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TJ volta atrás e declina da competência para julgar vereador (caso Donizetti)

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Exceção de incompetência: após decidir em contrário ao acolher a denúncia, o TJ-PI se considera incompetente para julgar vereador.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ
2ª CÂMARA ESPECIALIZADA CRIMINAL

          DENÚNCIA (EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ) Nº 98.001325-9 - TERESINA(PI)

          EXCIPIENTE: O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ

          EXCEPTO: DJALMA DA COSTA E SILVA FILHO
(Advogados: Hélio Miranda e outros)

          RELATOR: DES. RAIMUNDO NONATO DA COSTA ALENCAR


EMENTA

          PROCESSUAL PENAL - HOMICÍDIO DOLOSO - EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA - VEREADOR - PRERROGATIVA DE FUNÇÃO - TRIBUNAL POPULAR DO JÚRI - COMPETÊNCIA DO JUÍZO NATURAL.

          I - Não obstante tenha oferecido a denúncia, pode o Ministério Público, no curso da ação e a teor do art. 109, do Cód. de Proc. Penal, em reconhecendo a incompetência do Juízo, oferecer a declinatoria fori, por se tratar de incompetência absoluta, matéria de ordem pública. Via de conseqüência, não há que se falar em impossibilidade do Parquet suscitar a exceptio e muito menos em preclusão, face a eventual perda de prazo. Preliminares rejeitadas.

          II - Se o acusado da prática de crime doloso contra a vida goza de foro privilegiado, por prerrogativa de função, estabelecido na Constituição Federal, a competência para processá-lo e julgá-lo, originariamente, será desse foro especial e não do Júri, eis que a própria Lei Maior o excepciona.

          III - Entrementes, se o privilégio de foro é outorgado por Constituição Estadual, por lei processual ou de organização judiciária, a competência para processar e julgar aquele a quem se imputa crime doloso contra a vida será do Tribunal do Júri, de uma vez que tais preceitos jurídicos não podem excluir a competência instituída pela Carta Magna. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

          IV - Exceção de incompetência acolhida, a fim de determinar a imediata remessa da ação penal correspondente para o Tribunal Popular do Júri, juízo natural do excepto.


ACÓRDÃO

          Acordam os Exmºs. Srs. Desembargadores do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, em Sessão Plenária, por votação unânime, em rejeitar as preliminares levantadas pelo excepto; e, no mérito, por maioria de votos, vencido o Exmº. Sr. Des. José Soares de Albuquerque, em conhecer da exceção e lhe dar provimento, a fim de determinar a imediata remessa da ação penal para o Tribunal Popular do Júri, de acordo com o pedido da Procuradoria-Geral de Justiça.


RELATÓRIO

          O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ, por seu representante legal, o SR. PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA, veio de apresentar a presente EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA, a fim de retirar deste colendo Tribunal de Justiça e levar para o Tribunal Popular do Júri desta Comarca a AÇÃO PENAL que ele próprio aqui intentou contra o vereador DJALMA DA COSTA E SILVA FILHO, denunciado-o, juntamente com outros réus, pelos crimes previstos nos arts. 121, § 2º, incs. I, II, III e IV; 288 e 29, do Código Penal Brasileiro, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs. 8.072/90 e 8.930/94, c/c o art. 5º, inc. XLIII, da Constituição Federal de 1988, praticados contra o jornalista DONIZETTI ADALTO DOS SANTOS.

          Alega, essencialmente, que o juízo competente para processar e julgar o excepto é o do Júri Popular, dada a natureza do crime imputado, deixando transparecer que, na espécie, não prevaleceria o comando ínsito na Carta Piauiense que outorga aos vereadores deste Estado o privilégio de foro, em razão do cargo, quando acusados de crimes comuns e de responsabilidade.

