributárias, cada Parte levará em conta seus objetivos nacionais de saúde no que se refere ao controle do tabaco e adotará ou manterá, quando aplicável, medidas como as que seguem:

a) aplicar aos produtos do tabaco políticas tributárias e, quando aplicável, políticas de preços para contribuir com a consecução dos objetivos de saúde tendentes a reduzir o consumo do tabaco;

b) proibir ou restringir, quando aplicável, aos viajantes internacionais, a venda e/ou a importação de produtos de tabaco livres de imposto e livres de tarifas aduaneiras.

3. As Partes deverão fornecer os índices de taxação para os produtos do tabaco e as tendências do consumo de produtos do tabaco, em seus relatórios periódicos para a Conferência das Partes, em conformidade com o artigo 21.

No Brasil, cabe ao Ministério da Fazenda, através da Secretaria da Receita Federal, equacionar a política de preços e impostos aos objetivos de saúde pública. Isso se dá através dos aumentos reiterados dos tributos incidentes sobre cigarros, quais sejam: IPI e PIS/COFINS. A Lei 12.546, de 14 de dezembro de 2011, criou a política de preços mínimos para os cigarros comercializados em território nacional:

Art. 20. O Poder Executivo poderá fixar preço mínimo de venda no varejo de cigarros classificados no código 2402.20.00 da Tipi, válido em todo o território nacional, abaixo do qual fica proibida a sua comercialização.

§ 1º A Secretaria da Receita Federal do Brasil aplicará pena de perdimento aos cigarros comercializados em desacordo com o disposto no caput, sem prejuízo das sanções penais cabíveis na hipótese de produtos introduzidos clandestinamente em território nacional.

Desde o ano de 2012 o valor mínimo para a comercialização de cigarros em território nacional a cada vintena vem sendo alterado de forma progressiva, chegando, no ano de 2016, ao valor mínimo de R$ 5,00. Segue a tabela contida no Decreto nº 8.656, de 29 de janeiro de 2016, em seu art. 7º:

Tabela 01

VIGÊNCIA

VALOR POR VINTENA

01/05/2012 a 31/12/2012

R$ 3,00

01/01/2013 a 31/12/2013

R$ 3,50

01/01/2014 a 31/12/2014

R$ 4,00

01/01/2015 a 30/04/2016

R$ 4,50

A partir de 01/05/2016

R$ 5,00

Apesar de todo o esforço para ver cumprida a legislação, os órgãos de fiscalização reiteradas vezes se deparam com cigarros comercializados de forma irregular no Brasil, geralmente de preço inferior ao estabelecido pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. A origem desses produtos, evidentemente, só pode ser ilegal: seja o cigarro fabricado em território nacional de forma clandestina ou importado irregularmente ao arrepio das normas aduaneiras.

A ANVISA, através de dados extraídos de trabalhos do INCA, acredita que a estimativa de cigarros ilegais consumidos no Brasil, em 2017, foi de 38,5% do consumo total. Na mesma toada, também sublinha que no período de 2012 a 2016 houve queda no consumo de cigarros legais10. Em 2018, o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial estimou que 48% do cigarro consumido no Brasil tem origem estrangeira ilícita11.

O INCA também realizou estudos para apurar a efetividade sobre o uso de política de preços no sentido de dissuadir o consumo de cigarros:

Estudos indicam que um aumento de preços na ordem 10% é capaz de reduzir o consumo de produtos derivados do tabaco em cerca de 8% em países de baixa e média renda, como o Brasil. As evidências científicas demonstram ainda que o aumento dos preços contribui para estimular os fumantes a deixarem de fumar, assim como para inibir a iniciação de crianças e adolescentes.12

Lembre-se que a política que opta pela adoção do IPI e PIS/COFINS de forma progressiva, num didático exemplo de extrafiscalidade, para fins de alcançar outras finalidades muito além do recolhimento tributário, gera um aumento da arrecadação. Tais receitas podem ser empregadas para a manutenção de políticas públicas de prevenção ao tabagismo como também tratamento de doenças relacionadas a ele e a todas as questões previdenciárias que decorrem da doença.


3. PUNIÇÕES AO CONTRABANDO

3.1. Esfera administrativa

Conforme já adiantado, o Decreto-Lei nº 399, de 30 de dezembro de 1968, em seu artigo 3º, caput e parágrafo único, com a redação dada pela Lei nº 10.833, de 20 de dezembro de 2003, art. 78, determina expressamente a pena de perdimento aos cigarros estrangeiros encontrados em situação irregular. Essa pena deve ser aplicável cumulativamente à multa por maço de cigarros e sem exclusão das penalidades cabíveis na esfera penal:

Art 2º O Ministro da Fazenda estabelecerá medidas especiais de contrôle fiscal para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro de procedência estrangeira.

Art 3º Ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem qualquer dos produtos nêle mencionados.

Parágrafo único. Sem prejuízo da sanção penal referida neste artigo, será aplicada, além da pena de perdimento da respectiva mercadoria, a multa de R$ 2,00 (dois reais) por maço de cigarro ou por unidade dos demais produtos apreendidos. (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 29.12.2003).

A Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, através do art. 50, parágrafo único, também estabelece a pena de perdimento aos cigarros de procedência estrangeira submetidos ao despacho de importação com inobservância de qualquer condição estabelecida na norma:

Art. 50. No desembaraço aduaneiro de cigarros importados do exterior deverão ser observados:

I – se as vintenas importadas correspondem à marca comercial divulgada e se estão devidamente seladas; (Redação dada pela Lei nº 12.402, de 2011)

II - se a quantidade de vintenas importada corresponde à quantidade autorizada;

III - se na embalagem dos produtos constam, em língua portuguesa, todas as informações exigidas para os produtos de fabricação nacional.

Parágrafo único. A inobservância de qualquer das condições previstas no inciso I sujeitará o infrator à pena de perdimento.

As mesmas hipóteses de aplicação da pena do perdimento aos cigarros estrangeiros também estão previstas no art. 693. e no parágrafo único do Regulamento Aduaneiro:

Art. 693. A pena de perdimento da mercadoria será ainda aplicada aos que, em infração às medidas de controle fiscal estabelecidas pelo Ministro de Estado da Fazenda para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro de procedência estrangeira, adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem tais produtos, por configurar crime de contrabando ou de descaminho (Decreto-Lei nº 399, de 1968, arts. 2º e 3º, caput e parágrafo único, este com a redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003, art. 78). (Redação dada pelo Decreto nº 7.213, de 2010).

Parágrafo único. A penalidade referida no caput aplica-se, inclusive, pela inobservância de qualquer das condições referidas no inciso I do art. 601, para o desembaraço aduaneiro de cigarros (Lei nº 9.532, de 1997, art. 50, parágrafo único).

