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Afinal, a pejotização das atividades intelectuais é válida ou não?

Afinal, a pejotização das atividades intelectuais é válida ou não?

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A Receita Federal deverá se adaptar à nova orientação firmada pelo STF, deixando de autuar os contribuintes por terem utilizado pessoas jurídicas como forma de remunerar prestadores de serviços de natureza técnica, científica e intelectual.

Nos últimos meses, nos deparamos diversas vezes com o tema da relação existente entre as empresas e os profissionais intelectuais que lhes prestam serviços por meio de uma pessoa jurídica e qual a formatação tributária deveria ser considerada nestes casos. Este assunto já gerou muita polêmica nos âmbitos judicial e administrativo, considerando a ocorrência da chamada “pejotização” das atividades intelectuais, que nada mais é do que a prestação de serviços intelectuais de uma pessoa jurídica para outra. 

A contratação via pessoa jurídica encontra amparo no art. 129 da Lei nº 11.196/05, que permite que a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, seja feita por meio de pessoa jurídica.  

A prestação de serviços intelectuais normalmente é realizada por profissionais como médicos, advogados e engenheiros, por exemplo, que executam suas atividades por meio de uma pessoa jurídica de sua titularidade. 

Segundo o art. 129, as prestadoras de serviços somente se sujeitam à legislação tributária aplicável às pessoas jurídicas. Isto significa que o valor recebido em decorrência da atividade prestada deve ser considerado faturamento da pessoa jurídica e tributado de acordo com o regime de tributação eleito pela prestadora de serviço.  

Este tema já foi amplamente discutido pelo CARF que, até então, ao analisar autuações fiscais para exigir a incidência das contribuições previdenciárias sobre essas relações, costumava verificar se havia a presença de requisitos da relação de emprego na operação (não eventualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação) para definir o seu enquadramento tributário.  

Existiam dois caminhos possíveis para este enquadramento: considerar a prestação de serviço pela pessoa jurídica válida, com uma tributação de aproximadamente 20% sobre o faturamento (tributos federais e ISS), caso a empresa fosse optante pelo lucro presumido, ou, caso fossem identificados os requisitos da relação de emprego, descaracterizar a prestação de serviço, considerando a operação como uma remuneração paga diretamente a uma pessoa física, com as seguintes incidências tributárias: até 27,5% a título de imposto de renda sobre a renda da pesoa física, aproximadamente 28% de contribuições previdenciárias (cota patronal e Sistema S)  e retenções de 8% e 11% a título de FTGS e INSS, respectivamente.  

Na prática, este reenquadramento resulta num aumento da carga tributária tanto para o contratante quanto para o prestador de serviços, já que a tributação da prestadora de serviços pelo lucro presumido, por exemplo, resulta numa carga tributária de 14% a 20%, e a tributação da remuneração paga a pessoa física soma mais do que o dobro destas alíquotas. 

Diante de muitas controvérsias jurisprudenciais e de toda a insegurança jurídica envolvendo este assunto, foi ajuizada uma ação declaratória de constitucionalidade, buscando a chancela do STF sobre a validade do art. 129 da Lei nº 11.196/05. 

 A Suprema Corte entendeu pela constitucionalidade da contratação de pessoas jurídicas para a prestação de serviços intelectuais, assegurando ampla liberdade às organizações para definir seu melhor modelo de negócios, defendendo a liberdade de iniciativa como fundamento da República. 

Apesar deste resultado favorável, ainda nos restam dúvidas sobre o tratamento que a Receita Federal conferirá a este julgado, se, de fato, deixará de buscar as contribuições previdenciárias e imposto de renda pessoa física sobre a prestação de atividades intelectuais por pessoas jurídicas ou se irá manter as autuações.  

Entendemos que a Receita Federal deverá se adaptar à nova orientação firmada pelo STF, deixando de autuar os contribuintes por terem utilizado pessoas jurídicas como forma de remunerar prestadores de serviços de natureza técnica, científica e intelectual. 

Caso as autuações sejam mantidas, entendemos que o CARF deve rejeitá-las em favor dos contribuintes, sob pena de desrespeitar o entendimento firmado pelo STF.  

Após o julgamento deste tema, o CARF já se manifestou em algumas ocasiões em que reforçou a constitucionalidade do art. 129, como esperado, mas ainda em casos um pouco diferentes, que não tratam especificamente da desconsideração da pessoa jurídica na contratação de serviços de natureza  técnica, científica e intelectual (Acórdão nº 2202-008.531 – 2ª Seção de Julgamento / 2ª Câmara / 2ª Turma Ordinária). 

Fato é que verificamos um cenário mais favorável às empresas no sentido de ter reconhecida a validade deste dispositivo legal.  

Diante desse posicionamento do STF, feitas as ressalvas acima, estamos caminhando para um cenário de maior segurança jurídica, permitindo a liberdade de contratação e com impacto fiscal mais vantajoso ao contribuinte, o que reforça a nossa opinião de que as empresas podem rever a formatação de suas contratações, passando a incluir como uma possibilidade a contração de profissionais que prestam serviços intelectuais via pessoa jurídica, reduzindo assim a carga tributária de ambos os lados da relação. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVARENGA, Kalina. Afinal, a pejotização das atividades intelectuais é válida ou não?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6934, 26 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98830. Acesso em: 18 abr. 2024.