          Embasa a exceção, outrossim, em decisão plenária e unânime do Supremo Tribunal Federal, datada de outubro último, através da qual esse Excelso Pretório, apreciando o Habeas Corpus n° 78.168, oriundo do Estado da Paraíba, anulou o acórdão e o processo-crime a que respondeu um procurador daquela Unidade da Federação "por entender inaplicável aos crimes dolosos contra a vida, atribuídos a Procurador do Estado, a regra inscrita no art. 136, inciso XII da Constituição do Estado". Acha, portanto, que há perfeita semelhança entre o caso versado na mencionada decisão e o do edil piauiense acusado, de uma vez que o privilégio de foro concedido a ambos provém de Constituições Estaduais.

          Faz ainda, para acentuar a similitude alegada, uma síntese do caso paradigma e dá especial ênfase à opinião doutrinária de JÚLIO FABBRINI MIRABETE sobre a matéria, baseada, por sinal, em outro julgado do Supremo Tribunal Federal, dessa mesma opinião transcrevendo o seguinte trecho:

          "Gozando o autor de crime doloso contra a vida de foro por prerrogativa de função estabelecido na Constituição Federal, a competência para processá-lo e julgá-lo será deste foro especial e não do Júri, já que a própria Carta Magna estabelece a exceção à competência do Tribunal Popular. Entretanto, se o foro especial for estabelecido pela Constituição Estadual, por lei processual ou de organização judiciária, o autor de crime doloso contra vida deve ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, uma vez que tais preceitos jurídicos não podem excluir a competência instituída pela Carta Magna. Prevalece a competência do Tribunal do Júri na órbita estadual"

          (STF: RTJ 14/63, 66/818, 67/579)

          Por fim, não sem antes acrescentar que se cuida de incompetência absoluta, cuja argüição, portanto, pode ser feita a qualquer tempo, clamou pela procedência do incidente e pela conseqüente remessa dos autos da ação penal respectiva para a 1ª Vara Criminal desta Comarca de Teresina, privativa do Tribunal do Júri.

          Recebida e processada a exceção, foi o excepto intimado para sobre ela manifestar-se no prazo de 10 dias, ex vi do disposto nos arts. 108 e segs., do Cód. de Proc. Penal, c/c o art. 299 (caput), do Regimento Interno desta Casa.

          Respondendo-a, diz o excepto, inicialmente, que o Ministério Público, em tendo proposto a ação penal, não poderia, à falta de previsão legal, suscitar a incompetência do destinatário de sua própria denúncia, a menos que se queira uma legitimação esdrúxula da má-fé (sic). Aduz, em seguida, que a exceção seria prerrogativa exclusiva do acusado, tanto que só pode ser levantada no tríduo estipulado para a defesa prévia.

          Numa segunda análise, assevera que, além de ser absurda a exceção intentada, o excipiente precluíra do direito de suscitá-la, ainda que se lhe desse prazo em dobro para tanto, numa inaceitável confusão entre Direito Processual Civil e Processual Penal.

          Adentrando ao mérito do incidente, assevera, em resumo, que o art. 125, caput e § 1° , da Constituição Federal, esgotaria a matéria, na medida em que determina que a competência dos tribunais será definida nas constituições estaduais e manda que os estados organizem as suas justiças, observando os princípios que estabelece. Acresce, ainda, que em face disso não feriria princípios constitucionais o privilégio de foro dado ao vereador pela Constituição do Piauí.

          Acentuando, mais, que a situação do vereador não pode ser comparada com a de procurador de estado, devendo, sim, ser considerada similar à dos membros do legislativo, como seqüência lógica do que ocorre na área federal, onde os parlamentares são destinados a julgamento pelos colegiados de segundo grau ou pela mais alta Corte de Justiça do país, pediu, finalmente, para que a exceção fosse rejeitada.

          Registro, por oportuno, que o nobre advogado signatário da resposta do excepto reclamou a providência de se comunicar ao Exm°. Sr. Min. Néri da Silveira, relator do habeas corpus de que proveio a decisão do Supremo Tribunal Federal que também embasa a presente exceção, para que ali fosse instaurada sindicância destinada a saber quem a fornecera antes de sua publicação. Quis ver nisso alguma falta ou irregularidade funcional, capaz de enredar administrativamente eventual responsável.