A aplicação da multa de R$ 2,00 por maço de cigarros também tem previsão legal no Regulamento Aduaneiro:

Art. 716. Aplica-se a multa de R$ 2,00 (dois reais) por maço de cigarro, unidade de charuto ou de cigarrilha, ou quilograma líquido de qualquer outro produto apreendido, na hipótese do art. 693, cumulativamente com o perdimento da respectiva mercadoria (Decreto-Lei nº 399, de 1968, arts. 1º e 3º, parágrafo único, este com a redação dada pela Lei no 10.833, de 2003, art. 78).

Parágrafo único. A lavratura do auto de infração para exigência da multa será efetuada após a conclusão do processo relativo à aplicação da pena de perdimento a que se refere o art. 693, salvo para prevenir a decadência.

A legislação que rege essa matéria é muito clara, não suscitando discussões já em sede judicial. O maior impasse na seara administrativa diz respeito ao enquadramento da situação fática à hipótese de aplicação da pena de perdimento do veículo usado na prática do ato ilícito. A legislação infraconstitucional trata do assunto da seguinte forma:

Art. 96. do Decreto-Lei nº 37/1966 – As infrações estão sujeitas às seguintes penas, aplicáveis separada ou cumulativamente:

I – perda do veículo transportador;

Art. 104, inciso V, do Decreto-Lei nº 37/1966 – Aplica-se a pena de perdimento do veículo nos seguintes casos:

...

V- quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção;

Art. 688. do Decreto 6.759/2009. Aplica-se a pena de perdimento do veículo as seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário:

...

V – quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade;

...

§2° Para efeitos de aplicação do perdimento do veículo, na hipótese do inciso V, deverá ser demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do proprietário do veículo na prática do ilícito.

A grande maioria dos veículos utilizados para o cometimento de infrações aduaneiras não está registrado em nome do proprietário de fato. O trabalho da fiscalização então é no sentido de provar a relação entre o proprietário de direito e o sujeito identificado transportando a mercadoria estrangeira irregular. Por se tratar de análise permeada por subjetividades, evidentemente que a rediscussão na esfera jurisdicional é o meio frequentemente buscada por aqueles que se sentem lesados.

3.2. Esfera Penal

3.2.1. Diferença entre contrabando e descaminho

Os tipos penais de contrabando e descaminho são figuras tradicionais no nosso ordenamento jurídico, sendo conhecidos por grande parcela da população. É verdade que a distinção técnica entre os tipos muitas vezes se confunde, mas o homem médio tem noção de que a introdução no território nacional de mercadoria estrangeira é cercada de regras e o seu descumprimento pode gerar consequências administrativas e penais. HUNGRIA faz um comparativo entre os tipos penais de contrabando e descaminho de forma simples, porém acertada:

Contrabando é, restritamente, a importação ou exportação de mercadorias cuja entrada no país ou saída dele é absoluta ou relativamente proibida, enquanto descaminho é toda fraude empregada para iludir, total ou parcialmente, o pagamento de impostos de importação, exportação ou consumo (cobrável este, na própria aduana, antes do desembaraço das mercadorias importadas) de mercadorias, que no caso são permitidas. (1959, p. 374)

Antes da publicação da Lei nº 13.008, de 26 de junho de 2014, o descaminho e o contrabando estavam elencados no mesmo tipo penal, possuindo a mesma pena. Com o propósito de se elevar a pena para o contrabando, os delitos foram desmembrados em tipos diferentes com o advento dessa lei. Segue a vigente redação:

Descaminho

Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem:

I - pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;

II - pratica fato assimilado, em lei especial, a descaminho;

III - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;

IV - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

Contrabando

Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem:

I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando;

II - importa ou exporta clandestinamente mercadoria que dependa de registro, análise ou autorização de órgão público competente;

III - reinsere no território nacional mercadoria brasileira destinada à exportação;

IV - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira;

V - adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria proibida pela lei brasileira.

§ 2º - Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências

§ 3º A pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando é praticado em transporte aéreo, marítimo ou fluvial.

O objeto jurídico tutelado no crime de descaminho é a Administração Pública, mais especificamente no que diz respeito ao erário público. Já objeto material é arrecadação do imposto devido. A mercadoria que o sujeito faz entrar ou sair do território nacional é de comércio permitido. No entanto, há clara intenção de burlar a fiscalização tributária ao não se declarar e recolher os tributos devidos, ainda que em parte:

A simples introdução no território nacional de mercadoria estrangeira sem pagamento dos direitos alfandegários, independentemente de qualquer prática ardilosa visando iludir a fiscalização, tipifica o crime do descaminho.

(REsp 238.373/PE, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Sexta Turma, julgado em 27/04/2000, DJ 22.05.2000, p. 153)

O tipo subjetivo do descaminho é dolo, genérico, consistente na vontade livre e consciente de iludir, no todo ou em parte, o pagamento do tributo. Nenhuma outra conduta é exigida, bastando ao tipo que não se declare, na alfândega, a mercadoria excedente à cota.

(REsp 125.423/SE, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, Quinta Turma, julgado em 13/10/1988, DJ 30.11.1998, p. 184)

Contrabando, por sua vez, segundo o mesmo autor, “vem de contra (oposição) e bando (edito, ordenança, decreto), e, em sentido mais amplo, quer dizer todo comércio que se faz contra as leis” (ibidem, p. 432).

Neste tipo, o objeto é a importação ou exportação de mercadoria proibida. Ainda que se pretendesse submetê-la ao processo regular de importação ou exportação, tal não seria possível por previsão expressa em lei por motivo de ordem pública. Não haveria permissão dos órgãos anuentes ou de controle. GRECO fornece uma excelente explicação seguida de exemplos:

Para que se configure contrabando, a mercadoria importada ou exportada deve se encontrar no rol daquelas consideradas proibidas no ingresso ou saída do território nacional. Trata-se, portanto, de uma norma penal em branco, uma vez que o Governo brasileiro, por intermédio de seus Ministérios (Fazenda, Agricultura, Saúde etc.), como regra, é que especificará quais são essas mercadorias consideradas proibidas, a exemplo do que ocorre com a importação de: cigarros e bebidas fabricados no Brasil, destinados à venda exclusivamente no exterior; cigarros de marca que não seja comercializada no país de origem; brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir, exceto se for para integrar coleção de usuário autorizado, nas condições fixadas pelo Comando do Exército Brasileiro; espécies animais da fauna silvestre sem um parecer técnico e licença expedida pelo Ministério do Meio Ambiente; espécies aquáticas para fins ornamentais e de agricultura, em qualquer fase do ciclo vital, sem permissão do órgão competente; produtos assinalados com marcas falsificadas, alteradas ou imitadas, ou que apresentem falsa indicação de procedência; mercadorias cuja produção tenha violado direito autoral (“pirateadas”); produtos contendo organismos geneticamente modificados; agrotóxicos, seus componentes e afins; resíduos sólidos perigosos e rejeitos, bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio ambiente, à saúde pública e animal ou à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reuso, reutilização ou recuperação etc.; ou com a exportação de: peles e couros de anfíbios e répteis, em bruto; cavalos importados para fins de reprodução, salvo quando tiverem permanecido no País, como reprodutores, durante o prazo mínimo de três anos consecutivos etc. (2021, p. 935)

