ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
VIGÉSIMA OITAVA VARA CÍVEL
Processo 96.001.109717-1
S E N T E N Ç A
VISTOS ETC...
LONDRELAR EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA propôs a presente ação, de rito ordinário, em face de MARCLEIDE DA SILVA CORREA, pedindo a redução do preço de venda do apartamento 102 do Edifício situado na Rua General Ribeiro da Costa 56, de R$ 56.000,00 para R$ 40.000,00, ou a rescisão do contrato de promessa de compra-e-venda do mesmo imóvel ajustado entre as partes com a condenação da ré na devolução, em dobro, da quantia recebida a título de sinal e princípio de pagamento, acrescida de juros e correção monetária.
Sustenta a autora que firmou com a ré em 24/08/96 contrato de promessa de compra-e-venda do apartamento 102 do edifício situado na Rua General Ribeiro da Costa 56 (RJ), com a correspondente fração de 1/56 do terreno e 1/56 da garagem para a guarda de um carro, pagando R$ 10.000,00 de sinal e obrigando-se a pagar o saldo de R$ 46.000,00 quando da assinatura do instrumento de compra-e-venda.
Quer a autora a revisão ou rescisão do contrato, alegando que a promitente vendedora se comprometeu a vender-lhe o apartamento com vaga na garagem, sendo a garagem entretanto parte comum, sujeita a restrições em seu uso.
Custas recolhidas conforme guias de fls. 09/11.
Inicial instruída com mandatos e documentos (fls. 12/40).
Citada, a ré ofereceu resposta (fls.45/49), impugnando, de início, os documentos exibidos pela autora e requerendo a denunciação da lide ao condomínio do edifício Itapeba e, no mérito, o reconhecimento da improcedência dos pedidos, eis que foi a própria autora quem elaborou o instrumento particular de compromisso de compra-e-venda, impondo suas condições, não lhe cabendo agora modificá-lo. Disse mais que se comprometeu a transmitir à autora o direito que possuia: o domínio sobre o apartamento 102 do efidício situado na rua General Ribeiro da Costa, 56 e a correspondente fração de 1/56 do terreno e 1/56 da garagem para a guarda de um carro, direito este constante do registro imobiliário, cuja a documentação teve a autora a oportunidade de examinar antes do compromisso. Disse ainda que a autora se vale dos argumentos apresentados para não cumprir o contrato, o que levou a notificá-la para pagar o saldo do preço. Termina pedindo a ré a invalidação do mesmo compromisso, com perda do sinal dado pela autora, e a condenação desta ao pagamento dos honorários de seu advogado, bem como dos encargos e tributos incidentes sobre a coisa compromissada.
A contestação veio instruída com mandato e documentos de fls. 50/54.
Réplica às fls. 56/57.
Às fls. 66, despacho saneador irrecorrido, deferindo provas, nomeando perito o engenheiro CARLOS HENRIQUE SANT’ANNA e designando AIJ.
AIJ frustrada às fls. 85, porque constatada a falta da realização da perícia técnica.
Laudo pericial às fls. 87/123, concluindo pela existência de restrição ao uso da vaga de garagem, que é atualmente de 22 veículos, inferior ao número de apartamentos do prédio e que o preço de venda da referida vaga assume valores entre R$ 13.000,00 e R$ 14.000,00.
Às fls. 139 admitiu meu antecessor a denunciação da lide ao CONDOMÍNIO DO EDIFÏCIO ITAPEVA, havendo este apresentado contestação às fls. 148 requerendo sua exclusão do feito, uma vez que a denunciante-ré tinha conhecimento quando adquiriu o imóvel que o regulamento interno da garagem previa, como ainda prevê, o sistema de rodízio para o uso da garagem do edifício, fato que não mereceu a atenção da ré-denunciante pela circunstância de seus pais, que no prédio residiram, não possuirem automóvel
Sobre a contestação do condomínio não se pronunciou a ré.
A AIJ se deu consoante termo de fls. 161
É O RELATÓRIO DO NECESSÁRIO. DECIDO.
Rejeito, desde logo, a preliminar de cerceamento de defesa, pela falta de autenticação dos documentos exibidos com a inicial, por não ter sido o conteúdo dos mesmos contestado pela ré em sua resposta.
No mérito, a questão há de ser resolvida à luz do Direito em vigor ao tempo da construção do prédio, ocasião em que ficou definida a situação jurídica da garagem do edifício a ser construído.
O prédio, do qual faz parte a unidade autônoma compromissada, foi edificado no início da década de 50, quando vigia o Decreto 5481/28. Por esse Estatuto, as garagens existentes nos edifícios de apartamentos eram consideradas coisa comum, inalienável e indivisível do domínio de todos os condôminos.