          Não pensando assim, não o atendi. Com efeito, nada de mais há em se divulgar uma decisão judicial, pouco importando se antes ou depois de oficialmente publicada, até mesmo porque, à luz do inc. IX, do art. 93, da Carta Magna, todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão obrigatoriamente públicos. Ademais, não me pareceu ser incumbência desta relatoria adotar a providência sugerida.

          É o relatório, substanciado.


VOTO

1-DAS PRELIMINARES SUSCITADAS PELO EXCEPTO

          1.1-Da impossibilidade da argüição da exceção pelo Ministério Público

          1.2 -Da preclusão da declinatoria fori

          Numa primeira análise, alegou o excepto, em sua resposta, que o Ministério Público, por ausência de previsão legal, não pode argüir a exceção sub exame, a menos que se queira incorrer no absurdo de aceitar que o denunciante possa levantar a incompetência daquele que fora o destinatário da peça denunciatória. Numa segunda, asseverou que, se aceito o que considera absurdo, ainda assim o incidente não deve prosperar porque ocorrera o fenômeno da preclusão, eis que a exceção, matéria de defesa, foi, ao seu sentir, apresentada intempestivamente, isto é, depois do tríduo reservado para a defesa prévia.

          Os dois argumentos, porém, não procedem, como logo restará exaustivamente demonstrado.

          Com efeito, a possibilidade do Ministério Público argüir a exceção de incompetência do juízo perante o qual anteriormente ofereceu denúncia é, hoje, matéria pacificada, tanto doutrinária quanto jurisprudencialmente. Por sinal, os nossos principais processualistas penais, como Fernando da Costa Tourinho Filho, E. Magalhães Noronha, Júlio Fabbrini Mirabete e Hélio Tornaghi, admitem que o Parquet suscite a declinatoria fori sem qualquer restrição.

          Destaca-se dentre esses autores Júlio Fabbrini Mirabete, que praticamente esgota o tema em sua obra "Processo Penal", 7ª ed. rev. e atualizada, Atlas, São Paulo - 1997, ao prelecionar que:

          "A questão da competência é de ordem pública... (omissis). Se o juiz não se reconhecer incompetente para o feito, cabe a exceção de incompetência de juízo, prevista no artigo 95, II" (omissis). Referindo-se o Código ao prazo de "defesa" (art. 108, caput) e à oitiva do "Ministério Público" (art. 108, § 1°), poder-se-ia entender que somente o acusado pode propor a exceção de incompetência. Entretanto, é pacífico na doutrina que, a despeito da denúncia oferecida, pode o Ministério Público ao reconhecer no curso do processo a incompetência do Juízo, oferecer a declinatoria fori. A menção no art. 109 à ‘parte’ e mesmo a posição do órgão do Ministério Público como fiscal da lei não podem conduzir a outra solução, máxime quando se trata de incompetência absoluta".

          Lembra esse mestre na citada obra, é verdade, que "... já se decidiu, sem razão, que, firmada a competência pelo recebimento da denúncia, deve essa competência prevalecer até a sentença (RT 545/342)."

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          Contudo, ninguém mais discute que a competência penal é de ordem pública, o que a torna alegável em qualquer instância, por qualquer juiz e também pelas partes, como comenta Eduardo Espínola Filho:

          "Destarte, ao ser oferecida uma queixa ou denúncia, e, mesmo no curso da ação penal, deve ser preocupação constante do juiz verificar se é competente o seu juízo, e, se entender que não o é, não precisará de alegação de alguma das partes, para, em qualquer fase do processo, declarar nos autos essa incompetência, remetendo-os ao juízo competente, no seu entender".

          (apud, Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, vol. 1, 5ª ed. - Ed. Editora Rio, 1976).