Ou seja, da mesma forma que no descaminho, há lesão ao erário público, mas não somente. São tuteladas também a saúde, a moral e a ordem pública através das proibições. Veja-se que o art. 334-A trata-se de uma norma penal em branco, sendo necessário que a proibição de determinada mercadoria seja complementada por outro comando legal. Colaciona-se, devido à pertinência, o seguinte julgado:

PENAL. HABEAS CORPUS. CONTRABANDO (ART. 334, CAPUT, DO CP). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA: AUSÊNCIA DE CUMULATIVIDADE DE SEUS REQUISITOS. PACIENTE REINCIDENTE. EXPRESSIVIDADE DO COMPORTAMENTO LESIVO. DELITO NÃO PURAMENTE FISCAL. TIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. 1. (...). 4. Em se tratando de cigarro a mercadoria importada com elisão de impostos, há não apenas uma lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, mas a outros interesses públicos como a saúde e a atividade industrial internas, configurando-se contrabando, e não descaminho. 5. In casu, muito embora também haja sonegação de tributos com o ingresso de cigarros, trata-se de mercadoria sobre a qual incide proibição relativa, presentes as restrições dos órgãos de saúde nacionais. 6. A insignificância da conduta em razão de o valor do tributo sonegado ser inferior a R$ 10.000,00 (art. 20. da Lei nº 10.522/2002) não se aplica ao presente caso, posto não tratar-se de delito puramente fiscal. 7. Parecer do Ministério Público pela denegação da ordem. 8. Ordem denegada.

(HC 100.367/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/08/2011, DJe de 8/9/2011)

3.2.2. O princípio da insignificância e suas nuances

O Princípio da Insignificância (crime de bagatela), fruto de criação jurisprudencial, é tido como causa de exclusão da tipicidade. Reconhece-se que o fato existiu; no entanto, por não ter consequências sociais, dentre outros aspectos, ele não é típico.

Nessa linha, ZAFFARONI defende que o Direito Penal não deve se ocupar com bagatelas, condutas que não causem mal à sociedade como um todo. Crime não é uma simples transgressão à Lei, mas uma conduta que causa grave ofensa ao bem jurídico protegido (2021, p. 217). Assim, o magistrado profere decisão absolvitória por impossibilidade de condenação em virtude de ausência de uma das elementares do crime usando como fundamento o seguinte dispositivo do Código de Processo Penal:

Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

...

III – não constituir o fato infração penal.

JESUS assevera que:

(...) este princípio recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material). Esse princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão insignificante ao Fisco, maus tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta, lesão corporal de extrema singeleza etc. Hoje, adotada a teoria da imputação objetiva, que concede relevância à afetação jurídica como resultado normativo do crime, esse princípio apresenta enorme importância, permitindo que não ingressem no campo penal fatos de ofensividade mínima. (2005, p. 10)

O Superior Tribunal Federal, em posição majoritária, aceita e aplica o princípio da insignificância desde que preenchidos quatro requisitos de forma cumulativa: mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica:

HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. 1. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. REINCIDÊNCIA. 2. PEDIDO DE FIXAÇÃO DE REGIME PRISIONAL SEMIABERTO PARA O INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA IMPOSTA AO PACIENTE. MATÉRIA NÃO SUBMETIDA AO EXAME DO SUPERIOR TRIBUBAL DE JUSTIÇA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. Para a incidência do princípio da insignificância devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. 3. Apesar de tratar-se de critério subjetivo, a reincidência deve ser excepcionada da regra para análise do princípio da insignificância, pois não está sujeita a interpretações doutrinárias e jurisprudenciais ou análises discricionárias. O criminoso reincidente, como é o caso do ora Paciente, apresenta comportamento reprovável, e sua conduta deve ser considerada materialmente típica. (…).

(HC 109.739/SP, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 13/12/2011, DJe 14.02.2012).

Debate-se, então, a conveniência da sua aplicação nos casos concretos dos crimes de contrabando e descaminho.

No caso específico do crime de descaminho, não encontramos maiores divergências doutrinárias nem jurisprudenciais sobre a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, desde que respeitado o teto de R$ 20.000,00 de tributos ilididos e que não seja apurada a reiteração da conduta delitiva do agente: “a insignificância nos crimes de descaminho tem colorido próprio, diante das disposições trazidas na Lei n. 10.522/2002”, o que não ocorre com outros delitos, como o peculato, etc.”

(AgRg no REsp 1346879/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, julgado em 26/11/2013, DJe 04/12/2013).

A falta de pagamento do tributo muitas vezes alcança valores mínimos, causando prejuízo do erário quase que insignificante. A administração fiscal não pode negar-se a apurar as consequências administrativas do comportamento ilícito, não há dúvidas. No entanto, por configurar-se típica infração penal de bagatela, é possível a não submissão do comportamento para análise da estrutura penal, atendendo-se aos princípios da conveniência e economicidade:

O direito penal não cuida de bagatelas, nem admite tipos incriminadores que descrevam condutas capazes de lesar o bem jurídico. Se a finalidade do tipo penal é tutelar bem jurídico, quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não é possível proceder ao enquadramento, por absoluta fala de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. Somente a coisa de valor ínfimo autoriza a incidência do princípio da insignificância, o qual acarreta a atipicidade da conduta. (CAPEZ, 2006, p. 519)

Nesse cenário, o cerne da questão seria entender o que é insignificante para o Direito Penal na hipótese do crime de descaminho de bens. Apesar de o Superior Tribunal de Justiça ter publicado a Súmula 599 no ano de 201713, esse Tribunal já flexibilizou e admite a incidência do princípio em análise:

(...) A despeito do teor do enunciado sumular n° 599, no sentido de que o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública, as peculiaridades do caso concreto – réu primário, com 83 anos na época dos fatos e avaria de um cone avaliado em menos de R$ 20,00, ou seja, menos de 3% do salário mínimo vigente à época dos fatos – justificam a mitigação da referida súmula, haja vista que nenhum interesse social existe na onerosa intervenção estatal diante da inexpressiva lesão jurídica provocada.

