VARA ESPECIALIZADA DE DEFESA DO CONSUMIDOR DA
COMARCA DE VITÓRIA DA CONQUISTA - BA
Proc. n.º. 142/99
O constituinte de 1988 fez inserir no texto da Carta Magna, no capítulo reservado aos direitos fundamentais do homem, em seu art. 5º, XXXII, o dever impostergável do Estado de promover a defesa do consumidor. Regulamentando esse dispositivo de ordem pública e interesse social, a lei complementar n.º. 8.078/90 adotou, como princípio, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, que tem por escopo equilibrar as relações jurídicas de consumo, a fim de que prevaleça a tão proclamada justiça e bem estar social - uns dos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito.
Aliás, esse mesmo constituinte elegeu como um dos fundamentos basilares da ordem econômica a defesa do consumidor (art. 170, inciso V, da Constituição Federal), com o objetivo de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
E justamente com o propósito de dar vida a estes princípios constitucionais, é que o Código Protecionista garante ao consumidor, entre outros, os seguintes direitos básicos: "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas" (art. 6º, V, do CDC).
Consciente disto, penso que, no caso em foco, o fato superveniente autorizador da revisão de cláusula contratual, consiste exatamente na elevação repentina do dólar americano, causando surpresa a todos os brasileiros que, confiantes na política econômica do Governo, certos de que a estabilidade de nossa moeda tratava-se de uma conquista imutável, viu-se perplexo, de uma hora para a outra, com a política cambial adotada, desvalorizando o real, num espaço de 15 (quinze) dias, em 60%, causando, assim, ônus insuportável aos consumidores que aderiram a contratos que previam a indexação das prestações pelo dólar norte-americano.
Faço registrar, que mesmo antes de se desencadear a atual crise econômica, este Juiz sempre considerou abusiva a atualização das prestações pelo dólar norte-americano, seguindo, sob este prisma, a seguinte orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:
"ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING DE VEÍCULO AUTOMOTOR.
FABRICADO NO BRASIL. CLAUSULA CONTRATUAL CONFERINDO AO CREDOR MANDATO PARA EMISSÃO DE
TÍTULO CAMBIAL CONTRA O PRÓPRIO DEVEDOR-MANDANTE. CLÁUSULA DE REAJUSTE DO DÉBITO PELA
PARIDADE COM O DOLAR NORTE-AMERICANO. JUROS E ENCARGOS - SUMULA 596 DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. INVALIDADE DE CLÁUSULA, EM CONTRATO DE ADESÃO, OUTORGANDO AMPLO MANDATO AO
CREDOR, OU A EMPRESA DO MESMO GRUPO FINANCEIRO, PARA EMITIR TÍTULO CAMBIÁRIO CONTRA O
PROPRIO DEVEDOR E MANDANTE. OFENSA AO ARTIGO 115 DO CODIGO CIVIL. CLÁUSULA, EM CONTRATO
DE ARRENDAMENTO MERCANTIL, DE REAJUSTAMENTO DA DIVIDA PELA PARIDADE COM MOEDA ESTRANGEIRA.
O ARTIGO 38 DA RESOLUÇÃO N. 980/84 DO BANCO CENTRAL EXTRAVASA O PERMISSIVO DO INCISO V
DO ARTIGO 2. DO DECRETO-LEI N. 857/69, CONTRARIANDO, ASSIM, O DISPOSTO NO ARTIGO 1. DO
ALUDIDO DECRETO-LEI, QUE VEDA A ESTIPULAÇÃO, EM CONTRATOS EXEQUÍVEIS NO BRASIL, DE
PAGAMENTO EM MOEDA ESTRANGEIRA, A TANTO EQUIVALENDO CALCULAR A DÍVIDA COM INDEXAÇÃO AO
DOLAR, E NÃO AO ÍNDICE OFICIAL PREVISTO NA LEI N. 6423/77. JUROS E ENCARGOS. INCIDÊNCIA
DA SUMULA 596 DO PRETORIO EXCELSO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE, E NESTA PARTE
PROVIDO"
(RESP 1641/RJ - Relator Ministro ATHOS CARNEIRO - Data da Decisão 18/12/1990 -
Órgão Julgador STJ - QUARTA TURMA).
"CONTRATO DE COMPRA E VENDA, COM PREÇO FIXADO E INDEXADO
EM DÓLARES, PARA PAGAMENTO EM CRUZEIROS. NULIDADE DA CLÁUSULA. DECRETO-LEI 857/69.
É TAXATIVAMENTE VEDADA A ESTIPULAÇÃO, EM CONTRATOS
EXEQUÍVEIS NO BRASIL, DE PAGAMENTO EM MOEDA ESTRANGEIRA, A TANTO EQUIVALENDO CALCULAR A
DÍVIDA COM INDEXAÇÃO AO DOLAR NORTE-AMERICANO, E NÃO A ÍNDICE OFICIAL OU OFICIOSO DE
CORREÇÃO MONETARIA, LÍCITO SEGUNDO AS LEIS NACIONAIS. AÇÃO DE COBRANÇA DA VARIAÇÃO
CAMBIAL, PROPOSTA PELA VENDEDORA. NULIDADE DE PLENO DIREITO DA CLAUSULA OFENSIVA À NORMA
IMPERATIVA E DE ORDEM PUBLICA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO"
(RESP 23707/MG - Data da Decisão 22/06/1993 Órgão Julgador STJ - QUARTA
TURMA - Relator Ministro ATHOS CARNEIRO - Decisão por unanimidade, conhecer do recurso e
dar-lhe provimento)
Diante deste quadro, reconheço, sem vacilar, a relevância do fundamento da demanda e o justo temor de danos irreparáveis ou de difícil reparação, caso a medida almejada não seja imediatamente concedida.
Isto posto, compreendo demonstrados os pressupostos específicos da tutela liminarmente perseguida (§ 3º do art. 84 do CDC), e, em conseqüência, determino que a empresa requerida se abstenha de exigir o dólar como índice de reajuste das prestações, passando a aceitar a atualização pela correção monetária, adotando-se como indexador o INPC, sob pena de multa diária no valor de R$ 50,00 (cinqüenta reais), (ver art. 84, § 4º do Código de Defesa do Consumidor), além de incorrer seus representantes em crime de desobediência, tipificado no art. 330 do Código Penal.
Cite-se o réu para contestar no prazo de 15 (quinze) dias, com as advertências de Lei, dando-lhe ciência, ainda, da liminar ora concedida.
Vitória da Conquista, BAHIA, 09 de fevereiro de 1999.
Sérgio
Murilo Nápoli Lamêgo
JUIZ DE DIREITO