Rezava o art. 2º que constituía coisa comum o terreno em que se assentem o edifício e suas instalações e o que lhe sirva de qualquer dependência de fim proveitoso e uso comum dos condôminos ou ocupantes, não se preocupando em enumerar cada uma delas.
Assim, à falta de qualquer estipulação em contrário, na convenção do condomínio, as garagens dos edifícios de apartamentos eram consideradas coisas de uso comum, e, como coisa comum, todos tinham, e têm, o direito de usá-la.
Com o decorrer dos anos e o desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil, a garagem passou a ser objeto de disputa entre os condôminos, nos prédios em que o espaço a ela destinado não comportava determinado número de veículos correspondente ao número de unidades autônomas.
A solução encontrada residiu em atribuir, nas divisões e especificações de condomínio, o direito de uso da garagem a alguns condôminos, destinando-os uma fração ideal maior no terreno do edifício, surgindo a garagem ora como acessório dos apartamentos, ora como direito autônomo.
Na espécie, mais que a solução legal, a escritura de convenção e discriminação das partes comuns do edifício em que se situa a unidade compromissada, lavrada em 21/12/50 nas notas do 5º Ofício desta Cidade, no livro 1199, às fls. 79v, e averbada em 21/07/51 no assento de nº 28331, do livro 3-AZ, fls. 225, do Registro Imobiliário desta Comarca (fls. 33/34), considerou a garagem coisa comum.
E, a que tudo indica, desta forma o fez porque nela não havia espaço suficiente para a guarda de veículos de todos os condôminos, daí constar dos assentamentos registrais de cada unidade autônoma do prédio a fração ideal de 1/56 da garagem, que se destina à guarda de carro apenas.
A fração ideal de 1/56 é muito significativa, eis que representa a outorga de direito igual a todos os proprietários das unidades autônomas do prédio, situação a exigir disciplina própria por parte da assembléia geral dos condôminos, que não se omitiu.
Ao se comprometer transmitir a ré à autora os direitos relativos ao apartamento 102 do prédio situado na rua General Ribeiro da Costa 56, nada acresceu ou subtraiu, comprometeu-se a transmitir-lhe os direitos à coisa que possuía, os mesmos que por ato anterior adquiriu. E não podia ser de outra maneira até porque, se o fizesse, o Registrador recusaria proceder ao registro do ato.
No confronto entre o compromisso de compra-e-venda (fls. 17/18) e a matrícula do imóvel compromissado (fls.19), fácil é de se verificar o objeto do negócio imobiliário realizado entre as partes: "o apartamento 102 do edifício na Rua General Ribeiro da Costa 56, e correspondente fração de 1/56 do terreno e 1/56 da garagem para um carro".
Em direito de propriedade, o domínio ou os direitos a ele relativos que se transmite são os constantes do Registro Imobiliário, não cabendo ao adquirente, por mais desavisado que seja, alegar a inexatidão da coisa adquirida quando sua descrição coincide com a identificação constante dos assentamentos registrais, em face dos princípios que o informam: o da publicidade, que torna público o ato registrado; o da continuidade, pelo qual se entende que deve haver um encadeamento histórico sucessivo na transmissão dos direitos imobiliários; o da especialidade, que consiste em o sistema assentar invariavelmente na perfeita identificação do imóvel a ser registrado; o da disponibilidade, pelo que se verifica se o imóvel está em condições de ser alienado ou onerado, até porque ninguém pode transmitir mais do que tem, senão o que tem; o da eficácia, pelo qual o ato só produz efeito depois de registrado; o da fé pública, que dá força probante; e o da legalidade, pelo qual o registrador somente efetua o registro do título que a Lei prevê.
Improcedente, pois, a pretensão autoral.
Quanto ao pedido da ré, de desfazimento do negócio imobiliário com a perda do sinal dado, deixo de conhecê-lo por não ser a ação dúplice.
No que concerne à denunciação da lide, embora admitida, é ela incabível eis que entre as partes, denunciante e denunciado, não há direito de regresso (STF - RT 605/241; STF - RT 631/255; RSTJ 14/440, 67/441), e que, no entanto, prejudicada está em razão do reconhecimento da improcedência do pedido da autora.
POR ISSO, JULGO IMPROCEDENTE A PRETENSÃO AUTORAL E PREJUDICADA A DENUNCIAÇÃO, CONDENANDO A AUTORA AO PAGAMANETO DOS HONORÁRIOS DO ADVOGADO DO RÉU E A DENUCIANTE, DO ADVOGADO DO DENUNCIADO, QUE ARBITRO, EM AMBOS OS CASOS, EM 10% SOBRE O VALOR DA CAUSA.
CUSTAS EX LEGE.
P.R.I.
RIO DE JANEIRO, 11 DE JANEIRO DE 1999
ANDRÉ CÔRTES VIEIRA LOPES
Juiz de Direito