(Recurso Ordinário em HC 85.272/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 14.08.2018, DJe 23.08.2018)

In casu, o Ministro Relator usou a construção jurisprudencial do STF para afastar a aplicação daquela súmula. É o entendimento do Pretório Excelso:

1. No crime de descaminho, o Supremo Tribunal Federal tem considerado, para a avaliação da insignificância, o patamar de R$ 20.000,00, previsto no art. 20. da Lei n.º 10.522/2002 e atualizado pelas Portarias n.º 75 e n.º 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 2. Na espécie, como a soma dos tributos que deixaram de ser recolhidos perfaz a quantia de R$ 19.750,41 e o paciente, segundo os autos, não responde a outros procedimentos administrativos fiscais ou processos criminais, é de se afastar a tipicidade material do delito de descaminho com base no princípio da insignificância. 3. Ordem concedida para se restabelecer o acórdão de segundo grau, no qual se manteve a sentença absolutória proferida com base no art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal”

(HC 155.347/PR, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, jugado em 17.04.2018, DJe 07.05.2018).

A linha jurisprudencial dominante, portanto, é a de que seria insignificante o montante de até R$ 20.000,00 (vinte mil reais), compreendidos o débito tributário e a multa correspondente. Essa tese tem origem em dispositivos legais14 15 que permitem à Fazenda Pública não cobrar tributos em atraso até o referido montante:

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20. DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, na avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20. da Lei 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Descaminho envolvendo elisão de tributos federais em montante pouco superior a R$ 12.965,62 (doze mil, novecentos e sessenta e cinco reais e sessenta e dois centavos), enseja o reconhecimento da atipicidade material do delito dada a aplicação do princípio da insignificância. 4. Ordem de habeas corpus concedida para reconhecer a atipicidade da conduta imputada ao paciente, com o restabelecimento do juízo de absolvição exarado pelo magistrado de primeiro grau.

(HC 131.057, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, Relatora Acórdão: Ministra. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 20.09.2016, DJe 22.11.2016);

“Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado, pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp 1.112.748/TO – Tema 157, de forma a adequá-lo ao entendimento externado pela Suprema Corte, o qual tem considerado o parâmetro fixado nas Portarias 75 e 130/MF – R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho. 2. Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20. da Lei 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda”

(REsp 1.688.878/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção, julgado em 28.02.2018, DJe 04.04.2018);

“Em se tratando de suposta prática do delito de descaminho, previsto no 334 do Código Penal, e sendo o montante dos impostos federais iludidos, com a introdução irregular de mercadorias estrangeiras, inferior ao limite mínimo de relevância administrativa, aferível a insignificância penal, excluindo-se a tipicidade da conduta, importando a existência de autuações e procedimentos administrativos, ações penais em andamento ou mesmo condenações, desde que sem trânsito em julgado ou que não configurem reincidência específica ou multirreincidência” (TRF4, Apl. 5003929-90.2014.4.04.7121-RS, Rel. NIVALDO BRUNONI, Oitava Turma, juntado aos autos em 12.07.2018).

No entanto, ressalta-se que os Tribunais Superiores afastam o princípio da insignificância, mesmo que nos casos de descaminho, quando caracterizada a habitualidade delitiva do sujeito mesmo que os valores de cada conduta sejam inferiores a R$ 20.000,00. Nessa ótica:

1. A parte recorrente não impugnou, especificamente, os fundamentos da decisão agravada, o que impossibilita o conhecimento do recurso, na linha da pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). 2. O STF já decidiu que, em se tratando de crime de descaminho, deve ser considerada a soma dos débitos consolidados para a análise do preenchimento do requisito objetivo necessário à aplicação do princípio da insignificância. Hipótese em que a notícia de que o ora agravante responde a outros procedimentos administrativos fiscais inviabiliza, neste habeas corpus, o pronto reconhecimento da atipicidade penal. Precedentes. 3. Agravo regimental não conhecido”

(HC 167.235 AgR/RS, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 10.05.2019, DJe 17.05.2019)

A reincidência faz tornar evidente um infrator ser um agente contumaz, que vive do descaminho como atividade habitual. Revela-se a destinação comercial das mercadorias introduzidas em solo nacional ou dele retiradas de forma recorrente, o que fomenta a concorrência desleal.

De outra banda, maior cautela deve ser tomada quanto à aplicação do princípio da insignificância nos casos contrabando. Diferentemente ao que ocorre no crime de descaminho, os tribunais superiores em regra resistem aplicar este princípio ao tipo penal disposto no art. 334-A do Código Penal, uma vez que se tutela não apenas o erário público, mas também a saúde, moral, higiene e segurança pública. Nesse sentido:

No crime de contrabando, é imperioso afastar o princípio da insignificância, na medida em que o bem jurídico tutelado não tem caráter exclusivamente patrimonial, pois envolve a vontade estatal de controlar a entrada de determinado produto em prol da segurança e da saúde pública.”

(AgRg no REsp 1.479.836/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 08.08.2016, DJe 24.08.2016);

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. IMPORTAÇÃO DE ARMA DE PRESSÃO DE USO PERMITIDO. CALIBRE IGUAL OU INFERIOR A 6 MILÍMETROS. PRODUTO CONTROLADO PELO EXÉRCITO. CRIME DE CONTRABANDO. PROIBIÇÃO RELATIVA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A importação de arma de pressão por ação de gás comprimido, de calibre igual ou inferior a 6mm, de uso permitido, submete-se a uma proibição relativa, por se tratar de produto controlado pelo Exército. 2. A importação, sem autorização prévia do Exército, de arma de pressão por ação de gás comprimido, de calibre igual ou inferior a 6mm, de uso permitido, tipifica o crime de contrabando. 3. O princípio da insignificância não se aplica ao crime de contrabando. Precedentes. 4. Ordem denegada.

(HC 131.943. Rel. Ministro GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 07.05.2019, DJe 10.03.2020);

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. POMADA CHINESA "DRAGON & TIGER". AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA. ART. 273, § 1º-B, INCISOS I E V, DO CÓDIGO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. A conduta de introduzir no país produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais sem registro no órgão de vigilância sanitária competente ou de procedência ignorada se subsumi ao delito do artigo 273, §§ 1º, 1º-B, I e V, do CP, sendo equivocada a desclassificação da conduta para o crime do art. 334. do Código Penal (descaminho), por afronta ao princípio da especialidade da norma penal imputada ao réu. 2. A jurisprudência deste Sodalício orienta-se no sentido de ser descabida a incidência do princípio da insignificância na hipótese em que o agente introduz no território nacional medicamentos não autorizados pelas autoridades competentes, in casu a importação de oitocentas unidades da pomada Dragon and Tiger, produto não registrado na ANVISA, diante da potencial lesividade à saúde pública. 3. Embora haja relevância jurídica em se punir tais condutas, verifica-se a necessidade de atuação do Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena cominada à conduta inscrita no art. 273, § 1º-B, do Código Penal. 4. Determinação de prosseguimento da ação penal, com a adoção, se for o caso, de alternativas para o fim de evitar a imposição de penas desproporcionais às condutas praticadas. 5. Agravo Regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1.618.458/PR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 24.04.2018, DJe 01.05.2018);

