Proc. n.º. 13.268/98
SEBASTIÃO CORDEIRO DA FONSECA, qualificado às fls., 02, através de Advogados, devidamente constituídos, ingressou, neste juízo, com a presente AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE contra o MST (Movimento dos Sem-Terra), representado por JOSÉ CARLOS DA SILVA, RIVELINO FERNANDO DA SILVA, EDILENE DE SOUZA SILVA e RAUL DE TAL, com fundamento no art. 507 e seguintes do Código Civil, combinados com o art. 926, do Código de Processo Civil.
Diz a inicial, em resumo, que o autor é proprietário do imóvel rural denominado FAZENDA SANTA FÉ, adquirido através de compra à Sociedade Agropecuária e Industrial Santa Fé e ao espólio de João Evangelista Tude de Melo, com cerca de 750 hectares, utilizando-o para a criação de rebanho de gado (leiteiro e de corte), de caprinos e ovinos, além de galinha e frangos para abate em escala comercial, mas que teve sua posse turbada por cerca de trinta pessoas do MST, há cerca de 01(um) mês..
Adiantou que os turbadores invadiram área nobre do imóvel, destinada ao cultivo de cereais, inclusive já se encontrando, tal parte, pronta para o plantio.
Juntou documentos comprobatórios da propriedade do imóvel e várias ilustrações fotográficas de rebanhos de gado bovino, ovinos, caprinos, aviários, prédios, plantios e prédios, além do acampamento dos turbadores.
Requereu a concessão de medida liminar de manutenção de posse, independentemente de audiência de justificação prévia, além de julgamento procedente do pedido, ao final.
Recebida a inicial, resolvi designar audiência prévia de justificação da posse, oportunidade em que determinei a citação dos réus, bem assim como a intimação do autor, seus Advogados, do representante do M. Público e cientifiquei a Presidência do Tribunal de Justiça e o Ministro da Reforma Agrária.
Conforme consta da certidão de fls., 38, apenas um dos réus foi citado, já que os outros não se encontravam no local.
No dia designado para audiência, comparecerem apenas o autor e seus Advogados.
Na audiência, foram tomadas as declarações do autor, bem como o depoimento de três testemunhas, as quais foram unanimes em afirmarem que o autor é o legítimo proprietário do imóvel, mas que teve sua posse turbada, recentemente, por integrantes do MST.
Em parecer de fls., 43, o representante do M. Público opinou favoravelmente ao pedido do autor.
É inegável o caráter social do MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA - MST e, por esse aspecto, os poderes constituídos não podem ignorarem esse fato e suas repercussões, inclusive no âmbito internacional.
O Poder Judiciário, e principalmente o Poder Executivo da União, vem sofrendo grandes críticas pela maneira como tratam essa questão.
Não cabe a um magistrado manifestar-se sobre a política do Governo Federal para a reforma agrária.
Quanto ao Judiciário, posso afirmar que tem enfrentado esse problema com grandes dificuldades ante o frágil equilíbrio existente entre o direito de propriedade e sua função social, pois, a Constituição Federal trata logo de definir a propriedade como uma das garantias fundamentais, porém determina que esta terá de cumprir sua função social.
Decisões judiciais, em processos dessa natureza, somente ganham as manchetes dos jornais quando se instala o tumulto, mas a finalidade da tutela jurisdicional é fazer com o que "os conflitos sejam decididos com o mínimo de perturbação social" e é exatamente o que pretendo fazer neste processo, daí as cautelas que venho tomando.
MARIA HELENA DINIZ, em sua excelente obra intitulada "LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL INTERPRETADA" (Ed. Saraiva, 3.ª. ed., 1997), afirma com a pertinência de sempre que "uma vez nascida, a lei ingressa na ordem jurídica nela articulando-se ou harmonizando-se. A norma já elaborada se adapta, se desenvolve, se amplia e se restringe por sua própria força. Emílio Betti pondera, a respeito, que a norma não se confina em sua formulação primitiva. Devido ao seu valor atual acompanha as circunstâncias mutáveis da vida social presente a cujo serviço ela sempre se encontra. Se a norma existe a serviço da sociedade, está na sociedade e na vida social presente, que não é igual à vida social do passado; e, se foi promulgada no passado, ela evolui, transfunde-se em elemento da vida social presente a fim de melhor servir às exigências sociais dentro da realidade atual".
As palavras da insigne civilista aqui são lembradas, porque entendo que as normas que tratam sobre a propriedade não podem mais ser vista pelo Judiciário de forma conservadora, inclusive por disposição constitucional. Por outro lado, é inquestionável o problema da reforma agrária no país, bem assim como a legitimidade política do MST, o qual, inclusive, solapou espaço político das agremiações partidárias, por várias razões que não cabem ser aqui apontadas.
Pois bem, o direito, a norma evoluem. E sendo assim, é possível algum magistrado admitir como protegida pelo direito as atividades dos integrantes do MST em regiões marcadas por conflitos agrários ou acerca de imóveis que estão em processo de desapropriação pelo INCRA ou até mesmo quando, independentemente dessas circunstâncias, fique comprovada a improdutividade e o conseqüente desvio da função social que tira a legitimidade da propriedade e seus efeitos legais.
No caso em particular, vale realçar que a área em litígio não é reconhecida como de conflito agrário, bem assim como não há registro de que o imóvel tenha sido objeto de qualquer projeto de desapropriação. Por outro lado, o conjunto probatório dos autos afasta, ao menos de forma preliminar, a hipótese da improdutividade e desvio da função social daquela propriedade.
Invoco os versos de LUIZ DE CAMÕES, que são adequados para mensurar-se a extensão atual dos efeitos do direito de propriedade:
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança,
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades".
Mas, considerando, que a posse foi justificada e, os réus sequer deram-se ao trabalho de comparecerem à audiência prévia de justificação, além dos fundamentos já expostos, defiro a liminar requerida, determinando a desocupação da área ocupada pelos réus e seus seguidores dentro do prazo de 10 (dez) dias, com fundamento no art. 5.º., inc. XXXV, da Constituição Federal, combinado com o disposto no art. 926, do Código de Processo Civil.
Expeça-se mandado de manutenção e desocupação, o qual deve ser cumprido com as cautelas que o caso exige, inclusive intimando-se o douto representante do Ministério Público para acompanhar seu cumprimento.
Intimem-se as partes e, inclusive, dê-se ciência dessa decisão aos Exm.ºs. Srs. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Ministro da Reforma Agrária e à coordenação nacional do MST.
Brejo da Madre de Deus, 24 de abril de 1998.
Juiz de Direito