          E. Magalhães Noronha, por sua vez, é ainda mais preciso sobre o tema ao asseverar que:

          "O Código fala em prazo de defesa e audiência do Ministério Público, dando assim a entender que somente o acusado pode opor a declinatoria fori. Não vemos, entretanto, porque aquele, a despeito da denúncia oferecida, reconhecendo mais tarde a incompetência do juízo, não possa opô-la, cruzando os braços, ele que promove e fiscaliza a execução da lei, consoante o art. 257. Tenha-se em vista ainda que, no art. 109, o Código refere-se à parte, que compreende tanto o acusado como o acusador. Cremos que o ditado no art. 108 e seu § 1° teve apenas em vista a regra, que será a da oposição pelo acusado"

          (apud, Curso de Direito Processual Penal, 20ª ed., atualizada por Alberto José Q. T. de Camargo Aranha - Saraiva, São Paulo, 1990)

          Outro não é o magistério de Fernando da Costa Tourinho Filho:

          "Se o órgão do Ministério Público ofereceu denúncia perante um juízo, é porque o entendeu competente para conhecer da espécie. Logo não seria concebível pudesse a parte acusadora suscitar a declinatoria fori. Contudo admite-se possa o órgão do Ministério Público opor a exceptio. O órgão do Ministério Público, no Processo Penal, funciona ora como parte instrumental, ora como custos legis, ora exerce ambas as funções simultaneamente. É na qualidade de fiscal da lei que o órgão do Ministério Público pode opor a exceptio. Expresso, a respeito, o art. 146 do CPPM. Outros não são os ensinamentos de Tornaghi e Ary Franco."

          (in, Processo Penal, 16 ed. rev. e atual., v. 2, São Paulo, Saraiva, 1994)

          De sua parte, Hélio Tornaghi esclarece que:

          "De acordo com o art. 257 do Código de Processo Penal, o Ministério Público tem função fiscalizadora. Por isso, a lei manda seja ele ouvido sobre a argüição de incompetência (art. 108, § 1° ). Não é de supor que lhe haja dado a faculdade de falar como parte, pois nesse caso deveria mandar ouvir o acusado quando o excipiente fosse o Ministério Público. A menos que tenha esquecido de que também esse pode alegar a incompetência do juízo ..."

          (apud, Curso de processo penal, 10ª ed. atual., Saraiva - São Paulo, 1997)

          De outro lado, se é inquestionável que a incompetência deve ser alegada no tríduo para a defesa prévia, menos inquestionável não o é que esse prazo é preclusivo apenas em se tratando de incompetência relativa, como, v. g., a incompetência ratione loci. A incompetência absoluta - como a que pertine com a prevalência dos crimes de competência do júri e das justiças especiais - pode ser levantada a qualquer tempo, até mesmo por pedido de habeas corpus, como já se decidiu (STF: RT 532/439).

          Tenho, pois, mediante o exposto, que o Ministério Público Estadual não só podia como devia suscitar o incidente, por cuidar-se, na espécie, de incompetência absoluta, sendo irrelevante o fato de ter sido ele o autor da denúncia. Matéria de ordem pública, não vejo, outrossim, porque cogitar de preclusão, como deseja o excepto.

          De mais a mais e ad argumentandum tantum, mesmo que faltasse legitimidade ao Parquet para suscitar o incidente ou que, se não faltasse, tivesse ocorrido a preclusão, nada impediria que o levantasse ex officio qualquer um dos integrantes desta e. Corte de Justiça, inclusive este relator.

          Realmente, prevalecendo em casos que tais, como prevalece, o interesse público, o órgão jurisdicional, singular ou coletivo, tem o poder-dever de velar pela observância da regra legal da determinação da competência. Não deve reconhecer lídimos nessas hipóteses, porque não o são, os interesses das partes e a possibilidade de que eles influam na disciplina da matéria. Deve o julgador, sim, agir independentemente da atitude de qualquer uma delas, declarando sua própria incompetência de ofício, sem levar em conta a vontade manifestada pelo autor e tampouco aguardando a manifestação do réu.