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO FIRMADO PARA O CRIME DE DESCAMINHO. FIGURAS DIVERSAS. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Em que pese ser entendimento consolidado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça a aplicação do princípio da insignificância à conduta descrita no art. 334. do Código Penal, seguindo orientação do Supremo Tribunal Federal, quando o valor a ser utilizado como parâmetro para sua incidência é o previsto no art. 20. da Lei 10.522/02, ou seja, tributo devido em quantia igual ou inferior a R$10.000,00 (vide REsp 1.112.748/TO - representativo da controvérsia), in casu a conduta perquirida na ação penal é de "importar ou exportar mercadoria proibida", não havendo, daí, falar em valor da dívida tributária nos crimes de contrabando. 2. Assim, a atipia por insignificância da conduta daquele que pratica descaminho, sob o viés do quantum do tributo iludido (no máximo 10 mil reais), não encontra campo de aplicação analógica no crime do art. 334, primeira figura, do Código Penal. 3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1325931/RR, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 23.10.2012, DJe 06.11.2012)

No entanto, a análise em concreto de alguns casos, levando em consideração o valor ínfimo das mercadorias e a não afetação de interesse nacional ou particular, tem gerado decisões que excepcionam a regra da não aplicação do princípio da bagatela aos crimes de contrabando. São casos em que a quantidade de mercadoria apreendida é pequena e claramente destinada ao consumo próprio:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MEDICAMENTOS DE ORIGEM ESTRANGEIRA. PEQUENA QUANTIDADE PARA CONSUMO PRÓPRIO. HIPÓTESE EXCEPCIONAL DE INCIDÊNCIA DO CRIME DE BAGATELA. RECURSO MINISTERIAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. 1. Em regra, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não admite a incidência do princípio da insignificância aos delitos de contrabando de medicamentos. 2. Em hipóteses excepcionais, contudo, a orientação desta casa permite o reconhecimento da infração bagatelar se a quantidade apreendida é pequena e destinada ao consumo próprio, como considerou o acórdão recorrido. Isso ocorre tendo em vista a falta de lesão ou perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado pela norma penal incriminadora, sob o ponto de vista da tipicidade material. Precedentes. 3. Na hipótese, a Corte regional decidiu que a agravada adquiriu pequena quantidade de fármaco a preço mais favorável e para consumo pessoal. Fixadas pelo aresto recorrido a ausência de potencial lesivo à saúde pública e a falta de destinação comercial dos produtos, rever esse entendimento, como alega o Ministério Público, demandaria o reexame dos elementos fático-probatórios, o que é defeso em recurso especial, em virtude do que preceitua a Súmula n. 7. desta Corte. 4. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, é defeso, em âmbito de agravo regimental, ampliar a quaestio veiculada nas razões do recurso especial. 5. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1.724.405/RS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 18.10.2018, DJe 06.11.2018)

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONTRABANDO. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PEQUENA QUANTIDADE DE SEMENTES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Inicialmente, vale frisar que, nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal, do inquérito policial ou do procedimento investigativo por meio do habeas corpus é medida excepcional. Por isso, será cabível somente quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. 2. "Por ocasião do julgamento dos HCs n.º 144.161/SP (DJe 14/12/2018) e 142.987/SP (DJe 30/11/2018), ambos impetrados pela Defensoria Pública da União, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, recentemente, por maioria de votos, que não se justifica a instauração de investigação criminal – e, por conseguinte, a deflagração de ação penal – nos casos que envolvem importação, em reduzida quantidade, de sementes de maconha,'especialmente porque tais sementes não contêm o princípio ativo inerente à substância canábica'." (REsp 1.838.937/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 20/11/2019; sem destaques no original). 3. O relator dos referidos HCs, Ministro Gilmar Mendes, entendeu que as sementes, por não apresentarem a substância tetrahidrocanabinol (THC), não podem ser consideradas drogas ou matérias-primas para a produção da droga ilícita. Foram afastadas, assim, as hipóteses de enquadramento da conduta no art. 33, § 1.º, da Lei n.º 11.343/2006 e no art. 334-A do Código Penal, bem como no delito de tráfico transnacional. 4. O Supremo Tribunal Federal tem decidido reiteradamente pelo trancamento das ações penais em que há importação de pequena quantidade de sementes de maconha, que não possuem a substância psicoativa (THC), em aplicação do princípio bagatelar. Nesse sentido, as seguintes decisões monocráticas: HC 163.730/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 23/10/2018, DJe 26/10/2018; HC 131.310/SE, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 19/12/2019, DJe 03/02/2020; HC 173.965/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 13/08/2019, DJe 15/08/2019; HC 173.346/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 1/08/2019, DJe 06/08/2019; HC 148.503/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgado em 01/08/2019, DJ-e 06/08/2019; entre outros.5. Embora não se admita a aplicação do Princípio da insignificância no delito de contrabando, esta Corte vem admitindo sua incidência em situações semelhantes à presente, isto é, quando a quantidade de medicamentos para consumo próprio seja reduzida. 6. E ainda que se entendesse pelo enquadramento da conduta na figura típica do art. 28. da Lei 11.343/2006, a importação de apenas 31 sementes de maconha não se apresenta relevante do ponto de vista penal, devendo ser considerada materialmente atípica, em aplicação do princípio da insignificância, consoante entendimento desta Corte. 7. Recurso provido para determinar o trancamento da Ação Penal n.º 0009931-64.2015.403.6181, em tramitação perante o Juízo da 5.ª Vara Criminal da 1.ª Subseção Judiciária de São Paulo.

(RHC 115605/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Terceira Seção, julgado em 14.10.2022, DJe 03.12.2022)

Em ambos os casos, e em julgamentos semelhantes, leva-se em consideração que os produtos importados de forma irregular se destinam a uso próprio e não são capazes de causar lesividade suficiente à saúde pública ou economia nacional. Na Edição nº 81 da ferramenta Jurisprudência em Teses do STJ, que diz respeito aos Crimes Contra a Administração Pública16, temos o enunciado 04 que versa justamente sobre esse entendimento que vem se consolidando:

4) A importação clandestina de medicamentos configura crime de contrabando, aplicando-se, excepcionalmente, o princípio da insignificância aos casos de importação não autorizada de pequena quantidade para uso próprio.

3.2.2.1. O caso específico do contrabando de cigarros

No âmbito da Tribunal Federal da 4ª Região, tem-se entendido que a regra, no caso de contrabando de cigarros seria a não aplicação do princípio da insignificância. No entanto, este Tribunal vem admitindo a aplicação do princípio despenalizante quando mínima a quantidade de maços apreendidos, conforme se observa de recente julgado assim ementado:

PENAL. DENÚNCIA POR CONTRABANDO. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL. QUANTIDADE ÍNFIMA DE CIGARROS. princípio DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. A importação irregular de mínima quantidade de cigarros de procedência estrangeira (500 maços), constitui fato insignificante perante o Direito Penal, em razão de sua ínfima dimensão, incapaz, portanto, de atrair sobre si a incidência das sanções previstas na norma penal.

(TRF 4, ACR 5009251-26.2015.404.7002, Relator RODRIGO KRAVETZ, Sétima Turma, juntado aos autos em 27/01/2016)

“O entendimento desta Corte, em consonância com os precedentes do STF e do STJ, no sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância ao contrabando de cigarros, apenas é excepcionado quando for ínfima a quantidade de cigarros encontrados em poder do acusado, essa entendida como parâmetro de até 500 maços”

(TRF 4, ACR 5007726-58.2019.4.04.7005, Relatora CLAÚDIA CRISTINA CRISTOFANI, Sétima Turma, juntado aos autos em 24/02/2021).

O próprio Ministério Público Federal tornou público o seu posicionamento sobre a questão consubstanciando-o no Enunciado 90 da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, aprovado na 177ª Sessão Virtual de Coordenação, de 16 de março de 2020:

Enunciado 90: É cabível o arquivamento de investigações criminais referentes a condutas que se adéquem ao contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não superar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto. As eventuais reiterações serão analisadas caso a caso.17

Fixado, assim, parâmetro de 1.000 (um mil) maços de cigarros para promoção de arquivamento formulada por membro do Parquet.

Diferente é o posicionamento dos Tribunais Superiores: não é admitido o abrandamento da aplicação da norma penal quando se trata de contrabando de cigarros. É o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal Federal conforme o seguinte julgado, colacionado de forma exemplificativa:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME DE CONTRABANDO DE CIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. O princípio da insignificância é inaplicável ao delito de contrabando. 3. Inexistência de manifesto constrangimento ilegal ou teratologia no ato apontado como coator que, fundado nas especificidades circunstanciais do caso concreto, manteve o afastamento do vetor reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, para não aplicar o princípio da insignificância. 4. Agravo regimental conhecido e não provido.

(HC 184.586 AgR/SP, Rel. Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 07.12.2020, DJe 10.12.020)

Referida matéria já foi submetida a julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça em mais de 1.500 oportunidades18. De antemão, lembremos que também na Edição nº 81 da ferramenta Jurisprudência em Teses do STJ, que diz respeito aos Crimes Contra a Administração Pública19, foi publicado enunciado que trata especificamente sobre o contrabando de cigarros ou gasolina:

3) A importação não autorizada de cigarros ou de gasolina constitui crime de contrabando, insuscetível de aplicação do princípio da insignificância.

Apesar de a Edição nº 81 ter sido publicada em 17 de maio de 2017, o entendimento de que não pode ser invocado no caso de contrabando de cigarros o princípio da insignificância segue sendo aplicado pelo STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 28-A DO CPP. NÃO CABIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Esta Corte possui entendimento firmado no sentido de que a importação não autorizada de cigarros constitui crime de contrabando insuscetível de aplicação do princípio da insignificância, não importando a quantidade de maços apreendidos, considerando que o bem jurídico tutelado não se restringe à arrecadação tributária (ut, AgRg no AgRg no AREsp n. 1.850.734/RN, relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, DJe de 6/5/2022. (...) 3. Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 1993858/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 24.05.2022, DJe 30.05.2022)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. É inaplicável o princípio da insignificância ao crime de contrabando de cigarros, pois a conduta não se limita à lesão da atividade arrecadatória do Estado, atingindo outros bens jurídicos, como a saúde, segurança e moralidade pública. 2. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AgRg no AREsp 2053171/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 24.05.2022, DJe 31.05.2022)

O processo nº 0000338-71.2018.4.03.6127, oriundo do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, teve Recurso Especial registrado sob o nº 1.977.652 distribuído em 16 de dezembro de 2021. Já no dia seguinte o Ministério Público Federal foi intimado para se manifestar a respeito da admissibilidade deste recurso como representativo de controvérsia. Mesma decisão foi proferida nos autos do Recurso Especial 1º 1.971.993/SP.

Em sessão virtual realizada entre os dias 06 e 12 de abril de 2022, a Terceira Seção do STJ, por unanimidade afetou os recursos especiais à sistemática dos recursos repetitivos (acórdãos publicados no DJe de 29.04.2022). A tese controvertida, catalogada sob o Tema STJ nº 1.143, foi delimitada da seguinte forma:

O princípio da insignificância não se aplica aos crimes de contrabando de cigarros, por menor que possa ter sido o resultado da lesão patrimonial, pois a conduta atinge outros bens jurídicos, como a saúde, a segurança e a moralidade pública.

Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais foram comunicados sobre o teor do acórdão no dia 03/05/2022, em que pese não ser necessária a suspensão do trâmite dos processos pendentes naquele Tribunais que tratam sobre o mesmo tema.

Até o momento da publicação deste artigo, não foi proferida decisão final dos Recursos Especiais nº 1.971.993/SP e 1.977.652/SP, mas se acredita que o Superior Tribunal de Justiça irá ratificar o seu entendimento.


4. CONCLUSÃO

Conforme dados apresentados ao longo deste artigo, o tabagismo, segue como um importante problema de saúde que deve ser combatido. Acredita-se ser de extrema importância o papel das campanhas feitas já com crianças apresentando todos os malefícios advindos desse vício. Muitas vezes o exemplo negativo vem do próprio seio familiar ou então dos círculos de amizade. Talvez casos fatais de pessoas próximas contribuam para o desinteresse no consumo, mas a apresentação de estudos e exemplos com imagens sejam tão eficazes quanto.

Não bastasse todo o esforço para coibir o uso inicialmente recreativo do tradicional cigarro de tabaco, agora os órgãos de saúde encontram uma nova modalidade de cigarros que tem despertado o interesse das gerações mais novas: vapers, também conhecidos como cigarros eletrônicos. Determinou a ANVISA, no ano de 2009, que tais dispositivos para consumo de nicotina e outras substâncias tóxicas são de importação, propaganda e venda proibidas no Brasil, conforme disposto pela RDC n°46, de 28 de agosto de 2009.

Claro que a redução de 46% do percentual de fumantes no Brasil dentre o período de 1989 a 2010 é um dado a ser comemorado. As políticas de controle do tabagismo, conforme estudo do INCA, estimam que um total de 420.000 mortes foram evitadas nesse período20.

Por outro lado, os custos médios associados ao tabagismo no ano de 2015 passaram de R$ 40 bilhões, o que equivale a 8,04% de todo o gasto em saúde. A fatura indireta, que diz respeito à perda de produtividade e a mortes prematuras, beirou os R$ 17 bilhões naquele ano, segundos dados levantados por pesquisa da Fiocruz21. Conforme veiculado na Campanha do Dia Mundial sem Tabaco de 2022, o Brasil precisa desembolsar anualmente cerca de R$ 125 bilhões para o tratamento de doenças e incapacitações provocadas pelo tabagismo22.