          Posto que o Ministério Público não só podia como devia propor a exceção e que desse direito-dever não precluiu, é de se ver, doravante, apenas se a declinatoria fori procede quanto ao fundamento que a sustenta.

2- DO MÉRITO DA EXCEÇÃO

          Não mais se discute, compete a este Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente, os vereadores dos municípios piauienses, nos crimes comuns e de responsabilidade. Vergou-se a Corte à decisão do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual a Constituição deste Estado, a teor do permissivo constante do art. 125, § 1º, da Constituição Federal, podia, sem incorrer no vício de inconstitucionalidade, estabelecer tal competência, como de fato o fez no seu art. 123, inc. III, alínea "d", item 4.

          Eis, na íntegra, a ementa do venerável decisum:

          HABEAS CORPUS. VEREADOR. JULGAMENTO. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA: TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMUNIDADE PARLAMENTAR. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ENTRE O EXERCÍCIO DO MANDATO NA CIRCUNSCRIÇÃO DO RESPECTIVO MUNICÍPIO E AS OPINIÕES E PALAVRAS DO VEREADOR. PRECEDENTES DO STF. ORDEM CONCEDIDA.

          I - A Constituição do Estado do Piauí - à vista do que lhe concede a Carta da República (art. 125-§1º) - é expressa no dizer que compete ao tribunal de justiça processar e julgar, originalmente, nos crimes comuns e de responsabilidade, os vereadores (art. 123-III-d - 4). Julgamento em primeira instância ofende a garantia do juiz competente (art. 5º-LIII). A decisão em grau de recurso não redime o vício.

          II - A prerrogativa constitucional da imunidade parlamentar em sentido material protege o congressista em todas as manifestações que tenham relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto da casa legislativa. Precedentes do STF. Presente o necessário nexo entre o exercício do mandato e a manifestação do vereador, há de preponderar a inviolabilidade constitucionalmente assegurada (art. 29 - VIII - da CF/88).

          Habeas Corpus concedido para trancar a ação penal a que responde a paciente.

          (Rel. Min. Francisco Rezek - Paciente: Francisca das Chagas Trindade - Coator: Tribunal de Justiça do Estado do Piauí)

          O cerne da presente exceção, porém, não reside exatamente nisso, e, sim, em se saber se, mesmo no crime doloso contra a vida praticado por vereador - crime também genericamente considerado comum -, a competência continua a ser do Tribunal de Justiça, ou se passa para o crivo do Tribunal Popular do Júri do local do delito.

          Afigura-se-me necessário dizer de logo que não resolve a questão e tampouco convence apenas argumentar que, por ter a Constituição Federal permitido que a Piauiense desse foro privilegiado aos edis, estaria, ao mesmo tempo permitindo, também, que eles fossem excluídos do julgamento pelo Júri, se praticassem delito da alçada desta instituição.

          Considere-se, antes e acima de tudo, que o privilégio de foro dos vereadores é outorgado por uma Constituição Estadual, ao passo que a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida pelo Tribunal do Júri é estabelecida na Constituição Federal. Logo, forçoso é concluir, fora do alcance do Júri estão somente os julgamentos daqueles agentes políticos ou públicos aos quais a Carta Magna outorgou foro privilegiado por crimes comuns e de responsabilidade, nos termos do art. o art. 102, inc. I, alíneas "b" e "c"; art. 105, inc. I, alínea "a"; art. 108, inc. I, alínea "a"; art. 96, inc. III; e art. 29, inc. X. Nunca o julgamento dos vereadores ou o de quem por esses dispositivos não esteja contemplado, a menos que se queira distinguir onde a Constituição não distingue, numa interpretação elástica e ilógica e que contrariaria os mais comezinhos princípios de hermenêutica.