Não se entende que a criminalização do uso e venda regular de tabaco pudesse ser uma política acertada. A própria política antidrogas adotada no Brasil tem sido mais branda ao cominar penas mais leves para a simples posse de drogas desde o advento da Lei n° 11.343, de 23 de agosto de 2006.

Todavia, os produtos fumígeros fabricados no Brasil devem respeitar rigorosamente a legislação que impõe condições mínimas de segurança na sua produção. A proibição de comerciais em canais de televisão, exposição de cigarros perto de brinquedos, dentre outras práticas que glamourizavam o consumo de cigarros, é irreversível. A impossibilidade de uso de cigarros e assemelhados dentro de ambientes fechados, além de desestimular o consumo, é um alento para a saúde e bem-estar dos não-fumantes.

O controle em tempo real sobre a produção de cigarros através do sistema Scorpios é medida imperativa. Através dele são coibidas fraudes que visam burlar a fiscalização da Receita Federal do Brasil e consequentemente os tributos devidos são cobrados com exatidão. Em decorrência dele também é feita a rastreabilidade dos produtos em todo o território nacional, sendo possível identificar a origem e combater a produção e importação ilegais de cigarros.

Apesar de a arrecadação fiscal total pela venda de produtos de tabaco e derivados alcançar valores que não cobrem os custos diretos causados pelo tabagismo ao sistema de saúde23, acredita-se que os preços elevados do produto em decorrência da alta carga tributária, tal como ocorre em outros países, sejam minimamente eficientes para o combate à proliferação do consumo de tabaco. Pelo menos é dificultada a compra pelo público mais jovem, faixa etária na qual é iniciado o vício, e por camadas sociais menos abastadas.

Apesar de a fiscalização tributária alcançar excelentes resultados no combate à sonegação fiscal sobre os produtos regularmente fabricados no Brasil através do uso de tecnologia de ponta, o mesmo não se pode dizer em relação ao combate ao contrabando de cigarros.

As apreensões realizadas por todas as forças de segurança e equipes de repressão ao contrabando da Receita Federal do Brasil são muito significativas, evoluindo ano após ano, mas ainda assim o crime organizado consegue ter sucesso no contrabando deste produto24.

Apenas elevar alíquotas sem aprimorar a repressão enfraquece o combate ao crime. A fronteira com o Paraguai é longa e o Brasil tem uma extensa malha rodoviária pouco vigiada, especialmente na faixa de fronteira. Não apenas veículos de passeio como também caminhões são apreendidos com regularidade transportando enormes quantidades de caixas de cigarros. Além disso, o crime organizado vem inovando ao fazer ingressar cigarros ilegais através da costa de estados do norte e nordeste, conforme divulgado pelas assessorias de imprensa da Polícia Federal e da Marinha do Brasil25.

O aumento do efetivo de servidores de órgãos com vocação constitucional para o combate ao contrabando em lotações de fronteira é medida imperiosa, sem deixar de lado a necessidade de otimização dos recursos tecnológicos já existentes. Não obstante, a fiscalização já no mercado interno dos cigarros comercializados também deve ser medida preconizada. Em matérias de segurança e soberania nacional são incabíveis políticas de estado mínimo.

Não obstante, acertou o legislador infraconstitucional ao tornar mais severa a pena para o praticante do tipo penal de contrabando. O criminoso deve ser submetido não somente às sanções administrativas como também punindo exemplarmente ao ter sua liberdade privada, dentre outras medidas cabíveis26.

Apesar de ainda haver divergências jurisprudenciais, especialmente nos tribunais de origem, vislumbra-se que os Tribunais Superiores pacificarão entendimento de que ao crime de contrabando de cigarros não cabe a aplicação do princípio da insignificância.

Sabe-se que o crime em testilha não é objeto de alto grau de reprovabilidade moral pela sociedade de um modo geral. Afinal, é ela que incentiva o esquema criminoso ao adquirir os produtos ilegais. Todavia, como se dissertou ao longo deste trabalho, não se está diante de um delito meramente fiscal, mas de uma conduta que, analisada sob o ponto de vista macro, fere a saúde da população, a atividade industrial interna, a moralidade administrativa e a ordem pública.

A articulação e implementação de políticas públicas, unindo-se esforços dos três poderes, no combate à ilegalidade do contrabando de cigarros, apesar de todas as dificuldades, têm mostrado resultados positivos.

Num primeiro momento, o ideal é que a população se convença que hábitos saudáveis devem ser adotados durante toda sua jornada para fins de se evitar doenças fatais e ter qualidade de vida. Caso ainda assim parte dela se entregue ao consumo de drogas lícitas, deverá entender que as exigências sanitárias existem para evitar o contato com substâncias ainda mais tóxicas. Hoje felizmente temos mais ex-fumantes que fumantes no Brasil27, como é fácil se inferir ao analisar o comportamento da sociedade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Especial. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 3.

GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 15. ed. São Paulo: Grupo Gen, 2021.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. 9.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro- parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.


Notas

1POR QUE O CIGARRO ELETRÔNICO NÃO É AUTORIZADO? Disponível em <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2018/por-que-o-cigarro-eletronico-nao-e-autorizado>. Acesso em 13 de junho de 2022); e DADOS E NÚMEROS DA PREVALÊNCIA DO TABAGISMO. Disponível em <https://www.inca.gov.br/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-do-tabaco/dados-e-numeros-prevalencia-tabagismo>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

2MARCAS DE CIGARROS PERMITIDAS. Disponível em <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/tabaco/consulta-a-registro/arquivos/marcas-de-cigarros_2022_06_06.pdf>. Acesso em 13 de jun. de 2022.

3 Disponível em <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-rdc-n-559-de-30-de-agosto-de-2021-341676455>. Acesso em 13 de jun. de 2022.

4 DADOS E NÚMEROS DA PREVALÊNCIA DO TABAGISMO. Disponível em <https://www.inca.gov.br/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-do-tabaco/dados-e-numeros-prevalencia-tabagismo>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

5 MAGNITUDE DO COMÉRCIO ILÍCITO DE CIGARROS NO BRASIL. Disponível em https://www.inca.gov.br/en/node/4622. Acesso em 16 de jun. de 2022.

6 APREENSÃO DE CIGARRO ILEGAL TEM ALTA DE 35% EM UM ANO. Disponível em <https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2022/04/4998624-apreensao-de-cigarro-ilegal-tem-alta-de-35-em-um-ano.html>. Acesso em 17 de jun. de 2022.

7 OPERAÇÃO CONJUNTA APREENDE 10 MILHÕES DE MAÇOS DE CIGARROS, RECOLHE 56 VEÍCULOS E BLOQUEIA 13 IMÓVEIS. Disponível em https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2021/10/operacao-conjunta-apreende-10-milhoes-de-macos-de-cigarros-recolhe-56-veiculos-e-bloqueia-13-imoveis-ckuyf256s0000019muk4yftjs.html. Acesso em 17 de jun. de 2022.