          Tenha-se em conta, ainda, que até mesmo a exclusão do julgamento pelo Tribunal do Júri das pessoas que detêm privilégio de foro por força da Constituição Federal é contestada por muitos tratadistas, que não a acham legítima por uma questão ideológica. São os que entendem que, embora estejam as normas excludentes no mesmo patamar jurídico daquela que consagra o Júri, in casu, o art. 5º, inc. XXXVIII, esta última suplantaria as outras em importância, de uma vez que se encontra inserida no "Título dos Direitos e Garantias Fundamentais".

          Como se vê, se já não são pacificamente aceitos julgamentos excepcionados pela própria Constituição Federal, imagine um que se queira excepcionar apenas porque o agente político ganhou foro privilegiado numa Constituição Estadual. Constituição, diga-se de passagem, que é a única de todas as unidades federadas que achou de bom alvitre o julgamento do vice-prefeito e do vereador pelo Tribunal de Justiça, inclusive nos crimes comuns.

          Com razão, destarte, o Ministério Público ao propor a declinatoria fori. Realmente, é induvidoso que se o foro privilegiado advém de Constituição Estadual, o autor do crime doloso contra a vida há de se submeter a julgamento pelo Tribunal do Júri, de uma vez que o preceito idealizado pelo constituinte local não pode excluir competência estabelecida na Carta Federal. Calha à fiveleta, portanto, a lição de Júlio Fabbrini Mirabete, na qual, como já dito, também se supedanou o órgão excipiente e que volto a lembrar:

          "Gozando o autor de crime doloso contra a vida de foro por prerrogativa de função estabelecido na Constituição Federal, a competência para processá-lo e julgá-lo será deste foro especial e não do Júri, já que a própria Carta Magna estabelece a exceção à competência do Tribunal Popular. Entretanto, se o foro especial for estabelecido pela Constituição Estadual, por lei processual ou de organização judiciária, o autor de crime doloso contra vida deve ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, uma vez que tais preceitos jurídicos não podem excluir a competência instituída pela Carta Magna. Prevalece a competência do Tribunal do Júri na órbita estadual"

          (STF: RTJ 14/63, 66/818, 67/579)

          Foi certamente na esteira desse esclarecedor magistério, como também ressaltou o Parquet, que o Excelso Pretório anulou o acórdão e o processo penal relativos a um procurador de estado da Paraíba que, detendo foro privilegiado por força de Constituição Estadual e tendo praticado homicídio doloso, foi processado e julgado originariamente pelo Tribunal do seu Estado, quando o deveria ter sido pelo Tribunal do Júri de onde se deu o fato criminoso.

          Em outras palavras, entendeu o Supremo que é inaplicável aos crimes dolosos contra a vida atribuídos a procurador de estado a regra inscrita no art. 136, inc. XII, da Constituição Paraibana; ou seja, esse dispositivo não tem o condão de retirar do crivo do juízo natural o procurador daquele Estado que cometa crime doloso contra a vida.

          Mutatis Mutandis, é situação absolutamente semelhante à do ora excepto, como bem asseverado pelo órgão excipiente. A única diferença reside nos cargos exercidos por um e outro (procurador e vereador), o que, entretanto, não tem qualquer relevância. De fato, o que importa é a natureza e o conteúdo das normas que os privilegiam, ambas oriundas de cartas estaduais e totalmente semelhantes em suas finalidades, mas que esbarram em prescrição legal hierarquicamente superior.

          IPSO FACTO e em consonância com os arts. 95, inc. II, 108, caput e § 1°, e 109, todos do Digesto Processual Penal, VOTO pelo acolhimento desta DECLINATORIA FORI e, conseqüentemente, pela imediata remessa dos autos da AÇÃO PENAL correspondente para a 1ª Vara Criminal desta Comarca, privativa do Tribunal Popular do Júri, que é o juízo natural competente para processar e julgar o excepto - vereador DJALMA DA COSTA E SILVA FILHO.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ,. TJ volta atrás e declina da competência para julgar vereador (caso Donizetti). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16343. Acesso em: 22 dez. 2024.

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