8 MERCADORIAS APREENDIDAS PELA RECEITA FEDERAL. Disponível em <https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/mercadorias/cigarros.csv>. Acesso em 16 de jun. de 2022.

9 RECEITA FEDERAL REGISTRA RECORDE HISTÓRICO NA DESTRUIÇÃO DE CIGARROS APREENDIDOS. Disponível em <https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2022/janeiro/receita-federal-registra-recorde-historico-na-destruicao-de-cigarros-apreendidos>. Acesso em 16 de jun. de 2022.

10 IDENTIFICADAS 90 MARCAS IRREGULARES DE CIGARROS. Disponível em <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2019/identificadas-90-marcas-irregulares-de-cigarros>. Acesso em 13 de jun. de 2022.

11 CARGA TRIBUTÁRIA MENOR INCENTIVA CONTRABANDO DE CIGARROS DO PARAGUIA, DIZEM ESPECIALISTAS. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/04/carga-tributaria-menor-incentiva-contrabando-de-cigarros-do-paraguai-dizem-especialistas.shtml>. Acesso em 17 de jun. de 2022.

12 PREÇOS E IMPOSTOS. Disponível em <>.

13 Súmula 599/STJ: O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a Administração Pública. (CORTE ESPECIAL, julgado em 20.11.2017, DJe 27.11.2017)

14 Art. 20. da Lei 10.522/02: Serão arquivados, sem baixa na distribuição, por meio de requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos em dívida ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior àquele estabelecido em ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional.

15 Art. 2º da Portaria 75/MF: O Procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito. (Redação dada pelo(a) Portaria MF nº 130, de 19 de abril de 2012)

16 JURISPRUDÊNCIA EM TESES. Disponível em <https://scon.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp>. Acesso em 17 de jun. de 2022.

17 ENUNCIADOS DA 2ª CÂMARA CRIMINAL. Disponível em <https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/enunciados>. Acesso em 14 de jun. de 2022.

18 No sítio do STJ, ao propormos consulta simultânea às palavras-chaves “insignificância” e “cigarros”, são apuradas 1.750 decisões monocráticas em 18 de jun. de 2022.

19 JURISPRUDÊNCIA EM TESES. Disponível em <https://scon.stj.jus.br/SCON/jt/toc.jsp>. Acesso em 17 de jun. de 2022.

20 PLOS Medicine, 2012, citado em DADOS E NÚMEROS DA PREVALÊNCIA DO TABAGISMO. Disponível em <https://www.inca.gov.br/observatorio-da-politica-nacional-de-controle-do-tabaco/dados-e-numeros-prevalencia-tabagismo>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

21 CUSTO DO TABAGISMO PARA O BRASIL. Disponível em: <https://actbr.org.br/uploads/conteudo/741_custos_final.pdf>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

22 DIA MUNDIAL SEM TABACO 2022. Material para web. Disponível em <https://www.inca.gov.br/publicacoes/material-para-web/carrossel-2-voce-sabia-que-o-brasil-precisa-desembolsar-anualmente>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

23 Nesse ponto, PAES faz uma excelente análise: “A arrecadação estimada sobre cigarros no Brasil em 2012 foi de R$ 9,473 bilhões (0,22% do PIB), de acordo com dados da RFB e da OMS (2013), sendo R$ 6,785 bilhões em tributos federais (R$ 4,077 bilhões de IPI e R$ 2,707 bilhões de PIS/Cofins) e R$ 2,688 bilhões em tributos estaduais (ICMS). Esses valores são inferiores ao custo do tabagismo para o sistema de saúde no Brasil, estimado pela ACTBr (2012) em R$ 20,7 bilhões, em 2008 (0,5% do PIB). O país precisaria mais do que dobrar a sua arrecadação, retornando aos patamares de 1999, em proporção do PIB, diante das despesas causadas pelo cigarro.” Estudo apresentado no artigo “Uma análise ampla da tributação de cigarros no Brasil”. UMA ANÁLISE AMPLA DA TRIBUTAÇÃO DE CIGARROS NO BRASIL. Disponível em <https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/coordenacao/comissoes-e-grupos-de-trabalho/lavagem-de-dinheiro-e-crimes-fiscais/gald-cfif/oficio_no_078e_2018_2accr_para_rachid.pdf/view>. Acesso em 13 de jun. de 2022.

24 “Um levantamento do Instituto Ipec Inteligência aponta que, em 2021, a ilegalidade respondeu por 48% de todos os cigarros consumidos no Brasil. Destes, 39% foram contrabandeados, principalmente do Paraguai, e 9% produzidos no Brasil por fabricantes classificadas como "devedoras contumazes" de impostos. Calcula-se que 53,1 bilhões de cigarros ilegais circularam nas cidades brasileiras no último ano”. In 48% DOS CIGARROS CONSUMIDOS NO BRASIL SÃO CONTRABANDEADOS, APONTA IPEC. Disponível em <https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2022/03/04/cigarros-consumidos-contrabando-brasil-ipec.htm>. Acesso em 19 de jun. de 2022.

25 PF E MARINHA DO BRASIL APREENDEM CIGARROS CONTRABANDEADOS. Disponível em <https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/noticias/2022/06/pf-e-marinha-do-brasil-apreendem-cigarros-contrabandeados>. MARINHA DO BRASIL APREENDE EMBARCAÇÃO SUSPEITA DE CONTRABANDO DE CIGARROS. Disponível em <https://www.marinha.mil.br/com2dn/marinha-do-brasil-apreende-embarcacao-suspeita-de-contrabando-de-cigarros>; PF PRENDE 4 PESSOAS POR CONTRABANDO EM BELÉM; BANDO TRANSPORTAVA MAIS DE 400 CAIXAS DE CIGARROS EM BARCO. Disponível em <https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2021/12/06/pf-prende-4-pessoas-por-contrabando-em-belem-bando-transportava-mais-de-400-caixas-de-cigarros-estrangeiro.ghtml>. Acessos realizados em 19 de jun. de 2022.

26 Como, por exemplo, ter sua Carteira Nacional de Habilitação cassada, conforme previsão contida no art. 278-A do Código Penal introduzida pela Lei n° 13.804, de 10 de janeiro de 2019.

27 HÁ MAIS EX-FUMANTES DO QUE FUMANTES NO BRASIL. COMO MANTER ESSA TENDÊNCIA? Disponível em <https://femama.org.br/site/noticias-recentes/ha-mais-ex-fumantes-do-que-fumantes-no-brasil-como-manter-essa-tendencia/>. Acesso em 19 de jun. de 2022.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELEVEDOVE, Natasha do Amaral. O combate ao contrabando de cigarros nas esferas administrativa e jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7623, 15 maio 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98787. Acesso em: 7 set. 2024.